Pobres almas desafortunadas escrita por Jude Melody


Capítulo 12
Bônus: A paixão de Lilly




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Faltava pouco mais de um mês para o grande musical. O castelo estava uma verdadeira zona de guerra com as criadas nadando de um lado para o outro e Sebastião bradando ordens a quem quer que entrasse em um raio de quinze metros de proximidade. Com tanta bagunça, ninguém poderia culpar Lilly por buscar um pouco de paz nos arredores do reino. Ela mal via Ariel e se sentia a pior amiga do mundo por isso.

— Oh, bolinhas, bolinhas... Eu deveria estar ao lado dele, dando meu apoio e...

Lilly esmaeceu. Havia semanas Ariel exibia o mesmo semblante triste e pensativo. Ele sentia saudades do bruxo do mar, sentia sim! Por que Daren precisara ir embora? Logo quando tudo começava a dar certo entre eles. Era muita maldade! Se Lilly encontrasse o bruxo de novo, usaria suas nadadeiras para esganá-lo e...

— A quem estou enganando? — suspirou a peixinha. — Não há nada que eu possa fazer... Já sei! — Ela rodopiou na água. — Um presente! Vou procurar um presente para Ariel! Ele sempre fica feliz quando levo alguma coisa para ele. Mas preciso de algo especial desta vez...

Ela matutou e matutou. Não era boa cozinheira, então comidas estavam fora de cogitação. Tampouco tinha habilidade com jardins, como a Princesa Alana, ou com costura, como a Princesa Aquata. Sendo bem sincera, Lilly não era bom em nada — exceto encontrar tesouros.

Decidida, nadou para as águas perigosas do oeste.

 

O lugar era conhecido como “O Cemitério”. Tal nome sombrio não era à toa. Muitos navios naufragavam por ali. As sereias normalmente mantinham distância, mas Lilly tinha certeza de que encontraria o presente perfeito se explorasse os destroços. Ah! Se ela ao menos conseguisse parar de tremer...

— Vamos, Lilly. Seja corajosa. Você já enfrentou o bruxo do mar. O que pode ser pior do que isso? Entrar em um navio tenebroso que até parece um tubarão prestes a te devorar não é nada perto do medo que você sentia diante do senhor Daren. Isso mesmo! Isso mesmo! — Ela inspirou fundo. — Vamos lá!

Com um impulso, Lilly nadou em direção a uma abertura no casco do navio e voltou rapidinho.

— Muito bem. A segunda vez é que conta!

E lá foi Lilly outra vez. Fechou os olhos e bateu o rosto em uma parede podre. Ao menos estava dentro do navio. Olhou a seu redor, e era tudo tão escuro e feio. Mas havia algum tesouro incrível por perto. Havia, sim! E Lilly o encontraria.

Ela seguiu por vários corredores, sempre olhando para trás para gravar o caminho da volta. Tentou desenterrar um ou outro objeto, mas a maioria estava quebrada e suja demais para ter qualquer encanto. Ergueu o rosto e avistou um amontado de madeira bloqueando a porta de uma pequena sala. Havia um buraco grande o suficiente para ela passar.

— Pelos mares... — sussurrou, examinando cada cantinho da sala. — Este lugar certamente era muito bonito antes deste navio naufragar. Era, sim!

Lilly aproximou-se do chão, que estava coberto de areia. Alguma coisa faiscou não muito longe, e a peixinha usou a barbatana para relevar o objeto. Era pequeno e branco com detalhes em dourado. Pegou-o delicadamente, movendo-o para avaliá-lo de todos os ângulos. Parecia quebrado, mas era bonito. Era lindo demais.

— Tem uma alça aqui. Talvez Ariel possa transformá-lo em um colar da sorte.

Ela abriu um imenso sorriso. Encontrara o presente perfeito! Agora era só voltar para o castelo e... e...

— Como eu saio desta sala?

