Pobres almas desafortunadas escrita por Jude Melody


Capítulo 21
Arco 2 - Parte 16




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O sol era um cumprimento cálido depois de tantos dias no cárcere. Inspirei fundo, sentindo o aroma salgado do ar. Uma gaivota grasnava a distância. O contraste com as celas escuras era deslumbrante. Ali, no pátio aberto do castelo, a umidade não me incomodava, e a luz era mais do que uma triste chama crepitando nas tochas das paredes. Senti o nervosismo me preencher ao pensar nela. Queria muito vê-la, mas, ao mesmo tempo, desejava que não chegasse nunca. Pois, quando ela chegasse, também chegaria a hora de dizermos adeus.

Fechei os olhos, rememorando os últimos acontecimentos. Eu me sentia derrotado quando o juiz chamou meu nome. Passara noites em claro, arquitetando um plano de fuga que parecia cada vez mais impossível. Então, ele anunciou o veredito. Eu fora inocentado.

Meu rosto ainda congelava de assombro ao reproduzir as palavras. Eu fora absolvido. Alguma coisa de alguma forma funcionara a meu favor, e eu era um homem livre. Ou quase isso. O Rei James decretara minha expulsão do reino. Nunca mais poderia pisar ali. E essa sentença era quase uma morte.

— O Rei James e a Rainha Helena desejam vê-lo, senhor Daren — dissera Grimsby quando retornei ao castelo para buscar meus pertences.

Eu estava em transe. Segui-o pelos corredores como se fosse um fantasma. Pelo canto dos olhos, vislumbrei Angela carregando um cesto de roupas. Ela olhou para mim brevemente e enrubesceu. Tentei murmurar um obrigado, mas a gratidão ficou presa na garganta. Quando percebi, já estava parado diante do rei.

— Majestade — balbuciei, ajoelhando-me.

O Rei James não respondeu. Ficou sentado em seu trono, tamborilando os dedos de leve. Não havia sinal de Henrique ou de Erika. A Rainha Helena pôs-se de pé.

— Senhor Daren, por favor, levanta-se.

Obedeci. A rainha encarou-me com seus olhos castanhos repletos de compaixão.

— Eu não tentarei justificar a decisão tomada. O senhor tem todo o direito de se sentir injustiçado.

Percebi que ela esperava uma resposta.

— Não, Majestade. Eu compreendo e aceito a decisão.

— O veredito do júri é soberano. Jamais ousaríamos contrariar a vontade expressa de nosso povo. Além disso... — Um sorriso gentil desenhou-se em seus lábios. — O senhor salvou a minha filha.

Por algum motivo, fui tomado pelo constrangimento, mas não podia desviar o rosto. Não enquanto a rainha dirigia a mim aqueles olhos. Os olhos que queimavam.

— O Capitão Henrique comandou os preparativos por ordem minha. O senhor receberá um pequeno navio e suprimentos. Não é muito, mas permitirá que o senhor chegue com segurança às terras vizinhas.

— Obrigado, Rainha Helena. — Curvei-me. — Vossa bondade é mais do que posso esperar.

Ela se virou para o marido, que permanecera no mais absoluto silêncio até então. Vi seus olhos dardejarem, os lábios crisparem e os dedos apertarem os braços do trono. Muitas palavras passavam pela cabeça do Rei James, e ele poderia proferir um longo discurso. Mas preferiu ser breve.

— Por quê?

Uma pergunta. Uma simples pergunta de duas palavras. Mas um mundo inteiro caberia em minha resposta, e talvez esse mundo não fizesse sentido para o rei. Decidi ser igualmente breve.

— Porque ele estava morrendo.

Não houve mais palavras ou olhares depois disso. O Rei James desviou o rosto, exausto.

— Está dispensado, senhor Daren — disse a Rainha Helena. — Que Deus abençoe sua viagem.

 

Abri os olhos. O sol, o mar, a gaivota, estava tudo ali, mas eu me sentia vazio. Queria que o tempo parasse para sempre, queria que ela não chegasse. Mas ela chegou e chamou meu nome baixinho, daquele jeito que apenas sua voz era capaz.

— Daren?

Virei-me.

— Erika.

Ela sorriu. Estava gloriosa em seu vestido azul, uma pequena tiara brilhando sobre os cabelos negros. Mas nada se comparava ao brilho de seus olhos. Erika correu até mim e se lançou em meus braços. Desta vez, alcançou meu pescoço e repousou o queixo sobre meu ombro. Abracei-a de volta, sentindo seu cheiro doce. Ela cheirava a flores.

