Bilhete para o mundo escrita por slytherina


Capítulo 10
O anjo




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      "Jared, este é Misha Rolim. Ele é o novo contratado do seriado. Ele faz o papel de meu anjo da guarda." Jensen apresentou Misha a Jared, durante uma convenção.

"Prazer em conhecê-lo!" Jared apertou a mão do outro e sorriu amistosamente. Ultimamente andava deprimido, mas ele ainda sabia ser gentil e cortês.

"Ora, ora. Você deve ser muito importante, pois o próprio Jensen Smith o apresentou. Não é sempre que o mestre da convenção se digna a se aproximar do resto de nós, pobres mortais." Misha falou sarcástico.

"Deixe disso! Desde quando sou mestre ou chefe de alguma coisa? Sou apenas um contratado como todo mundo." Jensen falou irritado.

Misha se limitou a sorrir placidamente. Jensen afastou-se e foi falar com outros atores. Jared ficou surpreso com a sagacidade do novato, e achou melhor não se meter naquela discussão. Misha virou-se para ele.

"E então, Jared Wesson, há quanto tempo conhece nosso Jensen?"

"Há dois anos. Desde a segunda temporada. Fiz dois episódios e meu personagem morreu no segundo." Jared falou bem humorado.

"E desde essa época frequenta convenções?"

"Sim. Uma aqui, outra acolá. Não sou convidado para todas, é claro. E aí, o que está achando do fandom?"

"Pergunta interessante. Bem poucas vezes na minha vida usei o vocábulo fandom. Nem sabia que era tão expressivo. Veja bem, essas garotas são insanas."

"Eu sei. Elas também são muito carinhosas. Você verá. Em breve terá um monte de seguidoras."

"Seguidoras? Carinhosas? Já se envolveu com alguma?"

"Não, não! Eu sou gay. Jogo no outro time."

"Oh! Que bela surpresa!" Misha sorriu.

Jared sorriu constrangido. Pediu desculpas e se afastou. Ele gostaria imensamente de ir para seu quarto, e sair apenas na hora de seu painel conjunto com Dick Spaghetti Jr. Sim, pois após aquele memorável fiasco, eles passaram a compartilhar painéis. No entanto, pediram-lhe que ficasse transitando pela área da convenção para ser visto pelos fãs. Ele ficou em um canto e pegou uma garrafa de água para passar o tempo. Com sorte, poderia se esgueirar para seu quarto sem que ninguém notasse. Sentiu um toque de leve no braço. Ele virou-se e deu de cara com Jensen.

"Tudo bem, baby? Misha o azucrinou? Não se preocupe. Esse é o jeito dele, mas verá que é uma boa pessoa depois de conhecê-lo."

"Eu estou bem de verdade, Jensen! Não precisa se preocupar."

"Você parece triste. Alguma coisa te preocupa. O que é?"

"Nada mesmo. Estamos numa convenção sob o foco de câmeras e o escrutínio das fãs. Não é prudente você me dar tanta atenção. As pessoas vão começar a falar."

Ao ouvir isso, Jensen retirou a mão que massageava o antebraço de Jared. Ele ficou sério e um pouquinho magoado. Jared fez uma expressão de surpresa. Geralmente o ferido no amor próprio era ele. Jensen nunca havia sido rejeitado em público.

"Desculpe-me, Jensen!"

"Não! Tudo bem! Você tem razão."

Uma voz bem próxima os assustou. "Eu digo uma coisa: vocês dois formam um belo casal. Devo dar a notícia ao fandom?" Misha falou cortante.

"Que … notícia?" Jensen falou entredentes.

"Que vocês dois são amantes. Que romântico!" Misha sorriu.

Jared achou melhor intervir, antes que uma veia estourasse na cabeça de Jensen, de pura raiva. "Não há nada entre nós, Misha. Jensen é hétero. Ele joga no seu time."

"Oh, mas não é isso que eu vejo."

"Você vê coisas demais, meu amigo. É tudo imaginação sua. E agora com licença, tenho mais o que fazer." Jensen falou seco.

Como prometido, Misha insinuou em seu painel solo, que Jensen namorava um dos colegas do elenco, mas não disse o nome do escolhido. Jensen negou veementemente em seu painel com Milo. As fãs ficaram em polvorosa. Jensen evitou Jared o resto da convenção, e este se isolou ainda mais, ficando mais triste e pensativo. Por sorte, Jared aprendera a atuar nas convenções, vestindo seu sorriso radiante, fazendo sketches com Spaghetti Jr, e bancando o palhaço para as fãs, pois afinal elas haviam pago para vê-lo no palco, o comediante que fizera um personagem secundário em um seriado popular da TV. E isso não era pouca coisa.

