Joy começou a tremer tanto que a possibilidade dela desmaiar passou pela minha mente.

— Ah caramba, Yerim. — ela se encostou na treliche, soltando a caixinha de ferro no chão — Eu matei a Seulgi.

— Você não... 

— Eu matei a Seulgi. Eu matei a Seulgi — seu olhar apavorado encontrou o meu — Os professores vão descobrir, a diretora vai descobrir. Eu matei uma colega. Quando descobrirem eu serei castigada na frente de todos como exemplo e...

— Joy — me aproximei dela e segurei seu rosto, tentando não ser tão rude em meu gesto — Acalme-se. Você não matou a Seulgi. Ao menos eu acho que não.

— Ela está bem — Tiffany, que durante algum momento do ocorrido se abaixou ao lado de Seulgi, disse. — Só está desacordada. Mas vai ficar com um roxo na cabeça.

— Então...Ela não vai morrer? — Joy sussurrou. Passei a mão por seus cabelos e a puxei para um abraço, lentamente ela o retribui — Pensei que ela ia morrer.

— Você é muito ansiosa, Joy. — digo. Sento na treliche puxando Joy para sentar ao meu lado. Olho para Wendy que ainda parece um pouco espantada com tudo o que aconteceu — Você está bem, Wendy?

— Isso foi... — ela começa a dizer, mas parece se perder nas palavras — Por que fez isso, Joy?

— Ela te viu. Provavelmente ia contar à alguém, eu não podia deixar acontecer. — respondeu, sem olhar para o rosto de Wendy. — Você é legal. Não merece ser punida.

A Rebellis encarou Joy ainda mais desacreditada, e se eu não estiver louca posso jurar que ela ficou emocionada com as palavras da minha amiga.

— Obrigada. — Wendy riu baixinho, o rosto se tornando rosado — Mas você acaba de deixar minha amiga desacordada.

— O que?

Gain questiona e Tiffany congela no lugar. Olho para Seulgi caída no chão e suspiro. Pelo visto teremos uma longa conversa pela frente.

~*~

Seulgi permaneceu desmaiada por duas horas. A pancada que Joy deu nela deve ter sido realmente forte, já que mesmo quando a colocamos na minha cama ela não acordou.

Estamos todas sentadas no chão por cima de pequenas almofadinhas e Wendy acabou de contar como é que ela já conhecia Seulgi.

— Espera um pouco. — Tiffany dá uma risada nervosa — Você está dizendo que a Seulgi é uma Rebellis?

— Bem, na verdade ela só é uma estudante mesmo. Mas, sim, ela pretendia se tornar uma.

 — Por que não nos contou que conhecia Seulgi? — Tiffany, ao meu ver, está indignada.

— Como eu saberia que vocês são confiáveis? — Wendy pareceu sem graça ao responder.

— Nós te salvamos - Gain disse, a expressão tão triste quanto a de Joy.

— Eu sei. Mas até quando ficariam ao meu lado? Pelo que eu sabia, a qualquer momento uma de vocês poderia me denunciar.

— Isso nos prejudicaria também.

— Não finjam que não sabem que entregar uma Rebellis ao governo é visto como algo bom. Eles até mesmo te dão um prêmio se fizer isso.

— Nós não somos assim — Joy disse. De todas, ela é a que se mostrou mais sensível a história que Wendy contou e a todo momento olhava de relance para Seulgi, como se esperasse que ela acordasse a qualquer momento para pedir desculpas.

— Como eu saberia? — a Rebellis suspirou - Sinto muito não ter contato antes, mas eu não sabia se vocês eram confiáveis. E...Tem coisas que às vezes é melhor não saber, vai por mim.

— Ontem quando eu te encontrei machucada, você veio aqui para se encontrar com Seulgi? — a memória do incidente volta a minha mente. O tiro, o cheiro do sangue e o meu medo me fez tremer levemente. Não é uma situação boa de se lembrar.

— Eu vim para tirá-la daqui. Mas como perceberam, não deu certo. Não era pra ter acontecido aquilo, eles sabiam que a gente iria tentar algo e armaram uma emboscada para nós. Eu nem sei se meus amigos estão vivos.

— Você não veio sozinha? — Tiffany questionou de forma doce. Sua expressão se suavizou e pela primeira vez a vi falar com Wendy sem usar aquele tom de irritação na voz.