— Eu estou muito feliz por você estar vivo.

— Eu também, minha princesa.

Erika afastou-se. O sorriso era suave.

— Você vai mesmo embora, não é?

— Sim... Infelizmente...

— Eu tentei argumentar com meu pai, mas ele não ouviu... Mamãe também não quis ouvir. Ela disse que fez tudo o que estava a seu alcance...

— Tudo bem. Eu já esperava que isso acontecesse. Afinal, eu traí a vontade do rei. Mesmo que o júri tenha me absolvido, não posso ficar impune. Além do mais... — Virei-me para o mar. — Preciso continuar minha jornada. Já me detive aqui por muito tempo.

— O que você tanto procura, Daren? — Ela se debruçou na mureta a meu lado. — Você me disse algumas vezes que está procurando alguma coisa, mas nunca me explicou o que era.

— É porque eu mesmo não sei direito — murmurei. A gaivota traçava círculos no céu. — Estou buscando algo imaterial... Uma ideia...

— Uma ideia?

— Sim. Minha identidade.

Ela umedeceu os lábios.

— Ah. Isso é fácil. Você é o Daren.

— Não é tão simples assim, Erika. Eu não sei realmente quem sou. Conheci minha mãe, mas não meu pai. Eu... tinha esperanças de descobrir algo sobre ele ao vir para a terra...

Ela fez um som de desdém.

— Você não precisa saber quem são seus pais para descobrir quem é. Você não é uma mera extensão deles, sabia?

— Sim, mas meu passado é uma parte de mim — contra-argumentei. — E, se eu não souber meu passado, como saberei quem sou?

— Eu acho que você está procurando respostas no lugar errado, Daren.

— Bem, para você é mais simples falar. Conhece suas origens.

Ela mordeu o lábio. Suspirou.

— Isso não é o bastante. Eu sei quem são meus pais, mas de que adianta? Vinte e três anos e ainda sinto como se não me conhecesse. Como se eu não pudesse ser eu.

— Exceto quando está comigo — provoquei.

Ela chutou meu tornozelo de leve.

— É claro. Porque o único lugar no mundo em que consigo ser eu mesma hoje é no navio, longe de meus pais e Grimsby e... — Ela fez uma careta. — Henrique.

— Ah! Não me fale desse homem! — grunhi. — Fez de tudo para me condenar. Se eu pudesse, dava-lhe um soco na cara.

Erika riu.

— Você vai ter de entrar na fila.

Sorri. Alguém ainda acreditava que eu precisava explicar o porquê de amar essa garota?

— Eu queria tanto ter participado do julgamento e testemunhado a seu favor, mas meus pais não deixaram. Soube de tudo pelos outros. A Angela, a Samantha, o Elliot...

— Elliot? — Assustei-me. — Você o encontrou?

— Sim, já faz alguns dias. Eu entreguei o colar de concha a ele como você me pediu.

— Ótimo. — Exibi um sorriso deslumbrante. — Perfeito, Erika. Fizeste muito bem!

— Lá vem você com a segunda pessoa de novo... Ei, Daren?

— Sim, Erika?

Ela se virou para mim.

— Você vai mesmo embora, não é?

— Sim. Eu preciso.

— E você... — Ela arrastou a ponta do pé no chão. — Não gostaria de ir embora comigo?

Arqueei as sobrancelhas.

— O que quer dizer?

— Bom... Meus pais querem me mandar para o reino da Chiara para eu continuar meus estudos de princesa. Junto com ela, sabe?

— Estudos de princesa? O que é isso? Já não estudou o bastante?

Erika encolheu os ombros.

— Eles querem que eu aprenda umas coisas novas.

— Como o quê?

Ela hesitou. Seus olhos perderam o brilho, e os cabelos tornaram-se presa da brisa salgada. Eu esperei que ela suspirasse ou começasse a chorar. Mas Erika apenas meneou a cabeça.

— Coisas sem importância.

— Não parecem ser sem importância...

— Eu só estou desanimada. — Ela suspirou e se debruçou na mureta de novo. — Henrique vai junto como meu guarda-costas.

— Ah, não! — Torci o rosto. — O Henrique? Será que nunca vamos nos livrar desse traste?

