A Rainha da Beleza escrita por Meewy Wu


Capítulo 15
XIV - Escudo de Armas




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Demoraram dois dias para que Alicia sorrisse de novo, quando Isabel adentrou a sala de estar com o rosto coberto de uma gosma verde, atrás de uma bolinha barulhenta que correra para lá.

— De onde você tirou este cachorro? – perguntou Jin, tentando como todas segurar o riso.

— Dylan – ela bufou, desgrudando uma longa mecha de cabelo castanho da meleca verde – É um pug. Ele me pediu que tomasse conta dele até que voltasse de Bordeaux com o pai.

— O Duque foi pra casa? – perguntou Tina, tentando transparecer indiferença, mas sem deixar de dar um olhar esperançoso para Alicia, que tão logo parara de sorrir e voltara a cuidar dos papeis de sempre.

Isabel deu um suspiro entediado, como se custasse muito pra ela nos dar mais detalhes – Foram buscar a noiva do Duque, dizem que ela quer se casar no palácio. Dylan está furioso, pois nem mesmo a mãe dele...

—Casar? – deixei escapar, abrindo a deixa para que Isabel voltasse sua raiva natural contra mim. Como era possível que alguém QUISESSE casar com um homem tão...

—Isto, Bethany. Casar. Tenho certeza que deve ter uma ideia do que é isso, mesmo do buraco de onde veio – ela falou, se aproximando do pequeno cachorro, que havia se acomodado no chão entre as gêmeas e o tomando nos braços.

—Como exatamente você concordou em cuidar de um cachorro? – perguntou Lilie, erguendo os olhos das unhas da irmã, pintadas por metade.

—Por que isso é da sua conta? – Isabel ergue uma sobrancelha, de repente parecendo quase frágil.

—Você e Dylan tem passado bastante tempo juntos ultimamente – Livie deu os ombros.

—Isso é algum complô contra mim? – Isabel apontou de uma para a outra, soltando o bastante os braços para que o cachorrinho fugisse deles e corresse para fora da sala e Isabel se fosse atrás dele gritando coisas que eu não entendia, em italiano.

Todas caíram no riso mais uma vez.

—Cada dia que passa... – suspirou Lilie, voltando a pintar as unhas da irmã.

—...Ela fica mais estranha – Completou Livie, se jogando para trás no tapete.

Não havia janela na casa das musas. Até então, eu não tinha me dado conta, mas não haviam em lugar nenhum. Era no centro do palácio, escondido do mundo de fora.

Lá fora, porém, eu sabia que começava a esfriar. O décimo mês do ano chegava aos fim, e com ele a neve e o vento alcançariam todas as terras da China até os limites de Ilhas no fim da Grande Paris.

Com o frio, porém, também vinha o aniversário de Alicia. Na semana seguinte a notícia da partida do Duque, essa foi a maior movimentação na casa das musas. Os boatos no castelo é que as festas reais voltariam apenas no último mês do ano, apenas três meses antes do aniversário de Fox, no meio da primavera.

É claro que a maior interessada, Alicia, nem fazia ideia de que uma festa era planejada.

Enquanto as gêmeas escolhiam os enfeites, e Tina passava dia e noite em seu ateliê, eu tentada ajudar Kali e Jin na escolha dos pratos.

Mas naquele dia, as vésperas da festa, Jin havia nos levado para cozinha com a missão de ajuda – la na última tarefa: o bolo de aniversário.

Os cozinheiros nos olharam feio no momento em que entramos, com nossos vestidos coloridos e cabelos soltos, até que Jin nos deu redes e aventais para colocar. Desde então, fomos completamente ignoradas.

Do lado oficial da cozinha, os jantares da família real, dos ministros, e de todos da corte – incluindo nós, as musas – e dos criados eram preparados, cada um por sua equipe.

