A Rainha da Beleza escrita por Meewy Wu


Capítulo 11
X - Lugares Secretos




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—Você está encarando.

—Não estou não! – grunhiu, ignorando o quão infantil minha voz parecia ao contrariar a afirmação absolutamente correta de Apolo. Virei-me para ele, percebendo que em vez do uniforme ele vestia smoking preto, como a maioria dos outros garotos da idade dele pelo salão.

—Estou de folga – ele explicou, adivinhando a curiosidade por trás dos meus olhos.

Revirei os olhos – Bom saber que o castelo não mudou você – falei, sem olhar para ele – Ainda é o mesmo sabe tudo que acha que pode ler a mente das pessoas...

—E você ainda é a mesma garotinha na defensiva – ele contra atacou. Não discuti com isso, ele não poderia estar mais certo – Mas não pensei que se apaixonaria tão rápido pelo príncipe.

—Eu não...

—Você ainda está encarando – ele falou, e eu suspirei derrotada. É claro que eu estava, e provavelmente estava parecendo uma criança fazendo birra, ou, pior, parecendo tão invejosa quanto Isabel enquanto Foz girava e ria com Annie no meio do salão.

Diferente da minha dança, ninguém prestava atenção neles. Era comum. Bem, ninguém além de mim.

—Eles dançam bem, não pode me culpar por admirar – dei os ombros, me virando para ele. Eu não precisava me tornar aquele tipo de pessoa – E eu não estou ‘apaixonada’ pelo príncipe.

—Isis ficaria tão desapontada – ele falou, com um sorriso nostálgico.

Ficamos ali, parados, em um silêncio constrangedor por minutos que pareciam horas. Quem nos visse em Corippo, há dois anos, e hoje, nunca saberia que éramos a mesma pessoa. Aquele Apolo era um pensador livre, desengonçado com cabelos de garota. Aquela Bethany era um monstrinho encolhido atrás de uma princesinha ruiva.

—Você...

—Por favor, Bethany, pelos velhos tempos, não pergunte se eu estou bem – ele pediu. Foi à vez dele de não olhar para mim, fitava o nada com uma expressão amargurada. Percebi que nas últimas semanas suas conversas deveriam sempre começar com essa pergunta, e com a mentira de estar.

Eu entendia. Alicia constantemente me fazia a mesma pergunta, e por mais que eu respondesse que sim, no final da noite quando eu me deitava tudo que eu conseguia imaginar era Isis queimando no fogo, desesperada.

—Eu só ia perguntar se me acompanharia em uma dança – mentia, tentando parecer o mais animada possível para espantar os pensamentos ruins. – Isso, é claro, que não houver nenhuma namorada que você ainda não tenha me contado...

—Não, nenhuma namorada – ele falou, com um sorrisinho de canto que e fez perceber que havia algo mais complicado do que apenas aquilo. Ele mais uma vez fez aquilo de ler o que eu pensava pelo meu rosto, e mudou o ritmo daquela conversa – Tudo bem vamos dançar!

Respirei fundo, o seguindo por entre a multidão. Não fazia ideia de quem poderia ser à garota que mexeu com Apolo, provavelmente eu nem a conhecia, mas eu não podia deixar de sorrir imaginando a felicidade de Marian se soubesse disso. Sua armadura cairia e na mesma hora ela começaria a pensar em seus futuros netinhos e netinhas.

Se Apolo percebeu o que eu pensava, não demonstrou desta vez, enquanto nos posicionávamos junto aos outros casais. Não pude deixar de imaginar uma garotinha de cabelos cor de fogo, correndo pelas ruas de Paris. Talvez um dia, se Apolo tivesse uma filha, ela pudesse até mesmo ser rainha, como a tia sonhava.

Se isso acontecesse, seria algo que eu gostaria de ver.

Dançar com Apolo era bem mais divertido do que dançar com a maioria dos outros homens no salão, principalmente pelo fato dele ser ainda pior no que eu. Tentei acreditar que isso deveria significar que eu estava melhorando, mas era difícil de acreditar.

Nem a despreocupação do rato de biblioteca, nem a rigidez de um guarda real combinavam com os rodopios de um baile real.

Fomos interrompidos bruscamente quando um grupo de guardas correu entre a multidão, pegando um homem pelos braços e o puxando pelo salão como um animal, gritando confuso e apavorado.