— Não, é perigoso uma Rebellis ou um Monstrum sair sozinho. Nós sempre saímos em no mínimo três — respondeu, mexendo numa mecha de seu cabelo vermelho. Ela se calou por um tempo e eu demorei para perceber que ela não disse nada porque parecia determinada a não chorar em nossa frente — Estava tudo certo. Tínhamos combinado o dia e a hora através de cartas e parecia que dessa vez ia funcionar. Não é muito difícil conversar com alguém daqui de dentro, sabe. Se você falar com as pessoas certas, é claro. Sandara era a responsável pelas correspondências que os superiores recebem, ela é uma das companheiras de quarto de Seulgi de modo que não perdi contato com ela quando fui salva da escola onde estudávamos. Todas suas companheiras sabiam que ela iria embora naquele dia, entretanto, algo deu errado. Acho que ela não conseguiu me avisar, então não a culpo por não aparecer no horário combinado. Nós viemos em três, pois não achei necessário ir mais pessoas, essa operação era bem mais fácil em vista das outras por qual passei.Esperamos no local combinado e ela não apareceu. Kyrstal começou a ficar nervosa, ela nunca gostou de ir em missões com poucas pessoas, principalmente se seu namorado também estiver nela. Lembro que ela disse quedevíamos abortar a operação, contudo, eu insisti em continuar já que não faria mal esperar pelo menos mais um pouco. Não tenho ideia de como realmente aconteceu, mas num minuto eu estava me escondendo com eles e no outro os tiros vieram. Eles não deviam estar ali, a policia não passa nesse dia da semana nesse bairro.Eu disse que era melhor nos separarmos para os confundirem e fizemos isso, mas...Algo aconteceu porque eu ouvi o grito de Krystal, então voltei...Foi nessa hora que levei um tiro. Não sei como aguentei andar depois disso, mas não fui muito longe.

— Você caiu na minha frente — digo e Wendy aquiesce. A ponta do nariz dela está rosada e ela pisca algumas vezes. — Por um momento, eu pensei que alguém viria atrás de você.

— Eu também. E era para eles virem, não sei o que ocorreu.

— Isso é muito triste, Wendy — Joy está com o rosto molhado de lágrimas e eu dou risada baixinho da sensibilidade dela. — Espero que seus amigos estejam bem.

— Também espero — disse, passando a mão nas costas de Joy num consolo mudo, quando na verdade é ela quem devia estar sendo consolada. — Mas essa é apenas uma das minhas preocupações.

— Quais são as outras? — questiono, esperando que possa ser algo que nós podemos ajudar.

— A minha maior é descobrir como farei para voltar agora — a expressão de Wendy se tornou séria — Não posso ficar aqui para sempre.

Ficamos em silêncio porque não tinha mais o que dizer. E eu lamentava isso mentalmente mesmo sabendo que era somente a verdade.

Wendy não poderia ficar ali para sempre, por mais que eu quisesse isso. É perigoso e muitas vidas estão correndo risco a cada segundo que ela permanece aqui. Todavia, como faríamos para ajudá-la a sair?

Algumas perguntas parecem não ter respostas. E são essas que eu mais odeio.

~*~

Uma semana se passou desde o incidente com a Seulgi. Quando ela acordou ficou irritada e feliz ao ver Wendy, irritada porque a outra não tinha sequer ido conversar com ela e feliz por saber que ela está bem, apesar do ocorrido. A expressão de Seulgi se tornou triste ao ouvir o que aconteceu e presumo que ela, Wendy e Krystal deviam ser bem amigas. Após a conversa das duas, Joy se apressou em pedir desculpas para Seulgi — pelo menos umas quatro vezes — e no final até mesmo chorou. Nós a consolamos e tudo ficou bem.

Nessa semana que se passou Wendy começou a se adaptar a sua rotina ali. Gain se disponibilizou para cuidar da limpeza do banheiro junto com Mijoo e Nana, de modo que elas conseguiam um tempo para a Rebellis tomar banho sem ninguém suspeitar. E Joy ficou encarregada de conseguir comida - já que ela ajuda na cozinha. Nós e as companheiras de quarto de Seulgi nos tornamos mais próximas, contudo, isso não quer dizer que eu confie plenamente nelas. Me espantei ao notar que até mesmo Suzy sabia de Wendy.

