Três requiems para 221 Baker Street escrita por Maga Clari


Capítulo 2
Segundo movimento - O riso de bebê


Notas iniciais do capítulo

No último minuto do segundo tempo! Eu me obriguei a terminar de escrever antes das 18h (o horário que Sherlock vai passar na minha cidade), e consegui! Espero que se divirtam!
Beijocas



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John Watson achava que já havia perdoado Sherlock Holmes pelo incidente no Aquário.

Ele havia voltado ao 221 em Baker Street, havia retomado os cafés da manhã feitos pela Senhora Hudson na mesa da cozinha, e até mesmo o som do violino quebrado às três da manhã não lhe perturbava mais. No entanto, Sherlock sabia que era tudo mentira, e só esperava o gatilho atirar em seu coração as emoções ruins que John Watson guardava desde o fatídico dia em que Mary agarrou a morte em seu lugar. E não demorou muito até aquele domingo em que John girou a maçaneta da porta e fechou-a atrás de si. Ele também olhou para todos os cantos da casa, pigarreou e coçou o nariz.

— Sherlock — foi tudo o que disse, quando o detetive passou por ele como um raio, direcionando-se para a mesa recheada de papéis.

— Hum... Número trezentos e vinte seis... Assento dois B... Não, não, droga! Droga!

— Sherlock — John tentou outra vez. Pigarreou e coçou o nariz, olhando desconfortavelmente para os movimentos do detetive, que ia de um lado para o outro da casa — Sherlock, dá pra parar um minuto e me ouvir?

— Desculpe, John. Isso é um caso realmente importante. Ah, não é possível! — o detetive exclamou, exasperado, enterrando os dedos gigantescos no teclado do laptop de John. E então, começou a digitar desesperadamente, sem nem ao menos olhar para o que escrevia — Não pode ser isso... Pensa, pensa, pensa...

— ORA, PELO AMOR DE DEUS, SHERLOCK!

Em reação aos gritos, um choro de bebê ecoou em todo o apartamento do 221 Baker Street. John Watson respirou fundo e coçou o nariz. Sherlock Holmes direcionou o rosto, bem lentamente, na direção do companheiro de aventuras:

— Parabéns, John, agora você acordou a Rosemary.

Mais choros.

Mais gritos de bebê.

— Sherlock, eu não vou aguentar mais.

O detetive, entretanto, não estava prestando atenção. Continuava digitando fervorosamente no laptop.

— Estou falando sério! Eu preciso parar de fingir que nada aconteceu.

— Okay.

— Dessa vez, não tem volta.

— Certo, John. Não esqueça de trazer leite do mercado — ele continuou, como se realmente não estivesse prestando atenção.

Irritado e cansado, John Watson balançou a cabeça, olhou para os cantos do apartamento e correu para o pequeno berço de Rosemary, do outro lado da sala. Mas ele mal havia estendido os braços e pulou de susto, recuando, ao ouvir os gritos do seu aparentemente ex-amigo-detetive:

— Não toque em Rosemary!

— Mas, Sherlock...

— Eu não quero saber! — seu tom era estranhamente rude — Você deseja esse tempo, precisa organizar os pensamentos, eu não me meto nisso, mas a criança não vai com você e ponto final.

— Pensei que não gostasse de cri...

— Pensei que houvesse sido claro — Sherlock finalmente tirou os olhos do computador para olhar John Watson — Você: fora. Rose: fica.

Controlando-se ao máximo para não piorar o choro da criança, John deu uma última olhada em tudo, coçou o nariz e pigarreou:

— Okay — ele disse. Sherlock observou-o balançar a cabeça e os braços, como se não soubesse o que fazer com eles — Okay, adeus.

E com o ruído da porta batendo, Sherlock soltou um longo suspiro. Rosemary havia parado de chorar. O relógio, que costumava apitar de minuto a minuto, havia sido jogado fora em mais uma das mais constantes discussões entre os colegas de Baker Street. E de certa forma, Sherlock sentia falta daquele relógio. E ele sentia falta também de seu violino. Agora, o instrumento (ou o que sobrara dele) descansava no cantinho da sala, o case todo aberto, como se revelassem as feridas de seu coração. John estava se demorando muito de ir-se embora. Se não o fosse, destruiria seu apartamento inteiro, e era uma questão de tempo.

