Pobres almas desafortunadas escrita por Jude Melody


Capítulo 11
Arco 2 - Parte 8




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Em menos de três dias, a piscina do tritão estava pronta. Grimsby era só orgulho na tarde de inauguração. O Rei James não cabia em si de felicidade. A Rainha Helena estava em silêncio. Erika não aparecera.

— Resfriado — explicou-me Henrique serenamente. — E pensar que demorou tanto tempo para a princesa sentir os efeitos do naufrágio.

Fiquei me perguntando se ele preferia que ela tivesse morrido. Ou que eu tivesse morrido.

— Onde está o tritão? — perguntou Elliot. Ele fora um dos designados para cuidar da limpeza da torre.

— Quieto, Elliot. — O capitão repreendeu-o. — Já não lhe disse que uma das maiores virtudes de um homem é a sua discrição?

— Desculpe, senhor!

Elliot não precisou esperar muito. Os guardas logo adentraram a torre, carregando uma enorme banheira. Com cuidado, eles despejaram seu conteúdo na piscina. O tritão inconsciente afundou na água e depois emergiu, abrindo os olhos. O medo estampou-se nos orbes verdes. Ele bateu a cauda e nadou para o extremo do antigo chafariz, que dava em uma das paredes da torre.

— Excelente! Excelente, senhor Grimsby! — exclamou o rei. — Excelente trabalho!

O conselheiro empertigou-se, felicíssimo com os elogios. A piscina era razoavelmente grande e funda o suficiente para que um homem adulto de estatura mediana ficasse de pé dentro dela. Mesmo assim, eu sabia que aquele espaço era uma verdadeira prisão para o jovem cativo.

— Querido, deixemos a pobre criatura descansar — pediu a rainha. — Os últimos dias foram estressantes para ela.

— O quê? Ah, sim, sim, claro. Capitão Henrique, por gentileza, providencie alguns guardas para vigiarem o tritão, certo? Não quero que ele fuja.

Henrique bateu continência.

— O tritão estará seguro sob a vigilância da Guarda Real, Majestade.

— Ótimo! Venha, querida. Retornemos ao castelo.

O Rei James virou-se com elegância e se retirou. A esposa seguiu-o, cabisbaixa. Antes de deixar a torre, ela olhou para trás, olhou para mim. Tive a impressão de ver seus lábios se movendo. Eles diziam “salve-o”.

Ah, mainha, do jeito que as coisas estão indo, eu precisarei de uma salvação também.

 

A noite já caíra quando eu decidi visitá-lo. Segui meu caminho pelas árvores rosadas, que pareciam negras sob o céu escuro. Os guardas recolheram suas armas quando pedi permissão para entrar na torre. Meus passos ecoaram pelo chão de pedra. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que havia outra pessoa no local, um rapaz baixinho com os cabelos castanhos soltos ao redor do rosto. Elliot inclinava-se sobre a beirada da piscina, fitando fascinado o tritão que cantava para ele, estendendo-lhe os braços. Apenas eu entendia suas palavras.

 

Onde eu nasci,

onde é meu lar,

onde sereias estão a cantar...

Venha para mim,

perto de mim,

para o meu lar.

 

Puxei o garoto com violência pela gola da camisa. O tritão nadou para longe, acuado por meu movimento. Elliot tropeçou nos próprios pés quando eu o soltei.

— Moleque idiota! Não sabe que a canção das sereias é sedutora? Aquele tritão até estava estendendo os braços para puxar você! Ele ia te afogar!

Ele olhou para mim com uma expressão deplorável. Estremecia quando tentou responder:

— De-desculpe, senhor Daren. Eu só estava secando a água do chão, quando ele fez uns gestos me chamando e eu...

— Moleque idiota... — Esfreguei o rosto, exausto. — Não percebeu o plano dele? O tritão queria te afogar para chamar a atenção dos outros guardas. Deve ter acreditado que, com isso, criaria uma chance de fugir.

Elliot esfregava o braço, humilhado. Eu começava a entender um pouco melhor o seu discurso sobre sempre fracassar.

— Eu só não queria que ele ficasse sozinho... — murmurou, como se tentasse justificar a própria estupidez.

Deixei escapar um suspiro. Pousei minha mão sobre sua nuca.

— Às vezes, nossas intenções são boas, mas nossos atos são tolos. Tome cuidado com isso, está bem? A Princesa Erika ficaria triste se você morresse de um modo tão estúpido.

