A Rainha da Beleza escrita por Meewy Wu


Capítulo 25
XXIV - Diamantes de Mentira




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A chuva durou até o dia anterior à véspera de ano novo, quando o sol voltou a raiar logo cedo nas pontas das torres do Petit Palace. Inquieto, Romeu pratica exigiu de mim que o tirasse de dentro daquele quarto, como se soubesse que enfim havia sol do lado de fora. Minhas pernas foram às vítimas do gato caprichoso, que não aceitava um não como resposta até que, quando a tarde chegava a sua metade, eu o levei para passear pelos jardins ainda úmidos.

Olhando para os céus, me distrai por um minuto pensando no tempo incomum. Sim, o dia estava melhor do que os anteriores, mas era evidente de que em breve o frio voltaria a cair sobre a grande Paris.

—Romeu! - gritei, quando ele saiu correndo de perto de mim em direção a uma moita, atrás de um vulto amarelo brilhante, um pássaro talvez.

—Senhorita Bethany - Dylan sorriu, se aproximando da mesma moita onde Romeu estava - Acho que seu pequeno amigo achou algo que vim procurar.

—Boa tarde, Dylan - cumprimentei, enquanto ele pegava Romeu nos braços. Este se recusava a largar a bolinha amarela brilhante, que era maior que a sua boca - O que está fazendo aqui? Tina disse que tinham um compromisso...

—Sim, de fato, um compromisso, e um muito importante - ele brincou com a orelha de Romeu, que então soltou a bolinha no ar para conseguir tentar morder a mão de Dylan - O grande jogo de tênis anual com meus amados primos - Ele empurrou a bola até mim com o pé - Imagino que tenha visto meu presente.

—Sim, foi... Surpreendente - me mexi, um pouco incomodada, e recolhi o objeto do chão, trocando-a de uma mão para a outra, fixando meu olhar no objeto amarelo para não olhar para Dylan - Mas pareceu incomodar muito mais a Isabel.

—Ah, Venezza - ele suspirou, soltando Romeu e passando as mãos nos cabelos suados - Ela nem sequer deve ter lhe mostrado o que dei para ela.

—Eu vi - dei os ombros - Deve ser um perfume especial. Ela vem agindo de forma estranha ultimamente - contei, enquanto o gato pulava em mim - Simpática.

—Isabel Venezza sendo simpática, eis algo que eu gostaria de ver antes de encarar a guerra... - ele suspirou, parecendo um pouco abalado por um minuto - Mas respondendo sua dúvida, aquele é sim um perfume especial...

Não muito longe de onde estávamos, foi possível ouvir um riso masculino. Meu coração aqueceu, reconhecendo o timbre de Fox. Dylan deu uma olhada sobre o ombro, antes de continuar.

—... São feitos apenas uma pequena quantia todo o ano perto do natal, e vendidos para quem estiver disposto a pagar muito caro por um frasco no centro da cidade de Roma. Eu era escudeiro do escudeiro do pai de Isabel quando éramos jovens, e em um ano cheguei a viajar com eles para buscar este fino presente - ele sorriu para os próprios pés, e gargalhou ao ouvir um grito feminino perto dali - Imagino que meu primo precise de mim. Tenho de voltar ao jogo, Bethany.

—Imagino que isso não seja um convite para assistir, não é? - ele assentiu, baixando a cabeça - Eu imaginei. Bem, volte ao seu jogo.

Ele já estava quase sumindo de vista, quando lembrei - Dylan, espere - chamei, correndo até ele, enquanto os saltos dos sapatos se afundavam na grama - Fox sabe que você me indicou?

Ele sorriu de lado, divertido - Não se não contou para ele. Cá entre nós, Bethany - ele se aproximou, baixando a voz - Tenho esperanças que ele lhe escolha por si mesma.

—Dylan! Por que está demorando tanto? - e ali estava ela. Suada, com um alto rabo de cavalo preto, usando roupas brancas de tênis assim como Dylan.

