A Rainha da Beleza escrita por Meewy Wu


Capítulo 21
XX - Sombras de Natal




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Nisha estava mais pálida do que eu – não, não apenas pálida. Branca. Com o rosto tão coberto de pó que não conseguia parar de espirrar um minuto, o que dificultava ainda mais o trabalho de Alicia com seus cabelos. Quando a escova prendeu mais uma vez nos cachos de Nisha, ela deu um suspiro cansado e limpou o suor da testa, onde os fios do cabelo brilhante começavam a grudar.

Todas as outras garotas já haviam descido. Mesmo Annie e Lilie foram chamadas por Veronicca – o salão estava cheio, e todos queriam uma chance de ver as famosas musas. Faltavam apenas duas semanas para o Natal, e os ricos e aristocratas turistas todos brigavam por uma chance de ir ao baile durante suas estadias na cidade, assim como Marian e Isis sonharam em vir até aqui um dia.

—Alicia? – Annie abriu a porta após duas batidas que mal puderam ser ouvidas – Veronicca quer saber se ainda vai demorar... Muitas pessoas estão perguntando por vocês duas.

Franzi a testa. Era certo que perguntariam por Alícia, ela estava ali há muitos anos e se destacava com sua euforia e seu brilho que ia muito além dos cabelos vermelhos vibrantes. Mas estavam perguntando por mim também? Isso era um pouco apavorante.

—Diga a ela que apenas mais alguns minutos, e então iremos descer – Alicia ajeitou os ombros, tentando mais uma vez tirar a escova do lugar – Só não sei o que fazer com o cabelo...

—Vocês duas deveriam ir, todos ficarão melhor se eu simplesmente ficar aqui em cima – Nisha falou, sem olhar para ninguém em especial. – Se alguém descobrir quem eu sou todas vocês teriam problemas.

—Ninguém descobrirá nada – Annie garantiu, se aproximando e estendendo a mão para Alicia, que prontamente lhe entregou a escova com um olhar aliviado – No palácio, só se vê o que se quer ver. Você é uma musa, Nisha. Come aqui, dorme aqui, recebe proteção, mas também é um trabalho.

Annie estava certa, ninguém descobriria. Enquanto ela transformava os cachos de Nisha em um penteado que pareciam dezenas de flores sobre sua cabeça, eu analisei o belíssimo vestido, que cobria do pescoço aos punhos, acabando apenas onde começavam as luvas. As tramas douradas no tecido branco era tão delicado, que só podia ter sido trabalho de Tina – me perguntei o que ela pensaria de Lilie ter dado o vestido á Nisha.

—Ficou lindo, Annie! – exclamou Alicia, enquanto o nariz e as bochechas muito brancas de Annie tornavam-se um rosa vibrante.

—Sim, ficou lindo... – Nisha parecia maravilhada atrás de todas as camadas de maquiagem, acariciando com a ponta dos dedos as curvas do cabelo em frente ao espelho. A maravilha deu então, há uma expressão que eu reconheci bem, quando ela analisou o conjunto completo.

—Eu sei que é estranho – falei, tocando o ombro dela – Foi estranho pra mim da primeira vez. Mas quando você descer, tudo vai sumir... Vai aprender a gostar das camadas. De como elas te protegem do mundo lá embaixo.

—Faz parte de ser uma musa – Annie concordou, suavemente, mas os ombros dela por um momento pareceram carregar um peso muito grande – Ser um segredo. Guardar segredos. Você não é diferente do resto de nós...

—Não por cima das máscaras – ela resmungou, e Alicia riu, assentindo.

—No salão, é apenas isso que importa – ela garantiu, antes de seguirmos para o baile, e uma a uma nos afastarmos de Nisha, para que ela descobrisse sozinha tudo aquilo.

