A Rainha da Beleza escrita por Meewy Wu


Capítulo 31
XXX - A Rainha da Beleza




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/718603/chapter/31

Alicia! – Tina abriu a porta com um estrondo ao fazê-la bater na parede oposta, fechando os olhos ao som. Assustadas, eu e Alicia nos sentamos na cama olhando para ela que arfava, segurando no batente usando um avental cheio de alfinetes coloridos e bolsos com linhas e fitas saindo deles de tão cheios – Por favor, alguma de vocês me diga que sabem onde Isabel está!

—Ela está bem... – Alicia olhou sobre o ombro, para onde Isabel adormecerá na última noite – Bem, estava bem aqui da última vez que a vi.

Tina me lançou um olhar confuso, provavelmente achando tão improvável que Isabel quisesse passar um tempo comigo e Alicia justamente no dia antes de seu aniversário quanto eu mesma achara.

—Eu não preciso saber onde ela estava, preciso saber onde está – Tina estava quase histérica, andando de um lado para o outro – Ela disse que não passaria a medida da cintura até o dia da festa por que queria que estivesse perfeito. Eu preciso acabar a cintura, ou todo o vestido será arruinado e ela vai me odiar para sempre!

—Talvez ela esteja cavalgando – falei, me levantando e colocando um roupão quente antes de sentar na cama novamente, com Romeu pulando no meu colo – Ou dançando.

—Ou ela pode ter ido tomar café com Fox e a Rainha, é o que ela sempre faz no aniversário, não é? – perguntou Alicia, franzindo a testa, passando os olhos pelo quarto – Espere que horas são?

—É quase meio dia – Tina falou, com um olhar cansado – E ela não estava no café da manhã. Eu estava. Minha tia pediu para que nós nos juntássemos a ela no almoço, antes da votação, enquanto Fox almoça com os homens.

—Por um minuto eu esqueci isto – comentou Alicia, cansadamente – Parece simplesmente muito em apenas um dia.

—Foi o acordo deles, se lembra? – Tina deu os ombros, sentando-se na cadeira da minha penteadeira – O aniversário de Fox será em dois meses, Alicia. Essa decisão deveria ter sido feita há semanas, mas todos gostaram tanto da possibilidade de ter Isabel como rainha que aceitaram os termos dela.

—Quais eram os termos dela? – perguntei, brincando com Romeu e observando Tina contemplar a própria criação, provavelmente pensando naquela que ainda precisava terminar.

—Isabel não queria que nada tirasse as atenções do aniversário dela. Se fosse a escolhida por Fox, o anuncio seria feito no baile de aniversário – Alicia contou, pegando uma das minhas escovas no criado mudo e passando pelo cabelo – Se não fosse Fox anunciaria três dias depois.

—Mas a decisão deveria ser no dia do aniversário – Tina complementou, com um olhar de que achava tudo aquilo absurdo – Para não ter tempo o bastante de a notícia vazar para a imprensa e ofusca-la.

—Isso é tão absurdo que se fosse qualquer outra pessoa, eu não acreditaria – suspirei, olhando para a porta aberta do armário.

—Tina! – Annie chamou, se aproximando pelo corredor – Você sabe dizer onde Dylan está?

—Dylan? – Tina franziu a testa, confusa – Deve estar com Fox e todo o resto se preparando para o almoço que terão antes da reunião, não é mesmo?

Annie negou com a cabeça muito lentamente – Fox disse que não o viu o dia inteiro. Ele estava agindo de forma estranha, não quis aborrecê-lo justo hoje, mas não encontro ele em lugar nenhum.

—Com a decisão que pode ser feita hoje, não me surpreenderia se ele estiver... – Tina respirou fundo duas vezes, engolindo em seco antes de complementar – Bêbado.

—Se Dylan estivesse bêbado já saberíamos onde ele está – Alicia alertou, cuidadosamente – Não está com a irmã da Duquesa passeando pelo palácio?

Romeu pulou do meu colo, entrando embaixo da cama. O segui com os olhos, tentando entender os pedaços do que estava acontecendo.

—Eles fugiram – as palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse realmente pensar sobre elas, e de repente me peguei sorrindo para nenhuma delas em especial – Isabel. Dylan. Isabel e Dylan. Eles fugiram juntos.

Alicia abriu a boca, como se pretendesse contestar, mas eu podia ver as peças se encaixando na cabeça dela – Aqueles dois completos idiotas...

Tina tirou os cabelos que caiam no rosto para trás, arfando – Isso é um desastre! Como eu vou tirar as medidas agora?

—É com isso que você está preocupada? – Annie olhou para ela como se a prima tivesse enlouquecido – Eles fugiram. Justo hoje. O vestido é a última coisa a se preocupar Valenttina, porém você está certa em algo. Isso é um desastre!

Olhei de uma para outra, confusa – Pelo menos os dois se resolveram, isso é algo bom não é mesmo?

—Em qualquer outro dia, Bethany, mas Dylan não pode ter sumido – Annie exclamou, com os olhos arregalados – Precisamos do voto dele hoje. Não temos tempo, nem vontade devo dizer, de trazer James até aqui justo hoje.

—Certo, respirem – pediu Alicia – Vamos pensar em algo. Para onde eles iriam? O que faria os dois resolverem seus problemas a ponto de sumirem juntos? Isabel estava furiosa com Dylan até ontem à noite!

—Fico feliz se Isabel não estiver mais irritada ou Dylan triste, isso evita uma série de desastres – apontou Tina, muito devagar – Mas não todos os desastres. Deveríamos mandar uma equipe de buscas.

—Não – Alicia se levantou rapidamente, se aproximando de Tina – Os guardas estão exaustos e não temos ideias de onde eles estariam. Deixar o palácio inseguro em um dia como hoje seria estupidez.

—Estupidez é sair do palácio no estado em que Paris está neste momento – Tina exclamou, e depois enfiou o rosto nas mãos – Não temos mais energia para ficar preocupados com estes dois semana após semana.

—Esta é uma discussão inútil – falei, me levantando e abrindo a porta do armário – Eles sabem se cuidar. Dylan conhece como é lá fora. E talvez eles nem mesmo tenham saído de dentro de Paris, se não levaram guardas com eles... Isso seria muita tolice.

—Dylan tem vinte e um anos de tolices nas costas, Bethany – Annie apontou, e sorriu como se lembrasse de algo antes de completar – E Isabel está completando vinte e três destes hoje. Duvido que estejam na cidade. Duvido que tenham levado guardas. E sinceramente, duvido que sequer tenham contado a alguém onde está indo. O que precisamos é decidir sobre o conselho.

—Talvez ele tenha dito algo para Fox? – sugeri, pensando um pouco – Fox disse que não o viu o dia inteiro, certo? Ele não deveria estar preocupado sobre isso?

—Realmente – Tina olhou para mim muito interessada – Dylan é em quem Fox mais confia, e está é a decisão da vida dele. É estranho não se preocupar com o paradeiro de Dylan.

—Ainda mais com toda a preocupação dele nas últimas semanas – Annie complementou em tom de concordância – Ele estava paranoico até dias atrás, e pareceu nem se importar com Dylan ter sumido.

—Seria a obrigação de ele impedir Dylan de sair dos limites do palácio. Dylan saberia disso, ele só contaria para Fox se soubesse que Fox concordaria com seu motivo, ou se ele precisasse de... – Tina parecia consternada, e então travou. Todas paramos, com a expectativa de que ela terminasse, porém não falou mais nada, encarando Annie que parecia tão confusa quanto o resto de nós.

—Precisasse de que? – perguntei, quando mais ninguém parecia que iria fazê-lo.

—Se ele precisasse da permissão de Fox para algo – ela terminou muito devagar, quase como um sussurro – Algo importante o bastante que até mesmo Dylan se preocuparia em pedir permissão. Algo que poderia custar sua vida se não o fizesse. Entende?