Olhei para Annie, que pareceu apavorada demais em me ver. Foi quando eu percebi. Foi quando eu finalmente percebi o que Dylan havia dito que eu não vira, e quando me voltei para ele eu vi a percepção brilhando nos olhos dele. Ele sabia que eu entendera.

—Bethany, acho que você estava indo, não é mesmo? – ele perguntou praticamente me empurrando para fora dali - Foi um prazer vê-la.

Apenas segui andando. Andando sem parar; primeiro na direção em que Dylan me empurrara, e então quando entrei no palácio, na direção da casa das musas, topando com Isabel que falou algo em italiano e saiu apressada. Fiquei olhando pelo caminho onde ela foi - ela sabia, eu percebi. É claro que sabia.

Quem mais? Será que todas sabiam? Eu não achava possível, não achava que me esconderiam isso, mas parecia ainda mais triste que Annie escondesse isso delas.

Sentei-me na minha cama, vendo Romeu apressado entrar no quarto atrás de mim. Eu me esquecera dele. Me esquecera de tudo. Fechei os olhos, tentando acreditar que estava em um sonho.

Ou em um livro.

................................

—Bethany? - Alicia entrou no quarto pouco depois do jantar, com um ar preocupado - Você está bem? Lilie e Livie disseram que não queria jantar. Sente-se doente?

—Não, me sinto bem - garanti, enquanto ela se sentava na lateral da cama, sorrindo - Só estou me sentindo um pouco mais perdida do que de costume.

—Mesmo depois de tantos anos, me sinto assim às vezes - Alicia sorriu, soltando o prato no meio da cama e sem nenhuma cerimônia se deitando e pegando o diário de Paris de cima do travesseiro - Sempre a algo novo para se descobrir por aqui. Muito mais do que coisas que estão apenas escritas em papeis.

—Apolo ainda está aborrecendo você? - perguntei, enquanto ela soltava o diário de volta onde encontrará.

—Ele é obstinado - ela riu, torcendo uma mecha do cabelo - Demais para entender que eu simplesmente não consigo me entender com palavras, independente do livro ou da língua em que elas estão escritas. - ela pareceu entristecida, por um momento, antes de ser virar para mim - Está tentando me distrair, Bethany? Pelo que me lembro, estávamos falando de você!

—Não, tenho certeza de que não estávamos – ela riu, enquanto eu fazia minha melhor encenação de desentendida.

—Quer me contar o que descobriu que abalou tanto sua mente? - ela estreitou os olhos, se debruçando mais perto de mim e apontando para meu peito esquerdo - Algo que envolva um belo príncipe de olhos e cabelos negros, talvez? - ela analisou minha expressão por um minuto, enquanto eu sentia minha boca retorcer por si mesma.

—Bem, sim. De certo modo, tem haver com Fox - falei, sentindo minha testa se franzir assim como a dela - Mas não apenas ele, ao todo.

—Mas gosta dele também, não gosta? - Ela balançou as pernas no ar, brincalhona. – Acha que o ama?

 

—Também? - ergui uma sobrancelha, incapaz de não sorrir com aquela palpitação no meu peito.

—É bastante óbvio para mim que ele gosta de você. A maneira como fala de você, como ele te olha - ela suspirou, tirando um fiozinho imaginário do travesseiro - Principalmente quando você sorri, é claro!

—Quando eu sorrio? - fiquei curiosa com aquela afirmação.

—Bem, você sabe... Essa coisa que você faz quando sorri - ela gesticulou para meu rosto, como se fosse algo óbvio, e então adquiriu um tom curioso nos olhos - Nunca te falaram?

Neguei com a cabeça - Que "coisa" que eu faço?

—Você é linda Bethany, mas quando você sorri é... É puro, entende? - ela pareceu não saber explicar - Você inteira é pura, e pureza não é algo comum, principalmente nesta parte da Eurásia. Você só é diferente, e Fox gosta disso em você - ela deu os ombros - Bem, todos gostamos, mesmo La signorina Venezza parece estar caindo nos seus encantos.

