Pobres almas desafortunadas escrita por Jude Melody


Capítulo 14
Arco 2 - Parte 10




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O navio real parecia estupendo sob a luz da manhã. Marinheiros corriam de um lado para o outro, ajustando os últimos preparativos. Avistei Elliot no meio deles, ajudando a carregar um baú com as roupas da rainha. Não muito longe de mim, Henrique dava instruções aos guardas sobre como se comportar durante sua ausência.

— Fiquem de olho em tudo. Vigiem todas as saídas do castelo. E lembrem-se: à noite, todos os gatos são pardos.

Alguém ergueu o braço.

— Posso ficar no comando, capitão?

— Ora, ora, muito engraçado, Princesa Erika — respondeu Henrique, localizando-a atrás de seus homens —, mas a única coisa que a senhorita consegue comandar é esse monte de pelos que chama de cachorro.

— Eu também chamo o monte de pelos de “bigode do Capitão Henrique”, senhor.

Alguns guardas riram.

— Erika — chamou o rei. — Demonstre respeito pelo capitão.

Ela revirou os olhos quando o pai não estava olhando. Já disse que amo essa garota?

— Tudo em ordem, meu rei! — disse o comandante do navio. — Já podemos partir.

— Maravilhoso!

— Tchau, mãe. Tchau, pai. Boa viagem para vocês — disse Erika, abraçando a rainha.

— Obrigada, querida. Comporte-se. E faça o Max se comportar também. O pobre Grimsby não aguenta mais ficar correndo por aí.

— Certo, mãe.

Elliot surgiu a meu lado. O suor escorria pelo rosto, mas ele estava bastante feliz. Até sorriu para mim. Ignorei-o solenemente.

Enquanto a Rainha Helena subia a rampa para embarcar no navio, o Rei James chamou Henrique para uma última conversa particular. Esfregava os dedos, nervoso. Erika tentou escutar, mas o vento era forte. Tudo o que vimos foi o capitão assentindo com muita calma. O rei assentiu também e, juntos, rumaram até o navio para se juntarem à rainha. Em poucos minutos, a âncora foi erguida.

— Todos a bordo! — gritou o comandante.

Eu, Elliot, Erika, os marinheiros e os funcionários do castelo ficamos na areia, acenando alegremente para a rainha, que parecia a estátua de uma deusa iluminada pelo sol. Aos poucos, o navio alcançou o horizonte e foi diminuindo até desaparecer. Senti um toque em meu braço, mas era apenas Erika olhando melancolicamente para o mar.

— Eles voltarão antes que sinta saudades — murmurei em seu ouvido.

— Então o Henrique não vai voltar nunca.

 

Eu tentei controlar minhas emoções. Já fora mais habilidoso em manter a expressão impassível, mas desde que conhecera Erika sentia tudo com intensidade. Ou talvez fosse o corpo humano. Na maior parte do tempo, ele até era confortável. Balancei a cabeça. Era inútil buscar por desculpas.

— Onde você está, Ariel?

Passava da meia-noite. A única luz naquele trecho da praia era o luar. Lancei os olhos para longe, antes de as ondas quebrarem. Ariel estava parado ali. Não tinha coragem de se aproximar.

Descalcei as botas e entrei na água enquanto a concha brilhava em meu peito. Ele nadou até mim, ainda cauteloso. Mas eu estava distraído. Era bom voltar a ser quem era. Era bom retornar ao mar. Só despertei quando senti as mãos de Ariel sobre minha pele. A pele roxa. Encontrei seus olhos verdes. E eles brilhavam de reconhecimento.

— Daren. É você mesmo.

Ele me abraçou. E era bom sentir seus braços ao meu redor de novo. Eu não sentia mais a água ou o tempo. Apenas Ariel. Ariel e seu toque cálido. Mais cálidos ainda eram seus olhos quando se afastou de mim.

— Senti saudades — sussurrou.

— Eu também senti saudades, minha musa.