—Céus – Annie arregalou os olhos – Não é possível...

—Do que vocês estão falando? – Alicia exigiu, mas elas seguiam se encarando.

—Eu preciso falar com Fox – Tina se levantou, mas Annie a segurou antes que passasse pela porta – O que você está fazendo?

—Preciso que fale com A Duquesa Rebecca, precisamos que ela assuma o lugar de Dylan – Annie avisou, olhando para o chão – Posso falar com Fox.

—A duquesa só vai aceitar se for você – Tina alertou, enquanto Annie a soltava – eu posso tentar, mas...

—Sabe o que ela vai pedir em troca, Valenttina – Annie engoliu em seco, irritada – A única maldita coisa em que ela e James concordavam, ainda que discordassem no final.

—O conselho sabe que há uma princesa e um duque, e sabe que nenhum deles quer a coroa – Tina suspirou frustrada – Se ela não estiver lá, todo o resultado fica comprometido. Precisamos do conselho inteiro Annie.

Eu e Alicia nos entreolhamos, assistindo os olhos de Annie se encherem de lágrimas – Certo. Eu vou fazer isso. Vou fazer isso por Fox.

—E eu vou tentar falar com ele antes que ele entre para o almoço – Tina assentiu, e assim que ela se foi Annie parou por um minuto, olhando para nós, mas quando Alicia deu um passo em direção a ela recebeu um sorriso forçado.

—O almoço será a uma – ela avisou, antes de sair tropeçando nos próprios pés.

Alicia olhou para mim, estreitando os olhos – entendeu o que está acontecendo?

—A Duquesa quer que Annie governe? – perguntei, e ela assentiu.

—James e Rebecca nunca foram apaixonados, mas eram ambiciosos e se casaram para alimentar essa ambição – Alicia falou, olhando para dentro do meu armário – Entre as diversas brigas deles, pessoais e governamentais, ambos concordavam que Fox seria um rei fraco. James queria que Dylan fosse apresentado como opção e Rebecca apontava para Annie.

—E o povo quer Tina – ela assentiu em aprovação. – Por quê?

Alicia deu os ombros, olhando o cabelo em uma das portas espelhadas do armário – Quem sabe? – ela tirou o suéter das minhas mãos – Você não vai usar isso!

—Por que não? – perguntei.

Ela sorriu – Por que eu vou, você... – ela ainda estava sorrindo quando estendeu uma mão para dentro do armário – Vai usar isso.

Ela segurou um vestido de lã vermelho escuro, de mangas longas, balançando em frente do meu rosto – Um vestido, Alicia?

—Com isto – ela pegou um casaco, e depois um par uma legging forrada – E isto.

Revirei os olhos – Quer fazer meu cabelo e maquiagem também?

—Vou deixar isso por sua conta, preciso ver se Livie e Nisha já sabem sobre este almoço – ela estalou o pescoço, saindo do quarto alegremente.

Suspirei, olhando para a roupa escolhida por Alicia e concluindo que por mim mesma eu não conseguiria decidia nada melhor do que aquilo, e estava perdendo tempo de banho ali observando o armário.

Não foram nem vinte minutos, mas quando sai do banho meu quarto já estava arrumado, a cama estendida e as roupas desamassadas sobre ela. Me vesti, agradecendo Alicia pela escolha quente e quando peguei a escova para desembaraçar o cabelo, percebi o bilhete no meu criado mudo.

"Me encontre perto da biblioteca. No quadro do Rei Frances, em dez minutos"

Não havia assinatura. Eu não sabia quanto tempo o bilhete havia sido deixado ali, então dez minutos bem poderiam já se ter passado, me fazendo sair com os cabelos encharcados da Casa das Musas, sendo cegada pela luz do dia ensolarado do outro lado das janelas que ladeavam o corredor. O retrato do rei havia sido restaurado e voltava a sua perfeição de sempre, olhos escuros que foram herdados pelos seus dois filhos.

—Bethany – olhei para o lado. Fox vinha da direção da biblioteca, com um livro na mão. – Me pergunto de qual temporal você acabou de sair.

—Vossa Alteza – reverenciei, sorrindo. – Achei que estaria ocupado. Tina disse que iria lhe procurar, para falar sobre Dylan.

—Eu imaginei que faria isso – ele sorriu – Me surpreende minha irmã não estar com ela.

—Ela precisava falar com a Duquesa Rebecca – de repente, senti que estava traindo Annie por contar aquilo, então mudei de assunto o mais rápido possível – Espere. Você sabe o que elas querem saber, não?

Ele sorriu. Não negou nem confirmou – É bom ver você antes da reunião começar.

Corei nervosa – Vou considerar isso como um indicio que não irá me contar.

—É justo deixar que eles contem a todos – ele deu os ombros, e então olhou para o chão – Acho que tem outra pergunta que deveria me fazer.

Engoli em seco – Não sei se estou pronta para perguntar – confessei – Não sei que resposta me assusta mais.

—Se eu tivesse que escolher com quem quero passar minha vida. Ou quem é a mulher mais linda que conheço. Ou quem é melhor para meu povo – ele segurou minhas mãos entre as deles – Seria você.

—Isso quer dizer... – franzi a testa, dando um passo para trás, minhas mãos desvinculando-se das dele - Não sou eu.

—Isso quer dizer que eu não fiz minha decisão Bethany – ele parecia me corrigir – Eu repeti a mim mesmo que deveria escolher você. Mas quando me perguntaram se eu havia feito minha escolha, eu disse que reunissem o conselho. Não consigo ter a coragem de força-la a viver o inferno que eu vivo.

—Inferno? – pisquei – Fox, sua vida é... É longe de ser um inferno.

—Não faz ideia de tudo que minha vida representa Bethany – ele me alertou, amargamente.

—Desde que Corippo pegou fogo, eu conheci muitas pessoas que poderiam dizer que viviam em um inferno Fox – avancei em direção a ele, com passos firmes – Pessoas condenadas a morrer. Condenadas a viver na miséria. Condenadas a viver vendo outros definharem. Condenadas a viver com toda uma história dolorosa nas costas. Condenadas a viver com o peso de cadáveres. E nenhuma delas podia fazer nada, nem por si mesma nem pelas outras – eu estava mais perto dele do que eu esperava – Você tem o poder de mudar o presente e o futuro. Você tem uma voz que é ouvida a cada palavra. Você tem uma assinatura que pode mudar a vida de milhares de pessoas em menos de um segundo. Você pode fazer a diferença, e isso não é o inferno.

—Você era uma dessas pessoas – ele concluiu os olhos cheios de dor.

—Eu era um pouco de cada uma delas – rebati, de repente me sentindo perto demais – E eu odiei cada dia que não pude fazer nada por mim ou por alguma delas.

—Você não sabe o preço de poder fazer algo, Bethany – ele tombou a cabeça para frente, deixando a testa bater de leve na minha.

—Eu não tenho medo disso – respondi, amaldiçoando minha respiração por me trair. Eu estava ofegante demais para falar qualquer outra coisa que tivesse vindo a minha cabeça quando abri os lábios, dando a Fox de encaixar os lábios dele nos meus.

O palácio desapareceu. Os corredores e as janelas e todas as centenas de pessoas dentro das mesmas paredes que nos cercavam desapareceram, e enquanto Fox e eu nos beijávamos, eu soube que haviam desaparecido para ele também. Ele me puxou pra perto de forma que foi impossível não perceber quando ele começou a me afastar.

Então eu lutei. Por que eu queria seguir o beijando, mas, além disso, por que eu queria evitar que os olhos dele confirmassem o que tantos livros haviam me ensinado sobre aquele momento. Aquele era um beijo de despedida.