—Simpatizante – falou Apolo, de repente, com um ar desanimado – Eu vou ver o que está acontecendo, até mais Bethany.

Ele correu por entre a multidão atrás de seus parceiros. Fiquei parada no meio do salão confusa, olhando-o sumir entre as pessoas. Simpatizante? O que isso queria dizer? As pessoas eram escolhidas a dedo para cada baile, então por que um homem foi arrastado para fora desse jeito?

...

“09/05/2164

A Alemanha nos abandonou. Justo eles que tantos motivos tinham para atacar a América, que foram tão humilhados e derrotados no passado, justamente eles nos abandonaram. É a maior de nossas perdas nesta guerra desde que a gigantesca Espanha virou-se contra nós. Perdemos ambos aliados.

E às vezes acho que estamos perdendo Victor também. Ele está enlouquecendo. Perdeu a todos que amava. Os boatos maldosos espalham que ele mesmo matou a família em um momento de loucura. Não tenho garanti que estão errados.

Como fazer o povo acreditar nele quando nem mesmo eu acredito?

Os navios, vindos da África, ainda não chegaram. Deveriam ter chagado há dois dias. Com eles, poderemos cruzar o oceano e atacar o inimigo por terra, como ela faz conosco.  É nossa última esperança. Mesmo quando chegarem, não sei se conseguiremos pagar por tudo isso quando esta guerra acabar.

Já perdemos quase todos nossos aliados, e os que restaram não podem se dar ao luxo de emprestar dinheiro quando estão lutando. Temo que mais nos abandonem. Não temos notícias da Itália e da Grécia há meses, e Portugal nem tenta mais esconder seu medo.

Os Ingleses, por mais que não admitam, seguem no mesmo caminho que nos. Mulheres e homens morrem em batalha. Crianças morrem de fome em cada esquina.

Tem dias que sinto que estou morrendo também.

A guerra não tem piedade de ninguém. ”

...

Isabel cruzou o corredor sem nem me notar ali, marchando nos seus saltos finos. Marian teria gostado dela. Encolhi-me mais no sofá. Eu estava arrepiada. E estava tremendo.

Soltei o diário, como se de repente ele pudesse me queimar. A cada página eu sentia mais e mais que não deveria estar lendo isso. Como poderia ser verdade? Como nosso país, nosso mundo, e o mundo que existia, pode ter passado por tanta coisa e ninguém nunca ter se dado ao trabalho de nos contar nem metade de tudo isso.

Respirei fundo algumas vezes, colocando as mãos no cabelo. Era tanta coisa para assimilar. Será que na América, supondo que ainda exista vida depois de toda a destruição que a guerra trouxe aquele pedaço do mundo, as pessoas sabiam da verdade? Será que elas ao menos imaginavam que não foram seus ancestrais que começaram a guerra que devastou um continente inteiro?

Foram os franceses. Os franceses a quem o mundo hoje se curvava.

Respirei fundo, me levantando e andando rápido demais até meu quarto. Romeu nem pareceu notar minha presença, rolando nos lençóis, mas isso não quer dizer que eu não o tenha visto. Na verdade, me perdi por um momento olhando para ele. De nós dois, ele parecia ser o mais disposto a aproveitar a boa vida que o palácio tinha a oferecer. Imaginei se minha vida seria melhor se eu fosse um gato. Eu poderia me esgueirar pelos cantos e me esconder onde eu quisesse, andar pelos muros, e ver a vida da cidade à noite.

Não que o próprio Romeu pudesse fazer qualquer coisa dessas, na verdade, percebi que fazia mais de uma semana desde a última vez que eu o havia levado para ver a luz do sol. Olhei em volta com cuidado, procurando um lugar seguro para deixar aquele diário. Acabei colocando no meio de outros livros, onde meu próprio diário estava.

Coloquei um casaco e peguei o relutante gato negro no colo, mesmo ele se agarrando as roupas de cama. Eu as trocaria assim que voltasse, prometi a mim mesma.

Os jardins norte, jardins de inverno, roubavam qualquer vontade de voltar para o palácio. Era lindo e simples, as tulipas e camélias florescendo lentamente com a proximidade dos meses frios. Sempre gostei de botões, mais do que de flores. Da expectativa que eles trazem.