Lilly circulou o cômodo por inteiro, mas não conseguiu encontrar o buraco por onde entrara. Seu corpo todo estremeceu. Não era possível...

— Tudo bem, acalme-se, Lilly. Deve haver outra saída.

Procurou até encontrar uma porta que levava a um corredor escuro. A sensação de nadar dentro da garganta de um predador aumentava a cada segundo. Lilly apertou as nadadeiras em torno do presente. Logo se viu presa outra vez.

— Não! Não! Não! — Ela largou o objeto e cobriu os olhos. — Não... Eu não acredito que me perdi. Oh, pelos mares! E agora?

Lilly chorou baixinho, convicta de que ninguém viria salvá-la. Fora uma tola! Uma tremenda tola! E pagaria por seu erro estúpido. Quanto tempo levaria para Ariel se dar conta de que a peixinha desaparecera? Ele saberia encontrá-la? Será que algum dia um tritão corajoso — ou muito ingênuo — decidiria explorar aquele navio e encontraria uma carcaça de Lilly? Ela estremeceu ainda mais. Oh, não! Isso seria terrível!

— Ei, tem alguém aí?

Ela se assustou e emitiu o soluço.

— Tem alguém aí? — repetiu a voz distante.

— So-socorro! Socorro! Tire-me daqui, por favor!

— Onde você está?

— Aqui! Por favor! Salve-me! Estou morrendo de medo!

Lilly ouviu algumas batidas em uma parede próxima.

— Você está aí?

— Sim! Sim!

— Espere um minuto. Eu vou mover.

“Mover o quê?”, pensou Lilly. A parede deslocou-se de repente, assustando-a. Um vulto grande jogou o pedaço de madeira para o lado. A luz finalmente deu sua graça.

— Encontrei você. Está tudo bem? Como veio parar aqui?

— Meu salvador! — exclamou Lilly, atirando-se no ser misterioso. — Obrigada, obrigada, obrigada, obrigada! Oh, desculpe...

Ela se afastou, envergonhadíssima. Para sua surpresa, seu herói apenas riu.

— Uma peixinha! Que doce. Achei que fosse uma sereia perdida.

— Oh, não. Uma sereia não seria tão tola.

— Não tenho tanta certeza. Você está bem?

Lilly reuniu coragem para erguer o rosto e encarou seu salvador pela primeira vez. Era um jovem tritão de pele bronzeada e olhos verde-musgo. E ele tinha o sorriso mais lindo de todos os sete mares. Um sorriso amplo decorado por sardinhas.

— Eu... estou bem...

Sardinhas!

— Que bom. — Ele pareceu aliviado. — Venha. Vamos embora daqui.

Lilly seguiu-o, deslumbrada com sua beleza. Ele era tão jovem e forte e bonito e tinha olhos tão profundos e belos — e sardinhas! Lilly nunca vira um tritão com sardinhas. Quando voltou a si, já estavam fora do navio.

— Pronto. Sã e salva. Tente não se perder outra vez, está bem? Foi uma sorte e tanto eu estar aqui e ouvir seus gritos.

— Sim, sim. Muito obrigada, senhor tritão. Prometo não fazer isso de novo. — Ela abaixou a cabeça, tímida.

— Senhor tritão? Eu não sou tão velho! — Ele fez uma careta indignada, mas logo a suavizou. — Pode me chamar de Hugo.

— Hugo? Que nome bonito...

— Obrigado. E você, peixinha? Como se chama?

— Lilly. Meu nome é Lilly.

— Lilly... É um nome bonito também.

Ela riu abobalhada. Então, deu-se conta de algo importante.

— O presente! Oh, bolhinhas, bolhinhas...

— Presente? — Hugo franziu o cenho.

— Sim... Foi por isso que eu entrei naquele navio, sabe? Estava procurando um presente para um amigo.

— Lugar estranho para procurar um presente.

— Eu queria algo especial. E encontrei um objeto muito bonito, mas me assustei quando percebi que estava presa e... deixei cair...

