Pobres almas desafortunadas escrita por Jude Melody


Capítulo 16
Arco 2 - Parte 11




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Não conversei com Erika pelos dias que se seguiram. Ela estava ocupada demais fingindo ser uma boa menina. Ou talvez não estivesse fingindo... Era agradável aproveitar a liberdade proporcionada pela ausência de Henrique e do Rei James. Minhas únicas companhias eram Elliot e, por duas vezes, Hugo. Ele já sabia os detalhes do plano; Sabidão havia lhe contado. Enquanto Elliot limpava as paredes da torre naquela tarde, Hugo fitou-o com estranheza. Não sei o que deu em mim, mas me inclinei e disse baixinho:

Não se preocupe. O humano é confiável.

Hugo afastou-se sem fazer barulho.

Não é do humano que eu desconfio.

 

— Como está o feitiço, Daren? — perguntou Ariel.

— Pronto. Agora é só pôr o plano em prática.

Ele desviou o rosto. Ainda estava muito triste. Nem mesmo o som do mar abaixo de nós conseguia acalmá-lo.

— Hugo está chateado comigo. Ele queria que eu o salvasse.

— Bem, isso é um pouco difícil nas atuais circunstâncias.

— Eu sei. Ele que é teimoso, Daren. Não consegue confiar em você por nada. E também fez comentários que não entendi sobre um humano. Ah, Daren! Isso é uma lástima! Uma terrível e profunda lástima!

Apesar de tudo, eu sorri. Nunca imaginei ouvi-lo dizer aquela expressão outra vez.

— Aguarde só mais um pouco, está bem?

Ariel assentiu.

— Ei, Daren. Você se importa se eu fizer uma pergunta pessoal?

— Mas é claro que não, Ariel.

Ele mordeu o lábio, hesitante.

— Você... está apaixonado pela Princesa Erika?

— Apaixonado? Pela Princesa Erika? — Ri de nervoso. — De onde tirou essa ideia tola?

— Pela forma como você fala dela.

— Não. Não é bem esse o sentimento, Ariel.

— Que bom! — Ele sorriu. — Ah, quero dizer, que bom que vocês são... amigos, não é?

Eu gargalhei.

— Sou quase a babá dela. Acredita que outro dia ela me respondeu quando eu perguntei por que ela nunca tinha me contado sobre seu lugar secreto?

— Não. O que ela disse?

— Ela disse que nunca me revelou seu lugar secreto porque eu “dou ordens” para ela.

— Não! — Ariel riu.

— É verdade! Aquela menina tem uma língua bem afiada. O extremo oposto de você, que sempre foi tão dócil.

— Você me acha dócil?

— Como um golfinho — brinquei, tocando seu nariz.

— Bom... Golfinhos também podem ser travessos.

— E fugir de casa para pedir asilo a amigos, não é?

— Não jogue sujo...

— Estou apenas brincando, minha musa.

Ariel ficou em silêncio. Eu também me calei. Sentia o nervosismo da missão cada vez mais forte.

— Eu... preciso ir agora, Daren.

— Descanse bem, Ariel. Amanhã, a esta hora, Hugo estará livre. É uma promessa.

Ele me encarou, exibindo um meio sorriso. Mas toda a minha atenção estava em seus olhos.

— Obrigado, Daren. Sabia que podia confiar em você.

Ariel partiu. Mergulhou no mar e nadou para longe. Apertei a concha roxa entre os dedos. Ele confiava em mim. Então, eu precisava fazer tudo dar certo.

 

Repassei o plano com Elliot uma última vez. O moleque realmente sabia aprender. Memorizou com destreza a localização de todos os guardas e inventou sinais de emergência. Seus olhos pareciam uma tempestade enquanto giravam de um lado para o outro sobre o mapa da praia.

— Você é mais inteligente do que eu imaginava, moleque. Onde aprendeu esses sinais?

— Com a Princesa Erika, na verdade. Nós nos conhecemos durante meu treinamento para a Guarda Real e meio que ficamos amigos.

— Amigos, é?

— Sim. Às vezes, eu a acompanhava até o cais e nós conversávamos com o Capitão Alfred e os outros marujos. Grimsby ficava louco atrás dela. Depois que o Capitão Henrique apareceu, as coisas ficaram um pouco mais complicadas. Ela era o inferno na vida dele. Pregava-lhe um monte de peças e punha a culpa em mim. Mas era só de brincadeira mesmo, porque nunca foi segredo para ninguém que era tudo plano dela.

