Já em casa, Sebastian retirou o bilhete de dentro da escrivaninha, rompeu o lacre e releu uma parte do que escrevera:

“Cara senhorita Larkin

Suas palavras foram um alento celestial. Cada uma delas teve o poder de aliviar a preocupação que me invadiu ao ser obrigado a partir de forma tão inesperada. Sua generosidade em compreender os motivos desta viagem está acima de meu merecimento...”

E assim a carta continuava, sempre mantendo o tom de apreço, simpatia e afeto. Era uma boa carta, ele pensava enquanto relia. Claramente serviria para que Hannah se mantivesse interessada em Wood. Mas, ele não tinha certeza se seria capaz de afastar sir Pierce. Pois, a baronesa não se impressionaria com uma correspondência tão dúbia quanto aquela. Não havia uma única palavra indicando algum sentimento mais profundo que levasse a algo mais sério.

Na ausência de pretendentes, a mensagem poderia ser levada em consideração, mas, depois da chegada de sir Pierce. Tudo se modificava. Irritado rasgou a mensagem jogando-a na lixeira, não tinha como ajudar a Hannah, e sua total incapacidade o irritava.

Naquela noite, mal conseguiu dormir, a inquietação não permitia que esquecesse o assunto, principalmente depois da conversa rápida com Hannah na saída do sarau. Mas, tudo piorou quando, ao visitar a residência dos Larkin na tarde seguinte, teve total certeza de que seus maus presságios ocorreriam em poucos dias. Sir Pierce enviara dois buquês de rosas vermelhas para sua futura cunhada com cartões muito diretos sobre suas intenções. A baronesa estava em êxtase, Hannah ainda mais desesperada, e Betina satisfeita.

Ele não soube o que dizer, o que pensar, não entendia nem como se sentia.  Tudo o que conseguia pensar era na figura de Hannah que lhe aparentava total desamparo.

Estavam todos na sala principal, Betina e Charlote conversavam animadamente sobre o convite recebido para a festa a fantasia que se daria na semana seguinte e de vez em quando perguntavam algo a um distraído Sebastian. Talvez, elas diziam, até aquela data, Hannah já estivesse comprometida com sir Pierce. E lançavam olhares satisfeitos para a garota, como se esta compartilhasse de sua satisfação.

De repente a ruiva ficou em pé. Encarou a mãe e a irmã e disse firme:

— Gostaria de informar à minha família, diante de sir Evans, que não tenho a intenção de aceitar qualquer pedido que venha de Lorde Pierce.

Assim que ouviu a frase, Sebastian sorriu. Hannah se mostrava corajosa e muito firme enquanto falava. Seu rosto adquirira uma expressão resoluta, de quem tomou uma decisão e não voltará atrás.

— Não seja estúpida! Há quanto tempo estamos esperando que apareça alguém para lhe pedir em casamento? Está louca se permitirei que recuse! – ele ouviu quase que imediatamente a voz de Charlote ofender a filha.

— Que opção você tem? – Betina rebateu reforçando a ideia de que Hannah seria incapaz de atrair outros pretendentes.

— Wood! – Sebastian disse exasperado pelo comportamento da mãe e da irmã diante de Hannah.

Três pares de olhos se dirigiram para ele. Dois zangados e um esperançoso e surpreso. Ele soube que agira corretamente. Apesar de também saber que Wood não viria para apoiar seu comentário.

— Sei que o senhor está tentando falar em nome de seu amigo sir Evans. E considero seu comportamento correto e leal. – a baronesa começou tentando demonstrar cortesia para com o futuro genro – Porém, o conde viajou, não sabemos se retornará. Hannah ficará a espera de alguém que não tomou...

— Tenho certeza de que Paul está deveras interessado em sua filha. – ele voltou a falar firme esperando que a baronesa acreditasse em suas palavras.

Porém, logo constatou que não seria assim tão fácil convencer Charlote.

— Mesmo assim, nada havia que indicasse que seu amigo faria qualquer tipo de proposta. Já sir Pierce, está realmente interessado em...

Ele se exasperou verdadeiramente.

— Sua filha não precisa aceitar o primeiro pedido que recebe. Ela é jovem. Pode esperar. – gesticulou nervoso, não queria parecer agressivo - Uma mulher não pode ser obrigada a se casar se não desejar.

Betina o encarou séria. Não estava compreendendo onde Sebastian pretendia chegar com aquilo. Será que ele sabia de algo sobre Hannah e Paul e que todos os outros ignoravam?

— Por acaso sir Wood lhe propôs um compromisso em segredo? – a loira perguntou à ruiva.

Hannah pensou em mentir. Mas uma mentira como essa logo seria descoberta, pois seu pai cobraria de sir Wood o cumprimento dela e nesse momento Hannah precisaria revelar o embuste.

