A Rainha da Beleza escrita por Meewy Wu


Capítulo 27
XXVI - Coroa de Vidro




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/718603/chapter/27

 

Talvez tenham nas primeiras horas do quinto dia de janeiro que todos os enfeites de natal e todas as árvores e guirlandas e cortinas de luzes deixaram os corredores do palácio, mas foi apenas perto do final da tarde, quando enfim Flora decidiu que eu não produziria mais nada com o estomago roncando, que percebi que as festas haviam nos deixado, silenciosamente sumindo de um dia para o outro.

Os enfeites de natal porém não deixaram nenhum espaço vazio. No lugar deles, muito menos delicados e reconfortantes, guardas e mais guardas, que se mantinham de costas para as janelas, enfileirados ombro a ombro por toda a extensão das paredes de vidro do corredor que levava a casa das musas.

—Senhorita Bethany - o soldado Martins me cumprimentou, caminhando pelo corredor observando seus homens. Parecia cansado, e imaginei como toda a aglomeração sobre o embaixador deveria estar cobrando dele.

—Deve estar com saudades do campo de batalha, soldado - brinquei, e ele sorriu, dando um suspiro aliviado.

—É bom saber que alguém ainda tem senso de humor, senhorita - ele admitiu, me acompanhando pelo corredor enquanto seus homens claramente exaustos se endireitavam aos vê-lo se aproximando - Na guerra ao menos há um propósito.

—Não querendo me intrometer, senhor, mas não é um pouco vulnerável que os guardas estejam assim de costas para as janelas? - franzi a testa, olhando para os homens, procurando por Apolo entre eles. - Qualquer um poderia atirar em suas costas.

—Não seja ingênua senhorita Bethany - ele sorriu, fazendo sinal para que dois dos homens saíssem da janela, o bastante para nos dar espaço para observar o exterior - Para atirar nestes guardas, seria preciso estar dentro do palácio. E para evitar isso, há guardas na muralha e nos portões.

—Então para que tudo isso? - perguntei, enquanto os homens voltavam aos seus lugares e nós a caminhar - É apenas uma demonstração de poder, é isso?

Ele se afastou dos homens, andando mais perto da parede oposta, e fiz o mesmo o mais discretamente que pude, enquanto ele falava em voz muito baixa.

—Alguns guardas senhorita Bethany, nos protegem do que pode vir de fora - ele sorriu para algum dos seus soldados, um cumprimento para despistar talvez - Outros, do que pode ser dito dentro das paredes do palácio.

Assenti. Tudo as claras e tudo encoberto.

—Martins! - nós dois nos viramos, Veronicca estava atrás de nós, mais de dez metros de distância, e mesmo assim era claro que estava bastante estressada, como se o tivesse procurando por horas, ou como se procura-lo tivesse a tirado de alguma de suas dezenas de tarefas, ou as duas coisas talvez. Ela sequer pareceu me ver - Um de seus homens pegou no sono, na porta da sala do trono!

—Os homens estão exaustos - foi a explicação dele, gentil e firme, como se não estivesse surpreso. Eu conseguia ver, ele avisando a ela que aquilo aconteceria. Veronicca não cedeu o olhar, o que o fez suspirar - Verei isso, certo? Mandarei Apolo Drake para o salão do trono. - ele se virou para mim - Mande lembranças ao seu amigo peludo Bethany. Qual o nome dele?

—Romeu - respondi, sentindo Veronicca finalmente olhar para mim.

—Romeu - ele repetiu, sorrindo, os olhos ganhando rugas nos cantos enquanto ele as afastava, falava algo para Veronicca ao passar por ela e sumia.

Seja o que for, foi o bastante para que ela revirasse os olhos antes de seguir pelo corredor até mim - Bethany, o príncipe Fox exige sua presença no primeiro andar, na sala em frente a escadaria norte para o almoço.

—Exige? - meu erro. Veronicca não era Tina ou Isabel, ela não lidava bem com descrença. Endireite-me rapidamente, tentando corrigir aquela gafe - É claro, irei para lá imediatamente.