— Eu imagino — grunhi.

— Ciúmes? — perguntou Elliot, exibindo um sorrisinho faceiro.

Peguei o balde perto de mim e tentei jogar água nele. Mas o balde estava vazio. E eu tive de suportar as risadas do moleque pelo resto do dia.

 

Eu não sei, mainha, para onde as almas vão depois que o corpo morre. Mas, se você estiver me olhando de algum lugar, espero que me abençoe.

 

Anoitecera. Eu estava no saguão principal do castelo, esperando por Elliot. O garoto apareceu no horário planejado, tremendo de nervosismo. Segurei seu ombro e assenti brevemente. Não havíamos reservado um só segundo para a hesitação. Pegamos o balde de peixes na cozinha e iniciamos a marcha até a torre.

— Elliot — chamou uma voz feminina.

O moleque quase esbarrou em mim porque deu alguns passos olhando para o lado. Virei o rosto também e avistei a Princesa Erika atravessando o salão. Duas criadas acompanhavam-na.

— Daren. O que fazem aqui?

— Vamos entregar o jantar do tritão — respondi, erguendo o balde. — E você, Erika? Já não está um pouco tarde?

— Eu estava jantando...

Franzi o cenho. Aquele tom não era comum a ela.

— Há algo de errado?

— Não... Apenas... — Ela inspirou fundo. — Foi o Grimsby. Ele prendeu o Max em um dos quartos! Acredita nisso?!

— É porque Vossa Alteza não sabe controlar o próprio cachorro — rebateu Grimsby, surgindo das sombras. — Aquela peste passou dias e dias correndo pelo castelo como se fosse um alucinado! Eu lhe avisei duas vezes, princesa. Mas a senhorita não me ouviu.

— Mas isso não é justo! — Ela bateu o pé. — O Max não tem culpa de nada! Se alguém deveria ser punido, sou eu!

— A senhorita tem de estudar, sabe muito bem disso. O que o rei e a rainha diriam se soubessem o quanto a princesa andou relapsa nesses últimos dias? Como conselheiro real, é meu dever zelar para que seu cronograma de estudos seja obedecido. E, se Max estava atrapalhando, fiz bem em tirá-lo do caminho.

— Você é um monstro que maltratou um pobre cachorro!

— Um pobre cachorro que quase me derrubou vinte vezes — respondeu Grimsby, seco. — Agora, princesa, é hora de Vossa Alteza ir dormir. Já passa das nove horas.

— Tsc! — Ela virou o rosto, mordendo o lábio.

Grimsby ordenou às criadas que pusessem Erika na cama. Elliot lançou-lhe um olhar de tristeza, mas ela estava alheia demais para perceber. Ficou em silêncio até o conselheiro dar meia volta e se dirigir às escadas.

— Grimsby? — chamou Erika, relutante.

— O que foi agora, Vossa Alteza?

— Desculpe. Eu... não agi corretamente. O senhor tem razão.

Se eu não tivesse tão concentrado em meu papel, teria deixado o queixo cair. Até Grimsby arqueou as sobrancelhas e olhou de soslaio para mim e para as criadas.

— Escute, Grimsby, eu estou sem sono ainda. E, de qualquer forma, não consigo dormir bem logo após o jantar. Por isso, o senhor me concederia permissão para passar uma ou duas horas estudando na biblioteca?

Ele ergueu o rosto, calculando as palavras de Erika. Mexeu os lábios.

— Eu gostaria que o senhor lesse aquele livro para mim. Aquele sobre viagens de que o senhor tanto gosta.

— Verdade, Alteza?

Ela prensou os lábios e assentiu. Os olhos de Grimsby brilharam.

— Bom, neste caso, acho que não posso negar um pedido de Vossa Alteza. Teu pedido é uma ordem para mim. — Ele fez uma mesura. — Mas, quando der meia-noite, a senhorita terá de ir para a cama, compreendido?

— Sim, Grimsby. — Ela correspondeu à mesura. — Muito obrigada.

— Ótimo. Perfeito. Vocês duas estão dispensadas por enquanto. E vocês dois, por favor, levem logo esse balde de peixes. Está fedendo. Venha comigo, Vossa Alteza. Rumo a grandes aventuras!

O conselheiro era todo orgulho enquanto marchava para a biblioteca. Não viu Erika revirar os olhos enquanto o seguia. Antes de subir as escadas, ela olhou por cima do ombro e acenou para mim, mas o idiota do Elliot achou que fosse com ele e acenou de volta.

