A Rainha da Beleza escrita por Meewy Wu


Capítulo 26
XXV - Inglês




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Quando eu o ouvi me chamando, eu percebi que não devia a primeira vez que o havia feito. Eu não o conhecia, percebi, encarando o homem em minha frente. Eu não sabia seu nome, mas de alguma forma ele sabia o meu - é claro que sabia, algo na minha mente me lembrou, eu era uma musa não era?

O estranho estava em um ângulo estranho, que se alterava enquanto ele se inclinava em minha direção, ajoelhando-se sobre uma das penas. Não, era eu quem estava em um ângulo estranho. Deitada, com a escada fria contra minha bochecha. Deitada, com as mãos frouxas sobre os ouvidos, encolhida, tremendo e - percebi - cantarolando. Meu cabelo, antes tão perfeito, havia caído em ondas pegajosas em volta de meu rosto choroso, ombros e pescoço suados e expostos pelo tecido arrebentado do vestido.

—Você deve ser a Bethany, estou certo? - ele me ajudou quando sofregamente tentei me sentar nas escadas, com um sorriso gentil. Assenti, sem confiar o bastante na minha voz para falar - Estão todos procurando por você há quase uma hora inteira, sabia?

Pisquei, tentando entender aquelas palavras em um sotaque novo. Procurando por mim? As imagens se formaram em minha cabeça outra vez, ligadas a palavras e sons, uns atrás dos outros, como se na inconsciência daquela escada tudo tivesse se bloqueado e voltasse agora. Festa. Fox. Fogos. Senti um batimento do meu coração falhar, e o ar começou a ficar pesado, como se sem nem sequer saber o motivo daquela reação eu pudesse voltar a chorar naquele exato minuto.

—Você está bem? - ele pareceu confuso, tirando um lenço do bolso do terno e o oferecendo para mim.

—Não sei o que está havendo comigo, me desculpe - respirei fundo, pegando o lenço e passando no rosto, sentido a maquiagem grudenta se misturar em uma bagunça ainda maio em mim. Eu devia estar horrível.

Aquilo me fez rir. Ele me olhou ainda mais confuso, enquanto eu absorvia o absurdo dos meus próprios pensamentos. - Sempre ouvi que garotas francesas tinham temperamentos fluidos, mas você é de fato surpreendente senhorita Bethany.

—Me desculpe senhor, é só que... - tomei fôlego por um minuto, antes de continuar - Há alguns meses, eu nem sequer havia passado batom nos lábios, e agora estou aqui preocupada com a minha maquiagem depois de ter...

—Fugido de uma festa real sem nenhuma explicação? - ele franziu a testa, muito pensativo - Me parece uma preocupação plausível. Mas se me permite - ele pegou o lenço de volta da minha mão, passando-o em minhas bochechas - Não tem motivo para se preocupar com sua aparência, senhorita. Imagino que seja preciso mais do que algumas lágrimas para invalidar a beleza de uma das famosas musas de Paris.

Revirei os olhos, enquanto ele se levantava e erguia a mão para me ajudar a fazer o mesmo. Apenas ali, em pé, frente a frente a ele, foi que pela primeira vez realmente o observei. Os cabelos eram cor de mel, ondulados até a altura do queixo musculoso, batendo na ponta dos ombros largos. O meu ajudante, tinha olhos verdes pálidos e lábios grossos rodeados com uma barba rala, e no centro do rosto, um nariz que parecia já ter sido quebrado antes. Ele era lindo.

Não tinha aquela beleza intelectual e cumpridora de deveres de Apolo, nem a diversão de Dylan ou a polidez fria e misteriosa de Fox. Eu conseguia vê-lo em um barco, com o cheiro salgado do mar e o sol no rosto bronzeado, sorrindo com um mapa em uma mão e uma lupa em outro.

Um herói, tal como em um livro de aventuras. Cheirando a desafio e liberdade.