Mesmo na penumbra do interior da torre, eu pude ver que Elliot corava. Ele assentiu algumas vezes e depois se afastou, anunciando que retornaria a sua casa. Antes de abrir as portas, olhou para mim.

— Obrigado, senhor Daren. A princesa tem razão. O senhor é um cara legal. — E foi embora sem dizer mais nada.

Desgraça! Quem corou depois daquela fui eu! Ainda esfregando o pescoço, sentei-me na beirada da piscina e busquei pelo tritão. A única luz ali vinha das janelas estreitas. Feixes de luar que caíam cálidos sobre a água, sobre o meu corpo e sobre o olhar desconfiado do jovem que me fitava.

Quem é você?

Ele se assustou quando me referia a ele. Eu apenas sorri em resposta. Em um gesto inconsciente, toquei minha concha mágica, lembrando-me dos dias em que vivera no mar.

Você... fala a minha língua?

Dei de ombros.

Pode-se dizer que sim.

O tritão permaneceu onde estava, bem longe de mim, quase colado na parede. Seus olhos brilhavam com o mesmo fascínio que antes estivera presente em Elliot.

Pelos mares...

Eu ri.

Os humanos costumam dizer “pelos céus”. Curioso, não acha?

O tritão aproximou-se um pouquinho. Só um pouquinho.

Quem é você?

Eu despi minhas botas e dobrei as calças até a altura dos joelhos. Mergulhei minhas pernas na água, que estava fria.

Pode me chamar de Daren. E você é?

Ele hesitou. Ainda não confiava em mim.

Hugo.

Eu não reconheci seu nome. Na verdade, conhecera pouquíssimos tritões antes de vir para a superfície.

É um nome bonito. Está com medo, Hugo?

Ele riu sem humor.

Apavorado.

Eu assenti, compadecido. Algo naquele rosto choroso, naquele semblante inquieto, lembrou-me Erika. E a própria Erika lembrava-me Ariel.

Eu vou te tirar daqui, Hugo.

Ele olhou para mim, incrédulo.

É uma promessa.

 

Tantas vezes eu procurara consolo no som do mar. Aquela noite não era diferente. Sentado no cais, eu observava os barcos dançando serenamente. Visitara Hugo pela segunda vez, mas ele se recusara a conversar comigo. Acho que tinha medo de mim. Os guardas me segredaram que costumavam ouvi-lo cantar durante a noite. O tritão cantava em uma língua que eles desconheciam, mas julgavam ser muito bela.

— Ei. — Elliot tocou meu ombro, surgido do próprio vento.

— Não deveria estar na cama, moleque? Já é tarde — respondi sem olhar para ele.

— Não sou moleque — ele resmungou, sentando-se ao meu lado. — Escute, eu ouvi alguns boatos...

— Sobre?

— O tritão.

Esfreguei os olhos, cansado.

— O que tem ele?

— O rei quer vendê-lo.

Congelei. O receio espalhou-se por minhas entranhas.

— Vender Hugo?

Elliot franziu o cenho para mim.

— O nome dele é Hugo?

Gaguejei. O nome escapara sem querer.

— Bom, ele precisa de um nome, não é? Pensei em chamá-lo de Hugo.

— Ah. — Elliot deu de ombros. — Certo, então.

— Mas você dizia...

— Bem, eu não sei todos os detalhes, porque meio que espionei uma conversa do Capitão Henrique com o Grimsby, mas... parece que o reino está precisando de uma grana extra para resolver alguns assuntos... ou que ele tem uma dívida importante com um reino vizinho, algo assim... A questão é que...

— Vá direto ao ponto, moleque!

— O Rei James quer vender o tritão, o Hugo, para o reino de Arendelle. Grimsby está cuidando das tratativas. Se tudo der certo, ele será levado embora daqui a dois ou três meses.

Trinquei os dentes. Aquela informação era uma lástima. Uma terrível e profunda lástima.

— Achei que o senhor gostaria de saber...

Pela segunda vez, eu pousei minha mão sobre sua nuca.

— Sabe, moleque, às vezes você até que é prestativo. Não vou te transformar em uma esponja.

— O quê?

Fiquei de pé e alonguei as pernas. Precisava encontrar alguém. Precisava encontrá-lo o quanto antes.

— Eu estou indo, Elliot. Preciso voltar ao castelo e descansar, pois amanhã será um dia longo. Boa-noite!