Botões não são arrancados de seus lugares, não perdem pétalas nem são usados de adornos em buques, arranjos e cabelos. Acho que por muito tempo eu fui um botão como aqueles, agora eu era uma flor. Eu não me sentia assim. Que flor eu deveria ser?

Romeu correu livre em volta dos pássaros e insetos, mas mesmo ele parecia conhecer os limites que nos foram impostos. Ele não se aproximava das flores nem dos muros, nem mesmo dos caminhos para os outros jardins. Nós dois estávamos presos ali, mas fiquei feliz em saber que ele de alguma forma estava preso a mim, como uma folha.

O segui enquanto ele corria, dando-lhe seu espaço sem perdê-lo de vista. Quando chegou aos limites do jardim, por fim, ele se sentou e me encarou, como quem pergunta o que viria a seguir. Eu queria ter uma resposta.

Abaixei-me para pega-lo, no pior momento que podia, por que justamente naquele minuto alguém virou o caminho, batendo contra mim e me fazendo cair sentada no chão, com Romeu cravando as unhas em meu braço.

—Me desculpe – não consegui ver quem era. Estava ocupada demais tirando Romeu da minha pele, mas assim que ele me soltou consegui sorrir e encarar o estranho.

—Não foi nada – me forcei a dizer, com a voz presa na garganta. Não era um estranho. Era o mesmo homem que foi levado do baile no último dia. Ele me estendeu uma mão para me ajudar a levantar, mas enquanto o fazia, não pude deixar de perceber a marca em seu pulso.

Era como se o tivessem amarrado com muita força.

—O que é isso? – perguntou um guarda, se aproximando – O que pensa que está fazendo?

—Nada – falou o homem, baixando a cabeça rapidamente.

—Por que está perturbando a moça? – perguntou o guarda, severamente.

—Eu cai – falei, apetando Romeu contra meu peito – Ele só estava me ajudando a levantar.

—Tem certeza, que foi apenas isso, senhorita? – perguntou o guarda, com um olhar tão duro que me fazia querer voltar atrás e acusar aquele homem – se este forçado a estava perturbando, é apenas falar e daremos um jeito nisso.

Engoli em seco – Não, como eu disse ele só estava... Me ajudando.

—Tudo bem, desta vez, vou deixar isso passar – ele falou, olhando de cima para o outro – É melhor voltar para o trabalho, não vai querer que alguém menos gentil que eu veja você por aqui.

—Eu só vim beber um pouco de água – o homem falou, de forma polida porém cheia de respeito, como se falasse com o próprio rei.

—Beba com os porcos – falou o guarda, empurrando o homem pelo ombro. Enquanto ele se afastava, uma corrente presa em seu tornozelo arrastava no chão.

Ele era um jovem, dançando em uma festa. Agora era um prisioneiro.

—Fildrey! – gritou uma voz cheia de autoridade, que fez mesmo o guarda de olhar frio estremecer. Se eu não soubesse, eu diria que era um rei. Mas não havia um rei francês há anos, e não haveria um até dali a algumas semanas. – O que pensa que está fazendo aqui? Seus homens estão agindo como animais!

—Mil perdões, senhor – falou o guarda – Eu pensei ter visto o forçado do último baile atormentando esta jovem.

—Espero que tenha feito algo sobre isso – falou o homem, cheio de fúria em seu rosto vermelho.

—Não era nada disso – falei. Os dois se viraram para mim, me fazendo me sentir uma criança.

—A moça disse que aquele homem apenas a ajudou a levantar – falou o guarda.

—Bem, menos mal – assentiu o homem, como se isso não lhe importasse muito – Vá cuidar de seus homens, eu acompanho a Srta.

O guarda se foi, correndo como um cavalo selvagem em um campo aberto. Mesmo vê-lo se afastar era aterrorizante, seus passos faziam o chão tremer e sua armadura tilintava como espadas sendo afiadas.

—Não deveria andar sozinha com esse tipo de homem a solta – falou o homem vermelho. Ele era gordo, mas não muito. Baixo, mas não muito. Tinha poucos cabelos, mas tinha alguns. Tinha o rosto vermelho como quem estava sempre pronto para argumentar em uma discussão que não podia vencer. Tinha mãos que pareciam de outro corpo, com ossos salientes e calos de segurar uma espada e desencadear socos. E olhos azuis elétricos e glaciais.