Diferente do meu primeiro baile, não houveram bebidas adulteradas, e Fox dançou com ela como era o costume. Eu não conseguia parar de olhar, para como ele falava com ela, da mesma forma que falava com Annie, Dylan ou qualquer outra pessoa... Fox sabia a verdade. A cor da pele dela e sua história, mas eu não conseguia encontrar um traço de desgosto em seu rosto, e, quando ele me encontrou observando em meio à multidão e me deu um sorriso, não me contive ao sorrir de volta.

Não posso dizer se foi isso que acabou me garantindo a próxima dança.

O relógio batia a meia noite quando Fox me girou no centro do salão, causando aplausos dos observadores que ainda assistiam mesmo após Fox ter liberado Nisha.

—Se você não usasse tanta maquiagem, Bethany, eu diria que está corando – ele brincou, me girando outra vez e causando outra série de aplausos – Não, tenho certeza... Você está corando.

—Deve ser a emoção de dançar com um príncipe tão encantador – brinquei, piscando os olhos docemente. A raposa sorriu pra mim, atrás daqueles dentes muito brancos e olhos muito negros. – Me conte, vossa Alteza, todas as maravilhas de seu dia.

Aquilo, o pegou de surpresa. Os olhos dele ficaram quase cinzas, enquanto ele gaguejava – Não há muito o que... Bem, não foi um dia... Nada mais do que um dia normal, Bethany, sinto desaponta-la – ele falou por fim, sorrindo um pouco envergonhado – Reuniões ao lado da Rainha, almoço com barões, um longo jogo de críquete com uma adorável senhora que acaba de completar seu centésimo aniversário.

—Deve ter sido uma festa divertida – brinquei, ganhando outro giro como resposta.

—Não tanto quanto essa – foi à resposta dele, enquanto eu nem tão acidentalmente, pisava na ponta de seu sapato.

......

Dava para ouvir os risos ao se passar em frente ao quarto de Isabel. Eles haviam durado o dia inteiro, me fazendo sentir ainda mais solitária. Toda aquela divisão havia feito a casa das musas parecer mais vazia do que antes, mesmo agora que todas estávamos liberadas de nossa rotina.

Com as festas do fim do ano se aproximando, as atividades do palácio haviam mudado para concentrarem-se totalmente nos bailes das próximas semanas. Até o final de janeiro, não haveria aulas ou obrigações, além de estar todas as noites nas festas até janeiro. E então, em fevereiro, todos iriamos para o Palácio de Versalhes até o final da primavera.

Quando voltássemos, já estaríamos no inicio do verão, e então quando chegasse o fim de junho, faria um ano desde que eu chegará ao palácio. Desde que a morte de Isis e Marian, e desde que eu vira Corippo pela última vez.

Os pensamentos tristes e a solidão me fizeram vagar, passando pelo retrato do General Paris, e chegando a biblioteca, onde Francesca cantarolava, abrindo caixas e caixas cheias de livros novos.

—Bethany – ela sorriu, fazendo sinal para que eu me aproximasse – Venha aqui, sinta este cheiro... Não é delicioso?

Cheiro de livros novos. Nunca lidos, provavelmente, nunca sequer aberto. Eles brilhavam dentro das caixas, mundos e mundos de conhecimento. Não consegui responder, mas meu suspiro fez com que ela sorrisse mais ainda.

—Eu adoro a época de festas – ela cantarolou, o coque antes perfeito tinha alguns fios soltos, como se ela não tivesse parado sequer m momento durante o dia inteiro – Todos parecem se acalmar... Os afobados se vão, e os leitores chegam... Ah, o que melhor que passar uma tarde em frente à lareira com um bom livro neste clima de Natal, não é mesmo? Mesmo esse pinheiro fedorento tem uma importância nisso tudo.

Eu ri de volta, olhando para a árvore que subia entre a escada em espiral, cheio de enfeites brilhantes e luzes.

Do outro lado da sala, um par de cabelos ruivos me chamou atenção, e enquanto Francesca subia com uma pilha de livros para organizar, me aproximei dos dois, que estavam debruçados em uma mesa, olhando para algum livro que não consegui ver.