Esperei que Ariel me beijasse, mas ele apenas abaixou o rosto, meio sorrindo, meio triste. Afastei seus cabelos dos olhos.

— Está preocupado com Hugo, não é?

— Muito — respondeu com urgência. — Foi tudo culpa minha, Daren. Eu preciso ajudá-lo a qualquer custo! Não consegui me afastar daqui desde que ele foi sequestrado.

— Tudo bem. Tudo bem. Eu entendo, Ariel. Venha. Há uns rochedos perto da caverna. Podemos conversar ali.

 

Sentei-me sobre os rochedos na forma humana. Ariel sentou-se a meu lado e alisou a cauda. Não se sentiria desconfortável com o mar tão próximo de nós. A brisa salgada nos envolvia, e as ondas respingavam em nossos rostos. Vislumbrei os cabelos dele esvoaçando, quase secos.

— Espero que não se incomode. É mais fácil sentar na forma humana. E eu gostaria de evitar o mar por um tempo...

— É um pouco... estranho. Você parece tão habituado. Nem dá para perceber que é uma criatura do mar.

— Não se esqueça de que assumo esta forma há dois anos.

— Não. — Ariel meneou a cabeça. — Não foi o que quis dizer. Você realmente parece confortável assim, Daren. Como se ser humano fosse natural para você. Quase como se esse fosse o certo.

— Não diga bobagens. Eu sou filho da bruxa do mar, esqueceste?

Ele sorriu.

— Desculpe. Acho que estou delirando.

— Não precisa se desculpar. — Fiz menção de afagar seus cabelos, mas de alguma forma minha mão desviou no meio do caminho e tocou os meus. — Pode começar quando quiser.

Ariel inspirou fundo.

— Nós já nos conhecemos há um tempo, sabe? Ele se mudou para o Reino de Atlantica depois de anos viajando pelos mares. É um tritão muito divertido e gentil... mas curioso. Nós começamos a explorar a superfície. Ele sempre foi fascinado por humanos. Ou melhor, pelas coisas que os humanos criam. Quando comentei com ele que já tinha visto um navio em festa, com homens e mulheres dançando e cantando juntos, Hugo ficou ainda mais entusiasmado. No começo das explorações, éramos muito cautelosos. Não podíamos ser vistos ou estaríamos em perigo. Foi uma das épocas mais divertidas da minha vida.

Ele abriu um sorriso perdido. Seus olhos brilhavam, mas era como se o brilho fosse engolido para dentro em vez de se revelar ao mundo.

— Eu dei bronca nele muitas vezes. Hugo arriscava demais. Ficou pior conforme ouvíamos as histórias do Sabidão.

— Sabidão?

— É. Oh, você não o conhece. Desculpe, Daren. Sabidão é uma gaivota.

— Ah... — fiz lentamente. — Uma gaivota...

— Ele sabe tudo, tudinho mesmo sobre os humanos! Nós nos encontrávamos toda semana para conversar, ouvir histórias e aprender sobre os objetos deles. Veja. — Ariel retirou o garfo das algas em seu braço e o estendeu para mim. — É uma bruguzumba!

Arregalei os olhos.

— Uma brumu... O quê?

— Uma bruguzumba! — disse Ariel, todo contente. — Você não deve ter visto uma ainda. Sabidão disse que é um objeto muito raro! Os humanos usam para pentear o cabelo.

— Oh... Ariel, tem certeza de que esse Sabidão conhece os humanos?

— Claro que sim! Ele é um pássaro muito inteligente!

— É porque isso na verdade se chama “garfo” e não tem nada de raro ou fascinante.

— Como não?! — Ariel encarou-me como uma criança que acaba de perder seu brinquedo.

— Eu quero dizer que... — grunhi. — Olhe, Ariel, isso não é importante agora. Por favor, prossiga.

— Oh, sim, claro. — Ele guardou a brumu-sei-la-o-quê. — Bem, o Sabidão sempre contava histórias que deixavam o Hugo mais e mais animado. Até que um dia nós avistamos um navio de pescadores...