—Excelente. E por favor, limpe o suor da sua testa antes - ela mal acabou de falar aquilo e se virou, seguindo pelo corredor, no limite entre caminhar e correr.

O almoço, na verdade, dava-se a uma breve confraternização informal na sala de refeições agregada ao escritório de Dylan no palácio. Fox, parado na porta, não parecia esperar por mim, mas sim observar atentamente a cada sopro de ar de Annie e Nisha, que de mãos dadas conversavam com o embaixador.

—Ouvi dizer que vossa alteza exigiu minha presença - minha voz soava mais amarga do que eu realmente planejara.

—Não foram as palavras que eu usei - ele protestou, apenas metade da atenção voltada para mim.

— Foram as palavras que Veronicca usou - relatei, parando ao lado dele, fechando completamente a passagem entre uma sala e outra - Sabe, príncipe Fox, deveria prestar mais atenção nas palavras que as pessoas colocam na sua boca.

—O que quer dizer com isso? - ele pela primeira vez virou sua atenção totalmente para mim.

Dei de ombros - Você será rei, afinal.

—Gostaria de esquecer disso em alguns momentos - ele se afastou da porta, fazendo sinal para que eu o acompanhasse - É tudo em que eu ouço falar desde a primeira hora deste ano amaldiçoado. E algumas pessoas parecem dispostas a fazer o possível para me sabotar desde então.

—Não é tudo sobre você, sabe? - aceitei uma taça de um criado, procurando Dylan pela sala, mas aparentemente o anfitrião ainda não havia chegado. - Algumas pessoas só querem ser felizes.

—Nem sempre é uma escolha - ele recusou pegar uma taça, enquanto eu bebericava a bebida espumante. - Felicidade, eu quero dizer. Nem sempre é uma escola.

—É uma escolha abraçar o que se sente - observei as duas, bem no momento em que Annie ergueu suas mãos entrelaçadas e beijou a mão de Nisha.

—E você, como se sente Bethany? - ele desviou, voltando-se de novo para mim - Mal nos falamos desde aquele incidente no baile, e você não parecia muito bem no almoço do primeiro de ano...

—Eu estou bem, vossa alteza, apenas um pouco - olhei para os três guardas, protegendo a pequena e única janela da sala - Sufocada.

—Entendo a sensação, Bethany - ele seguiu novamente para a porta, esperando que eu o seguisse para a sala ao lado.

—Eu imagino que sim - engoli, sentindo a frieza na minha voz, cruzando os braços - Deve ser sufocante guardar tantos segredos.

Tal como Annie, quando confrontada, ele não negou. Diferente da irmã, não admitiu.

 

—Segredos não são, nem de longe, tão sufocantes quanto o tempo Bethany - ele olhou em volta da sala vazia - Alguns tem o luxo de desperdiça-lo, mas o meu está acabando.

—Isto é sobre a sua coroação? – perguntei, me perguntando se ele conseguia ver nos meus olhos toda a aflição que eu sentia. Eu queria entender, mas a cada vez pareciam haver mais e mais barreiras entre mim e Fox.

— Em menos de dois meses, terei uma coroa na minha cabeça Bethany, mas fui preparado para isso por toda a minha vida. – andando de um lado para outro na sala, como se estivesse em uma reunião com um grande conselho e não apenas em uma conversa, ele pareceu tentar explicar – Eu posso viver com isso, Bethany. Posso viver com erros e acertos, com o poder e com as cobranças. Mas tudo que esperam de mim é que eu aponte o nome que terá que carregar esse peso ao meu lado. Quem, para eles, terá que carrega-lo por mim.

—Eu não entendo – confessei, e ele deu um sorriso triste. Foi a última coisa que eu vi em seus olhos quando ele pegou meu pulso e me puxou, me envolvendo no mais estranho dos abraços já existente. O príncipe de gelo que não sabia abraçar.

—Não, você não entende – ele suspirou, tão perto do meu ouvido que apenas assim foi possível ouvir – Esse é o meu dilema Bethany, descobrir se você seria capaz de entender. Descobrir isso antes de dizer-lhe.