—Você é o irmão da rainha – falei, sem nem pensar. Felizmente, ele parecia estar de bom humor, por que sorriu enquanto andava na direção que levaria a entrada do castelo. Presumi que o melhor a fazer era segui-lo.

—E você, deve ser a mais nova aquisição da minha irmã. Bethany, meu filho Dylan me falou sobre você – ele falou, quicando enquanto andava, como aquelas pessoas que costumavam a passar a vida inteira tendo que acompanhar pessoas mais altas fazia – A menina que fala demais. Permita que eu me apresente, James, Duque de Bordeaux, filho de Roma, servo de Paris, e da Rainha. A seu dispor.

—Hã... Eu sou a Bethany, só... Bethany – falei, esquecendo completamente como deveria me referir a um duque – Filha de Paris, protegida da Rainha.

—Bethany. Casa dos figos. Sabia que antes de minha irmã conhecer o rei Fraces, vivíamos dos pomares de figos na nossa fazenda? – ele perguntou, animadamente. Olhei para Romeu, desesperada por uma resposta daquele gato idiota, mas por fim dei os ombros.

—Não, não sabia – carreguei minha voz, como se isso fosse uma grande confissão.

—Sim, sim, é verdade. Quer dizer que está destinada para um grande futuro Bethany – ele falou, sorridente – Me diga, o que está achando do castelo?

—É... Uau, é incrível. É claro, eu me perco às vezes, mas é tudo tão bonito, iluminado e brilhante – eu esperava o estar convencendo, mas eu tinha a impressão que não convenceria nem mesmo a mim disso algum dia – É muito diferente de tudo que eu já vi.

Isso era sincero. Pareceu sincero. Ou quase.

—E o meu sobrinho, Fox? O que pensa sobre ele? – ele perguntou, calmamente.

Engoli em seco. Parei de andar. Ele parou também, se virando para mim e sorrindo. Eu estava emboscada. Eu não tinha resposta para aquela pergunta. O que eu achava do príncipe Fox? Eu não fazia a menor ideia. Ele dançara comigo. Ele beijará Isabel. E ainda tinha aquela cena no corredor com Annie.

O que eu pensava de tudo isso?

—Eu não tive muitas chances de conversar com o príncipe – falei, apertando Romeu, que apertou as unhas no meu ombro – Desculpe, eu preciso ir. Aula de dança.

—É claro, longe de mim querer monopolizar seu tempo, senhorita Bethany – falou ele, puxando minha mão livre e encostando os lábios nela – Tenha um bom dia.

—Um bom dia, Senhor – falei, antes de quase correr para dentro do palácio.

Não demorou muito para que eu fosse abordada, porém, por outra figura.

—O que ele queria? – Isabel me deu um puxão tão forte que me obrigou a soltar Romeu, que por sua vez cai no chão dando um longo miado em reclamação – Responda logo, Bethany. O que o Duque queria com você?

—Nada – tentei me soltar, mas ela apertou ainda mais a mão em meu braço – Eu não preciso me explicar para você!

—Tudo bem, então – ela suspirou, soltando meu braço. Quase acreditei que ela realmente houvesse desistido. Quase. – Aquele, como você já deve saber, é o Duque de Bordeaux, o homem mais mesquinho de toda a Eurásia. Irmão da rainha, o poder subiu a sua cabeça tão logo sua irmã subiu ao trono. Há anos, ele tenta achar meios de provar que Fox é inapto para assumir o trono, e tenta fazer Dylan tomar o lugar do primo. É claro que Fox não acredita nem por um minuto que o primo seria capaz de conspirar contra ele.

—Você não parece compartilhar desse pensamento – deixei escapar, mas todos pareciam ter acordado com um estranho bom humor naquele dia.

—Você é tão observadora, pequena Bethany – ela falou, pegando Romeu do chão e me entregando, dando um tapinha no meu ombro – Se não quiser prejudicar Fox, ou nossa rainha, eu pessoalmente sugiro que fique bem longe do Duque.