Do lado que nos foi cedido, as mesas se sujavam de farinha, ovos e manteiga, enquanto eu e Kali tentávamos ao máximo ajudar, sem atrapalhar Jin, que ia de um lado para o outro, nos dando ocasionalmente ordens.

— Acham que ela vai gostar? – perguntou Jin, quando for fim acabamos, raspando uma tigela de massa, apreciando seu trabalho.

— Acho que sim – Falei, lavando a última das enormes formas de metal – Ficou mesmo lindo!

— Obrigada Bethany, mas... Não é do bolo que eu falava – Jin suspirou, lavando a travessa onde comia – De tudo... Da festa. De toda a atenção. Tina está tão empolgada que tenho medo de dizer pra ela, mas... Talvez seja demais.

Eu entendia o que ela queria dizer. Sim, eu mesma pensara naquilo diversas vezes, na última semana. Seria mesmo a hora de colocar Alicia em uma festa?

— Nós somos as únicas que sabem – falou Kali – Nós e Tina. Ninguém vai estar lá por ter pena dela, todos nesse palácio adoram Alicia... Vai fazer bem pra ela se lembrar disso.

— Acha mesmo? – Jin seguiu cética.

— Jin, quando eu passei por isso... Tudo que eu conseguia sentir era vazio e solidão. Ninguém se importava com o fato de eu estar mal, e nem se importaria se soubesse o que aconteceu. Não se importavam comigo, e isso foi o pior. Alicia precisa ver o quanto ela é amada, que ela não está sozinha!

— Você... Passou por isso? – não me contive diante do que ela falava. Kali, sempre tão calma e equilibrada.

Ela assentiu – Foi antes de me tornar uma musa. O mundo em que eu vivia, a Colônia Indiana era... É muito diferente. Eu estava prometida a um casamento arranjado com um homem velho e rico, que deixaria minha família igualmente rica. Nós havíamos viajado para a cidade dele, para o casamento, e ele sequer nos receberá. Mas a noite, enquanto eu dormia, ele invadiu meu quarto – a voz dela falhou, os olhos cheios de lágrimas – ele disse que queria conhecer sua futura esposa. Eu já estava apavorada, paralisada de medo, o homem cheirava a gordura e bebida. Ele sentou na beira da cama e começou a mexer no meu cabelo, dizia que eu lembrava a filha dele. Perguntou se depois que a gente se casasse, eu podia chama-lo de "papai". Ele era louco, nojento, doente... – ela estremeceu – E então ele disse que talvez fosse melhor a gente ter certeza que eu tinha entendido, e eu não entendi mais nada. Doeu, mais do que eu consigo descrever, embora pensando agora tanto tempo depois fosse muito pequeno para que doesse tanto. Ele me bateu no rosto, mandando eu o chamar de papai, até que eu gritei isso, como se fosse um grito de socorro. Meu pai, se me ouvisse, viria me socorrer e me levar pra casa naquela hora mesmo, mas ele não viajara conosco, iria apenas três dias depois. E então, quando ele se sentiu satisfeito, quando todo meu corpo doía, em todos os lugares onde aquele homem havia me violado, minha garganta estava seca de gritar e meu rosto coberto de lágrimas, ele me deu um beijo na testa, e saiu como se nada tivesse acontecido.

— Ninguém te ouviu? – perguntei, apavorada. Como era possível? Como podia ela ter passado por tudo isso, e mesmo assim sentar ali do outro lado de uma mesa e me contar tudo com tanta calma. Jin trouxe um conjunto de chá, e nos serviu, sentando-se ao lado de Kali.