—Então me diga – pedi, me afastando e o encarando – Me explique, e eu direi se consigo entender!

Ele riu amargamente - Não é tão simples assim. Não são coisas que se possa falar pra alguém sem ter certezas. Não são seguras.

Ele se afastou, fazendo a volta na mesa de Dylan e pegando despretensiosamente um livro na gigantesca prateleira. Senti meu rosto ferver, eu já estava cansada daquilo.

—Nada na sua vida é seguro Fox! – arfei, surpresa quando meu próprio corpo se curvou e minha mão acertou a madeira polida – O conceito de seguro não existe em nenhum lugar de toda Eurásia. Não existia na minha cidadezinha, e não existe dentro de um palácio onde uma herdeira legitima abriu mão da coroa, e um homem que teria tudo para almeja-la a despreza, e por isso... – Respirei fundo. Não era hora de levantar aquela questão, não sobre Annie. Não se ele não falasse primeiro. – Em algum momento em sua vida, você aceitou este fardo. Disse que queria ser o rei que seu pai não conseguiu ser, que não queria ser uma sombra!

—Eu não valho isso – ele falou por fim, soltando o livro e se voltando para mim – Meu tio e todos aqueles conselheiros e esnobes tem razão. Não valho as vidas que mandarei para guerra. Não valho os homens que mandarei para a morte. Não valho a mulher que se sacrificará para ficar ao meu lado. Não valho o amor e a lealdade que só serão entregues a mim por ser o filho dos meus pais. Não valho a esperança que tantas pessoas lutam, dia após dia, para manter em mim e na minha coroação!

—Eu não sei nada sobre ser um rei Fox, nada além do que li em livros – olhei para meus próprios pés, respirando fundo – Mas nestes messes no palácio, me deu uma ideia bem clara. Eles irão teme-lo, ama-lo, lutar em seu nome e morrer por sua vida. Mas apenas se acreditar que merece isso. Não são eles quem decidem se você vale ou não a pena, não são eles que tomam a decisão final. É você. Não quando for rei, Fox, mas agora.

—Acha que valho a pena, Bethany? – ele perguntou, por fim, e frustrada dei a ele a única verdade que eu tinha.

—Eu não posso responder isso, Fox – dei um passo para trás, inquieta – Por que cada vez que tento descobrir, cada vez que tento me aproximar, parece que menos você me deixa me aproximar. Parece que faz isso com todos.

—Me desculpem interrompe-los nesta agradável discussão – Dylan, parado na porta, sorriu para nós de forma condescendente – Porém, imagino que devamos nos juntar aos outros para desfrutar do almoço que estou oferecendo, não concordam?

—Não há discussão nenhuma, primo – Fox falou, duramente, enquanto Dylan se aproximava firme pelo salão.

—É claro que não, meu príncipe – ele colocou a mão no meu ombro, sorrindo –mas se houvesse, eu estaria inclinado a concordar com a posição da senhorita Bethany. Um rei que não acredita que valha o risco, realmente não vale.

—Seu pai lhe ensinou tudo sobre ser um rei, não Dylan? – Fox provocou, os olhos negros duros no rosto divertido do primo.

Mas o sorriso de Dylan não escondia a dor que aquelas palavras causaram nele.

—Pelo menos Dylan sabe o valor da verdade – ponderei, passando o braço pelo cotovelo do jovem duque – É mais do eu posso dizer sobre você, Fox. – Me virei para Dylan, que parecia no mínimo surpreso olhando para nossos braços – Podemos comer agora? Estou faminta.

................................

A mesa era redonda. Dava uma estranha sensação de igualdade aquela sala onde apenas eu e Nisha parecíamos deslocadas – era claro, mesmo que por fora parecêssemos pertencer aquele grupo, que não estávamos confortáveis ali. Presa entre Napho e Isabel, de frente para Tina, não precisei encarar Fox durante toda a refeição – e esperava que o ângulo de três pessoas entre nós evitasse que ele o fizesse.