— Bom, eu não recomendo voltar para lá. Aquele navio está caindo aos pedaços. Por que não tenta procurar alguma outra coisa?

— Sim... — respondeu Lilly, amuada. — Farei isso. Eu acho.

Hugo fitou-a com compaixão.

— Preciso ir agora, Lilly. Minha mãe deve estar preocupada.

— Oh, eu irei também.

— Certo. Até logo, Lilly.

— Até logo, Hugo.

Eles nadaram juntos. Demoraram alguns minutos para perceber que seguiam na mesma direção.

— Você está indo para...? — perguntaram em uníssono.

— Oh...

— Ah — fez Hugo. — Você primeiro.

— Você... está indo para Atlantica?

— Sim. Acabei de me mudar para lá.

— Eu também! — exclamou Lilly. — Quero dizer, eu também moro em Atlantica, mas não acabei de me mudar. Eu nasci em Atlantica.

— Na verdade, eu também, mas estive fora por muitos anos. — Hugo inspirou fundo. — É bom retornar depois de todo esse tempo.

— Bo-bom, já que estamos indo para o mesmo lugar, podemos nadar juntos. O que acha?

Hugo abriu um sorriso imenso.

— Acho ótimo! Detesto nadar sozinho.

 

Nos dias que se seguiram, Lilly encontrou Hugo outras vezes. Ele sabia conversar e contava histórias maravilhosas sobre suas aventuras além do reino de Atlantica. Lilly adorava ouvi-las, mas adorava ainda mais admirar os cabelos de Hugo, seus olhos verdes, suas sardinhas.

— Os seus cabelos são tão bonitinhos, Hugo — disse uma vez. — Dá vontade de tocá-los o dia inteiro.

— Pare com isso, Lilly. Vão achar que você é louca.

— Hum. Tarde demais — comentou um intruso.

Lilly espantou-se e se escondeu rapidinho às costas de Hugo. Mas era apenas Ariel fazendo gracejos.

— Ah. É só você...

— Não vai me apresentar seu amigo, Lilly?

— Oh, oh, claro! — Ela nadou até ficar entre os dois e fez uma pose bastante pomposa. — Ariel, este é meu amigo Hugo. Hugo, este é...

— Príncipe Ariel! — Hugo fez uma profunda reverência. — É um prazer imenso conhecê-lo!

— Não precisa disso tudo... Hugo...

Os dois trocaram olhares. Por alguma razão que não compreendia, Lilly sentiu-se desconfortável.

— Desculpe... — riu Hugo. — É que eu não estou muito acostumado a, você sabe, conversar com príncipes e tudo o mais...

— Você é daqui do reino? Não me lembro de tê-lo visto antes.

Hugo hesitou.

— Quando eu era criança, morava aqui com minha mãe. Mas ela desapareceu. Foi escravizada pelo bruxo do mar.

Lilly encarou Ariel. No silêncio, ela compreendia a mensagem. Ainda era cedo para contar a Hugo. Ele não precisava saber sobre Daren.

— Sem ninguém para cuidar de mim, acabei me perdendo quando saí para procurá-la. Aprendi a me virar sozinho... Passei a viver como um nômade, nunca me fixando em um único lugar... — Hugo balançou a cabeça, e seus cachinhos moveram-se de forma adorável. — Agora que o bruxo do mar se foi, a minha mãe finalmente voltou. Estamos morando em Atlantica desde então.

Ariel parecia congelado. Hugo sacudiu a mão diante de seus olhos.

— Ah... E-eu sinto muito, Hugo.

— Tudo bem. Eu soube que ele também fez coisas horríveis com você. Ai, aquele maldito... — Hugo cerrou os punhos. — Eu queria que o Rei Tritão tivesse matado ele! Você não acha?

— Bem, ele não era tão ruim assim, sabe? — Ariel tentou defender.