—Para mim, você está falando loucuras Alicia - falei a empurrando de leve - Meu sorriso é se muito comum.

—Se eu lesse os livros que Apolo pede que eu leia, eu teria palavras para convencer você - ela falou se sentando novamente - Mas se não acredita em mim, pergunte a qualquer uma das meninas e elas irão lhe confirmar.

—Meu sorriso é a última coisa que estou preocupada em conseguir uma confirmação, Alicia - suspirei, minha mente voltando para a minha descoberta recente.

—No que está pensando? - Perguntou Alicia, abraçando uma almofada.

—Em algo que queria ter certeza... - Suspirei, enquanto Romeu se esgueirava para cima da cama - Mas não tenho.

 

—Sabe, há pouco que me possa falar deste palácio que eu já não saiba Bethany, e tanto do que pode perguntar que eu saiba ou não responder - ela comentou, calmamente. - Se quiser falar com alguma das outras meninas, Isabel ou Tina que estão aqui a ainda mais tempo do que eu...

—Annie estava no jantar? - a pergunta a pegou de surpresa.

—Não, ela deve estar dormindo. Parecia cansada quando a vi chegar, ela e Tina tinham um compromisso hoje.

—Um compromisso de família? - então, enfim, o entendimento tomou os olhos de Alicia.

Os ombros dela cederam, e ela sorriu derrotada - Acho que você vai ter de falar com Annie sobre isso, Bethany. - ela parecia conter um misto de desculpas e orgulho - Mas amanhã, quando as duas estiverem bastante descansadas, certo?

Antes que eu pudesse responder, Alicia já estava se levantando e saindo do quarto, deixando para trás um pedido de boa noite e uma confirmação que tirou todo o meu sono.

Foi essa insônia, que me fez ficar em pé até às quatro da manhã, cansada de rolar pela cama, segui até a sala de jantar esperando que a criada da noite pudesse me trazer um chá.

Outra pessoa já havia tido aquela ideia. Havia três xícaras e um bule, repousando em cima da mesa, e uma quarta xícara nas mãos de Annie quando ela me viu.

—Sem sono também, Bethany? - ela perguntou, suavemente, esboçando um fantasma de sorriso - Quer chá? Há o bastante para duas.

Concordei, sentando-me em frente a ela e me servindo, notando a ausência da empregada, mas não comentei. Ficamos ali, dividindo o silêncio pelo que pareceram longos minutos.

 

Ela parecia distante, mexendo volta e meia o líquido da xícara em círculos, muitas vezes fazendo-o ate que este se derramasse pelas laterais. A postura perfeita, delicada e equilibrada, mas de certa forma Annie era imponente. Nobre demais para ser qualquer coisa menos do que a verdade.

—Você é irmã de Fox - falei por fim, quando já parecia impossível sufocar a verdade e as palavras dentro de mim - Você é a princesa Marie.

 

Aquilo chamou a atenção dela, porem diferente do que eu esperava Annie não negou apenas me corrigiu - Antoinette. Marie Antoinette. - ela bebeu o chá, respirando fundo - Como descobriu? Foi Isabel quem lhe contou?

—Não, Isabel não disse nada - embora, olhando agora, muitas das coisas que ela dissera para Annie faziam sentido - Eu acho que só estava nos lugares certos nas horas certas.

—De fato, estava - ela assentiu, sorrindo um pouco amargamente - Você é esperta Bethany. É um dos motivos dele gostar tanto de você.

Demorei um minuto para conseguir formar o nome dele na minha boca - Fox...

—Já falou com ele? - ela perguntou, erguendo uma sobrancelha muito minimamente. Neguei, e ela franziu a testa - Entendo...

—As outras garotas sabem? - Perguntei, de repente me sentindo muito sufocada ao falar sobre Fox - Sabem quem você é?

—Só algumas delas. As mais antigas aqui no palácio - ela pontuou, olhado em volta - Tina é claro, afinal temos o mesmo sangue, e alem dela Alicia e Isabel também. Estamos juntas há muitos anos nós três, sei segredos tão perigosos para elas quanto o meu o meu para mim.