— Se ouviram pouco se importaram. Naquela manhã, fui contar a minha mãe, e ela disse que ele era meu marido, e eu tinha que fazer aquilo pela minha família. Em seguida, chegou à notícia de que minha cidade havia sido incendiada – ela respirou fundo, bebendo um gole pesado de chá – Meu pai havia morrido. Dois dos meus três irmãos também, apenas o mais novo, que havia viajado conosco, sobrevivera. Era como se o mundo não fizesse sentido, não havia maneira de seguir, mas nós fomos chamadas pra jantar com meu futuro marido... Eu gritei, me agarrei nas pilastras da casa, dizendo que eu não queria. Mas minha mãe me bateu com tanta força quanto aquele homem, e disse que mais do que nunca eu tinha de ser forte por aquela família. Eu devia isso a eles, ela disse. Odiei cada minuto daquele jantar, e quando ele acabou eu queria morrer. Era o que eu faria, decidi. Jogaria-me no mar e morreria. Eu esperei todos dormirem e fugi, nem sei como passei por todos os homens armados que cercavam a casa, mas eu estava quase fugindo quando um deles me pegou. Eu estava prestes a implorar que me matasse, que não me levasse de volta, mas tudo que ele perguntou foi: ele feriu você? E eu só consegui assentir antes do mundo ficar escuro e sumir. Quando eu acordei, eu estava na praia, sozinha no meio da noite enquanto a cidade queimava. Vi os cavalos partindo ao longe, hoje sei que eram rebeldes. Quando chegaram em busca dos sobreviventes, vi o corpo daquele homem que me pegara caído no chão, no meio da rua, com a própria arma no peito.

Ela terminou o chá em mais um gole.

— O irmão de minha mãe havia chegado tão logo Veronicca e o resto da equipe do palácio. Eu não queria ir... Via a raiva nos olhos dele, imagino que Veronicca e o Soldado Martins também, pois quando eu estava prestes a ir embora, eles me abordaram, em frente a meu tio, perguntando se eu não queria ser uma musa – ela sorriu para a xícara vazia – Meu tio não poderia se opor, não a vontade do palácio. E eu, sabia que daquele jeito ele e o resto da família da minha mãe não poderiam, me vender para outro homem como o que eu quase me casara. Eles não lucrariam uma moeda comigo. Eu disse sim, e durante todo o caminho Veronicca foi uma mãe pra mim, enquanto eu contava a ela tudo que acontecera, ela me explicava à vida do palácio. Duas semanas depois, uma carta chegou... Minhas tias, furiosas. Diziam ter me amaldiçoado pra que nenhum homem jamais me amasse. De fato, mesmo depois de quatro anos nenhum me amou. Mas eu nunca precisei do amor de um homem.

Jin a abraçou, enquanto uma lágrima solitária escorria pelo rosto cor de oliva de Kali, que parecia de repente frágil, cinza e abatida.

— Vocês deveriam subir, jantar... Eu termino de limpar tudo aqui – falei, um pouco deslocada.

— Tem certeza? – Jin olhou para toda a bagunça que havíamos feito.

— É claro, podem ir – falei, abraçando Kali após dar à volta a mesa – Obrigada por me contar.

Ela assentiu apenas, um sorriso leve antes de se deixar ser guiada para longe por Jin.

Perdida em pensamentos, no que podiam ter sido minutos ou horas, comecei a limpar o que faltava.

As portas da cozinha se abriram em um estrondo, fazendo com que todos ali se virassem. Um par de soldados pediu a chefe da cozinha a chave da adega.

— Gostaria de saber se Martins sabe quanto estes dois andam bebendo – falou um dos cozinheiros, revirando os olhos.

— Não acho que não saiba, nada foge dos olhos dele... – falou outra cozinheira, bem mais jovem.

— Só diz isso por que está apaixonada por ele – uma criada falou – Duque James está certo, o Soldado Martins não está apto pra comandar as tropas caso haja uma guerra.

— Não vai haver guerra – falou a chefe da cozinha – A rainha não deixará que haja uma.

— Mas o duque... – começou a criada, sendo calada por um olhar da superior, antes que a mesma saísse da cozinha.

— Sabem que não podem falar nisso perto dela – grunhiu o cozinheiro – É do filho dela ir para uma guerra, que estamos falando!