Ele segurou minhas mãos, os olhos dele com um peso que trazia algo que despedaçou meu peito. Estávamos ali, nos braços um do outros segundos antes, mas Fox estava desistindo, e eu estava lutando sozinha.

—Talvez, mas daqui há dez ou vinte anos quando essa vida tiver matado a luz em você – ele apertou minhas mãos com mais força – É a mim que vou odiar por isso.

Ele se afastou. Senti as lágrimas quentes escorrendo pelo meu rosto, talvez aquilo fosse ainda pior do que se ele apenas não houvesse me escolhido. Ele não escolherá. Ele entregaria sua decisão na mão de dezenas de pessoas em uma sala por não acreditar em si mesmo – que poderia ser o bastante para me fazer feliz. Que não seria capaz de escolher a pessoa certa para sua nação.

Eu não me importava em ser aquela pessoa, mas eu não podia pensar de pensar em Francesca. Que se eu fosse Rainha, eu lutaria para que não houvesse mais pessoas como ela. E Fox, com todos seus cálculos, e planos, e ideias, parecia defender tantas coisas abstratas sem lutar por nada concreto no fim do dia.

—Por que a futura rainha está chorando? – olhei para Napho, sorrindo para mim da mesma direção para onde Fox partirá – O príncipe também não parecia feliz, se me permite comentar.

—O príncipe parece incapaz de fazer qualquer decisão que tenha que arcar no futuro – respondi amarga – Essa qualidade facilmente faz alguém infeliz. E dificilmente faz de alguém rainha.

—Gostaria de ser rainha, Bethany? – ele parecia cético.

—Você não gostaria de ser rei? – perguntei em resposta.

—Nem por um minuto – ele fingiu estremecer – Sou egoísta demais para tal coisa. É tudo que eu não poderia dizer sobre você.

Dei os ombros – Ao menos Fox sabe do que está fugindo – ele me olhou curioso – À noite em que nos conhecemos. Eu também fugia, e sequer sei de que.

—Entendo – ele olhou para a janela, e então para os próprios pés – Bethany, esta tarde quando estiverem todos na reunião, eu preciso que me encontre nos jardins.

—Nos jardins?- franzi a testa – Precisa ser mais específico, a tarde é longa e os jardins extensos imperador.

—Às quatro da tarde, nos paredões de folhas onde me encontrou conversando com Nicholas outra tarde – ele olhou preocupado para os lados – Preciso ir, há uma carta que preciso receber.

—Espere... – chamei, e ele se virou apressado – Por que quando todos estiverem na reunião?

—Preciso garantir que ninguém ouça o que irei lhe dizer Bethany – ele se aproximou novamente, pegando as minhas duas mãos – E mesmo que Fox não lhe escolha, preciso que saiba disso se vier a ser escolhida pelo conselho para se tornar rainha. Você é boa e justa demais para ficar presa em um reinado e um casamento com um covarde, você precisa saber que tem uma rota de fuga... Desculpe, estou falando demais...

—Eu não estou entendendo! – exclamei, enquanto ele se afastava correndo e eu dava três passos antes de perceber que seria inútil alcança-lo.

Respirei fundo, reprimindo as lágrimas. O melhor era voltar para o meu quarto e esperar, decidi. Esperar pelo almoço com a Rainha. Esperar que o sol se posse. Esperar pelo retorno de Dylan e Isabel. Esperar que a decisão fosse anunciada no dia seguinte.

E quando o próximo almoço chegasse, e tudo tivesse passado como um incêndio em uma cidade pequena, eu ainda estaria viva, e lidaria com as minhas queimaduras com a calma que elas exigiam para se curarem. Eu aprenderia a me curar sozinha.

....................................................

“2300

Venezza no verão é tão bela quanto em qualquer época do ano, mas era surpreendente que depois de dar a luz ao quarto bebe Louise Venezza seguisse tão deslumbrante, e tão no controle de tudo que acontecia dentro e fora daquela enorme mansão vermelha.

A festa do primeiro aniversário de Isabel Venezza foi como nenhuma outra, e de fato a criança tinha algo de diferente dos irmãos. Não chorará nem dormira pelas dezesseis horas que a festa durara, desde o chá da tarde até o café da manhã do dia seguinte. Um baile típico da família que regia a Itália, aconteciam poucas vezes, mas superavam até mesmo as noites do Petit Palace – ainda mais depois que ambos eu e Frances estávamos casados, e as festas se mantinham apenas por tradição.

O recém-nomeado General Venezza não soltou a filha mais jovem dos braços por mais de vinte ou trinta minutos por vez, antes de correr até ela de novo, jogando o bebe aniversariante para o alto. O mais duro homem de toda Eurásia encheu os olhos de lágrimas quando no meio da festa, a garotinha de olhos com de âmbar e vestido vermelho com o brasão da casa bordado ricamente no peito falou, para que todos pudessem ouvir, num italiano melódico.

“Papà”.

Meus olhos encheram de lacrimas, olhando Valenttina correndo com as crianças mais velhas, e vi que ao meu lado Lenna parecia do mesmo jeito, acariciando a barriga de oito meses, sorrindo para Frances. O general pegou a filha no colo, e levantou uma taça para brindar a ela, mas antes que pudesse beber do vinho do próprio brinde, a pequena estendeu as mãos e empurrou a taça, que se espatifou no chão.

Todos riram e gritaram, e até mesmo Louise Venezza deu um sorriso suave. Isabel Venezza era realmente uma perfeita italiana.”

....................................................

Eu fui colocada à esquerda da rainha. A direita estava Tina, com Annie do lado desta sem nunca ocupar seu lugar de direito. Respirei fundo, bebendo com cuidado a sopa na minha tigela – Talvez a mãe de Dylan estivesse certa, e ela seria uma rainha melhor do que Fox, pensei, olhando para os lugares vazios na mesa.

Apenas dois – o de Isabel, que não estava ali, e de Livie que não se sentia bem o bastante para se juntar a nós. Mas a mesa era longa além dos lugares ocupados por Alicia e Annie, e mesmo que não houvesse mais cadeiras os lugares fantasmas que deveriam estar preenchidos ainda eram dolorosos.

—Jin e Kali – Nisha falou, com a testa franzida – Se o conselho escolher uma delas, elas terão de voltar não?

A rainha ergueu os olhos, observando ela – Está é uma ótima observação. Sim, se uma delas for escolhida pelos votos mandaremos busca-la imediatamente – ela parou por um momento, como se pensasse naquilo – A coroa não é algo que se possa recusar.

—Isso não é um pouco... Contraditório? – perguntei, sentindo Alicia me cutucar por baixo da mesa – Vivemos em uma sociedade onde uma mulher é a pessoa mais poderosa e mesmo assim ela não pode recusar algo tão sufocante...

—Isso não é verdade – Tina falou do outro lado da mesa, antes que a tia me respondesse – Mulheres podem recusar.

A rainha Lenna pigarreou, chamando atenção de todas – Até certo ponto – ela corrigiu Tina, atentamente – O sangue real permite que uma mulher recuse e reivindique sua posição quando quiser. Mas uma plebeia – ela olhou para mim, com muita compaixão – Se uma plebeia recusar o trono mostrará quão frágil todo nosso sistema é. Seria perigoso demais.

—Quase parece simples, assim – Comentou Annie, de trás de uma taça de champanhe – O príncipe tem que propor a futura rainha em privado, na manhã antes do anuncio ser feito a mídia.

—Exato – concordou a rainha, cortando os legumes em seu prato – Se ela recusar de forma irreversível, e o conselho decidir que é preciso fazer uma nova escolha, eles farão. Poderia prejudicar o povo se a rainha não quisesse reinar de verdade.

—Ela poderia se negar a ter filhos – Tina mencionou – Isso seria terrível aos olhos do governo.