Não consegui conversar mais sobre o que queria com Wendy, pois os preparativos para o Grande Dia começaram a ser providenciados e os nervos de todas as garotas já estavam aflitos. Tudo tem que sair perfeito e nenhum erro será perdoado.

— Droga, droga, droga! — exclamo. Solto o pedaço tecido em minhas mãos de maneira irritada na mesa e sento na cadeira vazia mais próxima.

Quase outra semana se passou e as escolhas dos vestidos começam hoje, pois a professora Jeon disponibilizou sua aula para isso. Todas nós fomos para o local de estudos onde enormes mesas com pedaços de vários tecidos nos esperavam. Infelizmente, os pedaços são limitados e várias das cinquenta garotas estão perdendo a cabeça. Eu sou um exemplo delas, já que não faço a menor ideia do que escolher.

— O que foi, Yerim? — Suzy aproximou-se de mim junto com Mijoo e Momo. Ela olhou para as minhas mãos vazias e sorriu — Com problemas para escolher o tecido?

— Eu não entendo nada de tecidos. — confessei, querendo encolher-me sob o olhar divertido de Suzy — Sei que devia ter prestado atenção nas aulas, mas era tão entediante. E agora...Não sei nem escolher o tecido do meu próprio vestido!

Escuto alguns gritos e vejo Kaeun gritando com alguém que não reconheço. Suspiro, querendo me livrar de tudo isso. Se for para brigar por um tecido — se eu tiver algum em mente —, não sei se serei capaz de fazê-lo.

— Você já tem alguma ideia de como vai querer seu vestido? — Mijoo questionou e eu não soube o que responder. Como eu quero meu vestido? Não cheguei a realmente pensar nisso.

— Não. Nem sei que vestido cairá bem em mim e não quero parecer ridícula no Grande Dia — minha resposta causa constrangimento a mim mesma, entretanto, trato de lembrar que não é errado querer aparentar bem no evento.

— A Momo é boa nesse tipo de coisa, não é? — Mijoo olhou para Momo que aquiesceu tímida. — Diga a Yerim o que pode ajudá-la.

— V-você tem que começar com a ideia do v-vestido que quer. — Momo gaguejou ao começar a falar, evitando de me olhar nos olhos — Normalmente eu aconselharia ter bastante volume na parte de baixo para dar um ar de princesa, mas...— as bochechas de Momo ficam rosas - Você é bem pequena, Yerim. Desculpe-me por dizer isso.

— Não tem problema — dou risada, sendo seguida por Suzy e Mijoo. — Você não disse nenhuma mentira. Continue, por favor.

— Quanto ao decote eu creio que qualquer um ficará bom em você. — ela me olha atentamente por um minuto antes de desviar mais uma vez o olhar — A não ser que você não queira um decote, pode ser uma opção também, porém não aconselho usar gola alta.

— Eu estava pensando em suar gola alta — Nana se aproxima de nós, segurando um pedaço de tecido em mãos.

— Em você pode ficar bom por causa de sua altura — Momo diz, observando o que Nana segura. — Isso é um Zibeline?

— Sim, acabei de brigar com Kaeun por ele. — Nana aperta o pedaço de tecido em seu peito — Era o último pedaço e eu não deixaria aquela garota roubá-lo. Ele ficará ideal para o que eu tenho em mente.

— Qual ela escolheu? — Suzy indaga, ficando na ponta dos pés para olhar para trás onde as outras meninas estão.

— Ficou com um cetim. Mas todas nós sabemos que o que ela quer não ficará bom com aquele tecido — Nana possuí um sorrisinho de canto nos lábios e joga o cabelo para trás teatralmente. — Se ela tivesse sido legal comigo, eu até daria uma dica para ela...

— Como você é má, Nana. — Mijoo diz em tom repreensivo, todavia, um sorriso ilumina seu rosto.

— Acho que renda cairia bem com ela. — Momo aparenta estar perdida em pensamentos.

— Nem vem tentar ajudá-la com a escolha do vestido. — a voz de Mijoo soa irritada e seu semblante se fecha — Aquela louca só te trata mal! Não a ajude, mesmo que ela peça ou ameace.

— Mas Mijoo...

— Sem mas! Ou quer que eu conte a Jiyoon e Eunji isso?