—Desculpe, eu nem perguntei o seu nome - falei, piscando e dando um passo para trás, esperando não tê-lo encarado por muito tempo.

—Geralmente não entrego meu nome com tanta facilidade, senhorita - ele alertou, descendo as escadas. O segui, poucos degraus atrás - Mas já que sei o seu, Bethany, talvez seja justo. Pode me chamar de Napho.

—É um nome... Incomum - franzi a testa, enquanto ele acabava de descer as escadas e se virava para mim novamente.

Agora, há distância, eu também via as medalhas brilhando em seu terno que não era branco, mas de um azul muito claro. Entre elas, a medalha Inglêsa.

—É uma abreviação de Napoleon, Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do Império Britânico - ele fez uma reverência - Ao seu dispor, senhorita.

..................

"Henry Paris

2241. 08.28

Um tiro. Foi o suficiente para que ele morresse. Da sacada, apenas um estrondo e então meu tio caiu aos meus pés, e eu era o rei.

Admiro Chloé, por dezenas de vezes hoje a vi engolir o choro e marchar pelo palácio dando ordens. Ela organizará tudo. Do caixão, aos poucos convidados, as câmeras. Os guardas, as flores e as roupas que meu tio usaria. Ela não recuou nem uma vez, mesmo estando evidentemente prestes a desmoronar.

Minha tia, por outro lado, segue indiferente a tudo. Acho que estava traindo meu tio quando vivo, e agora que está morto e ela não precisam mais ser a rainha, talvez ela possa ser feliz.

Gostaria de ter alguém para me ensinar. Eu não sei ser rei. Não vi o mundo, não lutei em guerras, e nem tenho ninguém param e ensinar."

.................

Se as meninas tinham perguntas sobre o acontecido da noite anterior, nenhuma delas falou nada durante o café da manhã, servido excepcionalmente às dez da manhã, quando todas nos reunimos não muito falantes e comemos em silêncio. Até mesmo Isabel parecia ter olheiras profundas, e eu não sabia dizer se aquilo era da busca delas por mim ou por terem ficado até muito tarde celebrando o novo ano. Imaginava que, cada um talvez tivesse seu próprio motivo.

Tina e Fox foram os primeiros e únicos a quem encontramos para avisar que eu já não estava mais desaparecida, e estes assim como Napho me acompanharam sob meus protestos fraquejantes até a porta da Casa das Musas, onde enfim fui deixada sozinha para encontrar o caminho até meu quarto enquanto eles voltavam para avisar a todos na festa que eu havia sido encontrada. Ao menos, nenhum dos dois fez perguntas - não até aquela manhã, quando não pela primeira vez naquele palácio pedi para uma criada avisar a Fox que recusava o convite dele para o café.

Estávamos quase todas terminando de comer, quando a mesma criada deu a Alicia uma carta em uma bandeja prateada. Alicia rasgou com cuidado o lacre e leu, parecendo segurar um gemido de desgosto antes de avisar - As musas do Petit Palace estão convidadas há se juntarem a rainha Lenna, o Príncipe Fox e o restante da corte para um almoço de recepção ao Embaixador Inglês Napoleon. Sua presença é imprescindível. O almoço será servido exatamente às duas horas.

Isabel olhou para ela, depois para sua xícara de café, e fez sinal para que a empregada mais próxima a servisse mais antes perguntar, apoiando os cotovelos na mesa - Não estamos mesmo surpresas, estamos?

—Não - Annie concordou, também pedindo por mais café.

—Eu esperava ao menos um dia depois da festa de ontem - Jin suspirou, e Kali concordou com ela.

—Ou mais de doze horas - complementou Kali.

—Sabem como é a minha tia - Tina arrumou as costas e colocou o cabelo atrás da orelha - Ela fará de tudo para impressionar o embaixador até que ele se vá, e isso quer dizer que teremos mais trabalho do que nunca.

—Por que estão reclamando? - perguntou Lilie, fazendo cara feia.

—A rainha está nos convidando para um almoço - falou Livie, concordando com a irmã.