—Eu não consigo. Desculpe, é muito difícil – falou Alicia, que pela voz parecia prestes a chorar.

—Eu não entendo – Apolo, que embora eu não conseguisse enxergar, eu sabia que estava franzindo a testa, soava frustrado – É apenas um livro infantil. Tem mais figuras do que palavras Alicia, como pode ser tão difícil?

—Eu não sei – ela passou as mãos pelos cabelos, os colocando para trás, e com isso, me notando – Oh, olá Bethany.

—Oi – acenei, me aproximando – É estranho ver você na biblioteca.

—Sim, é sim... – ela fez um beicinho, olhando feio para Apolo – O soldado Drake disse o mesmo. Vim pedir apenas um livro de receita para Kali, e ele está me torturando com estes livros cheios de palavras.

—Livros cheios de palavras? – olhei em direção a Apolo, que parecia se controlar para não rir.

—Veja por si mesma – ele me entregou o livro, que não devia ter mais de vinte ou trinta páginas, cheio de desenhos e figuras.

—Rapunzel – olhei a capa, sorrindo. Era o favorito de Isis – É uma bela história, Alicia.

—Eu conheço a história, Bethany – ela resmungou – Eu só não preciso conhecer o livro. Todas essas letras, elas ficam se mexendo, trocando de lugar... É impossível!

—Não seria impossível, se a senhorita reclamasse menos – ele bufou, revirando os olhos.

Pressionei os lábios m contra o outro, sorrindo. Eu podia imaginar o que diria Isis se visse aquilo, mas não estava no meu poder supor nada sobre a vida de Apolo, ou sobre Alicia, então enquanto ela se afastava para pegar o livro para Kali, afirmando já estar demorando muito, também me afastei, de volta a Francesca, que tinha um livro de capa vermelha nas mãos.

—Este é para você Bethany – ela falou, me entregando o livro – Eu deveria esperar até o Natal, e embrulha-lo, mas isso é em todo demais para uma pobre bibliotecária. Acho que vai gostar dele, é um romance que se passa durante a quarta guerra mundial, sobre um soldado canadense e uma moça francesa.

—Obrigada – sorri, olhando deslumbrada para a belíssima capa do livro – Muito obrigada, Francesca.

—Feliz Natal, Bethany – ela sorriu, jogando os braços em volta de mim – Agora, eu preciso voltar ao trabalho.

—Feliz Natal – falei, ainda sorrindo, e seguindo a sugestão dela de me recolher perto de uma lareira. Mas apesar da beleza do livro, naquele momento, não foi ele que me dediquei a ler.

.....

"01/01/2204

Meu nome é Paris Parish. Sou um órfão. Sou um general. Sou um rei.

Eu fui criado por meus avós. Lutei em uma guerra que minha mãe não queria, traí meu único amigo após ele ter traído seu único amigo, me apaixonei por uma mulher que parecia um anjo, e com ela tive dois filhos, os maiores orgulhos da minha vida.

Hoje, já não existe o que era chamado de França. O povo passou a chamar seu novo país que sobreviveu a guerra, do mesmo jeito que chamava seu rei que sobreviveu a guerra. A Grande Paris estava prestes a prosperar.

Como sei disso? Por que quem cuidará dela são as duas pessoas em quem mais confio: Meus filho. Sinto muito por deixa-los sozinhos ainda tão jovens, assim como eu fui deixado quando era bebê. Ainda são bebês para mim. Cameron tem apenas 12, e Phelipe tem 16.

Mas são tão maduros para suas idades, serão homens mais maduros, justos e perspicazes do que eu um dia fui. Eles levarão o país ao topo do mundo e farão impossível faze-lo cair.

Só sinto por deixa-los, mas não posso mais lutar. Meu anjo está chamando por mim.

General Paris Parish."

......