Ele fitou a água. Seus olhos estavam escuros, indistinguíveis da noite.

— Eu avisei para ele não ir. Tentei segurar seu braço. Tentei puxá-lo para longe. Mas ele ficou bravo e se desvencilhou. Disse que eu era “frouxo”. Nadou para perto do navio. Queria ter o prazer de tocar o casco para provar a todos o quanto era corajoso. Ele já estava voltando quando lançaram a rede. Hugo não viu o cardume. Ficou confuso, preso no meio daquele monte de peixes. E logo ficou preso na rede também. Eu ainda me lembro de vê-lo estendendo a mão para mim, implorando por ajuda. Eu tentei usar a bruguzumba para cortar a rede, mas foi inútil. Vi o Hugo sendo puxado para longe de mim... Até atravessar a superfície da água e sumir.

Ariel ficou em silêncio por vários minutos. Eu me lembrei daqueles dias em meu covil, quando ele me contava sobre o casamento. Mas era diferente. Ele não chorava desta vez.

— Eu me afastei um pouco e emergi. Por entre as pedras, vi Hugo sendo içado pelos pescadores. Eles fizeram um alvoroço enorme quando descobriram que tinham fisgado um tritão. Ouvi Hugo gritando e batendo a cauda, chamando meu nome em desespero. Mas eu não pude fazer nada. Eu só... — Ele arfou. — Eu só pude seguir o navio de longe. Até ele chegar à praia... E os pescadores jogarem Hugo em um pequeno barco para o levarem até a areia. Ele tentou lutar, sabia? Estava muito fraco, mas mesmo assim tentou lutar. Tentou mergulhar na água. Talvez virar o barco com os homens dentro... Mas os pescadores eram muitos e subiram em cima dele para segurá-lo. E eu ouvi o Hugo gritando... Então, eles desceram para a areia, puxando a rede. Ficaram um tempão ali, pensando no que fazer. Pareceu uma eternidade para mim... E depois... eu vi você ali no meio. Eu te reconheci pela voz.

Ariel encarou-me.

— Nunca esqueci sua voz.

As ondas quebravam nos rochedos. Virei o rosto. Não sabia o que responder.

— Nós continuamos conversando. Sabidão tem ajudado. Ele voa até as janelas da torre, transmite minha mensagem para Hugo e depois volta para me dar a resposta.

— Sabidão? A gaivota?

— Sim.

Pelos céus! Aquele moleque precisa mesmo ser estudado!

— À noite, o Hugo canta. E é uma canção tão triste que despedaça meu coração. — Ele pôs a mão no peito. — Eu já nem consigo mais chorar, Daren. Acho que seria capaz de morrer de tanta culpa!

— Ariel... — chamei mansamente. — Ariel, não se preocupe. Eu vou ajudar você. Juntos, vamos salvar seu namorado. O que me diz?

Ele não me respondeu. Estava em transe.

— Ariel?

Teve um sobressalto.

— Desculpe — murmurou. — Eu sou um inútil, Daren! Não há nada que eu possa fazer. Pensei em voltar para casa e implorar por ajuda ao meu pai, mas tenho medo de deixar o Hugo sozinho. Encontrei Sabidão, que decidiu nos procurar após nosso sumiço, e pedi a ele que avisasse Lilly. Mas ela apareceu alguns dias depois, dizendo que meu pai não podia fazer nada. Ele não quer arranjar encrenca com os humanos. Ele disse... — Ariel arfou. — Ele disse que sentia muito!

Finalmente dobrou o corpo, permitindo que as lágrimas escorressem. Estava tão contorcido de dor, que o nariz quase tocava a cauda. Eu senti meu coração destruído. Minhas mãos estavam trêmulas quando tocaram seus braços.

— Eu sei. Eu sei, Ariel. Mas confie em mim. Eu tenho um plano. Vamos salvar o Hugo.