Com a mente embaralhada de devaneios, Sherlock Holmes fechou o laptop e terminou desistindo daquele caso. Estava chato. Entediante. Aliás, tudo havia começado a parecer entediante nas últimas semanas. Aquele caso envolvendo um homem qualquer num trem qualquer só era uma desculpa para que ele escondesse de si mesmo que estava deprimido. Que os acontecimentos recentes envolvendo Mary Watson haviam destruído o Sherlock Holmes dos exemplares de Jornal. Aos poucos, ele via-se desintegrar, e temia que não lhe restasse algo muito além do que um corpo de um homem que só servia para atividades biológicas, como respirar e ir ao banheiro. Mas para onde haveria de ir seu cérebro sociopata altamente funcional?

Antes que percebesse a tolice que estava fazendo, Sherlock ajeitou o robe e tirou um cigarro do bolso. Acendeu-o, e então correu para arrumar as duas poltronas em posições simetricamente iguais: noventa graus positivos, noventa graus negativos. Depois, correu para pegar Rosemary no colo. E ele não sabia como carregar um bebê. Sem preocupar-se com isso, Sherlock jogou-a de vez na poltrona, e esperou sua reação.

— Não é tão fácil quanto falar com crânios ou balões não é mesmo, Rose?

Rosemary apenas fazia sons ininteligíveis e perdia-se em observar a janela aberta, que refletia a luz da lua.

— Você só sabe fazer isso? Sons de pum?

Rose voltou a olhar pra ele, e Sherlock podia jurar tê-la visto sorrir.

— Ah! Já sei! Tenho uma brincadeira super divertida!

Então, Sherlock soprou a fumaça para trás da poltrona, e depois anotou qualquer coisa num pedaço de papel. Pegou outro papel e colocou para que sua afilhada rabiscasse qualquer coisa. Notou que ela de fato se divertia, mas teve que tomar de sua mão:

— Prontinho, não vou olhar — o detetive colou-o com fita adesiva em sua própria testa, e na testa de Rose colou-o o seu — Pois então, vamos começar... Hum... Eu sou uma pessoa?

A pequena Rose fez que não.

— Eu sou... um móvel?

Ela continuou balançando a cabeça em negativa.

— Eu sou um... instrumento?

— Intrupento?

Sherlock franziu a testa e então permitiu-se sorrir. Pegou-se pensando na situação em que se encontrava. Onde que um dia ele imaginaria estar com uma afilhada jogando adivinhação? Sherlock não imaginaria nunca que teria um grande amigo, e menos ainda que esse grande amigo lhe ofereceria uma afilhada. Sentiu-se um monstro em pensar que só a aceitara por causa do lanchinho que teria no final da cerimônia.

— Eloqui? — os balbucios da pequena Rose fizeram Sherlock voltar a si.

Sherlock inclinou-se para frente, colocou os cotovelos nos joelhos e entrelaçou os dedos:

— Muito bem. Eu sou uma arma?

Rosemary inclinou a cabeça, sem entender. Sherlock, completamente irritado, parecia faiscar chamas de seus olhos. Por alguns instantes, esqueceu-se de que era uma criança em sua frente.

— Que coisa mais idiota! Talvez eu devesse jogar com um crânio. Talvez fosse mais fácil.

E então, ele arrancou o papel de sua testa e seu coração parou. Rose havia desenhado o mais próximo dos destroços de seu violino. Olhou para trás, para constatar que era justamente o que estava de frente para a poltrona dela.

— Esse jogo perdeu a graça.

Ao dar o jogo por encerrado, Sherlock arrancou o papel da testa de Rose, amassou-o e jogou pela janela. Depois, vendo-se novamente entediado, preferiu achar um lugar no chão para meditar. Mas quando seus olhos estavam se fechando, uma risada gostosa preencheu o ambiente: bebê Rosemary estava engatinhando no chão, atrás de um balão avermelhado. A princípio, Sherlock levantou-se num pulo, no ápice da irritação.

— Pelo amor de Deus! Quem não está aguentando mais sou eu! — ele chegou a dizer.

Mas depois, quando sua afilhada estourou o balão e começou a rir, a gargalhar, na verdade, Sherlock viu-se fazendo o mesmo. O riso da pequena Rose era o bastante para desarmá-lo de qualquer sentimento negativo.

Sherlock e Rosemary riram por minutos, talvez horas, seguidos. E ele só parou porque finalmente seu cérebro altamente funcional lembrou-o de que ele estava se assemelhando muito a John Watson, e isso talvez fosse seu inconsciente. Sherlock sentia falta do velho amigo, mas não precisava agir tão estupidamente para preencher tamanho vazio.

Entendendo que John não voltaria mais, Sherlock apagou o cigarro e dormiu no chão da sala do 221 de Baker Street.


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