Havia uma árvore, no meio da sala de estar. Um pinheiro, para ser mais específica. O único lugar que eu vira um, durante todos os meus anos em Corippo, fora no centro da igreja, mas no palácio parecia haver um deles em todos os lugares importantes.

A maioria das meninas já estava ali, olhando para a árvore todas um pouco pensativas, cheias de surpresa e empolgação.

—Só temos estas caixas? – Isabel perguntou, andando pela sala tirando a tampa de uma das caixas – O que aconteceu com todos os enfeites que pedimos no ano passado?

—Oh, pare de ser ranzinza Isabel – Livie geme, dando um peteleco nela.

—É Natal – disse Lilie, em tom de concordância, e as das começaram a cantarolar. Era bom saber que elas haviam dado uma trégua em nome do feriado.

—As outras caixas estão no meu quarto, pedi que deixassem lá, o pessoal precisava de espaço para trazer a árvore – Tina explicou, atando os cabelos em um rabo de cavalo e puxando as mangas do suéter até os cotovelos – Acho que temos trabalho a fazer meninas!

—Nós vamos pegar alguns biscoitos – falou Kali, animada, olhando para Jin.

—E chocolate quente – Jin adicionou, saindo rapidamente atrás dela.

As outras rapidamente começaram a achar algo a fazer, e Tina deu um suspiro pesado – Bethany, pode me ajudar com as caixas? Elas são um pouco pesadas.

Assenti, a seguindo, enquanto ela falava sobre fitas, mas não prestei muita atenção, olhando para a porta fechada do quarto de Nisha. Será que alguém ao menos a convidará para participar de tudo aquilo?

—Cuidado Bethany, não deixe que eles saiam – ela pediu, e antes que e pudesse perguntar quem eram eles, três pequenos cachorros brancos e peludos pularam em mim, tentando passar pelas minhas pernas para chegar ao lado de fora do quarto.

—Não sabia que você tinha cachorros – falei, surpresa, me abaixando para brincar com eles – São lindos.

—Eu ficava um pouco solitária às vezes, então os comprei quando fomos para Bordeaux há alguns anos – ela sorriu, batendo palmas, e fazendo todos irem para suas camas em um lado do quarto.

Foi quando eu vi, o quarto. Tina tinha o próprio palácio ali, havia um enorme vitral, onde a luz solar transformava o quarto em uma dezena de cores pastel refletidas no rosa e amarelo. Era como se tudo fosse calmo e leve ali, mas era maior que qualquer um dos quartos que eu já havia entrado antes. Fazia sentido que ela se sentisse solitária.

—Eu sei, é grande demais – ela falo, abrindo o armário e pegando um cachecol – Aqui estão as caixas. Ajuda-me? Bethany?

—Você tem muitas fotos – falei, olhando para a enorme estante cheia de retratos, livros e objetos que pareciam todos serem lembranças de viagens.

—Sim. Fotos são uma boa forma de manter tudo guardado de uma forma segura para sempre – ela sorriu, se aproximando.

—Reconhece alguém? – ela perguntou, e eu assenti. Tinha uma foto de Dylan e Fox, outra dela com Isabel e Alicia, em versões mais novas de si mesmas.

—Quem é essa? - perguntei, pegando uma moldura dourada, com a foto de uma linda mulher. Mais linda, mesmo que a Rainha Lenna.

—Ah, está era a rainha Nathalie, irmã mais velha do Rei Frances – ela falou suavemente, pegando o retrato das minhas mãos e colocando no lugar, pegando outro – E este, era o marido dela, Willian, seu príncipe regente.

—Ela se parece com você – falei, ainda olhando para a foto enquanto ela soltava a outra no lugar.

—Bem poderá Bethany – ela deu um sorriso tímido, discreto, mas cheio de orgulho e tristeza, enquanto pegava a foto novamente e sentava-se na enorme cama de lençóis cor de rosa – Esta, era a minha mãe. 


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