Dylan desempenhou o seu papel de anfitrião com perfeição e um animo quase inquestionável, flertando com Isabel, brincando com as primas e discutindo posições políticas com o embaixador inglês à medida que os pratos eram servidos e as taças eram preenchidas de novo e de novo. Porém, em nenhum momento desde aquele em que Fox nos seguiu para dentro do salão, ele voltou a olhar para o primo.

Fox, por sua vez, não participou de nenhuma conversa, guardando sua voz do restante do grupo, ainda mais silencioso do que Nisha, que respondia educadamente, e de forma surpreendentemente gentil, as perguntas curiosas do embaixador.

—Que grupo extraordinário – sorriu Napho, afastando um pouco a cadeira e se inclinando para trás – Acredito nunca ter sido tão bem acolhido em todos os lugares que já fui na minha curta e exaustiva carreira.

—Em quantos lugares já esteve? – perguntei, ignorando a estranha sensação de que Tina me encarava do outro lado da mesa.

—Seria impossível conta-los, senhorita Bethany... Já conheci mais cidades do que um homem se lembraria, mas com certeza uma de cada uma das grandes nações – ele bebeu um pouco de vinho, sorrindo e tirando uma folha de papel cuidadosamente dobrada do bolso. O mapa da Eurásia, com centenas de linhas, e pontos marcados – Consegue conta-las?

—Tudo isso são cidades? – Isabel, olhando sobre meu ombro, pareceu espantada – Isso é impressionante!

—De fato, é algo de que me orgulho bastante, faço meu trabalho muito bem – falou ele, sorridente – Acredito que já tenha visitado todos os lugares da Eurásia que valha a pena se estar.

—Está mentindo – aquilo foi o bastante para que todos se voltassem para mim. Senti minhas bochechas arderem de vergonha pela súbita atenção.

—Como disse? – perguntou Napho. Olhei para ele, sentindo meus olhos franzirem, mas por um momento antes de completar minha linha de raciocínio, ele pareceu estranhamente nervoso. Encurralado.

—Disse que já esteve em todas as grandes nações – ergui o dedo, colocando em cima da menor porção de terra no mapa – Mas nunca esteve na Suíça.

Ele piscou uma vez e depois outra, como se absorvesse o que eu acabara de dizer, e então olhou para o mapa muito lentamente e sorriu – Está certa, senhorita, nunca estive na Suíça.

—Não está perdendo nada – Isabel revirou os olhos, pegando uma pequena colherada de sobremesa – É tão insignificante, já devia a muito ter se juntado a França, a Áustria ou até mesmo a Itália.

—Por que sua mãe está fazendo um ótimo papel governando os territórios que já possui Isabel – Ironizou Annie, com um olhar repreensor, antes de se voltar para Napho – Por que nunca foi à Suíça, embaixador?

—Falta de oportunidades, eu presumo. A Suíça causa tão poucos conflitos que não há necessidades de visitas – ele deu de ombros, despreocupado, e então começou a dobrar o mapa – Embora eu não duvide que deva ser uma experiência extraordinária.

—Ainda estamos falando do país, não? – perguntou Dylan, divertido, erguendo uma taça – Acho que todos deveriam fazer um brinde as maravilhas da Suíça.

—Você já fez muitos brindes, Bordeaux – Isabel puxou sua manga, revirando os olhos.

—Ah, façamos um brinde a Itália também – ele falou, fazendo com que Isabel perdesse a pose e desse o mais suave dos sorrisos, batendo a própria taça com a dele.

Ao meu lado, Napho estendia a sua para mim – A Suíça?

—A Suíça – concordei, brindando junto a ele. Do outro lado da mesa, Tina já não olhava para mim, quando me concentrei na minha sobremesa. Olhava para trás cadeiras ao lado.

Um aperto no meu peito me fez sentir culpada por aquilo. Talvez, eu tivesse usado Napho, e Dylan mais cedo também, talvez eu quisesse deixa-lo abalado – eu precisava reagir. Era desgastante demais ser uma peça naquele jogo o tempo inteiro, era desgastante demais não ter controle de nada e nenhum poder.