Ele não respondeu. Fitava um ponto distante no mar.

— Está tudo bem, moleque?

Elliot balançou a cabeça.

— Desculpe, é que, por um instante, eu poderia jurar ter visto um bater de cauda perto da torre. Talvez tenha sido só impressão minha.

Arregalei os olhos, assombrado.

— Não... não foi impressão.

Elliot não entendeu nada.

 

Encontrar a princesa não foi nada fácil, mas, quando o assunto era ela, eu parecia ser agraciado com um pouquinho de sorte. Perambulando pelos corredores do castelo, ouvi uma das criadas dizendo que Grimsby acompanhava Erika em um passeio pela cidade. No mesmo instante, dei meia volta e saí em busca da carruagem real. Vaguei pelas ruas durante horas até me deparar com aquele rostinho que só me causava desgosto.

— Senhor Daren!

— Ah, mainha, que pobre alma desafortunada sou eu... — murmurei, esfregando o rosto.

— Você chama a sua mãe de “mainha”? — Elliot conteve o riso. — Que gozado!

— Que raio de palavra é essa? Tenha modos, moleque! — Dei-lhe um safanão. — Faça algo de útil e me diga se viu a carruagem real por aí.

Ele balançou a cabeça.

— Não vi, não, mas ouça! Hoje de manhã, quando andava pela praia, eu vi uma coisa muito, muito estranha.

Fitei-o com interesse.

— E o que seria?

Os olhos tempestuosos de Elliot arregalaram-se. A expectativa era grande.

— Uma gaivota.

Minha mão chegou a brilhar com o feitiço que imaginei.

— Mas não era uma gaivota comum! — prosseguiu o moleque, sem se dar conta de minha alteração. — Ela voava sozinha. Sozinha mesmo, sabe? Longe do bando. Ou seja lá como se chama um grupo de gaivotas. E pousou em uma das janelas da torre em que está o tritão. E ficou lá por bastante tempo. Curioso, não acha?

Passei a mão pelos cabelos.

— Sabe, moleque, algum dia a humanidade evoluirá o bastante para estudar casos como o seu.

O pobrezinho franziu o cenho sem compreender.

— Agora, se me dá licença, eu preciso encontrar a princesa.

Passei por ele, andando a passos largos. Estava quase virando a rua quando ouvi sua voz irritante de novo. Elliot sorria para mim, esfregando o queixo.

— Ah! A princesa! Bom, eu meio que sei onde ela provavelmente está, mas por que deveria revelar esse segredo a um camarada que me chama de “moleque” e sugere que eu sou idiota?

Virei-me para ele, prensando os lábios. O maldito testava todos os meus limites. Ele quase fazia o Henrique parecer uma pessoa agradável.

— Para começo de conversa, eu não sugiro. Eu digo explicitamente que você é idiota. Segundo... — Naquele momento eu entendi, como eu entendi, o significado da expressão humana “o sangue fervia”. — Que história é essa de segredo?

O sorriso de Elliot era impagável.

— Oh, ficou irritadinho, é? Não me diga que está com ciúmes.

— Desgraça! Cuida das tuas palavras, moleque! Cuida delas, que eu já não tenho paciência contigo!

— O quê?! Por que você começou a usar a segunda pessoa do nada? E depois sou eu quem preciso ser estudado...

— Já chega! Eu vou te transformar em um molusco se não parar com isso agora! — bradei, avolumando-me sobre ele.

Elliot recuou. Atitude sábia. Só de olhar meus olhos em chamas, compreendeu perfeitamente o seu lugar. Acho que estava olhando para ele da mesma forma que a Erika às vezes encarava as pessoas.

— Desculpe! Desculpe! Eu vou parar. É só que... — Ele esfregou o braço. — Você parece gostar dela de verdade... Eu acho isso legal...

Suspirei. Acho que estava fazendo muito disso ultimamente.

— Que segredo é esse, Elliot?

O moleque aproximou-se de mim, fazendo um gesto para que eu abaixasse a cabeça. Quando voltou a falar, estava sério.

— Existe um lugar do qual ela gosta. Para onde ela sempre vai quando quer ficar sozinha. É um lago na floresta que rodeia a cidade.

— E como você sabe disso? — grunhi. — Por que ela te contou esse segredo?

E não contou para mim... Claro que eu não expressei esse pensamento.

Elliot deu de ombros.