—Por que é perigoso? - perguntei, confusa - Quer dizer, não é igualmente perigoso para Fox?

—Deveria ser não é? - ela riu de uma forma um tanto amarga - Mas desde que nasci sempre fui o rosto que governaria. Tudo mudou quando houve o ataque, é claro, eu fui trancada em uma torre e Fox foi mandado para longe. Com Fox, ele sempre seria o peão, esperando por uma rainha perfeita, mas eu...

—Você já era a rainha perfeita - arfei, chocada com a realidade das palavras. Ela era de fato.

 

Annie era tudo que a Grande Paris precisava, ela era mais bela do que qualquer fantasia, suave como o riso de um bebe, mas impotente. Todos, mesmo Isabel, se calavam diante dela, e não era por saber que ela era uma princesa - Antoinette sabia se fazer ser ouvida, sem precisar se esforçar para isso.

—Nisha não faz ideia - ela falou por fim, os olhos se enchendo de mágoas - Não acho que ela seria capaz de lidar com isso... É tudo tão novo para ela e ela é tão ameaçada, se ela soubesse o quanto a odiariam pelo que sinto por ela...

—Não acho que Nisha se afastaria menos de você por se sentir em risco - falei, erguendo a mão sobre a mesa para tirar a colher de prata de seus dedos trêmulos - Não quando você não fez isso com ela.

Ela me olhou, assustada - Acho que a amo, Bethany - ela confessou. Os olhos negros de Annie, assim como de Fox, eram difíceis de ler, mas ainda sim as lágrimas que brotaram neles não poderiam ser mais verdadeiras - Eu nunca me senti assim, por ninguém. Eu não quero perde-la. Sou capaz de superar a raiva de Fox e o ódio de toda Eurásia, mas quando se trata dela até a ideia de indiferença me faz sentir...

—Incompleta - finalizei, enquanto ela secava uma lágrima, apenas concordando ao balançar a cabeça.

Ela era a perfeita pintura da tristeza, ali. Cabelos negros demais, olhos negros demais, pele branca demais e lágrimas cristalinas.

 

—O que vocês estão fazendo aqui há esta hora? - Isabel nos olhou confusa. Estava completamente vestida, embora o cabelo estivesse uma bagunça, as roupas tortas e a maquiagem borrada. Era possível que ela a recém estivesse chegando?

—Estava com Dylan?- Annie palpitou, enquanto um sorriso enorme crescia no rosto da italiana - Fico feliz que tenham se resolvido.

—Bordeaux é um idiota, mas ao menos ele sabe comprar bons presentes - ela enrolou uma mecha do cabelo nos dedos, mordendo o lábio inferior - Mas não estávamos falando de mim, vossa...

Isabel parou abruptamente, arregalando os olhos e olhando para mim.

—Esta tudo bem Isabel, ela já sabe - Annie suspirou, gesticulando para a cadeira ao lado dela - por que não se senta?

—Imaginei que em algum momento você descobriria Bethany, embora eu tenha ficado mais de uma vez tentada a contar - suspirou Isabel, estendendo as pernas para a outra cadeira - Quando Fox me contou... Ainda me lembro, ele agiu como se fosse algo tão grandioso, e no fim eu já sabia de tudo. Imagino que ele deva ter feito você passar por uma grande crise de nervosismo antes de...

—Fox não me contou - falei, a cortando mais bruscamente que esperava - Eu descobri sozinha.

—Oh... - ela piscou, repetidas vezes, como se compreendesse - Ah!

—Sim - Annie assentiu como se lesse os pensamentos dela.

—Não fique chateada com Fox, Bethany... - Isabel franziu a testa para si mesma pro um minuto - Do que eu estou falando? Não falei com aquele tolo por semanas depois que descobri...

—ISABEL! - Annie a repreendeu, mas ao menos ela me fizera rir, e elas se juntaram a mim.