—Poderia arriscar a economia – Annie continuou. – Com gastos absurdos e desnecessários, como Georgina Paris fez.

—Ou – Alicia sorriu divertidamente, olhando o próprio reflexo em uma colher – Pode fazer a si mesma terrivelmente feia.

Todas gargalharam, e então o clima pesado do ar se desfez. A rainha sorriu para nós, antes de voltar a falar – Vocês já devem ter percebido que há mais mulheres do que homens no conselho, e como elas não se juntaram a nós todas devem saber que não é apenas um almoço entre mulheres não é mesmo?

— ela esperou que concordássemos – Existem seis candidatas fortes ao trono, e destas quatro são musas... Mas independente da escolha do conselho, ou se Fox decidir por alguma candidata, amanhã quando o dia chegar ao fim nenhuma de vocês será uma musa.

—O que? – Alicia arfou atrás de mim, quase sem voz – majestade...

—É inútil manter as musas quando não há mais nenhum príncipe a se casar, e todas sabemos disso – ela sorriu gentilmente, se levantando – Eu olho para vocês e vejo destinos extraordinários no caminho de cada uma, e eu ficaria honrada em ver qualquer garota nesta mesa, usando a minha coroa – ela sorriu para cada uma de nós, enquanto ganhávamos vermelho nos nossos rostos – Eu fui uma musa. Assim como Veronicca. Como Flora e Louise Venezza. Assim como Francesca – uma lágrima escorreu pelos olhos dela – Vocês nunca vão perder totalmente umas as outras garotas, mesmo que algumas partam para longe. Mesmo que algumas apenas... Partam.

Senti meu coração apertar enquanto as lágrimas brigavam para fugir dos meus olhos. Lutei, e por um momento breve tive minha vitória. Tempo o bastante para a rainha se recompor da mesma forma e mudar o tom, para a questão que ninguém gostaria de abordar – Agora, onde está Isabel Venezza?

Ouvi Annie, do outro lado da mesa, engolir em seco. Todas nos entreolhamos, até que por fim Tina falou – Nós não sabemos onde Isabel está Majestade.

—E imagino que não saibam onde meu sobrinho esta, tão pouco? – perguntou ela, desconfiada, e todas negamos – Bom. Que siga assim até que os dois voltem. Nenhuma palavra sobre isso, nem dentro da reunião – ela olhou para Tina e Annie, e então para o resto de nós – Nem pelos corredores. – ela tomou um gole de vinho – Terminem seus almoços meninas. Irei me juntar a mulheres mais velhas do que vocês antes que sejamos todos engolidos pela tarde. Antoinette, Valenttina, espero vocês em breve. O restante, nos veremos a noite no baile. Bom almoço.

—Majestade – Todas nos levantamos, curvamos e esperamos que ela saísse, e então nos sentamos em silêncio sob aquela noticia. Aquele era nosso último almoço como as musas da Grande Paris.

Poucas vezes das que almocei com as musas foi tão silencioso, e quando terminamos, Tina e Annie seguiram para a reunião, Alicia foi procurar Apolo e Nisha voltou para o quarto. Enquanto eu, com o coração apertado andando no caminho do que poderia ser a traição da Inglaterra, segui para encontrar Napho nos jardins.

..................................................

Nisha estava sentada na sala de estar olhando televisão. Talvez ela tenha falado comigo, mas eu não ouvi. Eu simplesmente não estava ouvindo, não estava pensando em nada. Nem sabia que corredores ou escadas tinha percorrido dos jardins até meu quarto, mas cheguei até lá, com as mãos doendo de tamanha a força com que segurava a pasta que Napho me dera. Coloquei-a na primeira gaveta da penteadeira, arfando e observando meu próprio reflexo.

Eu só precisava me manter firme até o almoço do dia seguinte, lembrei a mim mesma. Menos de vinte e quatro horas.

O sol já havia se posto há algum tempo quando Annie e Tina voltaram, e apesar da curiosidade de Alicia, as duas se mantiveram firmes as suas ordens de não relevar nada sobre a reunião. Não que elas tivessem muito para revelar, todos sabíamos como acontecia. Todos se pronunciariam até que tivessem todas as candidatas possíveis. Então, todos defenderiam e apoiariam cada candidata, apontando todos os prós e contras que poderiam pensar, e no final de tudo os votos seriam escritos e colocados em uma urna, contado por Fox e pela Rainha em sigilo enquanto o conselho esperava, não por uma resposta, mas para ser dispensado após a rainha definir o resultado.

Fox poderia parar a votação em qualquer momento se mudasse de ideia. Até que o último papel fosse contado, e a decisão do conselho fosse irrevogável, ele poderia colocar sua vontade sobre a deles - Mas a reunião durará tempo demais para que ele o tivesse feito, supus.

Eu ouvia todas juntas no quarto de Tina, penteando-se e maquiando umas as outras, gargalhando e conversando alto, e foi só quando Alicia empurrou a porta do quarto que percebi que estava apenas de roupas intimas encarando o vestido.

—Precisa de ajuda para se vestir?- ela perguntou, tirando o vestido do cabide e abrindo para que eu passasse as pernas por ele – Está estranha, desde que saiu para caminhar mais cedo.

—Não sei se deveria usa-lo – falei, tocando as camadas suaves do tecido enquanto Alicia o prendia em mim – Não parece certo...

—Ele foi feito pra você – ela falou alegremente, procurando pelos sapatos e os colocando em minha frente – Bethany, tem algo que queira me contar?

—Nada que eu não preferisse esquecer – dei os ombros, subindo nos sapatos enquanto ela me virava para um grande espelho onde eu pude me ver enquanto ela puxava meus cabelos em um coque e enchia de grampos até que ele ficasse perfeito.

Eu me sentia nua. Não nua envergonhada, como se eu tivesse que me esconder, porém. Lembrei-me do que Fox falará sobre sua mãe desfilar nua no verão, talvez fosse isso. Essa sensação de poder, leviana e inconstante como uma aura em torno de todo seu corpo que simplesmente te faz confiar em si mesma outra vez.

—Eu vou sobreviver – falei para a mulher desconhecida no espelho – Eu vou sobreviver até amanhã e vou aprender a viver com tudo isso.

—Viver com o que? – perguntou Tina na porta, sorrindo.

Dei os ombros – Eu não saberia por onde começar.

—Nem se incomode Valenttina, ela está estranha hoje – Alicia alegou, girando no meio do quarto enquanto suas saias azuis e verdes afogavam Romeu – Gatinho bobo.

—Vamos para o meu quarto Bethany, a luz é melhor lá para maquiarmos você – Tina fez uma careta para Alicia, me puxando pelo braço até onde as outras meninas estavam. Livie, ainda de luto, usava um vestido preto, simples, contido. Annie vestia rosa, e parecia quase tão abatida quanto eu sentada em uma poltrona mais distante. Nisha fingia estar distraída com seus cachos, olhando para Annie preocupada.

—Bela coroa – comentou Nisha para Tina, distraidamente.

—É uma tiara – Tina não parecia incomodada em explicar – Preciso usa-la em cerimônias reais.

—Mesmo após ter abdicado do titulo de princesa – Falou Alicia, entrando no quarto enquanto Tina me empurrava para uma das três penteadeiras na peça – Enquanto algumas que sequer o fizeram não usam.

— Às vezes você tem que colocar a própria segurança, em frente aos seus desejos – Annie falou do seu canto – Seu namorado entende isso melhor do que você.

—Isto é algo que eu esperaria de Isabel – comentou Tina, e com os olhos fechados eu não soube dizer se para Annie ou Alicia, mas ambas riram. – Você soube de Camille? A Rainha disse que ela viria, mas não a vi ainda.