Ao fim da convenção, ele voou pra LA. Jensen e o resto do elenco voltaram para Vancouver, onde gravavam o seriado. Jared ficou esperando que Jensen mandasse mensagens, o que não ocorreu. Ele chorou um pouco e sentiu-se impotente e diminuído. Teve vontade de ser amparado pela família, por isso ligou pra eles.

"Oi, mãe! É o Jare! Será que eu posso … visitá-los? Não, não aconteceu nada. Eu só sinto saudades. Tudo bem eu ir aí?" Jared falou com voz embargada.

"Sim, amor! Pode vir." Sua mãe respondeu.

Jared viajou para o Texas e passou um final de semana com a família. Ele se reconciliou com os parentes e matou a saudade deles. Ficou dormindo no seu velho quarto e foi tratado como antigamente, como um gigante urso de pelúcia. Suas bochechas ficaram doloridas de tanto que foram apertadas pelos parentes mais velhos. Sua irmã caçula ainda se comportava como uma pestinha, tentando escalá-lo, como se fosse uma árvore. E seu irmão mais velho agora tinha um casal de filhos.

Sobrinhos. Jared agora era tio, e nunca na vida ele se sentira tão incompleto e fracassado. Ao lembrar-se de Tamoh e o fora que recebera. E depois de Jensen e a forma como o tratava. Jared foi acometido de uma crise de choro que pegou a todos de surpresa. Como custou a se controlar, deram-lhe um calmante para os nervos e ele dormiu o resto daquele dia. No dia seguinte, ele fez as malas, e mesmo sob os protestos da família, ele voltou pra sua casa, pois havia contratos de publicidade a cumprir. Ele poderia não ter lá um bom emprego, mas gostava de ser profissional quanto às suas obrigações.

De volta ao seu apartamento acanhado, ele decidiu que deveria modificar o rumo da sua vida. O relacionamento com Jensen o fazia sofrer, e ele não estava mais aguentando isso, portanto era melhor acabar o casinho entre os dois. O problema é que ele não tinha coragem de tomar a iniciativa. Jensen era muito importante pra ele, e era quase um insulto dar o fora em um ser tão sublime. Ele esperou por duas semanas, que Jensen ligasse, mas isso não aconteceu. De certa forma era o fim. Humilhante e desimportante, como ele sempre se sentia ao lado de Jensen.

Entre os e-mails que recebeu naquela semana, havia um de Roland Arrozal, convidando-o para visitá-lo e conhecer a Inglaterra. Jared ficou tocado e muito agradecido. Criou uma folga de um mês na sua agenda de trabalho e comunicou sua decisão a Roland. Depois de tudo acertado e das passagens compradas, Jared preparou as malas. Nisso tocaram a campainha. Ele imaginou ser da mercearia e abriu a porta de sopetão. Deu de cara com Jensen. Ele ficou desconcertado.

"Posso entrar?" Jensen falou com a voz rouca.

"Claro! Entre!" Jared falou com dificuldade. Ele se afastou para dar passagem para Jensen, e fechou a porta.

"Eu quero pedir desculpas." Jensen falou com a voz normal.

"Ah … Eu … eu não sei o que dizer." Jared coçou a cabeça e fez um gesto com os ombros, como quem diz 'tanto faz'.

"Eu vim aqui pedir desculpas por ter desistido da gente."

"Não precisava pedir desculpas. Não precisava nem ter vindo aqui. Podia só mandar um texto. Ou nem isso. Bem, não é mais importante." Jared falou com a voz embargada, apesar de se esforçar pra manter o auto-controle.

"Você me perdoa?"

"Sim, Jensen. Eu sempre vou te perdoar por tudo." Para o desespero de Jared, seus lábios começaram a tremer. Ele teve que se virar e respirar fundo pra seu descontrole não ficar visível.

De repente, Jensen estava em seu espaço pessoal, e seu rosto tão belo e perfeito preencheu todo o seu campo de visão.

"Me diz que ainda podemos voltar a ser o que éramos antes, por favor." Jensen falou com a voz rouca.

"Cla … claro, Jensen. O que você quiser." Jared se ouviu respondendo, sem acreditar no que estava fazendo.