 

—Que barulho todo é esse? – Tina estava na porta, com uma máscara para olhos na altura da testa, encarando a todas nós aparentemente desconfiada – O que em nome da Rainha uniu vocês três a esta hora da manhã?

Isabel riu, estalando o pescoço – O seu primo, querida Valenttina – ela respondeu, brincalhona.

—Bem, ambos eles, na verdade – olhei para Isabel, que fez cara de brava e me mostrou a língua enquanto Annie ria.

—Como? – Tina perguntou, olhando desconfiada para Isabel.

—Eu não sei do que Bethany está falando! – ela alegou, levantando as mãos – Bem, moças, se pretendo estar deslumbrante esta noite temo dizer que tenho de me retirar.

—Todas vocês deveriam se retirar – falou Tina, enquanto Isabel passava por ela e lhe mandava um beijo antes de sair – Todas nós, na verdade.

—Temos a manhã inteira para dormir, Valenttina – falei, me levantando – Mas apenas a noite para conversar.

—Você, me chamando de Valenttina, soa como Isabel – ela grunhiu, e então olhando para Annie – Não acha?

—Acho que você está certíssima – Annie alegou, se levantando – Deveríamos dormir.

—Não foi isso que eu... – Tina começou, mas Annie já estava sorrindo e passando o braço pelo dela, a levando para fora da sala e a deixando na porta do quarto – Boa noite Tina. Boa noite Bethany.

—Boa noite – falei, ainda na ponta do corredor agora vazio, sabendo que todas cairiam na cama e dormiriam.

Da porta aberta do meu quarto, Romeu então veio me buscar, como se soubesse que as dúvidas daquela noite estavam esclarecidas, e todas as outras só seriam respondidas depois de dormir.

.........................

'Março, 2228

A vida é uma droga meu pai. Hoje, meu irmão deveria estar comemorando, está morto em uma cama. Não consigo nem entrar naquele maldito quarto para me despedir dele. Ele seria forte para entrar se fosse eu. Me sinto tão estúpido.

Eu o julguei fraco por muito tempo, por ser guiado por seus sentimentos que nunca percebi quão forte ele era. Forte para se arriscar a ter uma família. Forte para incendiar a guerra. Forte para encarar a morte do pai com apenas doze anos.

Frances tem apenas 10. Ele nem entende o que é a morte, foi tão protegido a vida inteira. Não entendo como a mãe pode chorar tanto.

A adorável Belle não consegue sair do lado dele, aos prantos, temo que nem mesmo o amor pelo filho seja o suficiente para que ela ficasse entre nós. Eu, por outro lado, tento entender como pude me casar com uma mulher tão fria. Se eu tivesse de apostar, diria que ela até mesmo sorrira. Nenhum homem deveria passar por isso. Casar com uma megera como Georgina, nunca valerá a pena trocar a chance de viver uma paixão por dinheiro ou poder.

Para Henry, eu juro, que encontrarei a mulher mais linda e doce de toda a Eurásia. Um anjo, como eram mamãe e Cameron.'

....................

A grande comoção da noite de ano novo era a chegada do novo embaixador inglês. Enquanto todos os acompanhantes pareciam ter sido deixados de lado em torno da mesa de ponche, a grande maioria das garotas se amontoava onde este deveria estar, impossibilitando a vida do novo galã de Paris.

A gola do vestido apertou meu pescoço quando engoli em seco, a procura de Fox. Este, havia sido escolhido por Annie, me apertando até o quadril antes de se abrir como um copo de leite, inteiro de um branco gelado recoberto de pequenos bordados brilhantes, tão brilhantes que pareciam milhões de diamantes, deixando meus braços totalmente nus.

Fazia-me sentir, sufocada. E quando disse isso para ela, ela apenas riu e disse que era uma sensação apropriada para aquela noite.

Não só as musas, como todos, homens ou mulheres, velhos ou crianças, pareciam ter sua própria forma de usar o branco e se destacar entre os iguais naquela noite. De fato, em algumas ocasiões de forma negativa, tais como uma comitiva de noivas.