Então, subitamente, ele se levantou e saiu sem se despedir de ninguém, e os olhos feridos de Dylan e o alivio de Annie foram o bastante para odiar aquela culpa. Eu não estava fazendo nada de errado. Estava criando vínculos e amigos, e se eu aprendi alguma coisa naqueles meses no palácio é que não podia se viver ali sem ter alguns amigos ao seu lado. 

...........................

 "2251.03.08.

Os homens Paris não foram feitos para durar. Pelo menos posso ver o rosto de meu filho uma última vez.

Não fui um bom rei. Eu nunca soube nada de finanças ou política. Mas Chloé é uma boa rainha. Ela tem dois herdeiros, espero que possa governar em nome de Natalie e até que eles tenham idade.

A Eurásia só tem a prosperar sob as mãos dela.

Eu não fui educado para ser um rei. Mas meus filhos serão, eles cresceram tendo como exemplo um rainha legítima, mesmo que ela não tenha o sangue dos Paris. E quando chegar a hora, eles governaram com seu poder e sabedoria, e com o sangue de Paris nas veias"

.......................

cabeça doía. Eu já tivera aquela sensação centenas de vezes com os livros durante a minha vida. Estar tão envolvida e imersa em algo que sentir que lia algo real, sobre pessoas e fatos reais – A diferença era que daquela vez, eu de fato estava, e isso era ao mesmo tempo empolgante e assustador.

2251. Aquilo fora menos de cem anos de nós agora, e pelos nomes das crianças, eu podia dizer que aquela parte do diário fora escrita pelo avô de Fox – ele tinha tanto dele que era impressionante que nunca tivessem se conhecido.

A pouca luz do meu esconderijo no topo da torre da biblioteca começava a diminuir, e evitei gemer a ideia de voltar para o salão das musas para o jantar. Não só Isabel, como todas nós já estávamos irritadas com a obcessão das gêmeas no embaixador, e no momento em que voltamos do almoço, três de nós foram inquiridas pelos motivos de elas não terem sido convidadas e perguntas sobre as preferências culinárias de Napho.

Puxei os ombros para trás, sentindo toda a minha coluna estalar, antes de abrir a saída, apenas para fecha-la novamente, assustada. A porta de repente ficou pesada em minhas mãos, quando precisei segurar ela para manter apenas a menor das frestas aberta para poder ver o que acontecia embaixo de mim.

A Rainha Lenna andava em volta de uma mesa longa, coberta de mapas e livros com aparência amarelada, cadernos com anotações e rabiscos, fotos e jornais. Parado na ponta da mesa, com as duas mãos apoiadas nela e as costas curvadas, o Soldado Martins parecia analisar tudo aquilo cuidadosamente. Veronicca parecia desconfortável, olhando todo muito discretamente, como se não quisesse aparentar estar interessada.

—Talvez seja hora de chamar meu irmão de volta – a rainha falou, duramente, fazendo a volta na ponta contrária da mesa – ele saberá abordar isso da maneira que precisamos.

—Me perdoe vossa majestade, mas o que precisamos agora é de cautela e descrição – o soldado Martins se posicionou, movendo alguns livros para olhar melhor o mapa no centro da mesa, o maior deles – Duas coisas que o duque desconhece.

—Cautela e descrição não estão nos levando a lugar nenhum, estão? – ela tamborilou as pontas dos dedos na mesa – Há dois anos, me prometeu que resolveríamos isso antes de Fox ser coroado Martins. Enviei-lhe a todos os cantos da Eurásia, criei mais conflitos do que realmente necessários, lhe dei um posto mais alto do que merecia com sua idade... E não estou vendo resultados.

—Vossa majestade, talvez seja a hora de desistir desta caçada que não nos leva a lugar nenhum – Veronicca interviu, muito suavemente – Há quatro anos, quando aquele homem lhe disse sobre esta criança, eu lhe pedi por isso e peço novamente. Não temos nenhuma evidência de que ela sequer existe.