— De verdade? — Os olhos verdes brilhavam por trás das lágrimas. — Você pode mesmo? Você pode de verdade?

— Nunca saberemos se eu não tentar.

— Ah, Daren! — Ariel esfregou os olhos. — Desde que Hugo confirmou que era realmente você, eu tive esperanças, sabe? Esperanças de que você ainda fosse um aliado. De que pudesse nos ajudar. Mas o Hugo reluta tanto em confirmar em você, ele... Ele... — Ariel soluçou. Escondeu o rosto por trás das mãos. — Ele tem medo de você...

Suspirei.

— Eu imagino... Mesmo prometendo que o salvaria quando fui visitá-lo na torre, Hugo não quis confiar em mim. Diga, Ariel. Preciso saber algumas coisas sobre o Hugo antes de confirmar qual plano seguir.

Ariel assentiu, secando as lágrimas.

— Primeira pergunta: você acha que ele aceitaria me entregar sua alma momentaneamente?

O corpo dele tremeu.

— Não! Isso não! Isso nunca!

— Então eliminamos um possível plano. Eu poderia guardar o Hugo em um pote e trazê-lo para cá à noite. Seria discreto e simples.

— Hugo é muito orgulhoso. Jamais aceitaria.

— Orgulhoso, não é... Então, suponho que também não aceitaria virar um peixe ou algum outro animal que coubesse em um pote.

— Acho difícil. Ele ficaria com medo de você jogá-lo no chão e pisá-lo.

— Pelos céus! Mas que imagem horrível esse rapaz tem de mim!

— Bom... — Ariel encolheu os ombros. — Eu não posso culpá-lo...

— Tem razão. Desculpe. Droga! — Passei a mão pelos cabelos. — Isso torna tudo ainda mais difícil. Preciso tirá-lo daquela maldita torre sem levantar suspeitas.

— Você não pode simplesmente pegá-lo no colo e atirá-lo no mar dali de cima mesmo? O Hugo é um tritão. Ele vai sobreviver. Ficará bem assim que alcançar a água.

— Sim, isso pode servir como um plano de emergência, mas eu não quero despertar a desconfiança dos humanos, Ariel.

— Por que não?

— Porque... Bem, eu... Olhe, o rei daquele castelo, o Rei James, ele confia muito em mim. Eu salvei um de seus capitães e depois a filha... Não estou em uma posição muito boa. Não posso chamar a atenção. Se o rei descobrir que fugi com Hugo, nunca mais serei bem-vindo nestas terras.

— E qual o problema disso? Você pode simplesmente voltar para o mar!

— Não é tão simples assim, Ariel.

— Por que não? Você nem mesmo é humano, Daren. Essa forma é só um disfarce! Seu verdadeiro lugar é no mar. Comigo, com a Lilly, com os outros peixes e sereias e tritões!

— Não é tão simples, Ariel! — repeti.

Ele se assustou. Pude ver que se assustou. Encarei-o da forma mais mansa que consegui.

— Eu... não me importo tanto com a confiança do rei. Mas me importo com a garota.

Ariel franziu o cenho.

— Quem?

— A garota. A princesa. Princesa Erika.

— Quer dizer a humana que mandou os pescadores soltarem Hugo?

— Ela mesma.

— Ah... — Ariel abaixou a cabeça. — Ela parece ser uma boa menina.

— Sim, ela é. Se pudesse, lutaria contra todas as injustiças do mundo. Mas tem de obedecer ao pai e ao maldito do Henrique.

— Quem é Henrique?

— O capitão da Guarda Real. É aquele homem que mandou os pescadores levarem Hugo para o castelo dentro de uma banheira. Também foi ele quem deu a ideia de aprisionar o pobrezinho naquela torre.

— Que homem mau. Não gostei dele!

— Eu e a Erika também não gostamos. Henrique era nossa maior ameaça, mas graças aos céus viajou com o rei e a rainha para longe. Isso abre caminho para eu salvar o Hugo.

— É sério? — Os olhos de Ariel brilharam.

