- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 9
Nove


Notas iniciais do capítulo

Obrigada pelos comentários, eles me ajudam a pensar no que escrever/desenvolver :)



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Não fazia três dias que Maura tinha chegado em sua casa mas o espaço que sua presença ocupava já era imenso. Jane podia enumerar: as frutas e legumes que ela própria nunca comia em sua geladeira, as roupas (que ainda eram poucas) na máquina de lavar, dois cobertores em cima do sofá, um par de tênis e outro de pantufa colocados ao lado da porta principal, vitaminas e remédios em cima da bancada da cozinha, e agora o mais novo acréscimo que a morena mostrava para a mulher mais baixa: uma cama novíssima de casal no segundo quarto da casa.

'O que?' Jane perguntou quando Maura olhou para ela um tanto quanto perplexa. 'Você achou mesmo que eu deixaria você dormir no sofá para sempre? Além disso, não me leva a mal, mas eu realmente sinto falta de ver meus jogos de baseball lá.'

Quando Maura abaixou a cabeça, Jane se deu conta de que sua frase foi mal interpretada. Era apenas para ser uma brincadeira, um momento de descontração, mas possivelmente a loira pensou que sua colocação tinha sido uma forma de expressar incômodo com sua presença. 'Ei, Maura, eu tô brincando. Eu tenho uma TV no meu quarto que, diga-se de passagem, torna tudo mais confortável para mim.'

'Eu, ahn...' Ela começou, mas apertou as mãos na bainha da blusa e se calou.

'Além disso, eu precisava mesmo dar um jeito nesse quarto. Você vai ter que me desculpar pelas caixas de papelão ali no canto, eu provavelmente vou demorar um pouco mais para colocar tudo no lugar, talvez uns trinta anos.'

A loira se virou lentamente para ela, com um leve sorriso no rosto dessa vez. Ela cruzou os braços sobre o peito e abaixou os olhos antes de falar.

'Obrigada, Jane. Eu não poderia pedir por mais.'

Jane pensou em tocá-la no ombro para fazê-la se sentir confortável, quem sabe querida ali. Mas considerando toda sua situação, a morena achou melhor não encostar nela. Não sem pedir, nem sem uma permissão. Mas o feitiço to toque se quebraria e perderia todo o sentido se fosse anunciado antes, então ela apenas sorriu e meneu a cabeça. 'Você pode pedir qualquer coisa que precise, ok?'

Ela assistiu quando Maura concordou com a cabeça. Ela lançou um olhar para Bass, o jabuti que estava à centimetros da cama, assistindo com curiosidade (Jane pensou que assim era) a interação entre as duas. Ela riu levemente consigo mesma e balançou a cabeça. Maura deveria ser uma figura, considerandoo gosto por animais de estimação que tinha. Com um pouco de tristeza, ela se lembrou de que não sabia ainda quase nada sobre ela. Não sabia absolutamente nada de sua família ou amigos, no que trabalhava e o que gostava de fazer no tempo livre. Ela não sabia quem Maura era antes do que tinha acontecido com ela, e não sabia muito mais do que ela sabia sobre ela agora. Alguém traumatizada; que tinha medo de pessoas, medo de ser tocada. Que tinha medos que Jane ainda viria a descobrir. Alguém que, aparentemente, tinha um interesse por múmias. Claro, Maura não poderia ser reduzida apenas pelo que lhe restara depois de seu sequestro. Uma curiosidade crescente e insaciável desenvolvera em torno daquela mulher. A cada detalhe que Jane aprendia sobre ela, ela queria saber um novo.

Decidindo que era melhor sair do quarto - Maura ainda parecia exausta, e Jane desconfiou de que esse estado de cansaço duraria mais do que alguns dias apenas - ela pediu licença, disse que estaria na cozinha se ela precisasse de algo e se retirou.

O dia passou devagar e preguiçoso. Jane se certificou de que Maura comesse de duas em duas horas, e embora ela sempre pressionasse um pouquinho para que a mulher ingerisse a quantidade correta de comida, algo sempre era deixado de lado no prato. No meio da tarde Maura decidiu tomar um banho e se livrar do cheiro do hospital grudado em sua pele. A conversa que ambas tinham era sempre das mais curtas, apenas o necessário. Naquela tarde, porém, Jane tentou se aproximar um pouco mais.

Ela ajudou Maura a enfaixar o punho de volta - tentando manter a respiração calma ao notar a crueldade com que a mancha roxa abraçava a pele tão fina que parecia que iria se rachar e sangrar ao mais delicado toque. Depois disso, ela notou a dificuldade que a outra tinha em escovar o cabelo, algo tão simples mas que parecia lhe causar imensa dor. Talvez suas costelas estivessem doloridas. Talvez cortes e abrasões se manifestassem ali também, mas Jane não descobriria tão cedo, e não poderia dizer com certeza.

Ela simplesmente ofereceu para escovar o cabelo de Maura, então.

'Você se importa?' Ela pediu, indicando com o dedo a escova.

Maura pareceu indecisa por um momento, mas acabou cedendo. Ela se sentou na cama e estremeceu levemente quando Jane passou a escova pelo seu cabelo a primeira vez.

'Maura, tudo bem?' A morena agora pensava que não tinha sido uma boa idéia. Era algo pessoal demais? Ela ainda tinha medo de Jane? Ela tinha machucado sua cabeça também?