Todo aquele branco, misturado ao salão, era tão estonteante quanto desconfortável – A única naturalidade, vindo do imenso teto de vidro que me entregava à luz fraca das estrelas mais resistentes na escuridão daquele céu.

Faltava apenas uma hora para a meia noite, quando a Rainha Lenna e Fox se juntaram a nós, seguidos de Dylan e Valenttina logo atrás deles, todos divinamente celestiais e majestosos, gerando em Annie um olhar desconfortável. Ela deveria estar ali, percebi, no lugar de Fox – Há direita da mãe – e Fox, no lugar de Tina – À esquerda.

Mas estava ali, no meio ao salão junto às outras musas.

O vestido da Rainha Lenna era impotente, com mangas de folha e corpete apertado que se abria em uma saia grandiosa, com duas faixas, uma azul e uma vermelha, nas diferentes laterais do vestido – A Rainha da França, para qualquer um que duvidasse ao olhar a coroa. Tina usava um vestido parecido, porém em uma versão tomara que caia, de saia mais contida e curta, deixando os tornozelos à mostra.

Annie soltou um suspiro, e a ouvi dar alguns passos para trás, mas não me virei para ver. Isabel, ao meu lado, parecia bastante disposta tentando não olhar para Dylan, e todas suas medalhas – tão disposta, talvez, quanto eu estava a não encarar Fox fixamente. O terno branco dele tinha além das medalhas, os escudos da França e da Grande Paris bordados, e uma faixa larga, azul e vermelha, atravessando o corpo.

Imitando Alicia a nossa frente, e a todos no salão, me curvei em uma reverência tão ensaiada que quase pareceu natural ao meu corpo, antes que a rainha dispensasse a todos, e se cercasse de pessoas, seguindo para o trono com seus conselheiros e Veronicca, e a festa voltar ao que era.

—Ela parece preocupada – comentou Jin, olhando para a Rainha Lenna com a testa franzida.

—Eu também estaria se tivesse um inglês para impressionar – Kali riu, e depois ficou na ponta dos pés – Quase consigo ver Lilie e Livie o atacando daqui.

—Elas ainda vão discutir por causa deste novo embaixador, não? – suspirou Alicia, enquanto Tina se juntava a nós – Você está linda.

—Assim como todas vocês – ela sorriu, piscando pra mim, e depois dando um olhar entristecido para Annie, que se afastava até onde Nisha estava – Eu deveria ir falar com ela...

—Por favor, Valenttina, não me diga que é por causa da tiara – falou Isabel, apoiada em uma das pilastras do salão – Foi ela quem desistiu disso.

—O que tem a tiara? – perguntei, olhando para a joia sobre a cabeça de Tina, o diamante rosa no centro de sua cabeça cercado de brilhantes.

—Era para ser dela – Tina falou, entristecida – O pai de Annie mandou desenha-la para quando Annie fosse uma debutante, pouco depois dela sequer ter um ano de vida. Nem sequer é uma coroa de princesa, entende? Eu era a herdeira ao trono na época... Mas a rainha insistiu que eu a usasse hoje

—Senhorita – Alicia se virou, observando Apolo que lhe estendia a mão. Um convite silencioso para se juntar a dança. Ela sorriu, docemente aceitando a mão dele, enquanto eu sorria para Apolo, e ele me devolvia com uma careta, e nós assistimos enquanto eles se afastavam.

—Bem, já que é assim, acho que procurarei por Dylan – Isabel alegou, recebendo olhares espantados de Jin e Kali – Não façam essa cara, ele é minha garantia de um bom lugar para assistir aos fogos.

As duas riram, enquanto Isabel desfilava pelo salão.

—Bethany, me daria à honra? – brincou Kali, fazendo uma reverência e estendendo a mão para mim.

—Não, obrigada – ri, olhando para minha bebida – Estou um pouco tonta, acho que não seria bom dançar.