— Sim. Hugo sairá da torre com suas próprias pernas.

— Suas próprias... Espere, isso quer dizer que você pretende transformá-lo em humano?

— Sim. Esse é o plano.

Ariel fez uma careta.

— Ele não vai gostar nadinha... Está muito traumatizado depois de tudo o que aconteceu.

— Bom, então tente convencê-lo a virar um peixe.

— Você não pode apenas... usar um feitiço e colocar todos os guardas do castelo para dormir?

Suspirei. Já estava ficando cansativo.

— Não sou tão poderoso assim, Ariel. Se eu pudesse, faria. Mas, com o poder que tenho agora, só conseguiria botar uns dez para dormir.

— Já é o bastante! Ou você também pode criar um Hugo falso e deixá-lo na torre. Uma ilusão. Assim, se algum guarda decidisse procurá-lo, não perceberia a fuga.

— Eu também pensei nisso, mas não tenho esse poder. Não é tão simples criar um ser vivo, Ariel. Minha mãe nunca conseguiu sequer criar um peixe a partir da matéria bruta. O máximo que posso fazer é transformar uma sereia em um animal ou um ser humano. Ou o contrário: um humano em animal ou tritão.

Ariel fechou os lábios, provavelmente desistindo de sua ideia.

— O que faremos então, Daren?

— A minha proposta é transformar Hugo em humano e trazê-lo até a praia. Precisaremos de um Hugo falso para distrair os guardas, é claro, mas já estou cuidando desse detalhe.

— Mas, Daren, e se alguém tentar conversar com o Hugo? E se virem um estranho no castelo? E se... alguém o reconhecer como o tritão da torre?

— Já pensei em tudo isso. Primeiro, não lhe darei pernas simplesmente. Ele precisa de um disfarce; de preferência, um humano que esteja acima de suspeitas. Quanto à língua, já encontrei um feitiço que resolve o problema. Hugo será capaz de compreender os humanos e respondê-los com perfeição.

Ariel prensou os lábios.

— Como?

— Será um feitiço complicado e cheio de detalhes. Além disso, não tenho todos os ingredientes comigo e precisarei que você os traga para mim o quanto antes. Aqui. Eu trouxe uma lista.

Retirei um pergaminho do bolso.

— Está escrito com um feitiço que não apaga na água. Sabe onde encontrar tudo?

Ariel analisou os itens da lista um a um e assentiu.

— Consigo reunir tudo em dois dias.

— Ótimo. Isso me dará tempo para terminar o feitiço. Só faltará o invólucro.

— O que é isso?

— Um invólucro. — Mostrei a concha dourada que trazia ao peito. — O feitiço ficará armazenado nele e será ativado enquanto estiver com Hugo.

— Então, é essa concha que te permite virar humano...

— E conversar com humanos.

— Eu tenho o invólucro perfeito.

Ariel retirou algo de seu pescoço e depositou na palma da minha mão. Era uma concha roxa presa em um colar de algas. Eu não havia reparado.

— Foi um presente de Hugo. Se ele vir a concha, vai aceitar usá-la. Tenho certeza.

— Ótimo. O valor sentimental desta concha deve ajudar. — Virei-me para ele. — Obrigado, Ariel. Com sua ajuda, este plano será perfeito.

Ele me abraçou. Um abraço cálido e sereno.

— Não, Daren. Eu que agradeço. Você vai salvar o Hugo. Não sabe o quanto isso é importante para mim.

Toquei seus ombros de leve. Era bom senti-lo tão perto de mim outra vez. Fechei os olhos, absorvendo seu cheiro. Ariel tinha o cheiro do mar, mas era um cheiro especial... Havia um algo a mais, um algo dele. E seus cabelos roçaram o meu rosto. E eu não queria soltá-lo por nada.

Mas Ariel se afastou de mim.