— É, eu não gostei nem um pouco, mas foi ordem de meu pai, então não posso fazer muita coisa. Estou tentando convencer minha mãe a deixar o Elliot ir junto. Ele não fará muita falta no reino mesmo. Além disso, poderá me ajudar a dar umas escapadas.

— Sua pequena peste! — Baguncei seus cabelos, quase derrubando a tiara. — Não vá arranjar encrencas para o pobre moleque.

Ela riu e afastou minha mão.

— Você vai?

Senti meu sorriso sumir. Eu queria aceitar o convite. Queria responder que iria com ela até o Inferno, seja lá que lugar estranho for esse de que os humanos falam com tanto terror. Eu queria mais do que tudo acompanhá-la mais uma vez, protegê-la de todos os perigos e me divertir ouvindo sua voz risonha pela manhã.

Mas eu não podia. Algo maior me chamava.

— Sinto muito, Erika. Eu não posso. Preciso retornar à minha jornada inicial. Além disso, seus pais não ficariam nada satisfeitos se eu te seguisse depois... depois de tudo o que aconteceu.

Ela fechou os olhos, sentindo o vento em seu rosto.

— Tudo bem. Eu entendo, de verdade. Você já tem sua aventura, não é? Então, vá atrás dela. Enquanto isso, eu encontrarei a minha.

Senti a garganta fechar. Pelos céus, eu amava demais aquela garota! Se pudesse, eu a levaria comigo até Atlântica. Transformá-la em sereia seria muito fácil. Tenho quase certeza de que sua cauda seria azul. Um azul límpido e celeste como seus olhos. Mas eu me contive. Revelar o segredo de Atlântica seria uma indecência. Além disso, ela era uma boa garota. Não abandonaria seus pais e seu reino assim. Muito menos o cachorro.

— Boa sorte, Erika. Espero que encontre o que quer que esteja procurando e tenha a felicidade que tanto merece.

Ela pôs uma mecha de cabelo atrás da orelha, exibindo um sorriso sereno.

— Ah! Antes que eu me esqueça...

Busquei o objeto no bolso das calças. Era uma pedra circular pequenina, do tamanho de uma unha. Estava presa a um colar de lã negra trançada. Sua cor era de um azul profundo como os olhos de Erika.

— Aqui. — Pus o presente na palma de sua mão, fechando seus dedos sobre ele delicadamente. — Quero que guarde com carinho. Enquanto estiver com isso, eu poderei te reencontrar.

Os olhos azuis brilharam. Erika segurou a pedra contra o peito.

— Prometo carregar comigo o tempo todo. Até no banho!

— Ei, eu não vou procurá-la enquanto estiver tomando banho. — Baguncei seus cabelos de novo. Desta vez, ela precisou segurar a tiara para não cair. — Seja uma boa menina enquanto eu estiver fora, está bem? Ah, a quem estou enganando? Apenas não ponha fogo no castelo.

Ela riu com gosto.

— Poxa, terei de dizer ao Elliot que o plano foi cancelado!

— E pare de meter o moleque em encrencas! O pobrezinho não merece isso.

— Você preocupado com o Elliot é uma graça, Daren! Ele ficaria emocionado.

— Certo, certo, mas não conte nada a ele, está bem?

Nós nos encaramos. Dois amigos tolos sorrindo sem motivo algum. Ela se jogou em meus braços outra vez.

— Vou sentir sua falta, Daren — murmurou com um fiapinho de voz.

— Eu sei, Erika. Eu também.

Ela se afastou de mim e sorriu. Virou-se correndo para retornar ao quarto, mas mudou de ideia no meio do caminho e se reaproximou. Ficou na ponta dos pés e beijou meu rosto.

— Adeus, Daren. Eu amo você.

— Eu também te amo, Erika. Adeus.

Ela se virou de novo e saiu correndo, a tiara quase caindo dos cabelos. Olhou-me apenas uma última vez antes de desaparecer do meu campo de visão.

 

A rainha não mentira quanto ao “pequeno”. O navio era mesmo minúsculo, um simples barco, praticamente. A cabine de dormir mal tinha espaço para uma pessoa. Contudo, eu não iria reclamar. A Rainha Helena fizera muito mais por mim do que eu jamais sonharia em pedir. Inspirei fundo, deixando que o cheiro salgado me fortalecesse e marchei pela areia. Estava quase alcançando a ponte quando ouvi alguém gritar meu nome.

— Senhor Daren! Senhor Daren!

Virei-me.

— Elliot?