— Bem, ela não pode simplesmente fingir que não existe a possibilidade – Arfou a cozinheira mais jovem – As tropas estão se armando, treinando e comendo mais do que nunca. Os brasões já estão sendo bordados nas bandeiras. Brasões de guerra, eu sei o que eu digo.

— Pois então, apenas saiba e pare de falar – Grunhiu ele, enquanto todos voltavam ao trabalho.

Quando voltei ao salão das musas, todas já haviam se deitado. Perguntei-me qual seria a história das outras garotas, se seriam tão inesperadas quanto à de Kali. Talvez eu não quisesse saber. No meu quarto, sem conseguir dormir, me forcei a fazer os cálculos que diziam que Kali tinha apenas 14 anos quando tudo aquilo aconteceu, e me encolhi junto a Romeu, caindo num sono cheio de pesadelos monstruosos.

...

"08/07/2166

A esperança finalmente chegou à França. A Índia e a China se aliaram a nós neste dia, nos deixando ainda mais poderosos. Pela primeira vez em meses realmente – realmente – acredito que podemos vencer esta guerra.

Não hoje, nem amanhã, mas um dia"

...

Alicia estava sem fôlego. Ela não conseguia parar de sorrir, andando pelos jardins e cumprimentando a todos, sendo rodopiada pelos guardas e rapazes da corte, adulada pelas mulheres e brincando com as crianças.

Kali tinha mesmo razão, todo aquele carinho pareceu trazê-la de volta a vida, de repente Alicia parecia ela de novo, cheia de luz e vida, no vestido que Tina fizera para ela, todas as pedras bordadas brilhando como um milhão de diamantes na luz do sol, lançando faíscas mais coloridas do que as flores do jardim em nossa volta. Mesmo o dia parecia ajudar, o céu limpo era o palco de um sol brilhante em meio a um novembro que parecia ser cada vez mais gelado.

—Vocês fizeram um ótimo trabalho - Falou Isabel, parando ao meu lado, com o cachorro de Dylan em uma corrente correndo em volta dela - É bom vê-la sorrir...

Ergui uma sobrancelha, dando um olhar desconfiado pra ela, enquanto ela pegava um copo de ponche de uma criada que passava.

—Entendo o porquê de esconder de Annie o que aconteceu - Ela seguiu, olhando para Annie e em seguida para as gêmeas – E daquelas duas. Mas por que não me disseram?

—Como você descobriu? - Perguntei, surpresa e assustada.

—Não foi difícil... Depois de Dylan explodir no meio de um jogo de Tênis sobre as atrocidades do pai, eu só precisei ligar uma peça a outra - ela deu de ombros, com um sorriso orgulhoso - Não me menospreze Bethany, estou nesse castelo há mais tempo que a maioria aqui.

—Bem, talvez ninguém tenha lhe dito por você agir como uma vaca em relação a tudo que não diz respeito a você - grunhi, sem querer me irritar com Isabel na tarde de Alicia.

Ela ficou sem fala por um minuto, antes de virar o resto do ponche entre nós, no angulo perfeito pra respingar nos meus pés.

—Isabel! - Arfou Tina, parando entre nós - O que você...

—O duque volta em três dias - ela torceu a boca, como se tivesse provado algo amargo olhando de uma pra outra - Achei que gostariam de saber.

Ela se afastou. Os sapatos de plataforma não afundavam na grama como os saltos das outras garotas, que neste ponto da festa já estavam descalças como eu. Tina fez uma cara triste olhando Isabel se afastar.

—Por que ela veio falar comigo? - perguntei, confusa.

—Discutimos ontem, por causa do vestido dela - falou Tina, com uma expressão de derrota - Ela estava certa. Fiz ele pra provocar ela, mas não esperava que ela ficasse tão assim.

Segui os olhos dela até Isabel, com os shorts pretos e a blusa laranja brilhante, rindo com algumas meninas da corte. Ela poderia ter saído de uma revista. Mas se juntássemos todas as musas, seria bem claro qual de nós não havia sido vestida por Tina.