— Boa-noite, senhores — disseram as criadas.

Elliot abriu um sorriso e tentou responder, mas sua voz não saiu. A moça mais jovem franziu o cenho.

— O senhor está bem?

Pus a mão no ombro de Elliot.

— O moleque participou de uma festa ontem e cantou um pouco além de seus limites. Acabou ficando rouco, não é mesmo, Elliot?

— Pobrezinho. Gostaria que trouxéssemos algum remédio? Conheço uma cura caseira ótima para garganta.

— Não há necessidade, mas agradeço a preocupação. Precisamos ir logo, ou Grimsby nos expulsará daqui a chutes por causa do cheiro de peixe.

Ela riu baixinho e acenou em despedida. A outra a seguiu de perto, mantendo o semblante sério. Resisti ao impulso de dar um pescotapa em Elliot.

— Venha! Já perdemos tempo demais.

 

A noite estava bela. Ao sentir a brisa salgada no rosto, imaginei Ariel sentado em meio aos rochedos, esperando por mim e seu amor. Consegui enxergar seus olhos brilhando, e os lábios desenhando aquele sorriso que ainda atormentava meus sonhos. Os galhos das árvores balançaram sobre nós, emitindo um som semelhante ao das ondas. Tentei encará-lo como um bom agouro.

Havia dois guardas vigiando a entrada da torre. Um deles retirou um chumaço de algodão do ouvido ao nos ver.

— Boa-noite, senhor Daren.

— Boa-noite. Eu e Elliot viemos trazer o jantar do tritão. — Encostei a mão livre perto dos lábios como quem conta um segredo. — O moleque está com medo de entrar aí sozinho...

Elliot deu-me uma cotovelada.

— Eu entendo. Também tenho medo do tritão — confessou o guarda, abrindo passagem. — Podem entrar.

Agradeci e adentrei a torre. Pouco antes de fechar a porta, o guarda resmungou baixinho:

— Finalmente parou a cantoria...

Pousei o balde em um canto qualquer e olhei ao redor, certificando-me de que não havia intrusos.

— Cotovelada forte.

Elliot deu de ombros.

— Apenas siga o plano e não faça nada de errado, está bem?

Aproximei-me da piscina. Hugo não estava em nenhum lugar visível. Pelos céus, que criatura teimosa!

Eu preciso da sua colaboração. Sabe disso.

Elliot fitou-me, assustado.

Não seja orgulhoso. Ariel está preocupado com você.

Fez-se um leve movimento na água. Hugo abandonou a penumbra e emergiu perto de mim. Tinha o mesmo olhar desconfiado de antes. Elliot tropeçou no balde. Fuzilei-o com o olhar, mas ele apenas encolheu os ombros de novo enquanto recolhia os peixes.

— Sorte sua que os guardas já devem estar acostumados às suas trapalhadas — grunhi. — Bem, vamos começar. Ajude-me, garoto. Ele pode cair algumas vezes.

Hugo sentou-se no parapeito da piscina. Tirei do bolso o colar de concha de Ariel e estendi para ele. Os olhos de Hugo brilharam de reconhecimento.

Eu devo colocar?

Sim. Pode doer um pouco no começo. Tente não gritar, está bem?

Ele pareceu ofendido, mas obedeceu. Um brilho dourado emanou da concha e se espalhou por seu corpo. Hugo desabou no chão, contorcendo-se com os dentes trincados. Elliot correu para socorrê-lo, mas fiz um gesto para que se afastasse. A transformação era tão bela quanto assustadora. As escamas verdes desprenderam-se de Hugo e evaporaram ao atingir o piso. Em seu lugar, surgiram pernas agitadas. Um véu tênue estendeu-se sobre ele. Quando a luz apagou, Hugo era uma cópia de Elliot.

— Magnífico! Uma transformação perfeita!

Hugo moveu a cabeça, ainda arfando. Não se parecia em nada com o tritão de antes. Os cachinhos cederam lugar a mechas lisas. Os olhos verdes tornaram-se cinzentos. As sardas haviam desaparecido. Ele me lançou um olhar sereno.

— Você está bem? Consegue se levantar?

Esfregou o rosto, murmurando palavras que eu não compreendia. Bem lentamente, ergueu o novo corpo e tentou se sentar. Elliot observava tudo com fascínio.

— Você está me entendendo? Tente dizer alguma coisa.