— Não... – revelou sinceramente e seus olhos correram para sir Evans. Ele tentava ajudar, era uma ajuda inesperada, muito bem vinda, mas não parecia que surtiria algum efeito razoável. – Eu apenas não quero me casar com sir Pierce. Não gosto dele. Não gosto dos modos dele. Não gosto do comportamento dele comigo...

A baronesa saltou do sofá falando mais alto do que deveria:

— Como, por Deus, esse homem pode desagradar a você? Desde sua apresentação, esta é a única temporada em que tem um pretendente. O que espera? Tornar-se uma solteirona e arrastar sua irmã para a mesma má sorte?

A voz da mãe a magoava, mas ela não pretendia se deixar vencer. Não desta vez.

— Betina poderá se casar com quem desejar! – Hannah falou firmemente. – Sir Sebastian. – fixou o olhar nele determinada. – O senhor se incomodará em ter uma cunhada solteira?

Ele a encarou, a pergunta o pegou de surpresa. Aqueles olhos magoados o atingiram mais do que esperava. Ele também ficou em pé.

— Não creio que isso acontecerá. A senhorita certamente encontrará uma pessoa que veja suas qualidades. Não é necessário que se case com alguém que não deseja como esposo.

As palavras escaparam de seus lábios, e eram verdadeiras. Se os homens não conseguiam ver o que ele via, então, eram completos idiotas. E jamais mereceriam partilhar a vida com alguém como Hannah.

A voz da garota ruiva embargou na garganta. Muito mais do que fora naquele momento dito por sir Evans, foi seu olhar e seu modo de falar que a emocionaram. Ela compreendeu que ele a via daquela forma. Que ele admirava algo que ela possuía. Algo que ela, Hannah, não conseguia saber o que era.

A baronesa e a filha caçula estavam totalmente perdidas diante daquela cena. Sem conseguir compreender o que estava acontecendo ali. O modo como Sebastian defendia a vontade de Hannah não correspondia com os interesses dele. Afinal, se o rapaz pretendia desposar Betina em breve, precisava que Hannah estivesse comprometida com alguém.

— Esta discussão me parece estúpida. E uma total perda de tempo. – Charlote concluiu se sentando novamente e arrumando o vestido continuou: - Sir Pierce pediu uma audiência particular com seu pai. Certamente que tem a intenção de fazer o pedido.

Hannah sentiu como se seu coração tivesse parado.

— Como a senhora sabe disso mamãe? – Betina perguntou agitada, percebendo que a situação estaria definitivamente resolvida se isso acontecesse.

— Seu pai me informou que sir Pierce enviou uma mensagem logo cedo junto com as rosas. Não pretendia contar nada, mas – encarou Hannah com determinação – é melhor que você se prepare para agir de forma educada, cortês e subserviente quando seu pai lhe disser que concordou com o casamento.

Hannah caiu no sofá sem conseguir dizer nada.

— O pedido já foi feito? – a pergunta realizada de forma seca vinha de Sebastian.

A baronesa não o observou. Sir Evans se comportava de modo errado acatando e apoiando as infantilidades de Hannah. Mesmo assim respondeu:

— Não sei dizer... mas acredito que ou já aconteceu ou esteja acontecendo neste momento. – e voltando-se para o futuro genro tentou se desculpar pelo acontecido. - Sinto muito sir Evans que tenha que presenciar esta cena lamentável. Mas, como Hannah o incluiu na conversa, agradeço por sua postura correta e espero contar com sua discrição.

Ele nada disse. Estava zangado demais para isso. Manteve a postura ereta, as mãos nas costas, e controlava a respiração. Na verdade era a primeira vez que tinha vontade de bater em alguém, e esse alguém, por deus, era uma mulher. Sua futura sogra. Seus olhos correram para Betina. Para seus cabelos dourados, seus olhos azuis lindos, sua pele perfeita. Aquele não era o tipo de mulher com quem pretendia dividir sua vida.

Suspirou pesadamente e falou direto:

— Certamente que poderá contar com minha discrição, se me fizer um favor.

— Diga o favor e prontamente o atenderei.

— Posso falar a sós com a senhorita Larkin?

Charlote arregalou os olhos. E já se aprontava para ficar em pé e arrastar Hannah consigo quando ele se explicou melhor:

— Com a senhorita Hannah Larkin.

Hannah não acreditou que ouvira aquilo. O que aquele homem pretendia? Não havia qualquer razão para que eles se falassem a sós. E sua surpresa era partilhada também pela mãe e pela irmã.

— Sir Evans... – Betina falou mostrando um tom infantil e mimado.

Ele a ignorou.

— Baronesa, é um pedido simples. Estou esperando por sua aprovação...

Perdida a mulher não sabia o que dizer.

— Mas o senhor...

Novamente ele mostrou segurança quando a interrompeu.

— Eu pretendo ter uma conversa em particular com sua filha mais velha, e gostaria que a senhora e a senhorita Larkin nos dessem licença...