O garoto descia a praia correndo. Deteve-se a poucos metros de mim, apoiando as mãos nos joelhos para recuperar o fôlego.

— Vejo que recuperou sua voz.

— Sim — ele ofegou. — A Princesa Erika me devolveu a concha.

— Ela me contou.

— Senhor Daren?

— Sim?

— O senhor vai mesmo embora? — perguntou o moleque com ar tristonho.

— Sim, Elliot. Eu não tenho muita escolha.

— Puxa, que pena! Eu achei que o senhor receberia permissão para continuar aqui.

— Não depois do que eu fiz... Escute, garoto, você está bem?

Ele arregalou os olhos, surpreso.

— O Henrique — grunhi. — Ele disse alguma coisa sobre pescadores o encontrarem perambulando pela praia...

— Ah, sim. Eu estou bem. Obrigado por perguntar.

— Está bem mesmo? Não se machucou? Não bateu com a cabeça? Você sempre foi meio desmiolado, mas ainda é um motivo para se preocupar...

Ele riu.

— Eu estou bem.

Mordi o lábio. Não resisti à curiosidade.

— E como foi?

— Estranho. Muito estranho. Eu me lembro de estar debruçado na piscina, fitando o nascer do sol pela janela estreita. De repente, tudo ficou escuro, como se tivessem me acertado na cabeça e eu tivesse desmaiado. Não lembro quando apaguei. Só percebi que estava dormindo quando os sonhos começaram.

— Os sonhos? — franzi o cenho.

— É. Foram sonhos estranhos. Eu ouvia vozes e sentia toques. Lembro-me perfeitamente da voz do Henrique. Ele falava sobre mim. — Elliot estremeceu. — Quero dizer, falava sobre Hugo sem saber que era eu. Foi muito... assustador. Eu ouvia as pessoas discutindo meu destino, dizendo que eu estava morto, mas não podia fazer nada. Não podia me mexer, não podia falar; se bem que eu já estava sem voz àquela altura. Foi como se... Todos os comandos do meu corpo fossem desligados. Como se eu pensasse que queria mexer o braço, mas não houvesse braço nenhum para mexer. E eu também perdi a noção do tempo... Até que eu acordei.

Ele fez uma pausa. As lembranças pareciam dolorosas.

— Eu... estava no mar... preso a uma mortalha... Lutei contra os panos com toda a minha força e olhei ao redor, mas não vi nada além de escuridão. Eu entrei em pânico. Não sabia para onde ir, não sabia mais o que era... Até que o Hugo apareceu. Ele e um tritão ruivo. Eu entendia o que eles diziam, e não entendia ao mesmo tempo. Era como se não conhecesse as palavras, mas compreendesse seu sentido. Eu sentia como se ainda estivesse sonhando... Eles me levaram até a praia. Eu me lembro de me arrastar pela areia, de pensar que ia morrer e de me perguntar se já não estava morto... Lembro-me de ter ouvido o som de uma gaivota... Acho que bebi alguma coisa. Senti gosto de alguma coisa que não lembro o que era... Lembro-me de ficar em uma caverna, de andar sem rumo pela praia... de ser encontrado pelos pescadores... Eles me levaram para casa, eu acho. Passei dias dormindo muito mal e tendo pesadelos. Não sei quem me alimentou. Aos poucos, bem aos poucos, minhas memórias foram voltando, e as coisas fizeram sentido. Então, eles me chamaram para depor no tribunal, mas eu ainda estava sem voz...

— Ei, ei — disse, segurando seus ombros. — Está tudo bem agora. Você fez muito mais do que eu poderia desejar, Elliot. Hugo foi salvo graças a você. Acho que nunca serei capaz de quitar minha dívida.

Os olhos dele resplandeceram.

— Nã-não precisa me dizer todas essas coisas, senhor Daren! E-eu só fiz o meu melhor. Fico muito feliz por ter dado certo e...

— Garoto, relaxe. Eu lhe causei muitos problemas nos últimos meses. — Apertei seus ombros. — Quero que descanse e se divirta. E não deixe a Princesa Erika pôr fogo no castelo.

Ele deu uma risada nervosa.

— Mais fácil salvar o Hugo de novo.

Afastei-me. Ainda sentia culpa por quase matar o garoto.

— Senhor Daren, sobre o tribunal...

— Esqueça isso, está bem? Apenas esqueça. Você não fez nada de errado, Elliot. A culpa toda é daquele maldito do Henrique, que tentou me incriminar. — Fiz uma careta. — Mas, veja só, ele fracassou. E aqui estou eu!