—Um almoço com Napho - as duas falaram ao mesmo tempo, parecendo muito felizes e contrariadas uma com a outra.

—Não comecem de novo, por favor - Pediu Isabel, olhando para as duas - Não tenho paciência para mais uma de suas paixões platônicas.

—Não é platônica, ele dançou comigo duas vezes ontem - falou Lilie - Todas viram!

—Assim como viram que dançou três vezes comigo - Livie alegou, sorrindo.

—Talvez ele nem soubesse que eram duas... - Isabel murmurou.

—Deixe-as Isabel - Alicia falou, dando um sorrisinho para as gêmeas.

—É claro que ele sabia que éramos duas! - grunhiu Lilie, se virando para a irmã - e ele só não dançou mais comigo, por que saiu para ajudar a procurar Bethany!

—Mas ele dançou comigo depois que voltou - Livie alegou muito satisfeita consigo mesma.

Eu não havia entendido antes, porém agora fazia sentido toda aquela comoção de moças em torno do embaixador, e até mesmo a reação das gêmeas em sua paixão adolescente. Tão rápido quanto eu pude ver, o café fez efeito e a maioria das garotas se levantou anunciando que começaria a se arrumar.

—Vou perguntar a Nisha se quer comer algo antes que tirem a mesa - Annie falou, se levantando de maneira cansada, e saindo, deixando apenas eu e Isabel ali.

—É melhor eu ir também - Isabel falou, com cara de desgosto, se levantando.

—Não vai mesmo perguntar? - ergui uma sobrancelha, enquanto ela sorria para mim.

—Alicia fez todas prometermos que não tocaríamos no assunto se você não tocasse - ela deu os ombros, e depois os ombros relaxaram um pouco - Não que ela precisasse. Eu melhor que ninguém sei que existem coisas que nos preferimos não falar. De qualquer forma, ao menos você foi resgatada por um belo cavaleiro brilhante, não é?

Não consegui não sorri - Isso com certeza é algo que eu não posso negar...

—Ainda que eu prefira meu Dylan, este embaixador é realmente delizioso! - ela confidencializou, olhando sobre o ombro - Parece que Annie não conseguiu tirar la sua adorazione do quarto. Que pena.

—Seu Dylan? - perguntei, pegando-a de guarda baixa.

—Você nunca ouviu isso, Bethany! - ela apontou o dedo para mim, antes de sair marchando, e me deixar sozinha na mesa de café da manhã.

..................

Para o Plenipotenciário Embaixador parecia um domingo de verão. Mesmo que do outro lado da janela a neve caísse cintilante como os diamantes em volta do meu pescoço, ele parecia confortável em uma camisa azul escura com as mangas dobradas e os botões superiores abertos, e sorria enquanto cumprimentava uma a uma as musas em fila.

—Agora parece como uma musa deveria, senhorita Bethany - ele se curvou, beijando a minha mão tal como fizera com Alicia, Tina e as outras garotas que lhe cumprimentaram antes de mim.

—Não é critério de um estrangeiro dizer como uma musa deveria se parecer - falei, vendo sobre o ombro dele os olhos de Veronicca se arregalarem um pouco enquanto a Rainha Lenna inesperadamente ria.

—De fato, não é - ele concordou, divertido - Mas prefiro ver qualquer senhorita, musa ou não, com um belo sorriso no rosto.

Atrás de mim, Nisha era a última das musas - a última na lista de chegada - esperando ser introduzida. Veronicca, a alguns passos das costas de Napho, assentiu para mim, e com um último aceno de cabeça me afastei um pouco, deixando que Nisha se aproximasse, porém não seguindo para o fundo da sala onde as outras garotas estavam, e sim esperando a poucos passos dos dois.

—Esta, embaixador, é a nossa musa mais recente - Veronicca anunciou, muito calculadamente, como se carregasse a tensão de todos da sala nos próprios ombros - Resgatada pelo próprio príncipe Fox de um grupo de sequestradores. Aproxime-se Nisha.