Lentamente ele caminhou em direção a Hannah e estendeu a mão para que a garota a segurasse.

— Mas, se não for possível neste cômodo, sua filha poderá me indicar outro.

Erguendo o rosto, a baronesa ficou em pé. Aquele homem era realmente desprezível. Arrogante presunçoso, e se considerava dono da verdade. Ela já percebera o modo como ele se comportava com sua amada Betina. Ele não a merecia.

— Venha Betina... vamos permitir que sir Evans possa conversar com sua irmã... seja lá o que for que tenha a lhe dizer, não poderemos ouvir.

Ele não se incomodou com a ironia. Sua mente estava segura do que deveria ser feito.

Em alguns segundos a porta se fechou atrás deles. Hannah presa a mão dele tremia e o encarava firmemente.

— Sir Evans... o que o senhor pretende com isso? Minha mãe vai ficar furiosa com o senhor, é capaz até de recusar seu pedido a...

Ele sorriu de leve. Os olhos de Hannah estavam vermelhos, assustados, perdidos.

— Se a senhorita aceitar, ela não poderá recusar.

Sem querer ela puxou a mão. O que ele queria dizer com aquilo?

— Então? Senhorita Larkin, aceita se casar comigo? – nada poderia ser mais direto do que aquilo.

— Por quê? – ela perguntou o pegando de surpresa.

Sebastian deu um passo para trás. Não esperava por aquela pergunta. Acreditou que a estava salvando. Que ela se sentiria grata e o aceitaria imediatamente.

— Preciso enumerar as razões? – ele perguntou quase ofendido com o olhar desconfiado dela.

— O senhor está com pena de mim?

Aquela pergunta o desarmou. Ele não estava com pena dela. Só não considerava justo que ela tivesse de casar com alguém que não queria. Sem levar em conta o fato de que ela poderia não querer se casar com ele.

— Não! – exclamou com determinação.

Hannah precisava compreender:

— Está fazendo isso por seu amigo?

Wood sequer passara por sua cabeça, afinal, Paul nunca estivera verdadeiramente interessado nela. Mas a garota ruiva não sabia disso.

— Estou tentando ajudá-la. – respondeu com o máximo de sinceridade que conseguiu.

Ele estava determinado. Ela percebeu. Ele pretendia levar o pedido adiante. Ele pretendia se casar com ela. Ele pretendia acabar com aquela história de casamento com sir Pierce. E ele não sentia pena dela. Mas, ele não estava apaixonado por ela. Estava apenas sendo mais cavalheiro do que ela jamais supôs que ele poderia ser.

— Sei que poderei ser um bom marido. Um marido bem melhor do que sir Pierce...

— Mas o senhor está me propondo casamento sir Evans... não há como voltar atrás se eu aceitar.

— Não espero que volte atrás.

— Nós – ela moveu a mão entre eles – mal nos conhecemos.

Um belo sorriso levemente torto indicava que essa era a pior das justificativas para uma recusa. Afinal muitos casamentos aconteciam sem que os noivos tivessem sequer conversado uma vez. Hannah tocou noutro ponto:

— Mas Betina.

— Sua irmã logo terá novos pretendentes que agradarão aos seus pais. – Sebastian retrucou de imediato, e ela sabia que assim seria por isso não contestou. Ele continuou: - E além do mais, ela não me ama... da mesma forma que eu não a amo...

Não era preciso dizer isso. Hannah pensou. Ela já sabia. Mas, enquanto observava aqueles olhos azuis, e sentia seu coração bater descompassado no peito, desejando ardentemente aceitar o pedido. Ela lembrou que corria um sério risco de vir a amá-lo.

— Sir Evans... isto é uma loucura. O senhor compreende?

Ele voltou a segurar as mãos dela. O rosto feminino parecia mais tranqüilo, os olhos mais esperançosos, os lábios quase traçavam um sorriso. Ele soube que estava certo de que fazia a coisa certa.

— Sim, compreendo. Mas, estou prestes a lhe dizer senhorita Larkin, que esta é a loucura mais correta que já cometi em minha vida... e eu já cometi muitas...

Hannah sorriu. Oh maldito coração. Ele queria muito aceitar aquele pedido. Mas, ela tinha medo, medo de ser infeliz. Sir Evans não era exatamente o tipo de homem que se contenta com uma mulher só. Mas, o que estava pensando? Praticamente nenhum homem com quem viesse a se casar se contentaria com uma mulher só. Então, por que recusar o que seu coração tanto estava desejando?

— O que me diz? – ele perguntou sério. – Aceita?

— Sim... aceito...

Num suspiro longo Sebastian soltou a apreensão guardada no peito desde a noite do sarau. Não havia motivos reais para se comprometer com Hannah Larkin. Mas, era certo que fazer aquilo não o perturbava de modo algum.