Jane se livrou das dúvidas quando a mulher balançou a cabeça em sim. 'Tudo bem.' Ela disse, mas o tom de sua voz denunciava desconforto. 'É só que... Eu não estou acostumada com alguém fazendo isso por mim.' Ela adicionou e Jane se sentiu aliviada. Era menos grave do que ela pensava.

'Certo.' Ela murmurou de volta, e tentou uma pequena conversa. 'Quando eu era pequena detestava quando minha mãe fazia isso.' Ela dizia enquanto passava a escova gentilmente pelo cabelo da outra. 'Quer dizer, olha para o meu cabelo, você acha que é fácil escovar isso?' Ela riu consigo mesma e balançou a cabeça.

'Seu cabelo tem personalidade.' Maura murmurou de volta para o encanto de Jane.

'Pode apostar.' Ela devolveu e enrolou a ponta do cabelo loiro de Maura em seu dedo. Um cacho singelo permaneceu ali, e ela sorriu com o feitio. Arriscando a sorte, ela tentou arrancar uma informação nova de Maura. 'Seu jabuti... Onde você conseguiu ele?'

A loira suspirou profundamente e Jane se castigou. Teria sido uma questão invasiva demais? Carregada de lembranças de uma época não tão boa? Ela estava se castigando mentalmente quando Maura respondeu.

'Foi um presente de uma pessoa querida. Um amigo do passado. Eu sempre quis um animal de estimação, mas não era permitida ter um. Meus pais sempre zelavam pela organização e limpeza de casa, então gatos e cachorros estavam fora de questão.'

'Que tal um peixe?' Jane sugeriu, concluindo que um peixe dourado seria de cuidado muito mais fácil.

Maura franziu as sobrancelhas e olhou para ela como se fosse louca. 'Peixes não interagem muito, você sabe.'

'Certo.' Jane disse apenas, pensando em quão interativo a tartaruga era. Não muito. 'Desde quando você o tem?'

'Ganhei Bass antes de entrar na faculdade, e o tenho desde então. Ele era bem minúsculo.' Ela mostrou com o polegar e indicador o quão minúsculo ele era, e Jane imaginou Maura, anos atrás, encantada com uma tartaruga que cabia na palma de sua mão, olhando para a criatura com o mesmo amor que olhara naquele dia mais cedo, no prédio da Ong que cuidara dele por um tempo.

Jane enrolou outro cacho em seu dedo, soltou-o com delicadeza e posou a escova na cama. 'Maura, por falar em seus pais... Você entrou em contato com eles?' Não era de sua conta, Jane sabia. Ela não podia perguntar algo que ela sabia ser tão pessoal. Mas embalada por uma curiosidade sem medida, misturada com o fato de que, sim, ela estava preocupada com o fato de que essa mulher ficara desaparecida por tanto tempo sem dar notícias à ninguém, ela deixou as palavras escaparem de seus lábios.

Maura congelou por um momento, como se a questão não tivesse cruzado sua mente desde então. Em seguida, ela piscou os olhos para Jane, e com considerável agitação se remexeu na cama.

'Eu não... É só que... Talvez seja melhor...' Ela começou a se engasgar como se ar lhe faltasse e levou a mão ao peito.

Dando-se conta do erro que cometara - e se sentindo terrivelmente mal por isso - Jane se ajoelhou na frente dela e balançou as mãos no ar. 'Ei, Maura, tá tudo bem. Você não precisa. Eu só achei que você quisesse. Desculpa, eu não achei que você fosse se sentir mal por isso.' Seus olhos seguraram o olhar de Maura - e meu Deus, como era intenso - e Jane ofereceu um sorriso como pedido de desculpas.

Com um menear de cabeça, Maura deixou-a entender de que fora perdoada. Ela respirou fundo algumas vezes, as mãos ainda no peito, e cada golfada de ar parecia lhe custar energia demais.

'Há alguém que você queira ligar? Qualquer pessoa, Maura?' Jane deixou que ela pensasse por um minuto. A loira balançou a cabeça em não, deixando um mistério no ar.

Por que ela não queria se comunicar com sua família? Com seus amigos, quem sabe com o amigo que lhe dera a tartaruga anos atrás? Parecia tão importante para ela. Por que ela queria continuar esquecida, deixar seus familiares ignorantes sobre um acidente que mudara sua vida e quem ela era para sempre?

Achando melhor não pressionar, ela se levantou e fez uma oferta. 'Que tal um filme? Posso fazer pipoca e podemos passar o início da noite relaxando no sofá. Tenho certeza que o Netflix tem algo de interessante.'

Maura apertou as mãos no lençol branco, parecendo de repente pequena demais, exausta demais. 'Você se importa se eu apenas ficar aqui? Eu ainda acho que preciso descansar mais.'

Por alguma razão ela não olhou para Jane.

Por alguma razão a morena se sentiu imensamente desapontada. Você cruzou uma linha aqui, Jane. Ela pensou consigo mesma. Você andou longe demais para o outro lado, e agora está pagando pela invasão.

'Tudo bem, Maura.' Ela respondeu educadamente, e depois apontou a coberta para ela. 'Me avisa se você sentir frio. Mas você ainda precisa comer dentro de algumas horas, ok? E tomar seus remédios.'

'Uhum.' Ela murmurou mas seu olhar ainda continuou fixo no chão atrás da morena.

Jane entendeu o recado. Ela queria ficar sozinha. Do mesmo jeito que ela não queria conversar com nenhum amigo ou família, ela não queria Jane por perto também. Não por agora, não tão cedo.

Ela precisava de tempo.

E de espaço.


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