— Claro que era! — bradou Hugo. — Ele tirou a minha mãe de mim! Eu o odeio! Às vezes, eu queria fugir e ir atrás daquele desgraçado só para dar um soco na fuça dele!

— Hugo — chamou Lilly timidamente.

— Ele não tinha esse direito! Firmar contratos impossíveis para depois roubar as almas de tritões e sereias inocentes! Que tipo de monstro faz uma coisa dessas? Eu nem mesmo entendo como o Rei Tritão o deixou vivo por tantos anos. Aquele bruxo merecia ser preso e apodrecer em uma masmorra!

— Hugo! — exclamou Lilly, assustando-o. Ela se aproximou e ergueu as nadadeiras. — Inspire. Expire. Inspire. Expire.

Ele obedeceu, respirando devagar. Fechou os olhos, contou dez segundos e abriu um sorriso suave.

— Obrigado, Lilly.

A peixinha sorriu também.

— Ei, Ariel. Eu soube que você está se preparando para cantar no musical — comentou Hugo. — É verdade?

— Sim.

Hugo coçou a nuca.

— Será que eu poderia... assistir aos seus ensaios?

Lilly temeu que Ariel negasse o pedido. Gostava da companhia de Hugo e queria continuar suas conversas com ele por mais alguns dias ou semanas. Mas, se tivesse de escolher qual dos dois acompanhar, não poderia fazê-lo livremente. Afinal, Ariel era seu melhor amigo. E Hugo era apenas um tritão com cachinhos e sardinhas.

— Tudo bem — disse Ariel —, mas você sabe o que dizem sobre o canto das sereias.

 

Hugo não perdia um único ensaio. Sentava-se sobre uma pedra e fitava Ariel com olhos brilhantes. Não demorou muito para que o Rei Tritão notasse sua presença e perguntasse quem era aquele jovem que não desgrudava de seu filho.

— É Hugo — explicou Lilly. — Ele se mudou para Atlantica há pouco tempo. A mãe dele tinha sido escravizada por... você sabe.

— Entendo, entendo. — O Rei Tritão alisou a barba, preocupado. — Hugo, não é? Ele parece ser um bom amigo.

— Sim, sim! Ele me salvou quando fiquei presa nos destroços de um navio! Opa!

— Lilly. — O rei lançou-lhe aquele olhar de aviso. — O que a senhorita andou fazendo?

— Eu não... — Ela abaixou o rosto, envergonhada.

— Não importa. O importante é que esteja bem. Lilly, posso te pedir um favor? Poderia chamar o Hugo? Quero conversar com ele.

— Sim, meu rei. É claro!

Lilly deixou a Sala do Trono e nadou até a casa de Hugo. A mãe dele preparava o almoço enquanto o filho dormia.

— Bom-dia, Lilly! Seja bem-vinda!

— Bom-dia, senhora Runa! O Hugo ainda está dormindo?

— Você sabe que sim.

A peixinha riu e foi acordá-lo. Ele sempre ficava tão lindo com os cachinhos bagunçados! Com alguns resmungos, esfregou os olhos.

— O que foi, Lilly? Por que me acorda tão cedo?

— O Rei Tritão gostaria de falar com você.

Hugo teve um sobressalto.

— O quê?!

O pobrezinho era só tremeliques quando chegou à Sala do Trono após o almoço. Ariel também estava ali. No fim das contas, o Rei Tritão queria apenas expressar sua alegria por saber que o filho tinha um novo amigo e oferecer um convite para que Hugo morasse no castelo.

— Eu? Morar... no castelo?

Lilly arregalou os olhos também.

— E-e-eu agradeço muitíssimo, Rei Tritão. Mas não posso aceitar. Eu... tenho minha mãe e... não quero causar incômodo...

— Não é incômodo algum. Afinal, eu decidi fazer o convite porque era o meu desejo. Mas se você preferir morar com sua mãe nas águas do reino, apenas saiba que sempre terá um lar em meu castelo. Pedirei a Sebastião que reserve um dos quartos de hóspedes para sempre que quiser dormir aqui.