—Sabe como ela é – Annie respondeu, e a cama fez um barulho – Não que eu a culpe, a linhagem dela sofre a gerações. Entendo que ela queira ficar longe de Paris.

—Bem, ela nunca se deu muito bem com Isabel – suspirou Tina, seus pinceis fazendo cócegas no meu rosto.

—E alguém se dá? – perguntou Livie, e como era difícil que ela sequer tentasse animar-se um pouco, todas pareceram fazer algum esforço para rir.

—Está pronto – Tina falou, mais rápido do que eu esperava. No espelho, algo parecia errado. Estranho.

Por que não havia nenhuma cinderela, nenhuma mascara ou personagem me encarando de volta. Apenas eu. Uma versão com mais brilho e corada de mim, mas ainda sim eram meus cílios longos e as minha maças cheias, que eu via toda a noite após lavar o rosto.

—Eu não entendo – falei, olhando para ela confusa – Vamos colocar mais joias, ou você...

—Não, é isso – ela sorriu satisfeita, me ajudando a levantar – É assim que eu imaginei você quando desenhei este vestido.

Pisquei, enquanto ela puxava Annie para a cadeira onde eu estava antes e começava a brincar com muito mais cores e produtos que deveria ter usado em mim.

Observei Annie com cuidado, o vestido rosa com mangas longas tinham padrões pretos que por um minuto pareciam mão segurando seus braços. Será que ela me entenderia se eu contasse tudo a ela? Parecia de repente que estávamos no mesmo navio, mas nossos oceanos eram tão diferentes.

—Bethany? – Alicia me chamou, divertida em cima da cama – Está estranha de novo.

—Desculpe, foi um dia estranho – dei os ombros, sentando ao lado dela e estalando o pescoço – Mas todos os dias são estranhos desde que eu vim para cá.

—Está prestes a ficar mais estranho – falou Tina, da porta, onde uma criada se afastava – Teodore Venezza acabou de chegar e exige falar com sua irmã.

—O que Teodore está fazendo aqui? – Perguntou Annie, franzindo a testa – Espero que não tenha vindo para o conselho.

—Não, Flora estava lá, lembra-se? – Tina enfatizou, balançando a cabeça – Ele veio para o aniversário. Isabel enviou uma mensagem para ele antes de amanhecer, ele pegou o primeiro trem e acabou de chegar!

—Ela o chamou aqui? – Livie engasgou, arregalando os olhos – Achei que Isabel não falasse mais com nenhum dos irmãos dela.

—Nenhuma das irmãs – Corrigiu Alicia, balançando as mãos para que as unhas secassem – Ela ainda fala com Teodore pelas costas da mãe às vezes.

—Não que isso torne ele menos pávido em frente à mãe – Annie comentou, aborrecida.

Tina pigarreou, chamando a atenção de todas – Pávido ou não, ainda precisamos que alguém vá falar com ele e explicar que Isabel... Que ela não está aqui!

—Minha irmã não está aqui? – todas nos viramos para a porta aberta, onde um homem nos observava com distancia solene. Imaginei se toda a família de Isabel seria tão incontestavelmente parecida com ela como ela.

Teodore Venezza era um homem alto, com cabelos castanhos penteados perfeitamente para o lado, impecáveis mesmo após a longa viagem. Vestia um terno verde escuro, que fazia seus olhos castanhos brilhantes e ferozes, como se pudessem jogar contra a parede qualquer um que irrompesse seu caminho sem se importar se fosse um inseto ou um rei.

Aquele era aquele que no futuro comandaria a Guarda Vermelha – O exército mais mortal e sanguinário de toda Eurásia – enquanto as irmãs de Isabel comandariam o povo, a economia, a política e a agricultura.

—Teodore – Tina dobrou o pescoço, com um sorriso gentil – É rude entrar na Casa das Musas sem um convite.

—Valenttina Paris – Ele retribuiu o cumprimento, etéreo sem olhar verdadeiramente para ela – É rude que nenhuma das musas tenha se importado em me receber.

—Se tivesse demorado mais do que cinco minutos antes de invadir, com certeza ficaríamos felizes em recebê-lo – Annie contra atacou, arrumando a postura e cruzando as pernas embaixo do vestido – Sua mãe sabe que está aqui?

—Ela manda lembrança, em nome de toda nossa família – ele respondeu vagamente, passando os olhos por Nisha antes de parar em Alicia – É claro que tive que omitir o motivo de ter vindo.

—E que motivo seria este? – perguntou Alicia, sutilmente.

—O pedido de minha irmã. Aquele que talvez vocês possam me explicar, juntamente com a ausência dela? – ele sugeriu, erguendo as sobrancelhas.

—Não sabemos onde Isabel está – falei me aproximando da porta enquanto ele virava aquele olhar superior para mim. Mas nem mesmo Teodore Venezza era alto o bastante para conseguir me olhar de cima dignamente – Ela saiu logo após escrever para você, sem dizer o lugar ou que horas voltaria.

—Você deve ser Bethany – ele franziu a testa, curioso e surpreso – Minha irmã escreveu sobre você.

Engoli em seco. O que em nome da rainha Isabel poderia ter escrito sobre mim para o irmão? Talvez eu preferisse não saber.

—Ela está com Dylan Bordeaux – aquilo o fez bufar, revirando os olhos – E esperamos que os dois cheguem a tempo do baile.

—Para o qual nós deveríamos já estar prontas – Falou Alicia, correndo e se colocando entre nós, segurando a porta – Então, se nós der licença Lorde Venezza...

—Se minha irmã não aparecer em breve Alicia, este baile é a última coisa sobre a qual qualquer um neste palácio irá se preocupar – ele avisou muito severamente.

—Espere – nós duas nos viramos para trás, enquanto Livie se levantava e mancava até a porta. Usava um vestido lilás esvoaçante, sem muitos adereços, com apenas metade dos braços a mostras – Os convidados já estão chegando. Eu acompanho Teodore até o salão e aproveito sua ajuda no caminho.

Alicia olhou desconfiada para ela, que se apoiou no meu ombro – Se o Lorde não se importar...

—Eu ficaria encantado, senhorita Livie – ele dobrou o cotovelo para que ela se segurasse, e a acompanhou pelo corredor enquanto os seguíamos com os olhos.

—Gostaria de acreditar que isso é um sinal de melhora – comentei, recebendo um olhar entristecido de Alicia.

—Eu também gostaria Bethany – ela olhou para as outras meninas, todas em silêncio – Se Isabel não chegar até a lua estar no céu, Teodore fará o palácio um inferno até encontra-la.

—Então vamos esperar que a lua demore – Nisha suspirou ainda um pouco encolhida pelo olhar do irmão de Isabel.

..........................................

Após anunciados, Fox desceu as escadas junto à mãe, cumprimentando a todos antes de seguirem a seu lugar no salão. Distante de todos, a Rainha em seu trono e Fox para a sua direita. Perguntei-me qual seria o lugar dela, quando um segundo trono fosse colocado para ele e a noiva que o conselho escolherá para Fox ocupasse seu lugar.

O salão tinha um charme único naquela noite, que só poderia ter sido planejado por Isabel – era quente, com luzes baixas e confortáveis, com tapetes e cortinas em tons escuros de verde e vermelho. Uma extensão do quarto dela. Uma extensão da própria Isabel e, vendo Teodore conversando com as pessoas mais influentes do conselho no salão, talvez uma extensão dele também. O que ela reconhecia como casa e família.

—Mais deslumbrante do que me lembro de já ter visto – Napho sentou-se entre mim e Livie na mesa onde apenas nós duas, de todas as musas, havíamos sobrado – Daria a honra de dançar comigo, senhorita?