—É um prazer conhecê-la, Nisha - ele sorriu, beijando a mão dela, tão cordialmente quanto fizera comigo ou qualquer outra das outras, com um sorriso sincero e curioso - De tudo que eu ouvi sobre as musas de Paris, achei que não seria capaz que me surpreendessem. Mas a cada momento fico mais surpreso.

Por um segundo, enquanto ele dizia isso, tive a impressão de que seus olhos saíram de Nisha e voaram até mim, antes dele continuar falando para ela - Me diga senhorita, de onde vem tamanha beleza... Com certeza não de nenhum lugar da fria Europa, presumo?

—Eu... - Nisha parecia espantada, tal como todos os outros ali naquela sala, enquanto os olhos de Napho pareciam se divertir sabendo que era o centro da atenção de todos os lordes, e principalmente das ladies da corte.

—Mil perdões, não queria constrange-la - ele falou, se virando para a Rainha - Se eram as senhoritas que esperávamos, vossa majestade, talvez pudéssemos começar a comer?

A Rainha Lenna se levantou da confortável poltrona onde agraciava sua corte com sua presença e caminhou até nós - Iremos comer assim que o príncipe Fox se juntar a nós embaixador - havia gentileza, mas também algo intimidador por trás daquela frase. Perguntei-me o que poderia ter acontecido.

Ele deu um sorriso afetado, concordando enquanto Dylan se aproximava e lhe puxava para alguma conversa muito animada. Segui junto a Nisha até onde as outras garotas estavam, na parte da sala que aparentemente fora destina para nós, no canto oposto.

Belos enfeites, percebi. Nosso papel ali era transparecer leveza e alegria em toda aquela corte perfeita. Enormes pufes fofos, um longo e macio sofá cor de rosa sobre um tapete branco e felpudo transpareciam todos os conceitos de pureza e feminilidade que podiam ser proliferados pela Eurásia sobre as musas - e davam fim a qualquer boato profano que circulasse.

As aparências eram perfeitas.

—Ela está adorando tudo isso - comentou Annie, brincando com a barra da saia de tweed cinza, enquanto nos aproximávamos. - Não acredito que está tirando proveito de Dylan assim...

—Talvez Dylan esteja tirando proveito dela. Isabel, afinal, é uma Venezza - Alicia ponderou, em um Pufe azul que se misturava com seu suéter.

Annie apenas lhe deu um aceno de cabeça. - Não que ela nos deixe esquecer isso.

Isabel tinha o braço de Dylan em volta de sua cintura enquanto este falava com Napho, ladeado por Lilie e Livie que em algum momento migraram até aquele pequeno círculo. Nisha sentou-se ao lado de Annie, observando os dois - Eles parecem felizes.

—Você não conhece aqueles dois - Kali riu, mordendo um macarrom e recebendo um olhar feio de Jin.

Eu estava prestes a revirar os olhos, quando Tina se levantou - Bethany, podemos conversar?

Assenti, a seguindo até uma janela mais afastada das outras garotas - Aconteceu algum coisa?

—Não é nada, só... Algo que está me incomodando um pouco - ela deu os ombros, mordendo o lábio inferior - Ainda está chateada com Fox?

—Bem, eu...

—Foi por que isso que você - ela parou por um momento, olhando para baixo - Que sumiu ontem na festa.

—Não, aquilo não teve nada a ver com Fox, Tina. Sequer sei com o que tem haver, para ser sincera - senti meus ombros caírem, e percebi pelo olhar assustado que Tina lançava para as outras garotas que ela estava quebrando o trato de não fazer perguntas - Mas sim, ainda estou magoada por Fox não ter me contado nada. É como se Isabel confiasse mais em mim para saber disso do que ele.

—Você não o faria, não é? - ela perguntou, receosa, segurando meus pulsos com mais força do que sequer imaginei que Valenttina tivesse nos seus dedos finos - Não faria algo assim apenas para magoar a Fox, faria Bethany? Você não é assim, é?