A cor no rosto de Hugo desapareceu.

— Eu não tenho palavras para agrade... — Ele fez uma mesura exagerada e bateu a cabeça no chão. — Ai!

— Papai! — exclamou Ariel com um sorriso. — Está constrangendo o Hugo.

— Não, não é constrangimento nenhum! — O outro se apressou em dizer. — Eu só... Ai, doeu mesmo.

Ariel aproximou-se para examinar o machucado. O rosto de Hugo recuperou a cor. E Lilly ficou desconfiada.

— Papai, já que Hugo frequentará o castelo, posso apresentá-lo às minhas irmãs?

— Mas é claro! — O rei abriu um sorriso luminoso. — Por favor, tenho certeza de que elas adorarão conhecê-lo.

— Perfeito! Venha, Hugo.

Ariel segurou sua mão e o puxou pelos corredores. Lilly foi atrás, perguntando-se o que era aquela sensação esquisita. Não demorou muito para que chegassem à sala de recreação das princesas. Estavam todas reunidas ali, penteando os cabelos, cantando e trocando ideias.

— Irmãs, trouxe um amigo para apresentar a vocês — anunciou Ariel, arrastando Hugo para dentro do quarto. — Este é Hugo. Digam olá a ele.

As sereias viraram os rostos, examinando Hugo de cima a baixo. Como Lilly já esperava, as gêmeas Arista e Andrina aproximaram-se em um rompante com seus costumeiros gritinhos. Attina, a mais velha, apenas meneou a cabeça.

— Você é tão bonito — disse Andrina.

— Olhe esses músculos — admirou-se Arista.

— Vocês duas! Irão assustá-lo assim! — reclamou Ariel.

Hugo exibiu um sorrisinho sem graça, e as gêmeas gritaram e riram. Lilly balançou a cauda de nervosismo.

— De onde você é, Hugo? — perguntou Andrina.

— Como conseguiu esse bronzeado?

— Bom, eu tenho explorado a superfície nos últimos anos.

Elas resfolegaram de surpresa.

— É mesmo? — Adella interessou-se. — Você já explorou a superfície? Como é lá?

— Bom... Meio seco.

Adella ficou estupefata com a declaração.

— Seco... Como será isso?

— Você não tem medo dos humanos? — Aquata entrou na conversa.

— Bom, eu... — Hugo olhou de soslaio para Ariel. — Não, não tenho medo algum!

Todas as quatro exclamaram de surpresa.

— E você já viu humanos? Como eles são? É verdade que não possuem cauda como nós?

— Que pergunta estúpida, Adella — repreendeu Arista. — Você sabe que não.

— Oh — fez Aquata. — Você tem sardinhas.

Elas começaram a falar sem parar e nem mesmo Ariel conseguia entender o que estavam dizendo. Lilly enfiou-se no meio daquela bagunça.

— Princesas, princesas! Estão sufocando o pobrezinho. Deixem ele tomar um pouco d’água!

— Oh, desculpe — Adella afastou-se, mas Aquata e as gêmeas continuaram a circundá-lo.

— Como conheceu Ariel? — perguntou Andrina.

— Você canta também? — indagou Aquata.

— Você tem namorada?

Todos olharam para Arista.

— O que foi?

Hugo riu de nervoso.

— Não. Eu não tenho namorada.

As sereias gritaram.

— Agora já chega, meninas — disse Attina. — Deixem o pobre tritão em paz.

— Mas, Attina!

— Não seja estraga prazeres!

— Estamos nos divertindo.

— É. Conte-nos mais sobre os humanos, Hugo.

Ele exibiu um sorriso sereno.

— Outro dia. Eu prometi a Ariel que acompanharia seu ensaio hoje à tarde.

As princesas amuaram. Adella foi a primeira a se recuperar.