— Eu... — murmurou Hugo, e sua voz soou estranha, pois era a voz de Elliot. — Eu estou bem. Só com um pouco de dor de cabeça.

— Não se preocupe. Irá passar.

— Você... me deu roupas?

— Bom, eu não poderia deixá-lo andar nu por aí. Consegue ficar de pé?

Ele fez que não. Estendi o braço para ajudá-lo. Hugo fitou-me com remorso, mas segurou minha mão. Teve muita dificuldade em ficar de pé pela primeira vez. As pernas fraquejaram, e precisei ampará-lo pelo peito. Ele desviou o rosto.

— Acalme-se. Tente mover as pernas. Isso. Assim.

Soltei-o. Hugo cambaleou um pouco e caiu. Elliot fez menção de ajudar.

— Não. Eu consigo sozinho.

Ele se levantou de novo, arfando. Moveu os pés, lutando para manter o equilíbrio e evitar uma nova queda. Olhou para mim.

— E agora?

— Ande até ali — indiquei um ponto entre duas janelas.

Hugo engoliu em seco.

— Não consigo.

— Consegue, sim.

— É impossível.

— Você está fazendo errado, Hugo. Está se limitando às pernas. Andar é um movimento um pouco mais complexo. Tente relaxar, mexer os braços e o quadril.

— Está bem.

Ele inspirou fundo e deu seus primeiros passos. Tropeçou e caiu outra vez. Levantou-se sozinho e arrastou as pernas. Devagar, pé ante pé, aproximou-se do ponto na parede.

— Você não fez nada do que te ensinei — repreendi.

Hugo trincou os dentes. Tentou de novo. Um passo de cada vez. Ainda estava um pouco duro.

— Relaxe. Tente mover os braços.

Ele obedeceu.

— Agora dê meia volta.

Hugo hesitou por um segundo, mas seguiu minha ordem. Elliot me cutucou e bateu no próprio peito.

— Elliot está dizendo para relaxar os ombros, eu acho. Você está jogando o corpo para trás.

O treinamento durou quase trinta minutos, e o resultado foi melhor do que eu esperava. Elliot demonstrou como andava normalmente, e Hugo imitou-o. Não era idêntico, mas próximo o suficiente para enganar quem não conhecia os trejeitos do garoto. O mais importante é que o movimento parecesse natural, e Hugo atingiu esse patamar com perfeição.

— Impecável.

Pela primeira vez, um meio sorriso surgiu em seu rosto. Ele se virou para Elliot, que parecia muito interessado em observar cada detalhe. Eu compreendia a empolgação do moleque. Ver uma cópia sua tão de perto é diferente de se olhar no espelho. Ele contornou Hugo, analisando seus braços, seus cabelos... Deteve-se um pouco mais nas nádegas e abriu um sorriso satisfeito. Virou-se para mim e apontou animado para Hugo e depois para si mesmo.

— Sim, moleque, eu também lamento que você seja tão feio.

Elliot fez uma careta emburrada. Hugo conteve o riso.

— Muito bem, Elliot. Agora é a sua vez. Tem certeza disso?

Ele assentiu com vigor. Retirei o frasco com a poção do bolso e fitei o líquido rosa. Atrás de mim, Hugo manteve-se em silêncio.

— Preste muita atenção. O feitiço do sono começará a fazer efeito em pouco mais de 24 horas. Você deverá dormir por volta do amanhecer do dia 31. Entrará em um sono tão profundo, que todos pensarão que você está morto. Quando isso acontecer, vou cuidar para que seu corpo seja lançado ao mar. Assim que atingir a água, o feitiço será desfeito, e você deverá nadar até aquele ponto da praia que combinamos para beber a poção que devolverá sua forma humana. Entendeu tudo?

Ele assentiu de novo.

— Escute, Elliot. — Apertei o frasco entre os dedos. — Existe a grande possibilidade de o Rei James decidir enviar seu corpo a uma faculdade para que seja dissecado. Se isso acontecer, tenho certeza de que a Princesa Erika protestará com veemência. A Rainha Helena provavelmente concordará com a filha, exigindo uma cerimônia fúnebre. O Rei James ama as duas mais do que qualquer outra coisa no mundo, talvez até mais do que sua reputação. Ele vai atender a seus pedidos. Mas, se a Erika não intervier, eu darei essa ideia a ela. Você entende, Elliot? — Esperei que ele encarasse no fundo dos meus olhos. — É um plano muito arriscado. Muitas coisas podem dar errado aqui, e você corre o risco real de morrer. Seu corpo não aguentará o sono profundo durante muito tempo. Dou duas semanas no máximo, sendo bem otimista. Se você beber esta poção, pode ser que durma pela última vez. Você entende isso? Não precisa prosseguir se não quiser. Eu entenderei sua recusa.