Então, Jensen o beijou. Parecia que as comportas de uma barragem tinham sido rompidas. Suas mãos, braços e pernas pareciam ter adquirido vida própria. Eles não pararam de se beijar nenhum minuto, mas de alguma forma conseguiram se despir e se atirar na cama de Jared, ávidos e sedentos dos corpos um do outro. Algumas horas depois, Jensen acendeu um cigarro. Jared ficou mirando o teto, tentando entender o que havia acontecido, e como seu plano de terminar com Jensen pôde ter dado tão errado.

"Você vai para Vegas?"

"Não!"

"Eu vi sua mala. Vai pra onde?"

"Inglaterra."

"Tencionava botar um oceano entre a gente?"

"Sim."

"Entendo. Ainda quer ir embora, agora que reatamos?"

"Ah … não sei!"

"Não vá! Fica comigo!" Jensen pediu terno.

"Está bem!" Jared respondeu derrotado. Ele percebeu que sempre faria tudo o que Jensen queria, pois ainda estava apaixonado por ele, como um marionete nas mãos do mestre dos fantoches.

Ele teve que cancelar a viagem e se desculpar com Roland. Retomou os compromissos de publicidade adiados e fez mais alguns testes para filmes independentes. Passou uma semana no apartamento de Jensen em Vancouver e depois teve que voltar pra casa, pois as contas não se pagam sozinhas. Enquanto esteve com Jensen não se expôs em público, nem saiu com Jensen pra qualquer lugar que fosse. Estava praticamente escondido como um criminoso.

Ao voltar para casa e sua rotina, procurou retomar amizades, para sentir-se normal. Uma pessoa igual a todo mundo, digna de ser conhecida e reconhecida onde quer que fosse. Nunca se incomodara com o olho do público, anteriormente, mas Jensen e sua obstinação em privacidade, o fez ansiar por liberdade, sem culpas e sem medos.

Uma noite foi a um barzinho. Bebeu sozinho, até que um rapaz mais novo o abordou. Jared esperou por uma cantada, mas o rapaz aparentemente era um nerd fã de supernatural. Ele apenas queria tirar uma foto ao lado do ator. Depois disso, Jared percebeu que se decepcionara um pouco. Será que nenhum outro homem gay no mundo se interessaria por ele?

O mundo dá muitas voltas, e numa dessas voltas ele se viu em uma boate gay. Havia uma drag cantando no palco, e os garçons usavam roupas reveladoras. O barista era um gato latino, e a maioria dos frequentadores eram empresários bem sucedidos. Jared bebeu sozinho novamente, e ficou esperando que alguém o reconhecesse e viesse pedir selfies. Na verdade, a única pessoa que o assediou foi uma jovem oriental, transgênera.

"Oi! Posso sentar aqui?" Ela o abordou.

"À vontade." Jared respondeu desanimado, enquanto observava a garota. Parecia coreana ou chinesa.

"É a primeira vez que o vejo por aqui. Procura por companhia?"

"Não do tipo que eu tenha que pagar."

"Ok! Não sou uma prostituta. Pode até parecer, mas sou do tipo romântica." A garota sorriu e bateu os cílios afetadamente.

"Na verdade … você não é meu tipo. Gosto de musculosos do tipo dominador. Acho que você procura o mesmo tipo, não?" Jared falou com uma franqueza que surpreendeu até a si mesmo.

"Não! Meu tipo é mais o emo nerd. Algo que eu costumava ser anteriormente. A propósito, meu nome é Ariel, como 'a pequena sereia'."

"Emo nerd? Acho que nem me esforçando muito, consigo ser assim. Meu nome é Jared. Prazer em conhecê-la." Jared respondeu bem humorado.

"Sabe, antigamente era analista de sistemas, e vivia infeliz por estar limitado a um corpo que não tinha nada a ver comigo. Aí, durante uma consulta médica de rotina, minha médica me sugeriu mudar de gênero. Foi uma revelação. E olha que eu nem era gay."

"Você se relaciona com mulheres?"

"Com ambos os gêneros. Ainda não encontrei minha alma gêmea, então, continuo procurando."

"Meu problema é um pouco diferente. Já encontrei minha alma gêmea …"

"O musculoso dominador?"

"Sim! Ele é meu sol, e me domina completamente. O problema é que me esconde do mundo e isso me faz muito infeliz."

"Oh! É por isso que está aqui? Quer desistir dele?"

"Sim." Jared abaixou a cabeça envergonhado. Sentia-se patético.

"Acho que você vai ficar mais infeliz ainda. Mas a vida é sua. Você é quem decide."

Após esse primeiro encontro estranho, eles se tornaram amigos e se encontraram outras vezes. Jared não sentia atração por Ariel, apenas familiariedade, como se fossem irmãos.


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