—Não a chame de criança, Veronicca – pediu a Rainha, respirando fundo – Se minhas contas estiverem certas, ela deverá ter a idade de minha filha ou mais. Sei que ela existe. Eu vi nos olhos daquele homem naquela noite. Ele matou-se na nossa frente para evitar que o obrigássemos a falar por algum motivo.

—Uma criança americana. Escondida por um espião morto em algum lugar entre as dez nações que formam a Eurásia – Martins falou tão lentamente que a ideia por si só pareceu uma historia completamente absurda, mas o impacto das palavras quase fez meu braço dolorido soltar a porta – Parece um belo plano para desestabilizar um governo para que ele não possa se concentrar em seus problemas de verdade.

—Ou um plano para derruba-lo de dentro para fora – Contrapôs a rainha, segurando um livro grosso – A família Paris tem um longo histórico de deixar seus problemas para explodirem nas mãos de seus descendentes. Eu não farei o mesmo com... Com Fox, com toda a pressão do conselho sobre ele e a escolha desta esposa, ele já tem o bastante para se incomodar. – ela apertou a ponte do nariz, olhando de um para o outro em seguida – Quero resultados, Martins, ou serei obrigada a chamar por meu irmão. O mesmo vale para você, Veronicca.

Ela saiu em direção às escadas, descendo e sumindo. Os dois se entreolharam, e começaram a fechar os livros e dobrarem os mapas e guardarem tudo em lugares quase descuidados, embaralhados para que ninguém desconfiasse.

—Ela está obcecada por isso – falou o soldado Martins, puxando um pesado quadro, revelando um cofre dourado e digitando rapidamente uma senha – Estava obcecada há três anos, mas parece ainda pior agora.

—Ela esta preocupada com o garoto – ouvi Veronicca suspirar, sem conseguir vê-la de onde estava – Todos estamos preocupados, é bastante claro que Fox não está preparado.

—Se ao menos tivesse Ann... A irmã ao seu lado – Martins divagou, olhando para algo que imaginei que devesse ser Veronicca, e então balançou a cabeça, como se afastasse uma ideia – Deveríamos descer, temos trabalho a fazer.

Esperei os passos deles se afastarem até me sentir segura. Só percebi que estava prendendo a respiração quando a soltei, junto com a pesada porta, que quase levou meu braço junto. Desci rapidamente, usando o braço bom para fecha-la de volta, e segui o mais naturalmente possível para o andar de baixo, onde Napho estava bastante confortável sentado em uma poltrona, com um pequeno panfleto turístico nas mãos.

—Boa noite senhorita Bethany – ele cumprimentou, sorrindo.

—Boa noite, embaixador – retribui, gesticulando para o panfleto – Planejando nos deixar?

—Apenas pensando na minha próxima aventura – ele deu os ombros, piscando para mim – Uma garota me puxou a orelha por nunca ter visitado a Suíça.

—Que atrevida – brinquei, fazendo uma expressão chocada. Ele olhou curioso para a escada.

—Algumas pessoas interessantes desceram daquela escada antes de você, senhorita – ele comentou, com a testa franzida – Imagino o que todos vocês faziam lá.

Mordi a língua, olhando para a escada casualmente – Havia mais alguém lá em cima? – perguntei, cínica – Estranho, não vi ninguém.

—Impossível, eu podia ouvir os saltos de Vossa Majestade daqui – ele riu, mas havia desconfiança na voz dele.

—A-a rainha estava lá?- pisquei, no meu melhor desempenho – Eu jurava que estava completamente sozinha.

Ele balançou a cabeça, pensando naquilo – Deveria ser um livro muito interessante, para deixa-la tão absorta.

Sorri para ele – Em geral todos os livros me deixam assim.

A verdade seja dita, por trás dos sorrisos enigmáticos não soube dizer se Napho acreditou ou não em tudo que eu disse, mas apenas na metade do caminho para a Casa das Musas eu me perguntei, se o embaixador escutara mesmo os saltos dos sapatos da rainha caminhando pela madeira, o que mais não poderia ter ouvido daquela conversa tão alarmante.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Rainha da Beleza" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.