—Por que estão paradas aqui? - Perguntou Kali, sorridente e iluminada, impossível de comparar com a mulher de olhos duros da noite anterior, ou a menina que ela fora um dia. Jin se aproximava mais lentamente atrás dela - Isso é uma festa!

—Seu batom está um pouco... - falou Tina, levando a mão a própria boca.

—Ela estava bebendo com os novos rapazes da guarda - explicou Jin, com uma cara de poucos amigos - Bebendo e jogando.

—Está com ciúmes? - perguntou Kali, dando um riso bobo, e um beijo na bochecha de Jin - Se queria um beijo, era só pedir.

—Você está bêbada - Jin corou, pegando o copo da mão da outra - Ainda são cinco da tarde, nem Isabel começou a beber ainda.

—Nem me fale de Isabel - falou Tina, revirando os olhos.

—Ela estava esbravejando ontem por causa do vestido - falou Jin - Valentina, não esperava isso de você!

—Ela está aborrecendo a todos faz semanas - suspirou Tina. - Agora ela nos vem dizer que o Duque chega em três dias.

—Três dias? - perguntou Jin, ignorando o xingamento que Kali exclamou - Ele deveria demorar pelo menos mais uma semana, foi o que todos meus contatos me disseram...

—É obvio que Dylan escreveu pra ela - suspirou Kali - Esses dois... Não sei o que de tão importante era o que ela ia pedir pra ele, que fez com que ela esquecesse o quanto se odeiam.

—Isabel tinha algo pra pedir a Dylan? - Tina franziu a testa - O que?

—Eu não sei - Kali fez um beicinho - Mas ela ficou dias atrás dele quando soube que ia pra Bordeaux com o pai.

—Sim, é verdade - Jin concordou - Até Fox comentou que nunca tinha visto os dois passarem tanto tempo juntos sem discutirem.

—Bem - Tina torceu uma mecha do rabo de cavalo loiro jogado sobre seu ombro esquerdo - Bem - ela repetiu - Então, temos três dias pra fazer com que Alicia lembre quem ela é.

—Três dias para enfrentar demônios - falou Jin, suspirando, enquanto Alicia se aproximava de nós. Sabia que ambas pensavam variações do mesmo que eu: Por hora, ainda podíamos apenas aproveitar a festa ao lado de Alicia.

...

Naquela noite, todas se reuniram no quarto de Alicia, rodeadas de doces e presentes.

—Esse é de Fox! - falou Lilie, pegando uma grande caixa verde - Abre, abre!

Alicia sorriu, enquanto Tina penteava seus cabelos, desembrulhando um lindo broche em forma de rosa azul turquesa, como sua camisola. Ela notou o mesmo, por que o prendeu na roupa e fez um biquinho.

—Não acham que combina com este fino vestido? - ela brincou, e todas, mesmo Isabel sentada na cadeira da penteadeira, com o cachorro de Dylan no colo, caíram na gargalhada.

—Vejo que estão se divertindo bastante - falou uma voz alegre na porta, enquanto Veronicca sorria logo atrás da rainha.

—Me lembram de você e seu grupo quando cheguei ao palácio - a rainha sorriu, para Veronicca e em seguida para nós - Boa noite meninas. Importam-se se nós nos juntarmos à festa?

—É claro que não, majestade - falou Alicia, se apresando para se levantar.

—Não, não... Sem reverências, por favor - ela ergueu uma mão, tirando com facilidade a coroa e entregando a Veronicca, que oscilou sob o peso em suas mãos. - Estou vendo que não estão todas aqui... Onde se encontra Annie?

—Nos estábulos, majestade - se apresou Tina, enquanto a rainha sentava-se em uma grande poltrona - Está há vários dias preocupada com seu cavalo. Parecia doente, mas está se recuperando bem.