—Ainda não me sinto bem o bastante para danças, embaixador – Livie respondeu abatida girando um lírio que retirara do arranjo central nas mãos – Mas deveria levar Bethany para dançar. Ela parece disposta a parecer contemplativa a noite inteira.

—Se a senhorita me der à honra – ele se virou para mim, e com grande irritação aceitei sua mão enquanto uma nova música começava – Você também está deslumbrante, Bethany. Como uma rainha.

—O que acha que está fazendo? – grunhiu, irritada, tentando me afastar dele. Ele me segurou.

—Não faça uma cena – ele alertou – Escreverei a carta pela manhã, e você poderá esquecer tudo que conversamos hoje à tarde. Só preciso saber... A parte que lhe entreguei. Onde a colocou?

—Você a quer de volta? – perguntei apreensiva.

—Só me garanta que a manterá em um lugar seguro – ele olhou sobre os ombros ates de continuar – Realmente seguro, Bethany. Ninguém nunca poderá saber sobre ela. Ou todos saberão sobre ela. São as únicas opções, sem exceções – ele me girou, antes de concluir – E sabe o que aconteceria se qualquer um soubesse sobre ela sem que tivéssemos tempo para... Tomar as medidas necessárias.

—Eu sei, ela está segura, eu prometo – mentira. Aquilo era uma mentira, mas eu aprenderá a mentir bem no palácio – Ninguém nunca vai saber.

—Bethany, eu preciso lhe perguntar, tem certeza da escolha que você está... – mas ele parou bruscamente, por que a música parou bruscamente. E todas as luzes se apagaram enquanto um canhão de luz iluminava o topo da escada. Uma luz divina, esperando por algo tão áureo quanto.

—Anunciamos Dylan de Bordeaux, futuro duque de Bordeaux acompanhando a aniversariante, senhoras e senhores – ele deu uma pausa, respirando fundo enquanto Dylan descia os primeiros três degraus e era aplaudido – Isabel Eudora Venezza, segunda de seu nome, quarta filha da casa Venezza e futura duquesa de Bordeaux.

O silêncio manteve-se por mais tempo do que o esperado. Talvez fosse o vestido de Isabel, que como sangue flutuou dois degraus a frente dela enquanto parava no topo da escada. Talvez fosse a própria Isabel, impotente e exuberante sobre todos nós, o olhar de uma deusa que nos mataria com um estalar de dedos. Sim, provavelmente aquela entrada causaria o mesmo efeito sem o anuncio inesperado, mas naquele momento era o anúncio que chocará a todos.

Por que Isabel Venezza não seria rainha, e talvez naquela mesma noite que anunciava que estava casada estivesse anunciando que em breve estaria viúva. Casada de um homem que partiria na manhã seguinte.

Ela desceu os degraus devagar, indiferente a nosso espanto e pegou o braço de Dylan – céus, o braço de seu marido – e desceu até quase o final da escada, onde lhe foi oferecida uma taça – Meus mais caros amigos é imensa a alegria de ver todos aqui está noite. Imagino que muitos tenham passado o dia preocupados com meu paradeiro e mais de vocês estejam espantados com nosso anuncio, mas espero que fiquem feliz por nossa decisão. Amanhã Dylan partirá para a Alemanha, para muitos parece loucura nos casarmos nesta situação, porém... Nós dois morreríamos um pouco mais rápido se não o fizéssemos – e como uma boa italiana, ela o puxou e o beijou com tanta intensidade no meio da multidão que não apenas eu, sentiram vontade de desviar os olhos – Um brinde a está noite. Ao meu casamento. E a mim.

—Um brinde a minha irmã! – entoou Teodore Venezza não muito longe no salão – E a seu novo marido!

Enquanto todos erguiam as taças e Teodore virava a sua de uma única vez, Isabel passou reto por nós e correu para os braços do irmão, com os olhos cheios de lágrimas, e tudo que se pode ouvir foram os dois conversando em italiano rápido e alto.

—Casado? – ergui uma sobrancelha, medindo Dylan com os olhos enquanto ele descia os degraus restantes e se juntava ao resto de nós – Não sei se acredito que foi você quem fez o pedido.

—Ela provavelmente o teria feito se eu tivesse lha dado à chance – ele sorriu, olhando rapidamente para o chão – Preciso agradecer Alicia, se não fosse ela ter esclarecido tudo. – ele balançou a cabeça, incrédulo olhando para o próprio dedo – Ela simplesmente apareceu na minha porta no meio da madrugada, e quando ela dormiu eu soube o que tinha que fazer. Acordei Fox antes de a manhã chegar e preparamos tudo em duas horas, quando o sol nasceu estávamos saindo daqui.

—Eu lhe devo um pedido de desculpas – afirmei, pressionando os lábios um contra o outro – Fiz mal em falar aquelas coisas para você outro dia nos estábulos.

—Você estava certa, Bethany – ele afirmou ansioso olhando para Isabel ainda eufórica falando com o irmão – Eu precisava engolir meu maldito orgulho e ver o quanto eu estava magoando ela. Fico feliz que Teodore tenha conseguido vir.

Estreitei os olhos – Você o convidou?

Ele deu os ombros, indiferente – Talvez eu tenha mencionado que seria bom para ela ter alguém da família além de Flora por aqui – ele pegou uma taça de um garçom, sorrindo – Casado com Isabel Venezza...

—É o bastante para desistir da guerra? – arrisquei, recebendo um olhar cinzento de volta – Entendo...

—Ela é o bastante para meu coração Bethany – ele sorriu tanto que eu podia sentir sue rosto doendo – Mas que tipo de homem eu seria se não lutasse pelo que acredito? Infernos, isso foi justamente o que a minha linda, maldita e obstinada esposa italiana me ensinou durante todos estes anos.

Que tipo de homem não luta pelo que acredita? Aquela era uma ótima pergunta, mas não iria aborrecer Dylan com as minhas divagações quanto tantas pessoas deveriam querer falar com o noivo da noite. – Espero que lute para ver os frutos das mudanças acontecerem, Dylan Bordeaux, e que viva para ver seus filhos crescerem.

Ele deu um sorriso divertido – Nem me fale de filhos, Bethany, ou me lembrarei de que a mãe dela deu a luz a seis e são todos temperamentais como a que conhecemos.

—Espero nunca vê-los na mesma sala – suspirei, e ele me deu um olhar curioso – O que foi?

—Bem, é de se esperar que todos venham para o seu casamento – ele deu os ombros, e depois franziu a testa para a minha expressão – Fox escolheu você, não?

Engoli em seco, tentando parecer o mais natural possível ao responder – Fox não escolheu ninguém. O conselho votou e os votos foram contados e ninguém além dele e da Rainha Lenna tem os resultados.

—Entendo – ele olhou em volta, até encontrar Cameron se aproximando na multidão – Eu preciso...

—Longe de mim incomodar, com licença – fiz uma reverência, me afastando na multidão até onde algumas crianças dançavam, observando elas com calma. Uma delas era a filha do soldado Martins, a pequena Ruby.

—Esperava que conseguíssemos algum tempo para conversar, senhorita Bethany – Elizabeth parou perto de mim, sorridente – Você parece mais acostumada ao palácio do que da última vez que a vi.

—E você parece mais... – sorri, mexendo o nariz – Não, parece exatamente a mesma Elizabeth.

—Um pouco mais noiva, talvez – ela levantou a mão, com um grande anel de noivado dourado brilhando para mim.

—Sério? Quem é? Ele está aqui? – perguntei, olhando em volta.

—Está conversando com algumas pessoas, mas assim que ele voltar apresento vocês – ela sorriu, animada – Eu o conheci na mesma noite em que conheci você, não é incrível?

—Que coincidência – exclamei, tentando parecer tão feliz quanto me sentia por ela sem me sentir tão sufocada pelos meus próprios sentimentos quanto estava.