— Preciso ir agora. Está ficando um pouco seco aqui. Preciso descansar, pois amanhã será um dia longo. Recolher os ingredientes, convencer Hugo a aceitar sua ajuda. — Ele suspirou. — Ainda não acredito que isso tudo está acontecendo...

— Eu sei. Eu sei. Mas fique calmo. Tudo vai se resolver. Na madrugada do dia 29, Hugo será um tritão livre.

— Dia 29? Quanto tempo falta para isso?

— Catorze dias.

— É muito tempo. Não pode ser antes?

— Acho improvável. O feitiço é complexo e não ficará pronto tão rápido. Fora que preciso me preparar para qualquer imprevisto.

— Entendo...

Ele lambeu os lábios. Que pensamentos rondavam sua mente naquele instante? Pude ver os dedos apertando a pedra com força.

— Uma última pergunta, Ariel. Você acha que o Hugo aceitaria me emprestar sua voz por uma ou duas semanas?

Ariel riu sem humor.

— Impossível. Ele não gosta de você, Daren. Posso até pedir ao Sabidão para perguntar, mas duvido que o Hugo aceite. Além disso, por que você precisa da voz dele?

— Para o disfarce. Eu já lhe disse, não posso simplesmente sumir com Hugo, ou perderei a confiança do rei. E, se ele me expulsar deste reino, nunca mais poderei ver a Princesa Erika. — Foi a minha vez de segurar as pedras com força. — Eu ainda não estou pronto para sair daqui. Não agora. Erika precisa de mim.

— Você tem umas prioridades estranhas, Daren.

— Ariel?

— O que aconteceu com você? Você não era assim! Por que está tão preocupado com essa humana? Eu não sou mais importante? Achei que nós fôssemos amigos e que eu pudesse confiar em você.

Encarei-o, estarrecido. Pela primeira vez eu o vi com raiva. Seus olhos verdes dardejavam. Não consegui pensar em uma resposta. Uma parte de mim estava tremendo. O rosto de Ariel contorceu-se de dor. Ele o escondeu atrás das mãos.

— Não... Eu estou sendo ingrato — murmurou contra os dedos. — Desculpe! Desculpe... — Ariel afastou as mãos. Seus olhos estavam secos quando me encarou. — Você já está fazendo muito, Daren. Obrigado. Do fundo do meu coração, obrigado.

Abri um sorriso triste.

— Não há de quê, Ariel. Por favor, não fique triste. Eu farei o impossível para salvar Hugo.

— Eu sei. Me desculpe, Daren... Eu só...

Fiz menção de tocar seu rosto, mas recuei.

— Está tudo bem, Ariel. Você só precisa descansar.

Ele assentiu.

— Tem razão, Daren. É melhor eu ir. Até logo. Vejo você em dois dias.

— Até logo.

Ariel sorriu para mim. E mergulhou na água.

 

Mainha querida, eu sei que estou fazendo a coisa certa. E, no fundo, tenho muito orgulho de mim. Eu salvarei um tritão e ajudarei Ariel a reencontrar seu grande amor. Ele vai ficar tão feliz... É a coisa certa a fazer, não é? Eu sei que é... Então, mainha... Explique para mim por que eu estou tão triste.


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Notas finais do capítulo

Hey, people! Como estamos? Desculpem o sumiço. Estive muitíssimo ocupada esses dias por conta dos estudos e de um desafio de escrita do qual participei. A boa notícia é que agora tenho uma nova fanfic de “A Pequena Sereia” chamada “Dahlia, a bruxa do mar”. Trata-se de uma drabble de 31 capítulos que conta a história de Dahlia, a filha de Úrsula. De certo modo, ela é irmã do Daren, mas vive em um universo diferente, onde a Ariel conserva seu gênero original (ou seja, sem genderbend). Quem sabe algum dia eu não escrevo uma crossover em que eles se encontram? Bom, por enquanto é isso. Até logo e não desistam de mim!

Link da fic da Dahlia para quem quiser ler: https://fanfiction.com.br/historia/782530/Dahlia_a_bruxa_do_mar/



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