—Do que está falando? - franzi a testa, enquanto ela olhava irritada sobre o meu ombro.

—Não olhe - ela pediu, franzindo a testa como se tentasse se manter concentrada - É só que este embaixador, Napoleon, com todos seus flertes e sorrisos e o jeito que ele olha para você...

Pisquei surpresa, entendendo do que Tina parecia estar me acusando.

—Se é isso que Fox acha, pode dizer a ele que... - comecei, mas ela me cortou antes que eu me perdesse entre defensa e um discurso de traição ao futuro rei.

—Fox não acha nada Bethany, apenas está chateado por você ter se recusado a falar com ele está manhã depois de tudo que houve ontem à noite. Ele está preocupado com você, diz que ele quem deveria ter te encontrado - ela respirou fundo, puxando os pulsos da blusa florida - Bethany, conheço Fox desde antes de ele nascer, e eu vi a forma como ele olhou para vocês ontem.

—Que forma? - foi a minha vez de franzir a testa. A verdade era que eu sequer tinha olhado para Fox na noite passada, quando Napho insistiu que eu o acompanhasse até que Fox visse que eu estava inteira e deixasse todos voltarem a festejar o novo ano.

—Como se ele a estivesse roubando - foi à resposta de Tina.

—Eu não pertenço a Fox para que alguém me roube Valenttina! - arfei, cruzando os braços. O rosto dela ganhou um ar derrotado, quando ela declarou.

—Não, não pertence.

E naquele momento, eu vi mais um lado obscuro da mais doce das musas. A fada que se pudesse me daria de presente com um laço para Fox, por que amava sua família tanto que faria o mundo infeliz para vê-los sorrir.

Virei-me, parando ao lado dela, encostada na janela, sentido o frio passar pelo vidro e pelo meu vestido até minha pele, procurando pelo salão aquele que sequer sabia que estava sendo julgado. Napho, com uma gargalhada que enchia a sala ao falar com Dylan, se diferenciava de tudo naquela sala.

Não combinava com a mobília preta e as paredes brancas, com as assessoras engravatadas da rainha e seus maridos e esposas vestidas exatamente do mesmo jeito. Não combinava com a pomposidade dos lordes e ladies. Nem com as mentiras que cada uma de nós, musas, carregava. Ele não pertencia aquele mundo, e iria embora em dois ou três meses.

Eu malditamente o invejava por isso.

—Eu nunca vi o meu primo ficar por ninguém da maneira como fica por você, Bethany. - Tina falou por fim, soando como se pudesse desmoronar em lágrimas ali mesmo - Só quero que ele seja feliz, e você parece deixa-lo feliz. Acho que talvez Fox te ame.

A dor ficou clara no meu tom, quando fiz a pergunta da qual eu já sabia a resposta - Ele disse isso para você?

—Bem, não, mas...

—Então não coloque palavras na boca de alguém. - pedi, me afastando de Tina, para que ela não visse a raiva em meu rosto. Por que apesar de tudo, eu não queria magoa-la - Ainda mais do futuro rei.

—O que você faria se ele dissesse? - a pergunta atingiu meu estomago. Eu também não esperava por ela.

—Bem, ele não disse não é mesmo? - falei, sem voltar a me virar para ela. Foi aquele o momento em que Apolo, que não era nada mais do que uma peça naquele enorme jogo de xadrez, e menos que isso, apenas um peão, abriu a porta para que Fox entrasse, e engolindo as lágrimas que me traiam complementei para mim mesma - Não disse muitas coisas.

.....................

Não fui à única que notou que havia algo de incomum, quando a Rainha pediu que antes de seguirmos para a sala de jantar, todos nos curvássemos em honra não dela, mas de Fox, como um suposto sinal de prosperidade antes do primeiro almoço do ano em que ele se tornaria rei. E, sem pestanejar, nos o fizemos. Primeiro os guardas e criados, em seguida todos na sala com exceção da própria rainha e de Napho.