—Todos na cidade falam sobre você, sabia? – ela perguntou, sugestivamente – Dizem que é a mais bela e gentil das musas do palácio, existem até boatos que foi a um hospital abandonado para ajudar a cuidar dos feridos.

—Isso é... – comecei a gaguejar, e ela gargalhou – Era para ser um segredo.

—Bem, ninguém tem nada confirmado – ela deu os ombros – Exceto que Paris quer você como rainha, e agora que Isabel Venezza casou-se é quase uma aposta certeira...

—A rainha não precisa ser uma musa – lembrei-a, e ela assentiu com rapidez.

—Não, mas é mais provável que seja. O príncipe nunca foi visto com moças fora do palácio, bonitas ou não – ela desfez com a mão – Está é uma linda festa.

—Imagino que seja – concordei, caminhando para mais longe das crianças com ela ao meu lado – Passam a se tornar menos surpreendentes depois de algum tempo, mas esta é a festa de Isabel... Ela sabe como surpreender.

—Você não parece feliz – ela comentou, muito cuidadosamente – Está tudo bem no palácio?

—São apenas... Muitas coisas me sufocando – dei os ombros, observando a Rainha Lenna em seu trono, e Fox ao lado, sorrindo e cumprimentando Dylan e Isabel que agora estavam em frente a eles. Ele parecia feliz, pensei. Genuinamente feliz. Perguntei-me quem ocuparia o lugar ao lado dele em breve, quem ficaria no centro do mundo, quem seria a rainha que manteria Fox nas sombras como a mãe fazia.

Balancei a cabeça. Eu não precisava pensar nisso, e uma vozinha cruel me dizia que apenas Fox mantinha a si mesmo nas sombras.

—Se precisar fugir, é só falar comigo – ela sorriu conspiradoramente, me dando um empurrãozinho e levantou a mão para chamar alguém – Querido!

—Ah, ai está você! – Cameron sorriu, passando o braço pela cintura dela – Dylan está tão feliz. Imagino como eu vou estar no dia em que nós nos casarmos.

—Então você é o noivo misterioso – exclamei surpresa ao observar aquele casal improvável, e então apontei para Elizabeth - E você é quem não estava no hospital aquele dia...

Ela corou, assentindo – Estão sendo dias agitados. Mas as coisas estão um pouco melhores agora, e Cameron insistiu tanto para que eu viesse com ele ao baile de Isabel.

—Infelizmente vamos ter que ir embora logo – ele suspirou, de repente eu via as olheiras nos olhos dele - Os voluntários são em geral estudantes, eles não podem ficar até tarde lá.

—Se houver qualquer coisa que eu possa fazer para ajudar... – comecei, olhando para os dois com carinho.

—Você fez muito aquele dia, Bethany – Cameron garantiu, sorrindo – Tentamos ajudar o máximo de pessoas o mais rápido possível, nem sempre é possível colocar emoções nisto. O afeto com que você lidou com eles significou muito para aquelas pessoas.

—Eles não pararam de falar nisto por dias, mesmo os que só lhe viram de relance – Elizabeth concordou, animadamente – Às vezes as pessoas só precisam lembrar que existe um pouco de beleza no mundo. Beleza de verdade.

Pisquei, espantando as lágrimas – O palácio está uma bagunça agora, cheio de acontecimentos e anúncios. Pessoas chegando e partindo – falei rapidamente, olhando para o trono onde a rainha estava, agora sem Fox ao seu lado – Mas assim que isso passar, vou pedir à rainha que libere as musas para irem ajudar por um dia. Se tiver uma coisa inegável sobre elas é a capacidade de demonstrarem afeto.

Elizabeth sorriu – Não se incomode conosco – ela olhou sobre meu ombro, fazendo um sinal para que eu me virasse e começou a se afastar com Cameron – Com licença.

—Senhorita Bethany – Apolo me cumprimentou, muito reservadamente.

—Soldado – cumprimentei de volta – Algo errado? Sua expressão não parece boa para mim.

—Livie pediu para mim chamar você – Apolo avisou, logo atrás de mim, apontando para Livie sentada em uma mesa sozinha – Ela não parece bem.

—Obrigada Apolo – sorri para ele, me afastando rapidamente entre as pessoas até chegar à mesa – O que aconteceu?

—Desculpe Bethany, você foi a única que consegui encontrar na multidão – ela suspirou, tomando um grande gole de água – deixei meu remédio no seu quarto, pode ir buscar para mim?

—Não prefere subir? – perguntei, preocupada com a expressão dela – Já faz horas que está aqui, talvez seja melhor se deitar um pouco...

—Se eu me deitar, não acho que vá voltar – ela olhou para baixo, parecendo realmente triste – Isabel segue irritada comigo, se eu sair da festa assim ela vai ficar furiosa.

—Isabel está magoada, mas ela ama você – insisti – Ela ficará irritada se você se forçar a passar por isso.

—Ela não precisa saber – insistiu Livie, de repente parecendo muito menos doente – O remédio Bethany, por favor.

—Como você quiser – dei os ombros, pegando a escada lateral e subindo rapidamente a casa das musas. Estava tudo escuro lá. Franzi a testa, confusa. Mesmo quando não estávamos às luzes ali nunca eram apagadas.

Mas mais estranho do que isso, era que havia uma luz ligada – a do meu quarto. Eu deveria ir embora, pensei. Deveria encontrar Apolo ou Tina ou qualquer outra pessoa para voltar comigo. E se alguém tivesse escutado minha conversa com Napho aquela tarde? E se soubessem o que eu era?

Porém eu segui andando pelo corredor escuro, empurrando a porta do quarto até que Romeu saísse para me receber, e eu o encontrasse parado no centro do quarto, me esperando.

—Fox – senti o ar sair dos meus pulmões, aliviada. Ele estava parado perto da minha calçadeira, o cabelo penteado para trás, vestido o terno branco e dourado cheio de medalhas que lhe era atribuído – Você me assustou. Por que está tudo escuro?

—Era para ser uma surpresa, Livie achou que seria uma boa ideia – ele falou distante – Quem acabou surpreso fui eu.

Franzi a testa, entrando mais no quarto, parando ao lado da penteadeira. Ciente de todas as fotos e documentos que Napho me entregará logo ali, na primeira gaveta – Do que você está falando?

—Eu já sei de tudo, Bethany... – ele estendeu um livro não muito grande, com capa de couro preta e lisa, e uma flor azul marcando uma página - É o seu diário, não é mesmo?

—Não – falei, sentindo uma súbita onda de alívio e entendimento, antes do meu estomago começar a embrulhar mais uma vez – Alicia... O diário é da Alicia... – falei, sentindo meu peito apertar contra aquele maldito vestido apertado enquanto minha aceleração acelerava cada vez mais, enquanto eu entendia o que estava realmente acontecendo – Você leu isso, pensando ser o meu diário – minha voz, que não parecia minha voz, doeu para sair. Meus olhos também ardiam, com as lágrimas despontado.

—Achei que fosse um livro, eu não li mais do que uma página aleatória – ele explicou, nervoso e assombrado – Quando eu li sobre o soldado Drake, pensei que...

— Você achou que fosse o MEU diário! – exclamei furiosa.

Ele deu um passo para trás - Bethany...

—Quem você pensa que é para fazer isso? – avancei em direção a ele, tirando o diário de Alicia, o diário que ela confiará a mim, das mãos imundas dele – Quem deu a você esse direito?

—Eu sou o príncipe, Bethany – ele falou, como se aquilo justificasse tudo. Como se ter nascido com uma coroa sobre a cabeça lhe desse o direito de fazer o que quisesse, com quem quisesse, quando quisesse.

Eu não deveria estar surpresa. Eu já tinha visto que aquele mundo era assim, eu já tinha visto o quão ele era assim, mas desta vez, dessa vez havia ido longe de mais.