Elliot mordeu o lábio. Seus olhos correram de mim para o vazio.

— O que foi, garoto?

— Nada, eu só... Eu só não entendo isso. O Capitão Henrique costumava ser uma pessoa legal.

Arqueei as sobrancelhas, incrédulo.

— O Henrique?

— É... — Ele esfregou o braço. — Bom, o senhor não testemunhou as mesmas coisas que eu. Antes de o senhor chegar, o Capitão Henrique era diferente. Ele sempre protegeu a Princesa Erika, sabe? Mas era mais do que isso. Ele era gentil, não só com ela, mas comigo também. Até deixava a gente conversar com os marinheiros e...

— Impossível — eu o interrompi. — Não existe possibilidade de um homem como ele ser gentil. Provavelmente só estava fingindo para agradar o rei.

— Não sei. Acho que não. Ele não parecia estar atuando. Parecia ser sincero.

— Não seja ingênuo, Elliot — respondi, exasperado. — O Henrique é um homem mau. Ele ajudou o rei a aprisionar o tritão. Foi ele quem sugeriu manter a pobre criatura na torre. E depois, no julgamento, fez de tudo para os jurados me condenarem, mas fracassou.

— Ele fez mesmo isso? — indagou Elliot, decepcionado.

— Sim. Achei que Erika já tivesse te contado.

— Ela mencionou. — Elliot esfregou o braço de novo. — Eu só pensei que... Por que logo um júri? Todo mundo aqui no reino já ouviu falar sobre você, e tenho certeza de que quase ninguém te condenaria após saber tudo o que fez pela Princesa Erika. É claro que seria possível escolher a dedo jurados que quisessem te prejudicar, mas mesmo assim... Alguma coisa não se encaixa... — Suspirou. — Ah, eu não sei! É tudo tão confuso. Não consigo acreditar que o Capitão Henrique fez essas coisas. Eu não quero acreditar. Ele sempre foi tão bom. Por que agir desse jeito agora?

Encarei-o com ceticismo.

— Eu tenho um palpite: você se enganou sobre ele.

Elliot meneou a cabeça.

— Não quero acreditar nisso...

— Então vai ficar do lado do homem que tentou me executar?

Ele recuou vários passos.

— Não! Não foi isso que eu quis dizer! Eu só... Eu não sei! Ele é um homem estranho. Não entendo as razões dele.

— Ninguém entende — grunhi. — De todo modo, isso não interessa mais agora. Eu partirei para muito longe daqui e espero não ter de ver aquele bigode de morsa nunca mais.

— Bigode de morsa? — Elliot conteve o riso.

— É. Você sabe, aquele animal balofo com pelos horrorosos saindo do focinho.

— Eu sei. A Princesa Erika me mostrou uma imagem em um livro uma vez.

Elliot riu baixinho, e seu sorriso era luminoso. Quase tive vontade de abraçá-lo. Quase.

— Escute, tenho um presente para você.

Os olhos cinzentos arregalaram-se.

— Para mim?

Retirei uma pequena pedra do bolso das calças. Era quase idêntica a que eu entregara a Erika, exceto pela cor. A nova pedra tinha um leve tom acinzentado.

— Um feitiço da coragem. Se você usar isto, ficará mais forte. Tudo o que precisa fazer é lamber esta pedra.

— Lamber a pedra?

— Exatamente.

Elliot fitou-me com ceticismo, mas aceitou o colar. Examinou-o por alguns segundos antes de esfregar a pedra na ponta da língua. Gargalhei.

— Não acredito que você caiu mesmo nessa!

Ele cuspiu.

— Você me enganou!

— Garoto, devia ter visto sua expressão. Pelos céus, como você é hilário!

— Seu... seu... seu malvado!

— Ora, e o que você pretende fazer? Me dedurar para a Princesa Erika?

Ele fez uma careta.

— Deveria. Mas, de verdade, para que isto serve?

Limpei uma lágrima.

— Apenas mantenha isso com você. Como uma lembrança.

— Está bem — ele murmurou e guardou a pedra no bolso das calças. — Ah, já estava me esquecendo... — Elliot exibiu o colar de concha. — Achei que o senhor gostaria de receber de volta.

— Sim, maravilhoso! Obrigado, Elliot.

Afaguei seus cabelos, e ele se afastou de mim como se eu fosse um estranho.

— O que deu em você?