A ameaça de Mijoo parece surtir efeito em Momo, pois rapidamente ela volta a falar comigo sobre os tecidos.Tento prestar bastante atenção, mas são tantos tecidos que me perco no quinto. Espero que Joy e Gain possam me ajudar nisso. Ainda temos mais um dia para escolher os tecidos, só espero que os melhores não acabem.

~*~

— Você ainda está nisso? — Seulgi questiona, jogando-se em minha cama ao lado de Wendy.

Após as escolhas dos tecidos e do almoço todas nós fomos para o quarto conversar. Sinto o quarto menor do que antes, porém, creio que é por causa da quantidade de pessoas nele.

Suzy está sentada ao lado de Mijoo, Nana e Joy na cama mais perto do chão. As quatro conversam animadamente sobre tecidos, mostrando os pedaços que pegaram e decidindo qual é o mais bonito.

Gain, Tiffany e Sandara estão na cama mais próxima do teto fazendo...Bem, acho que conversando. Elas são bem quietas e parecem ter encontrado um assunto em comum, já que estão ali há algum tempo.

— Tenho que ficar pelo menos um mês nesse trabalho comunitário — reviro os olhos, levantando da cama. — Daqui a pouco termina, então nem estou achando tão ruim assim.

— Vou pedir para que a Bae mude isso. — Seulgi diz indo até o lugar em que eu estava e se esticando na cama.

— Hey, você é uma folgada, sabia? — Wendy bufa e Seulgi abre um enorme sorriso. — Já que não vai liberar um espaço para mim, pode ao menos nos contar como vai convencer a professora a mudar o trabalho de Yerim, garota sorriso?

— Eu tenho minhas formas — respondeu e eu ri junto com Wendy, apesar de achar estranho a resposta dela.

— Se eu não fizer isso, quem fará?

— Que tal Kaeun? Adoraria ver a cara dela ao pegar todos os lixos desse campus horrível — Seulgi gargalhou.

Revirei os olhos mais uma vez me despedindo das duas e pegando os sacos no canto do chão.

~*~

Terminei o trabalho mais tarde do que imaginei porque o lixo pareceu ter duplicado nessa semana. O incidente com Wendy me deixou preocupada em sair do campus no começo, mas após algumas vezes que continuei fazendo isso me acostumei com tudo. Até mesmo me tornei amiga da mulher enorme e de voz grossa que faz a segurança do colégio, apesar dela ainda não querer me dizer seu nome.

Me despedi dela com um tchau andando em direção à entrada do prédio, no meio do caminho fico com sede e resolvo me aventurar pelos corredores quase escuros e enormes do prédio atrás de um bebedouro. Acabo parando perto do refeitório, em frente a uma das várias saídas do prédio.Bebo água calmamente, surpresa ao constatar que estou com mais sede do que havia pensado. Um pouco de água escorre pelo meu queixo e trato de limpá-la com a mão, me afastando do bebedouro logo em seguida.

Ou ao menos era o que eu pretendia. Um barulho estranho soa alto e me questiono mentalmente como ninguém o escutou e veio até aqui. Me aproximo das enormes portas da saída, ficando na ponta dos pés para conseguir olhar através do vidro.

Um vulto passa me assustando de modo que dou um pulo para trás apavorada. Tento enxergar alguma coisa, mas a pouca luz que vem do vidro não ajuda em nada. A maçaneta se mexe e minhas mãos suam. O que é isso? Não devia ter nenhuma garota no lado de fora a essa hora. Ouço algumas risadinhas e então a maçaneta se mexe de novo, só que dessa vez o barulho da porta se abrindo é evidente. Assim como meu espanto.

— Quem é você? — amaldiçoo minha boca estúpida que lança as perguntas sem eu realmente querer.

A garota que sai das portas parece grande não só na altura. O cabelo loiro é a primeira coisa que me chama a atenção e talvez a única coisa que vejo por causa da pouca iluminação do lado de fora.

— Quem sou eu? — ouço uma risada fraca e meu coração perde uma batida.

Sinto minhas pernas perderem a força e apoio minha mão na parede só para o caso de desmaiar ali mesmo. Pisco uma, duas, três vezes para ter a certeza de que não estou sonhando.

Acho que eu preferiria estar sonhando.