—Bem, como preferir – ela se voltou para Jin – E a senhorita, gostaria de dançar?

Jin assentiu, pegando a mão dela em um grande teatro e seguindo Kali, as duas quase aos pulos até a pista de dança. Afastei-me de toda a multidão, das danças e das comidas, andando pelos arredores do salão onde algumas pessoas conversavam mais discretamente. Fox, entre essas pessoas, falava sério com o Soldado Martins, quando me viu e se afastou em minha direção.

—E eu, pensando que você poderia estar me evitando – ele sorriu, me olhando de cima abaixo – Está bonita está noite, Bethany.

—Obrigada, você também está muito elegante vossa Alteza – mordi a língua, antes de falar demais. Ainda não. Ali não – Tem algum lugar onde podemos conversar?

—Algum problema? – ele pareceu confuso.

—Só estou um pouco sufocada com todo esse branco – não era mentira. Ele assentiu.

—Depois dos fogos, quando minha mãe for – ele prometeu, olhando para o trono onde a mãe parecia a cada minuto mais e mais requisitada – Precisamos manter uma boa imagem para o embaixador, entender?

—Claro – minha língua, outra vez. Precisavam manter uma boa imagem para muitas pessoas.

—Já é quase meia noite agora – ela olhou para o relógio, alegremente surpresa – Gostaria de assistir aos fogos comigo, Bethany?

Fogos. Se eu pudesse, retiraria o momento em que disse sim. Retiraria o momento em que segui Fox para o lado de fora da Varanda, atrás da Rainha que sorriu para mim. Retiraria o sorriso debochado de Dylan da minha memória e o brilho daqueles olhos negros esperando ansiosos na escuridão.

Por que quando a contagem até a meia noite começou, os fogos de artifício encheram os céus negros por toda a cidade, até onde os olhos podiam alcançar. Brilhantes e grandiosos, explodindo os céus, marcando a chegada de um novo ano – O ano onde Fox se tornaria rei.

Os sons encheram meus ouvidos, dando lugar a coisas que não estavam ali antes. Os risos e felicitações deram lugar a gritos de horror, os fogos brilhantes a explosões, e quando os braços de Tina me envolveram para me desejar um feliz ano novo, meu primeiro instinto foi empurra-la para longe.

Em algum lugar na minha cabeça, Fox perguntava se eu estava bem, enquanto uma mulher me prometia que tudo ficaria bem. Tropecei entre as pessoas, ganhando de Isabel um aviso para cuidar por onde andava ao mesmo tempo em que alguém dizia para eu tomar cuidado, e quando cheguei ao salão, à música dos violinos deu lugar à outra canção.

Apolo estava perto da porta, falando com algum outro guarda, excluído de toda a comoção nas varandas, não importante o bastante para ver as luzes do lado de fora. Eu não conseguia respirar. Corri até ele, em pânico, tentei dizer que não conseguia respirar, mas nada saiu da minha voz, enquanto tudo explodia na minha cabeça. Ele pareceu em dúvida enquanto olhava para o colega, talvez tentando saber se me deixava sair ou não, mas algo sobre meu ombro o convenceu – Abram a porta.

Ouvi Fox me chamar. Ou talvez, tivesse sido Alicia. O guarda abriu a porta, quase não sendo o bastante para que eu conseguisse sair e corresse, sem nem entender o porquê, até que minhas pernas doessem, sem saber se ia para cima, para baixo ou para os lados, até que as explosões cessassem e por fim eu desabasse sentada na metade dos degraus de alguma escadaria desconhecida, puxando a gola do vestido com força, até que ela cedesse e três botões de pérolas rolassem pelos degraus enquanto ar gelado enchia meus pulmões, até que meus braços nus se arrepiassem.

Os observei, enquanto ao longe, novos fogos solitários encheram meus ouvidos mais uma vez, me fazendo estremecer e encolher, cobrindo os ouvidos, e no meu desespero inexplicado, eu não soube dizer exatamente o porquê de estar chorando.

Ou de estar cantando.


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