—E ISSO NÃO SIGNIFICA NADA, FOX – gritei – Príncipe. Rei. Nada disso te dá o direito de invadir a vida de alguém dessa forma!

—Você está na minha casa, Bethany, é melhor tomar cuidado com o que diz – ele falou, calmamente – Eu entendo que esteja desconfortável com a situação, e por isso eu...

Ele não podia nem cogitar se desculpar, não era? Não, é claro que não. Ele não havia feito nada de errado. Ele era o príncipe, afinal. Aquele era o castelo dele, afinal.

—Desconfortável não chega nem perto de expressar como eu me sinto, seu hipócrita mimado – senti meu quadril bater em algo. Eu nem percebi como havia recuado até ver o puxador da penteadeira. Agarrei a primeira coisa que encontrei, um porta joias idiota de porcelana – Saia daqui!

—Não pode me expulsar de um lugar na minha casa, Bethany! – ele falou, olhando para o porta joias como se eu fosse algum tipo de criança fazendo birra – Largue isso, Bethany.

—SAIA DAQUI! – o terror cruzou os olhos negros dele enquanto o porta joia, soltando todas suas pedrinhas brilhantes pelo caminho, voou ao encontro dele, sobre seu ombro, até a parede - Eu tenho pena, da garota que terá que casar com você, príncipe Fox! – grunhiu, sentindo todas as minhas cordas vocais tremerem e meu corpo arder em fúria. Em todos aqueles meses naquele palácio, tudo que eu havia vivido em tão pouco tempo, eu nunca me sentirá tão violada quanto naquele momento.

Foi quase revigorante ver a dor nos olhos dele. Eu me sentia exposta e traída. Nua, praticamente. Como ele ousava? Invadir meu quarto, meu suposto diário – onde ele achava ter minhas palavras e segredos – e ainda se achar no direito de apontar dedos?

—Bem, isso é uma pena – ele falou, as lágrimas em seus olhos endurecendo, como gelo – Por que nós nos casamos em doze semanas.

E então, ele se foi, batendo a porta. Um dos muitos espelhos na parede mais próxima caiu, seguido de outros três ou quatro. Romeu pulou ao meu lado, os grandes olhos me perguntando o que tinha acontecido.

Mas ali estava eu chorando, pois Fox casaria comigo.

Casamento – aquilo deveria ser algo feliz. No mínimo gratificante. O conselho havia decidido por mim, o conselho me elegerá a mais bela da Eurásia.

A tiara de bronze, presente de Natal de Dylan, cuidadosamente colocado sobre minha penteadeira, foi à primeira coisa que voou. E então, eu só vi tudo girando em minha vontade como um furacão, e pela primeira vez eu não estava no centro observando tudo. Eu não podia mais estar. Mesmo que eu precisasse me tornar o próprio furacão, até que estivesse exausta demais, caindo em meio a minha própria fúria.

—Bethany? Você está bem? – Nisha entrou tanto tempo depois que eu não saberia dizer, e arregalou os olhos, andando entre os resquícios do furacão para chegar até mim – Annie! Ela está aqui!

—Ah céus, finalmente Bethany, nós estávamos procurando... – Annie apareceu na porta, franzindo a testa ao olhar para a confusão em frente a ela - ...por você. O que aconteceu aqui?

—A encontrou? – Tina gritou, e pares de saltos se aproximaram até que ela, Alicia e Isabel estivessem ali – Pela rainha. Bethany, quem fez isso?

—Você está ferida? – Alicia entrou correndo, sem sequer se importar com os pedaços que ia chutando até chegar a mim – Quem faria uma coisa dessas?

Isabel seguiu na porta, me encarando. Ela respirou fundo, e por fim perguntou o que nenhuma das outras seria capaz de perguntar. O que elas não seria capazes de imaginar – Por que você fez isso, Bethany?

Foi como sentir, finalmente, chegando até mim como uma onda que eu não podia mais conter. Primeiro tinha vindo à fúria. A fúria que me fizera gritar com Fox, jogar nele o porta joias e quando ele se foi esta fúria queria apenas destruir tudo àquilo que ele representava. Toda aquela vida. E aquele quarto estava cheio de tudo que aquela vida proporcionava. Depois, a inércia me jogou no chão exausta, incapaz de sequer compreender o que eu havia feito ou o que havia sido decidido por pessoas que não eram eu. Como se por minutos ou horas não existisse. E então, com aquela pergunta, eu tive que encarar a verdade junto com as lágrimas quentes e dolorosas que elas traziam.

—Eu... – engoli em seco, enquanto ela se aproximava das outras, que pareciam chocadas com as palavras de Isabel, como se mais uma vez ela estivesse apenas sendo absurda – Eu estou noiva... De Fox... Eu... – eu não conseguia falar, nem respirar ou pensar, eu só sentia meu corpo tremendo e as lagrimas escorrendo e toda aquela dor e o ar me jogando para baixo como se todos os andares sobre nós estivessem despencando em mim – Eu vou ser a rainha.

—Eu não entendo Bethany, você e Fox estavam bem – Mesmo sem vê-la, eu sabia que ela estava franzindo a testa. Isabel bufou.

—Meu irmão... – Annie começou, receosa em algum lugar – Ele fez algo errado?

—Irmão? – perguntou Nisha em algum lugar que de repente parecia muito distante.

Ele havia feito? O que era errado para um rei? O que um rei não podia fazer? Eu não sabia, eu apenas balancei a cabeça até que um par de braços me envolveu. Eu reconheceria Alicia em qualquer lugar, pensei, soluçando até conseguir falar entre as lágrimas.

—Não é o que eu queria – foi o que eu consegui dizer, sem conseguir encara-las ainda. Algumas coisas foram afastadas no chão, e quando eu finalmente parei de chorar elas ainda estavam ali, esperando para fazerem o que pudessem por mim. Minhas amigas. Minhas irmãs. Minha família – Eu não queria um príncipe, ou ser rainha ou... Nunca foi o que eu queria. Eu só queria uma família.

—O que vocês estão fazendo aqui? Estão todos procurando vocês – Livie apareceu na porta, parecendo bem cansada se apoiando em Elizabeth – Oh, céus!

—Imagino que não tenha vindo procurar por nós – falou Isabel, olhando sobre o ombro pra loira, que balançou a cabeça negativamente.

—Estou cansada, não encontrei vocês e ela me ajudou a subir até aqui – ela apontou para Elizabeth, que olhava tudo preocupada.

—Precisa de algo, Bethany? – ela perguntou, encantada e assustada – Eu ia voltar com Cameron para o hospital, porém.

—O hospital? – perguntei, me levantando – Estão indo para lá?

Ela assentiu. Observei Tina se afastar, ajudando Livie e olhei para ela, provavelmente tão desesperada quanto eu me sentia – Eu vou com vocês.

—Adoraríamos ter você ajudando, mas não acho que o príncipe concordaria com isso, Bethany – ela mordeu o lábio inferior, confusa. Meu sangue aqueceu, e me afastei das outras meninas que também se levantavam da minha volta.

—O príncipe Fox não está em condições de discordar de coisa alguma – aleguei, pegando um casaco e jogando sobre o belo vestido de Tina. Virei para Isabel – Volte para sua festa, todas vocês deveriam ir para a festa. Eu vou ficar bem.

—O que vai fazer? – perguntou Annie, apreensiva.

—Se eu vou ser rainha... – respirei fundo, olhando para elas lentamente – Então é meu dever ajudar meu povo.

Mesmo contra a vontade do rei. Por que Fox não era meu rei, mesmo que ele não soubesse disso. Ele podia ser uma raposa, mas eu não era mais um coelho – eu era uma águia. E raposas não podiam voar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Rainha da Beleza" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.