— Porque eu sou o único no mundo, além do Max, é claro, que não vive dando ordens a ela.

 

— Porque eu sou o único no mundo que não vive dando ordens a ela — falseei a voz como um idiota enquanto descia a estrada. — Francamente, se eu algum dia encontrar a mãe desse garoto, eu a jogo no mar com ele!

— Então, você vai ter de ressuscitar os mortos — respondeu uma voz calma.

Olhei a meu redor. Erika estava parada alguns passos diante de mim, fitando-me com aqueles orbes azuis. Pelo seu semblante, soube imediatamente que ela tinha plena consciência de quem eu estava falando. Senti a vergonha colorir meu rosto.

— Eu proponho uma brincadeira. Eu faço de conta que não te vi aqui, provavelmente foragida das garras do Grimsby, e você faz de conta que não me ouviu falando com aquela vozinha fina deplorável.

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Brincar de faz de conta? Que idade você acha que eu tenho?

— O suficiente para fugir de Grimsby e brincar de princesa solitária em um lago.

Erika fez beicinho.

— Eu sou princesa. E eu sou solitária. E quem foi que disse que eu estava aqui?

Estendi os braços, sorrindo.

— O seu namoradinho Elliot.

— Ele não é meu namorado — ela rebateu na mesma hora.

— Ótimo. Menos um para levar uma surra. Que história é essa de ressuscitar os mortos?

Erika virou o rosto, observando a estrada por um instante. Quando respondeu, ainda não olhava para mim.

— A mãe do Elliot morreu quando ele era criança. O pai havia abandonado os dois. Ela ficou doente... Não conseguiu suportar. Desde então, ele se juntou à Guarda Real. Ou pelo menos tentou. Só o aceitaram como faxineiro.

Virou-se para mim, os olhos queimando mansamente, como quem espera um suspiro ou uma palavra de compaixão. Aproximei-me dela.

— Se esse era um discurso para me fazer gostar do moleque, sinto lhe dizer que fracassou. — Cruzei os braços. — Ele continua sendo um idiota.

— Um idiota que me dedurou. — Ela riu.

— Onde está Max?

— Com Grimsby. Max provavelmente o fará rodar a cidade inteira à minha procura. — Erika deu de ombros, travessa. — Obviamente, não irão me encontrar. Mas, diga-me, Daren, essa não era a pergunta que você queria fazer, não é mesmo?

Grunhi baixinho, desviando o olhar.

— Por que ele?

— Ora, porque ele é o único no mundo, além do Max, é claro, que não vive me dando ordens. — Ela deu alguns passos adiante e me fitou por cima do ombro. — Você vem ou não?

 

— Arendelle, claro — murmurou Erika, alisando seu vestido de passeio. — Meus pais são amigos do rei e da rainha de lá. Vender o tritão para eles seria uma boa forma de estreitar o laço entre os reinos e conseguir uma pequena fortuna para melhorar nossa Frota Real. Você sabe melhor do que eu o quanto meu pai é ambicioso. Ele quer explorar todos os mares, mostrando ao mundo o poder do Rei James.

— Muito bonito, mas esse é um plano que, infelizmente, terá de fracassar — respondi em tom seco.

Nós dois dividíamos um pequeno barco. Eu remava com algum esforço, praticamente girando em círculos dentro do pequeno lago.

— Os guardas dizem que o tritão canta todas as noites. Uma canção triste e sofrida... Eu quero libertá-lo. — Eram palavras simples, mas sinceras. Percebi no olhar de Erika o quanto ela acreditava em mim.

— Sabe... — ela murmurou. — Há mais ou menos dois anos, alguns marinheiros ouviram alguém cantando na praia em uma língua esquisita... Eu me lembro de ouvir Henrique comentando sobre o assunto, dizendo que os marinheiros estavam muito bêbados e tinham escutado coisas... Mas Elliot me disse que o tritão que meu pai mantém cativo canta em uma língua que ninguém entende... Eu fico me perguntando... Será essa a primeira vez que uma criatura do mar aparece em nosso reino?

Descansei um pouco, pousando os remos sobre as pernas.

— Eu não sei. Não é do feitio das criaturas do mar deixarem o oceano.

— Você parece saber muito sobre elas, Daren. — Erika fitou-me com seus olhos profundos. Os olhos que queimavam. — Às vezes eu acho que está escondendo alguma coisa de mim...