Ela saiu da minha visão tão rápido quanto apareceu, sua voz se afastava enquanto ela tagarelava com as pessoas pelo caminho, até sumir de vez, deixando a mim e ao ronronar de Romeu para quebrar o silêncio total do corredor.

—Onde fomos parar, Romeu? – suspirei, o arrumando-o em meu colo.

Durante todo o caminho de volta ao meu quarto, me perguntei se nada que eu tivesse dito poderia prejudicar Fox.

O salão de bale mais uma vez brilhava como um etéreo e lindo sonho, longe de todos os problemas de verdade, do mundo de verdade, fora daquelas paredes. Ninguém parecia triste ou infeliz. Ninguém sequer parecia lembrar-se do garoto arrastado para fora na noite anterior.

Ele era um forçado agora. Isso queria dizer que ele havia traído a coroa, compactuado com rebeldes negros - um simpatizante, como Apolo havia chamado - , e mesmo assim receberá a misericórdia da Rainha e pagaria com trabalho por sua traição. Isso não era algo comum, geralmente traidores eram condenados imediatamente à morte, mas este garoto deveria pertencer a alguma família nobre, rica ou antiga.

Pergunto-me o que o fez se rebelar contra a coroa, contra o mundo de luxo e os seus iguais. Me enojei de mim mesma. Algumas semanas no castelo e eu já pensava que as pessoas lá fora eram diferentes de mim. Pior, que negros eram diferentes de brancos.

Eu sabia hoje que todos haviam feito coisas terríveis.

Humanos fazer coisas terríveis, durante toda a história. A nossa não era diferente.

Uma vez, Isis me perguntou por que os forçados não viravam guardas, em vez dos filhos e irmão que tinham que sair de suas casas para servir a Vossa Majestade na Grande Paris. Eu não entendia antes, mas entendia agora. Seria burrice colocar a defesa da coroa alguém que já a atacará.

Sentia falta da ignorância de não saber disso, e de tantas outras coisas.

Em algum momento da minha estadia no palácio, sorrir e dançar acabou se tornando a parte mais fácil. Naquela noite, era a única coisa me tirando das centenas de coisas na minha mente. Eu sentia que podia fazer aquilo a noite inteira sem me cansar. Provavelmente não estaria com a mesma disposição na aula de dançar no dia seguinte.

O mundo de repente parecia algo distante para mim também. Até que ele apareceu. De repente todos os pensamentos dolorosos voltaram, e meus pés estavam tão cansados que eu me perguntava como poderia estar em pé.

—Me daria à honra? – o príncipe Fox perguntou, com uma reverência tão perfeita que ele deveria ter aprendido antes mesmo de aprender a andar, falar ou talvez antes mesmo antes de nascer. Talvez estivesse nos seus genes de príncipe.

—Tenho certeza que tem muitas garotas ansiosas para dançar com Vossa Alteza – falei, dando-lhe as costas e seguindo em direção à mesa de doces. Eu nem sequer precisava olhar para trás para saber que ele estava me seguindo, dava para sentir só no olhar das pessoas onde eu passava.

—Soube que falou com meu tio hoje de manhã – ele falou, parando do outro lado da mesa, enquanto eu fingia estar muito concentrada na cobertura brilhante de um cupcakes.

—Isabel lhe contou? – eu queria não parecer tão sarcástica, mas minha voz estava carregada de tanto sarcasmo. Ele fingiu não notar.

—Não, meu tio comentou no almoço de hoje – ele falou, me acompanhando paralelamente enquanto andávamos pela mesa – Por que pensa que Isabel me falaria algo?

—Ela nos viu a conversa e me intimou sobre isso – dei os ombros – Só não seria uma surpresa se ela falasse algo.

—Só isso? – ele ergueu uma sobrancelha, enquanto chegávamos à ponta da mesa, e eu dava meia volta.

—Sim, Vossa Alteza – falei, pegando um docinho e colocando na boca.

—Já disse que pode me chamar de Fox, Bethany – falou ele, com um olhar divertido.

—Eu prefiro Vossa Alteza – falei, olhando meu reflexo em uma colherinha. Incrível, eu nem mesmo estava suando.

—Tudo bem. Eu já disse que pode me chamar de Fox, Vossa Alteza – ele brincou. Mordi o interior da minha bochecha. Não ri.

—Você se acha muito engraçado, não é? – ergui uma sobrancelha – Deveria dar atenção aos seus convidados.