— Tudo bem. Divirtam-se!

Ariel balançou a cabeça, incapaz de conter o riso diante da festa das irmãs. Guiou Hugo até a sala de ensaios. Lilly vinha logo atrás.

— Desculpe por isso. Minhas irmãs são um pouco... extrovertidas. Com exceção da Alana; ela é muito quieta.

— Qual era a Alana?

— A de cabelos negros. Ela não gosta muito de conversar. Prefere ficar em seu jardim.

— Gostei dela. E as outras?

— Andrina e Arista são as gêmeas. Elas são as mais agitadas. Têm só treze aninhos.

— Mas já estão ansiosas para namorar. — Lilly entrou na conversa. — O Rei Tritão tem muita dor de cabeça por causa delas. Tem, sim!

— A mais velha é a Attina. Ela parece um pouco mandona, mas é muito gentil.

— É a que usava a coroa de cinco pontas?

— Essa mesma.

— E as outras duas?

— A que te perguntou se você canta é a Aquata. A que te perguntou sobre os humanos é a Adella.

— Adella. Gostei dela também.

Ariel sorriu.

— Irá gostar de todas com o tempo.

— Eu espero que sim.

— Elas são boas amigas — disse Lilly, mas Hugo não estava prestando muita atenção.

— Attina, Alana, Aquata... Ah! Eu não sei se conseguirei gravar os nomes de todas elas!

— Você vai conseguir. Apenas não troque os nomes das gêmeas. Elas odeiam isso.

Hugo estremeceu.

— Como posso diferenciá-las?

— Arista sempre usa um rabo de cavalo. Bom, quase sempre, pelo menos. Andrina gosta de usar o cabelo curto, como o meu. Papai não gostou muito no começo, porque acha que ela parece um tritão...

— Eu achei que ficou bonito. — Hugo deu de ombros.

— Ela ia adorar ouvir isso! — Ariel prensou os lábios. — Hugo?

— Sim?

— Você canta?

Hugo pareceu hesitar.

— Na verdade, não muito. Minha mãe diz que sou um bom cantor, mas... Eu sinceramente não acho que seja tão bom.

— Oh... Que pena.

Os dois trocaram olhares. Ariel fez menção de dizer alguma coisa.

— Mas ele é um excelente contador histórias, não é mesmo, Hugo? — observou Lilly. — E me contou histórias fascinantes sobre suas explorações.

— Isso é legal, Hugo. Gostaria de ouvir suas histórias algum dia.

— É claro. Mas hoje nós vamos ouvi-lo cantar.

Ariel abriu um sorriso tímido e nadou até o palco. Lilly sentiu certo alívio com o fim da conversa. Ao menos até olhar Hugo de soslaio e perceber o quanto ele estava concentrado na canção de Ariel.

 

O grande dia finalmente chegou. Lilly estava preocupadíssima com a possibilidade de Ariel surtar e fugir no último minuto, como acontecera em seu casamento. As princesas estavam no quarto se arrumando, e Sebastião gritava com todo mundo que se aproximasse dele. Em meio àquele caos, ficou abobalhada por esbarrar em Hugo.

— Oh, Hugo! Mil perdões!

— Eu que me desculpo, Lilly. Estava distraído.

Ele lambeu os lábios, e a peixinha sentiu um tremor estranho. Acontecia assim de repente. Eles estavam conversando, e ela fitava seus cachinhos, suas sardinhas, seu sorriso, e aquele tremor surgia sem convite ou aviso. Deixava Lilly sem saber o que dizer ou pensar, pois os segundos pareciam congelados até que Hugo repetisse seu nome várias vezes.

— Lilly? Lilly?

— Si-sim, Hugo?

— Eu perguntei se você viu o Ariel. Queria entregar isto a ele.

Hugo ergueu um colar de concha. Ela era pequena, delicada. E roxa.

— Ariel disse uma vez que roxo era sua cor favorita. Eu procurei bastante até encontrá-la. Fiquei feliz...