—Este é do Duque James - falou Lilie, ainda vasculhando os nomes na caixa de presentes. Todas se calaram, diante a ignorância das gêmeas sob os acontecimentos. Isabel, da penteadeira, parou de pentear os cabelos e deu um suspiro pesado.

—Bem... Vamos ver do que se trata - Alicia tentou manter a aparência animada, enquanto a caixa passava de mãos em mãos, por Livie, Kali e eu até chegar em Alicia, que perdeu a cor ao tirar da caixa dois pedaços minúsculos de tecido preto. - Bem, imagino que o Duque desconheça meus gostos... - ela respirou fundo, devolvendo as roupas intimas a caixa - Mas tenho certeza que sua intenção foi boa.

Olhei para o rosto da rainha. Os olhos duros e gelados, o poder emanava dela mesmo sem a coroa. Eu tinha certeza que ela sabia tanto quanto eu que o irmão tinha tudo, menos boas intenções.

—Me desculpem o atraso, eu acabei... - Annie entrou equilibrada e suave pela sala, parando ao ver a rainha - Majestade.

—Sem reverências - foi tudo que falou a rainha, o gelo dos olhos derretendo um pouco - Soube do seu cavalo. Espero que esteja bem.

—Bem melhor, obrigada - sorriu Annie, sentando-se na calçadeira aos pés da cama de Alicia, ao lado de Kali.

Eu não conseguia parar de olhar para Alicia. Ainda tensa olhando para a caixa do duque. Isabel olhou para Annie, franzindo as sobrancelhas ao falar.

—Já abrimos seu presente Annie, o que é esta caixa? - ela perguntou, casualmente.

—O Soldado Drake pediu que eu entregasse. Disse que sentia muito por não poder ir à festa hoje - falou ela, me entregando o embrulho mal feito, que só podia ter sido feito por Apolo.

Alicia desembrulhou com cuidado, tentando não rasgar o papel daquele presente que não viera em uma caixa pronta. A caixa de madeira tinha entalhes de pássaros e flores, com pedras azuis nos olhos e miolos.

—Uma caixa de joias? - Perguntou Kali, desinteressada. Jin bufou, chamando atenção da outra - O que?

—Abra a caixa, Alicia - Jin respondeu, ignorando a outra.

A melodia encheu o quarto, suave. O som de violinos, flautas, pianos... Eu não sabia dizer. Não conseguia reconhecer aquela música, então imaginei nunca ter ouvido. As gêmeas exclamaram encantadas. Alicia sorriu.

—Muito gentil da parte dele - ela falou, soltando a caixa sobre o criado mudo - De quem é o próximo? Onde está o seu Tina?

—Depois daquele vestido você ainda queria mais presentes? - riu Tina - Você esta ficando ambiciosa Alicia.

Alicia concordou - Imagino que tenha sido de fato, um presente bem trabalhoso, estava lindo, muito obrigada. Obrigada pelos sapatos também, Isabel.

Isabel piscou, erguendo as sobrancelhas - Não sei do que está falando.

Alicia revirou os olhos, dando os ombros.

—Se importa em abrir o meu? - A rainha perguntou, passando uma caixa fina e longa, prateada, para Lilie, que a passou até que eu entregasse a Alicia.

—Muito obrigada majestade - Alicia desamarrou as fitas, e abriu a tampa, e tirou dali um espelho de mão prateado - É lindo, minha rainha.

—Soube que quebrou um. De onde eu vim, diziam que é preciso repor logo se não quiser sofrer com anos de má sorte - falou a rainha, andando pelo quarto, deslizando pelo chão de uma forma tão graciosa, tão familiar que me perturbava não saber de onde eu conhecia aquilo, até sentar-se na cama, do lado contrário onde eu estava, perto de Alicia e Tina na cabeceira - Veronicca me contou algumas coisas... Quero que me ouçam, todas vocês.