Elliot meneou a cabeça e descansou o punho sobre o peito. Era sua forma de dizer que não recuaria, pois fizera uma promessa, e guerreiros não quebram suas promessas. Naquele momento, seus olhos brilhavam com um fulgor que eu nunca vira. Mas havia algo a mais... Uma confiança profunda e sincera. Incondicional.

O garoto tinha certeza de que eu o salvaria.

— Muito bem, Elliot... Obrigado.

Ele me abraçou. Ele me abraçou com força, enterrando o rosto em meu peito como Erika costumava fazer. Fiquei sem ação. Senti minhas faces gelarem, e as mãos ficaram suspensas no ar. Quando dei por mim, estava abraçando o garoto de volta. Ele se afastou primeiro.

— Aqui está. — Estendi o frasco.

Elliot sentou-se na beirada da piscina e bebeu a poção. Deixou o frasco cair e levou as mãos à garganta, arfando e tossindo. Seus olhos começaram a lacrimejar, e ele jogou a cabeça para trás em um grito, mas a voz não saiu. Suas pernas brilharam e aos poucos foram cobertas por escamas verdes. Os cabelos encolheram. Quando a luz diminuiu, Elliot tornara-se um tritão. Tornara-se Hugo.

— Inacreditável — murmurou Hugo. — É como se tivéssemos trocado de aparência.

— Mas ele ficará sem voz, já que se recusou a entregar a sua.

— Por que não me deu uma poção também? Parece um processo muito mais simples.

Meus punhos cerraram. Juro que quase dei um soco naquele insolente.

— Porque eu precisava lhe entregar a voz de Elliot, e a voz demanda um invólucro. Ao menos, é apenas dessa forma que eu sei fazer. Achei que seria menos trabalhoso se colocasse todos os feitiços na concha. Além disso, você realmente aceitaria beber uma poção feita por mim?

Hugo não respondeu.

— Elliot — chamei, aproximando-me do garoto. — Elliot, você está bem?

Ele ergueu o rosto. Seus olhos ainda lacrimejavam. Apesar de tudo, sorriu.

— Você está perfeito. Ninguém notará a diferença. Agora tente comer um pouco. Precisará de energia para o que lhe aguarda. — Peguei o balde e entreguei um peixe para ele. Elliot fitou-me confuso. — Tem um gosto melhor do que parece, acredite. Seu paladar agora é de tritão, e tritões gostam de peixe cru. — Afaguei seus cabelos. — Se tudo der certo, eu passarei aqui à tarde, está bem? Para que você veja um rosto conhecido antes de dormir.

Elliot assentiu e mordeu o peixe. Mastigou algumas vezes antes de engolir. Pareceu aprovar.

— Não tenha medo, Elliot. Eu prometo salvá-lo.

O garoto já não prestava mais atenção. Levara a sério meu conselho de se alimentar bem. Ou talvez só estivesse com fome. Afastei-me e fiz sinal para que Hugo me acompanhasse. Antes de abrirmos a porta, olhei por cima do ombro. Elliot acenou para mim. Seus olhos ainda brilhavam de confiança. E, pela primeira vez, senti remorso pelo que fizera.


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Notas finais do capítulo

Curiosidade: o Daren quase se chamou Arthur. Quando estava trabalhando na primeira versão desta fanfic, pedi ajuda a uma amiga para escolher o nome do protagonista. Nessa época, eu já o imaginava igual ao “Ursul” de uma fanart da Sakimichan. Minha amiga sugeriu “Arthur”, explicando que esse nome significa “urso”, assim como “Úrsula”. Acontece que, quanto mais eu pensava no protagonista, mais achava que “Arthur” não tinha nada a ver com ele. Arthur parece o nome de um mocinho íntegro e corajoso, e meu protagonista era um vilão. Depois de pensar um pouco, lembrei-me de uma história antiga e há muito abandonada, em que um dos personagens se chamava Daren. Até onde sei, esse nome não tem nenhum significado especial, mas gosto de sua sonoridade e não me arrependo de tê-lo escolhido para o Daren de “Pobres almas”.



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