Ele sorriu serenamente, os olhos fixos na concha.

— Não... Eu não o vi.

— Entendo. Vou procurá-lo, então. Melhor você ir na frente, Lilly. A apresentação já vai começar.

— Sim, sim. Eu já vou...

Hugo afastou-se sem se despedir. A peixinha sentiu os segundos congelarem de novo, mas os cachinhos não estavam ali, as sardinhas não estavam ali, e o sorriso tinha ido embora. Ela nunca soube realmente como encontrou o caminho até o Auditório Real. Juntou-se às irmãs de Ariel, que fofocavam baixinho. Uma delas perguntou:

— Está tudo bem, Lilly?

— Sim, sim.

Ela piscou algumas vezes, e Ariel estava no palco. Parecia muito nervoso. Lilly sabia melhor do que ninguém o quanto ele ainda tinha medo de cantar em público. Em seu peito, uma concha roxa.

No final das contas, Lilly não precisava se preocupar. Ariel cantou divinamente.

 

As princesas fizeram uma algazarra quando receberam o irmão. Até Attina estava êxtase e não parava de elogiá-lo. Lilly balançava a cabeça, concordando com tudo.

— Ariel, oh, Ariel! Foi incrível! Foi lindo! Divino!

— Obrigado, Lilly.

— Eu adorei, adorei, adorei — disse Aquata. — Você cantou com tanto sentimento.

— Isso merece uma festa do pijama! — exclamou Andrina.

— A noite hoje não vai acabar! — completou Arista.

— Meninas, Ariel deve estar cansado.

— Mas...

— Não seja chata, Attina!

— Não, eu... Desculpe, meninas. Eu estou um pouco cansado mesmo. Acho que já vou dormir.

— Ah...

— Mas, Ariel!

— Só um pouquinho de festa.

— Meninas!

Elas fizeram careta para Attina.

— Tudo bem — resmungou Adella. — Boa-noite, Ariel. Descanse bem.

— Boa-noite, irmão — disse Attina.

— Boa-noite! — exclamaram as outras, exceto Alana, que se limitou a sorrir.

Ariel agradeceu e se retirou do camarim. Lilly seguiu-o em silêncio.

— Obrigado pelo apoio, Lilly. Preciso descansar agora.

— Tudo bem, Ariel. Você merece. Foi uma linda música. Belíssima! Foi, sim.

— Obrigado.

O sorriso dele se desmanchou. Lilly sentiu um aperto no coração.

— Tenho certeza de que o senhor Daren amaria muito a música.

Os olhos verdes de Ariel tornaram-se opacos.

— Ele não veio me ouvir...

Lilly não soube o que responder. Tentou pensar em algo com todas as forças, mas as palavras não queriam colaborar. Quando percebeu, Ariel já estava distante. Tentou segui-lo de longe, mas faltava coragem. Pensou em desistir e voltar para casa. Até ouvir a voz de Hugo.

Os dois estavam parados em um corredor. Não era possível ouvir o que diziam. Lilly aproximou-se devagar, escondendo-se atrás de uma estátua decorativa. Descobriu que não precisava das falas. O contexto em si já dizia tudo. Por isso, ela não se surpreendeu quando Hugo perguntou:

— Você se lembra do que dizem sobre a canção das sereias?


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Notas finais do capítulo

Hey, people! Como estamos? Eu amei escrever este capítulo! É muito divertido trabalhar com as irmãs do Ariel, principalmente as gêmeas. Como vocês podem ver, eu fiz várias alterações, seguindo o que seria mais conveniente para a história que planejei. Por isso, não esperem personalidades fieis aos filmes ou à série animada, ok? Até porque eu me baseei na Wikia para escrever as cenas delas... Mas me contem! De qual irmã vocês gostaram mais nessa nova versão? Quais delas vocês querem ver nas próximas temporadas? Até breve! Vejo vocês nos comentários!



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