—Imagino que não esteja familiarizado com nossos costumes embaixador - a rainha Lenna, novamente com aquela frieza incomum na voz, falou de forma lenta - mas eu peço que como hospede honre a tradição, e curve-se.

Permiti-me olhar para cima, enquanto Fox parecia um pouco contrariado com tudo aquilo também, mas se manterá ali, em pé, frio e perfeito como uma estátua de gelo.

—Eu o faria se pudesse vossa majestade - ele dobrou a parte superior do corpo em uma reverência a ela ao falar isso, a voz se arrastando como uma serpente, olhando para Dylan ao lado dele ajoelhado perante o primo - Mas se o fizer, temo ser incapaz de levantar ou sequer andar novamente.

—O que quer dizer com isso? - Exigiu a rainha Lenna, os olhos azuis elétricos faiscando, como se cada palavra dele quebrasse sua parede imaculada e fizesse aquela eletricidade correr mais rapidamente sob a pele dela.

—Alguns acidentes durante a viagem até aqui me causaram um terrível ferimento no joelho - ele ponderou por um minuto, andando até Fox e estendendo a mão - Porém, em nome de toda a Inglaterra, honro seu nome príncipe Fox, e espero que seu ano e seu reinado sejam igualmente prósperos.

Fox não estava preparado para isso. Os olhos negros ganharam uma vulnerabilidade incomum - a cobra, percebi, era mais astuta que a raposa. Mas a raposa era esperta o bastante para saber que aquela não era uma briga a se abraçar.

—Lhe agradeço Napholeon - na boca de Fox, o nome soava mais como 'Nafólon' - É bem vindo a nossa mesa. Todos se levantem, pois hoje são bem vindos a nossa mesa.

—Estou curiosa Napoleon - falou a rainha Lenna, enquanto seguíamos todo o grupo em silêncio para a sala ao lado, onde a gigantesca mesa de jantar começa a ser preenchida - Disse que já havia ouvido falar das musas do Petit Palace?

— As Musas de Paris são famosas por todo o mundo - ele sorriu, olhando para nós ligeiramente - Sinto-me na obrigação de dizer que a fama sequer chega aos pés de tamanhos encantos.

A Rainha Lenna sorriu, graciosa, muito mais bela do que qualquer uma de nós. Aparentemente, toda a hostilidade disfarçada havia sumido, satisfeita por aquele frágil equilíbrio de poderes, imaginei - Nossas musas não são apenas bela, Napho, mas também muito talentosas... Tocam, pintam, cantam...

—Cantam? - ele a interrompeu, ganhando um semblante perturbado em recompensa. De fato, a rainha da Eurásia não devia estar acostumada a alguém, muito menos um homem, tão jovem a interrompendo - Mil perdões majestade, mas sinto que não ouço bom canto desde que estive na ópera chinesa. Fascinaria-me uma demonstração, se sua majestade se agradar.

A Rainha prontamente gesticulou para Veronicca, falando baixo demais em seu ouvido para que conseguíssemos ouvir; enquanto Isabel fingia um riso e todas seguíamos seu exemplo.

—Alicia - chamou Veronicca, enquanto Alicia se virava, fingindo como todas nós que não prestava atenção — Sí, Veronicca?

—A rainha e o embaixador gostariam que cantasse um pouco para nós - Avisou ela, suavemente - Importa-se de nos agraciar com uma canção?

—Eu acompanho - falou Annie, flutuando até o Piano no canto da sala.

—Minha voz está um pouco... Rouca hoje - Alicia confessou, em voz baixa, para que apenas nós e Veronicca ouvíssemos - Mas posso tentar.

—Alicia, a rainha...