Toquei a concha por instinto. Era um artefato mágico capaz de me transformar quando eu bem desejasse. Um dos mais valiosos feitiços que minha mãe me ensinou antes de morrer. Eu achava curioso. Sempre que me tornava humano, sentia como se explorasse uma pequena parte de mim. Uma parte que sempre estivera escondida. E eu tinha certeza de que era essa parte que me permitia ser amigo de Erika.

— Está ficando tarde. — Busquei a estrada que nos levaria de volta à cidade. — Vamos voltar antes que Grimsby acione a Guarda Real.

Voltei a remar, aproximando-me da margem com certo transtorno. Ajudei Erika a descer, segurando aquela mão pequenina que não contrastava tanto com meu tom de pele. Ela olhou para mim com o mesmo ar de súplica que me lançara no castelo.

— Por favor, salve o tritão, Daren.

Sorri.

— Por favor — implorou com um fiapinho de voz.

Compartilhei da tristeza dela, sentindo o peso acumular-se em meus ombros. Responsabilizar-se por uma vida não é algo simples. Eu o sabia muito bem.

— Eu sempre cumpro minhas promessas, Erika.

Ela beijou meu rosto. Depois se afastou sem me dar uma chance de responder.

 

Quando eu cheguei à torre naquela noite, encontrei os guardas quase dormindo. Na verdade, “dormindo” não era a melhor palavra. Eles pareciam enfeitiçados. Naquele torpor, creio que abririam a porta para qualquer um. Adentrei o pequeno salão circular. Não muito distante estava o chafariz. Sentado na mureta de pedra, iluminado por um feixe de luz prateada, Hugo movia os lábios em uma inebriante sintonia.

 

Sha-la-la-la-la-la

Não perca a fé

Me encontre se puder

Neste imenso mar.

 

Sha-la-la-la-la-la

Essa paixão

Domina o coração

Do príncipe do mar...

 

Ele cantava em um tom lento e triste, como um marinheiro que perdeu seus amigos após uma cruel tempestade. Eu podia sentir a dor. Era um martírio que cortava a pele, espalhando-se pelas entranhas até não restar mais nada em seu caminho. Eu compreendia, pois já havia sentido aquela dor antes. Vívida em minhas lembranças, em meu rosto, em meu ser. Aquela canção mostrava-me a morte de minha mãe outra vez.

Hugo...

O jovem olhou para mim, assustado. Havia lágrimas em seus olhos. Lentamente, um passo de cada vez, aproximei-me dele. Toquei seus cabelos — eram mesmo cacheados, do jeito que Elliot descrevera — e beijei sua testa. O olhar verde era de puro assombro.

Eu vou te salvar. Dê-me alguns dias. Confie em mim.

Hugo saltou para a água, nadando para longe. Eu não podia censurá-lo. No lugar dele, agiria do mesmo jeito. Só queria que confiasse em mim. Eu era o único que poderia salvá-lo de seu destino. Mas, quando estendi o braço, tentando alcançá-lo, tudo o que encontrei foi o olhar vazio, como se planta fosse.

 

Caminhando pela areia, eu repassava meus conhecimentos. Não eram muitos. Tudo o que sabia fora contado por Erika e Elliot. A julgar pelo que diziam, era provável que a negociação com Arendelle fosse conduzida com urgência. Eu ainda tinha tempo, mas precisava agir rápido. Do contrário, Hugo enlouqueceria.

Estanquei.

A noite preenchia meu mundo. Eu podia ouvir o burburinho do mar, o balanço distante dos barcos... Meus pés deixaram a areia, rumando em direção ao porto. Sentei-me na beirada do cais, solitário naquela escuridão fria. Nada além da água, do vento e da madeira. Fechei os olhos, permitindo-me sentir tudo. Uma canção antiga escapou por meus lábios.

Abri os olhos.

Diante de mim, ele surgiu. Tímido, lento, como uma magia que aos poucos toma forma. Abandonou as trevas entre os barcos, entregando-se à luz de prata que me banhava. Os cabelos não dançavam ao seu redor. Mas os olhos... eram verdes.

Sorri outra vez, inclinando-me para frente.

— Olá, Ariel.


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Notas finais do capítulo

“Sabe, moleque, algum dia a humanidade evoluirá o bastante para estudar casos como o seu.” Essa é uma das minhas citações favoritas do Daren. *risos* E vocês? De qual fala do Daren mais gostaram até agora?



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