Todas pararam. As gêmeas e Jin de comer. Tina de escovar Alicia, Isabel de bisbilhotar a penteadeira. Kali soltou a xícara de chá que precisava depois de beber aquela tarde, e Annie soltou o livro que folheava, da pilha desses que Alicia ganhara e eu sabia que ela nunca leria. Até eu me senti soltando Romeu e endireitando as costas, enquanto ele andava pelo quarto até os pés de Kali no tapete macio.

—Vocês todas são lindas. Possivelmente o grupo de meninas mais lindas da Eurásia. Mas, além disso, são talentosas, inteligentes, corajosas e curiosas - falou ela, séria - Não por que as fizemos ser assim, mas por que tiveram a oportunidade de descobrir as coisas que amam e se dedicarem a elas. Eu imagino que todas saibam o episódio de Alicia, e embora eu não saiba o motivo quero que todas levem as minhas palavras a sério. Que lembrem o quão especial cada uma aqui é para esse castelo, para mim. Mesmo a mais difícil, a mais reclusa ou a mais jovem aqui, tem um lugar nesta família.

Ela olhou de Isabel, para Annie e para mim, antes de suspirar e pegar o espelho o virando para o rosto de Alicia. - Vivemos em um mundo onde beleza é força. Beleza é poder. Durante os últimos vinte anos Eu me mantive bonita pelas pessoas que eu amava. Por meu marido. Por meus filhos. Por este reino. Por que todas essas pessoas são minha família, e a coroa que eu carrego é o poder que me permite proteger esta família. E esta - ela fez um gesto abrangendo a todas na sala - é a família de vocês hoje. Quando se sentirem fracas, incapazes ou feias, lembrem-se das outras garotas nesta sala. Lembrem-se que não estão sozinhas, e se não puderem ser fortes por si mesmas... Sejam fortes por elas.

Todas paramos, refletindo as palavras da rainha. Isabel se levantou da penteadeira e sentou-se no braço do sofá onde estava Lilie, Livie e Kali, deixando que o cachorro de Dylan descer para o chão, cheirando Romeu com curiosidade.

Todas paramos sorrindo para observar a cena, uma sensação refletiva, aquele laço da irmandade se enrolando entre todas nós. Família.

A noite se estendeu entre histórias, piadas e risos. Os doces se acabaram, os presentes foram abertos e algumas de nós pegaram no sono, antes que batessem na porta, e Tina corresse para abrir.

—Soldado Martins - ela falou, enquanto o rosto de Veronicca se virava rapidamente - Ah, certo... Só um minuto. Majestade? O príncipe Fox está a sua procura.

—Bem, imagino que já passamos muito tempo desfrutando dessa juventude toda, não? - ela perguntou a Veronicca, que assentiu - Deixemos as meninas aproveitarem o resto da noite. Feliz Aniversário Alicia.

—Obrigada pela visita majestade - O sorriso sonolento de Alicia ainda brilhava - Você também Veronicca.

Elas sorriram, antes da rainha colocar a coroa novamente, e sair, de volta a vida e aos deveres que lhe permitiam proteger sua família.

Alicia se aninhou em Tina, fechando os olhos e caindo em um sono suave. Annie se levantou, nos deu um aceno e saiu. Tina bateu nas cobertas ao lado contrário de Alicia, um convite pra que eu me deitasse. Aceitei, e Romeu deixou o cachorro no chão para se aninhar nos meus pés.

Isabel, que aparentemente dormia, se levantou minutos depois, na ponta dos pés para que os saltos não batessem no chão. Ela pegou a corrente do cachorro e seguiu entre os presentes.

—Isa? - Tina ergueu a cabeça, sonolenta, olhando para todo espaço ainda vazio ao lado dela, na gigantesca cama de Alicia - Quer ficar?

—Obrigada pela oferta Valenttina - Ela deu um sorriso de escárnio, pegando uma caixa da pilha. A caixa do duque - Mas alguém tem que levar o lixo pra fora.


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