—Se não for um incomodo - Napho levantou-se, andando lentamente em nossa direção e pegando a mão de Alicia - E em nenhum momento chego a pensar que sua voz deixaria qualquer coisa a desejar - ele soltou a mão dela, caminhando até mim e estendo a mão - Eu gostaria que a senhorita Bethany cantasse para mim. Tenho a impressão que a voz dela deve ser uma descoberta das estrelas...

Com um aceno confuso da Rainha, aceitei a mão dele e me levantei, apenas para ouvi-lo sussurrar - Ainda mais quando não está chorando.

Annie me olhou, a espera. O mesmo olhar que a rainha sua mãe me lançava do outro lado da sala, ladeada por um Fox que parecia curioso, para dizer o mínimo. O último rosto que capturei foi o de Tina, seu semblante amargo e incomodado, seguindo a Napho enquanto ele tomava de volta seu lugar à esquerda da Rainha.

—Eu não consigo lembrar nenhuma música - confessei, franzindo a testa em concentração - Desculpe, eu...

—Cante aquela que cantou para que eu dormisse - Sugeriu Alicia, alegremente.

Assenti um pouco receosa, timidamente deixando a música brotar para fora de mim, enquanto Annie pegava o ritmo, e tão habilidosa quanto talentosa o acompanhava.

"Eu vou construir um pequeno navio, para poder velejar, 
Por todo esse mar, em baixo do céu, enfim me encontrar. 
Eu vou viajar para bem longe daqui, e pra casa eu vou voltar".

As imagens tremularam na minha cabeça, por um minuto, enquanto os pratos eram servidos e as taças se enchiam.

"Eu vou construir um pequeno navio, para poder velejar, 
Por todo esse mar, em baixo do céu, enfim me encontrar...".

Cachos de cabelo loiro caindo em minha direção, uma voz doce de mulher cantando aquela mesma música, com uma letra diferente.

"...Eu vou remar pra bem longe daqui e pra Am..."

—Pare! - exclamou o embaixador, tão alto que todos se viraram para ele, ao mesmo tempo em que ele continuava - Foi o bastante. Um beijo aos ouvidos tal como eu esperava, Bethany.

—Obrigada - falei, fazendo uma reverência e fazendo menção de voltar a me sentar, quando um guarda parou logo atrás de mim.

—Senhorita, o príncipe Fox gostaria que se sentasse ao lado dele - avisou o guarda, colocando a mão as minhas costas, sem realmente me tocar, e me guiando até o lugar ao lado de Fox.

Minha cabeça doía e girava e meu sangue agora também fervia. Uma emboscada, onde eu não pudesse recusar sem afetar todo o teatro de perfeição.

Deixei que o guarda puxasse minha cadeira, e sentei-me, entre Fox e Dylan, em frente à Tina e sob o olhar da rainha e do embaixador inglês. Um brinde foi feito, taças foram erguidas, sorrisos foram dados, e então enquanto todos pareciam muito concentrados em suas próprias conversas, Fox voltou-se para mim.

—Está bem? - ele perguntou, me analisando de cima a baixo - Parece pálida.

—Um pouco tonta. Depois de tanto tempo ainda é estranho ser o centro das atenções - não era mentira, repeti para mim mesma, de novo e de novo. Não era maior do que os segredos que ele perdia as chances e chances de me contar. - O que há entre você e o embaixador?

Ele olhou de esgueira para Napho, e eu fiz o mesmo. Ele parecia concentrado demais no próprio vinho, mas foi só olhar um segundo a mais do que Fox, para ver seu sorrisinho por trás da taça quando o príncipe me respondeu - Tivemos um pequeno mal entendido na festa de ontem.

Não foi difícil daquela vez, notar quão cruamente ele mentia. Porém, a preocupação se sua pergunta ainda me fez sentir culpada ao contar minha própria mentira a ele - Tem algo errado, Bethany?

Era apenas uma música. Mas ainda parecia errado esconder, quando se repetia de novo e de novo na minha cabeça.

Então, sorri para o príncipe Fox ao falar - Nada poderia estar melhor.

"Eu vou remar para bem longe daqui, e pra América volta".


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