Sorri.

— Apenas estou feliz por ser um homem livre.

Elliot sorriu também.

— Para onde o senhor vai agora?

Virei o rosto, fitando o horizonte.

— Buscar uma nova aventura. — Encarei-o. — Cuide-se, garoto.

— O senhor também, senhor Daren.

Elliot me abraçou, aquele mesmo abraço cálido de quando nos despedimos na torre. Eu me senti um pouco constrangido, mas o abracei de volta. Por dois segundos.

— Preciso ir agora. Cuide-se. E cuide da Princesa Erika.

— Eu prometo! Pode confiar em mim!

— Eu confio, Elliot.

Ele arregalou os olhos.

— O senhor me chamou pelo nome. Mais de uma vez...

— Não seja sentimental. Agora, se me der licença, eu vou embora antes que o menino comece a chorar.

— Então, o senhor ainda se considera um menino, senhor Daren?

Sustentei seu olhar travesso.

Touché.

 

Quando meu pequeno navio sarpou, senti como se uma parte de mim ficasse para trás. Olhei a praia uma última vez e acenei para Elliot. Havia alguns poucos navios ao meu redor. Eu não havia reparado, mas meus companheiros estavam ali. Marinheiros e pescadores. Homens de várias idades queimados pelo sol e pelas aventuras. Eles ergueram os braços enquanto eu partia e soltaram gritos de comemoração. Senti os olhos marejarem e tentei desviá-los do sol. Ainda era cedo, e ele estava muito forte. Virei-me de costas para os homens e ergui o punho. Eles gritaram ainda mais alto.

 

Eu navegava havia horas. Tivera minha primeira noite decente de sono, apesar de a rede do barco não ser tão confortável quanto as camas do castelo. Acordei com os primeiros raios da manhã, servi-me de café e pão com queijo e subi ao convés para fitar a paisagem. Mar. Mar, mar e mar onde quer que a vista alcançasse. Inspirei fundo. Eu estava em casa. E era uma sensação boa voltar para casa.

Ouvi o grasnar de uma gaivota e me debrucei sobre a amurada. Percebi uma pequena comoção na água antes de ele aparecer. Sorri.

— Olá, Ariel.


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Notas finais do capítulo

Hey, people! Como estamos? Não tenho palavras para descrever a sensação de chegar ao final do segundo arco de “Pobres almas”. É claro, já havia escrito longfics antes, mas quase todas foram um desastre, porque eu ainda era muito novata e não dava valor ao planejamento. Por isso a “Pobres almas” tem sido um tremendo desafio: pela primeira vez, estou planejando um enredo longo, em vez de simplesmente sair escrevendo o que dá na telha. A história está longe de ser perfeita — sei disso —, e ainda existem centenas coisas que poderiam ser melhoradas. Mas o fato de muitos de vocês terem destacado o quanto estão gostando do desenvolvimento dos personagens já é uma vitória para mim. Não seria exagero eu dizer que esse é o aspecto ao qual mais tenho me dedicado.

Antes que vocês me atirem pedras, clamando pelo reencontro entre o Daren e o Ariel, aviso logo que a terceira temporada será focada neles — e no Hugo... Desculpa, gente, mas o Hugo é importante. Ela também trará algumas surpresinhas. (Não. Não é MPreg.) Pretendo manter o mesmo esquema de primeiro escrever vários capítulos e deixar tudo redondinho antes de começar a postar. (Sabe, para evitar erros grosseiros de continuidade e aquela coisa chata de eu repostar capítulos que vocês já leram com alterações significativas.) Enquanto isso, lançarei mais alguns bônus para vocês se divertirem e matarem a saudade. Talvez também publique uns spin-offs de comédia. Eles seriam apenas extras sem qualquer relevância para a long. Avisem nos comentários se vocês têm interesse em ler, porque, se não tiverem, eu vou deixar essa ideia para lá.

Então... é isso, gente. Muito obrigada de coração a todos que acompanham esta fanfic e depositaram sua confiança nela. Obrigada especialmente aos que deixaram comentários contando suas teorias, angústias e alegrias. Faz muita diferença, sabe? Porque os comentários me permitem ter uma noção do que estou fazendo certo e do que preciso melhorar. Aliás, foi graças a eles que este capítulo foi possível. Eu tinha cometido um furo e só percebi graças às reações vocês; felizmente pude corrigir a tempo! Nos vemos em breve, navegantes! Beijos! :*



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