—Eu os entreteria, se certa moça se permitisse dançar comigo – ele falou, sugestivo.

—Eu não vou entrar neste jogo, está bem? – falei, parando de andar e encarando ele – Eu vi você e Isabel se beijando, Vossa Alteza. Não sei o que se passa pela sua cabeça, Príncipe Fox, mas eu não vou ficar me atormentando pro você te dançado comigo em um esconderijo um dia, beijado Isabel na outra, e feito sabe se lá o que no dia seguinte... Eu não sou assim.

Eu sai de perto antes que ele pudesse falar algo Talvez eu fosse infinitamente uma covarde, mas eu temia que ele conseguisse quebrar minhas defesas e me convencer de alguma bobagem do tipo eu ter entendido tudo errado.

Juntei-me a um grupo de moças, rindo e dançando juntos, prestando atenção a suas fofocas sem me apegar muito a nada. Algumas, eu percebia durante a dança, eram mais costumeiras do palácio do que outras. Me perguntei se não seriam parte da nobreza, filha de Lordes e Duques.

Eu queria que Elizabeth voltasse. Eu a considerei uma amiga antes mesmo de considerar Alicia ou Valenttina de tal modo. Queria saber mais sobre a vida em Paris, perguntar como era o cheiro longe dos jardins, como eram as cores sem aquelas luzes brilhantes em lustres de outro e cristal, como eram as pessoas quando não estavam com suas melhores roupas, encobertas por aquela ideia de perfeição.

Eu queria tanto poder sair por um dia para conhecer o mundo real. Desde o primeiro dia até agora eu não tinha tido nenhuma folga, mas as outras meninas passavam suas noites de folgas no palácio, arrumando seus quartos, brincando com seus bichinhos, com os modistas ou com seus hobbies.

Eu queria apenas me sentir longe dos olhos de todos um pouco. Ter a sensação de não poder ser encontrada, um pequeno gostinho de liberdade novamente.

Era difícil confessa, mas eu queria sentir de novo o que senti naquela sala escondida com Fox. Queria poder ficar descalça, e dançar a música conforme eu quisesse, sem que ninguém pudesse falar nada por isso.

Um lugar só meu. Meu refúgio.

E eu sabia exatamente onde seria.

...

Eu tive que fazer tudo na calada da noite. Os andares da biblioteca estavam quase vazios, exceto por um rapazinho de não mais do que treze ou quatorze anos no quarto andar, falando sozinho como nunca conseguiria passar por algum teste pela manhã.

Quis me aproximar e oferecer ajuda, ou pelo menos motiva-lo que conseguiria isso, mas eu tinha muito que fazer. E eu também não tinha ninguém para me dizer que eu conseguiria fazer isso.

Roubei uma almofada do segundo andar, e outra do quinto. Na falta de uma vassoura, me bastou o espanador de Francesca, uma lanterna e uma caixa de sapatos para que eu começasse meu trabalho.

Fiquei feliz que pelo menos ainda sabia tirar o pó com agilidade, colocando as bolotas que se formavam na caixa e atirando pela janela. Fiz o mesmo assim que encontrei o pequeno roedor que habitava por ali, o pegando pelo rabo e o jogando da mesma forma.

Coloquei as duas almofadas, em um canto. Desci, vendo que o estudante pegará no sono, e segui até o meu quarto, abrindo com cuidado as gavetas dos armários. Enrolei, em uma manta leve, um perfume, um óleo de corpo, algumas pilhas, O diário da família Paris e, no último momento, meu diário também, antes de voltar à torre. Passei o óleo na janela, para conseguir fecha-la de novo, mas borrifei o perfume nas almofadas por via das dúvidas. Coloquei os dois, e as pilhas na caixa, e desliguei a lanterna, colocando junto.

A luz da lua nos vitrais dava a pequena peça um ar meio mágico e colorido. Algo encantado, do tipo que se vê nos desenhos dos livros infantis.

Puxei a manta sobre minhas pernas, e quase acabei pegando no sono ali, no meu pequeno lugar secreto.


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Notas finais do capítulo

Capítulo não Revisado!
Obrigada a todos que acompanham a história, amo todos vocês.
Comentem, até mais!
Bjs, Meewy!