- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 8
Oito




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Puta merda, Jane pensou quando viu Maura se ajoelhar na frente do animal. Aquilo não era uma tartaruga comum. Não mesmo. Deveria ser uma mistura de dinossauro com crocodilo. Algo que sobreviveu por trilhões de anos escondido em uma caverna nos confins do mundo. Ela piscou os olhos várias vezes para ter certeza de que sua mente não estava pregando nenhum truque nela. O jabuti — como Maura a corrigira diversas vezes à caminho do abrigo de animais - era quase maior do que a mulher à sua frente. Ele era tão grande que os cuidadores resolveram que seria melhor deixá-lo solto no jardim dos fundos para que ele não se sentisse trancafiado dentro do prédio. A leve camada de neve no chão deixava a vista ainda mais bizarra. Será que os dinossauros sentiam frio? Ela juntou as sobrancelhas considerando seriamente a questão.

E, se Jane parecia perplexa, Maura parecia extremamente feliz por reencontrá-lo.

'Oh, Bass.' Ela suspirou ao acariciar a concha do animal. 'Eu estava tão preocupada com você.' Ele esticou o pescoço, olhou para ela e depois desviou a cabeça para o outro lado.

Oh, ele sentiu tua falta também. Pensou Jane com sarcasmo, mas não conseguiu evitar o sorriso quando a mulher ofereceu uma folha verde para ele. Ela parecia tão inocente e fofa, tão mais viva do que Jane jamais a vira. Perdida em sua admiração, Jane quase gritou quando se deu conta de a mulher estava tentando abraçar e carregar a tartaruga - jabuti, Jane! - por si só.

'Maura, não!' Ela disse alto, colocando as mãos para frente do corpo e balançando dramaticamente. 'Eu carrego ele, ok? Eu faço isso.' Ela se apressou e abraçou o bicho de forma que pudesse segurá-lo de um jeito que fosse confortável para ela. Ele deveria pesar uma tonelada, mas Maura insistiu que eram 'só' dezessete quilos. Como a loira tinha planejado carregá-lo, Jane não imaginava, considerando que ela própria desconfiava que logo, logo o animal lhe escaparia pelos braços.

Uma vez no carro, a loira perguntou para Jane se Bass poderia andar no banco de trás porque ele era sensível à movimentos, e se a morena tinha outra idéia na cabeça (por que não no porta-malas?) os olhos aflitos e molhados de Maura não deixavam dúvidas de qual seria a melhor escolha. Lhe ocorreu também que Maura, nesse ponto de sua vida, não se incomodaria se ordenassem que ela se deitasse em completo silêncio na traseira claustrofobicamente pequena do carro, mas por sua tartaruga... Ela não podia resistir em pedir.

'É claro, Maura.' Jane ofereceu um sorriso e simpatia. A loira respirou aliviada e tentou um sorriso também. Ela parecia tão nervosa, como se qualquer pedido feito, qualquer necessidade expressada fosse lhe causar dano. 'Eu vou deixar vocês dois em casa e... Ele precisa de algo? Tipo, sei lá, uma cama? O que ele come?'

'Hibíscos e morangos. Folhas verdes em geral, mas ele não gosta de rúcula.' Ela adicionou com timidez, quem sabe medo de se expor mais uma vez.

'E quem é que gosta?' Jane brincou. 'Olha, eu já gosto desse teu jabuti. Escolha sensata, se me permite.' Ela lançou um sorriso em cumplicidade para a loira, e observou-a de canto de olho. Sem interagir muito dessa vez, Maura colocou uma mão sobre a outra no próprio colo e olhou janela afora. Ela ainda parecia exausta, circúlos escuros em baixo dos olhos, pele pálida, e os arranhões... Jane não conseguia olhá-los por muito tempo. Eles estavam espalhados pelo corpo inteiro, e pelo modo como a mulher se mexia Jane desconfiava que todas as juntas do seu corpo doíam com o movimento. Parte de si se castigou por um dia reclamar tanto de suas feridas. Não é como se elas tivessem sido artificias - por Deus, um bisturi ultrapassou cada uma de suas mãos! - era só que Jane tinha choramingado muito mais, muito além do que ela reconheceria em voz alta.

'Ei, você tá com fome?' Ela usou o volume mais baixo de sua voz, e dessa vez Maura não se sobressaltou.

'Um pouco.' Ela murmurou.

'Eu, ahn... Posso ter conversado com tua nutricionista, e... Ahn... Você tem uma nova dieta. Comer de duas em duas horas, por duas semanas. Você sabe, até que seu organismo se acostume com a quantidade de comida novamente.'

Maura piscou os olhos grandes e verdes para ela. 'Eu tenho uma nutricionista...?'

Jane sorriu orgulhosa de si mesmo e concordou com a cabeça. 'Agora tem. O departamento de polícia iria se encarregar de arrumar uma para você, junto com um psicólogo e um fisioterapeuta, mas eu tomei a liberdade de me adiantar e ligar eu mesma para uma. As coisas as vezes demoram um pouco lá na BPD.' Jane sorriu um sorriso de desculpas e Maura piscou várias vezes os olhos.

'Obrigada...?' Ela disse com o que pareceu incerteza, mas então quando seus olhos se enxeram de lágrimas Jane se deu conta de que era outra coisa. Desolação. Antes que ela pudesse perguntar algo, a loira disse por si só. 'O que acontece agora, Jane?'

Ela tinha medo de saber. Ela tinha medo e Jane podia sentir a sensação sombria gravitando entre elas. A detetive conhecia aquele sentimento como ninguém. Era algo que deixara sua mente em alerta por semanas depois de seu encontro com Hoyt. Um tipo de intuição - falsa - de que algo muito ruim aconteceria de novo; e a solidão que acompanhava aquele temor dava a sensação de que nada ou ninguem poderia ajudá-la.

Ela estacionou o carro numa rua estreita a alguns blocos de sua casa, mas o motor continuou ligado. Suspirando, ela ergueu as sobrancelhas levemente enquanto pensava, antes de falar.

'Você vai ficar na minha casa por quanto tempo precisar. É incomum, mas dada a situação meu trabalho passa a ser você, o que significa que preciso ficar de guarda o tempo todo. Eu sou tua proteção, Maura, e minha casa é teu... esconderijo, vamos assim dizer. Até que encontrem o cara, você sabe...'

A loira concordou com a cabeça, mas os olhos esperavam mais explicações.

'Há a possibilidade...' Jane molhou os lábios com a língua, suspirou e começou de novo. 'Há a possibilidade de ele não ser pego. De ter desaparecido, mudado de estado. Eu não vou mentir para você, Maura. Ás vezes é o que acontece. Mas se você quer saber, tem muita gente trabalhando nesse caso, eu não sei por qual razão, considerando que eu não tenho acesso direto, mas...' Ela encolheu os ombros. 'Eu acho mesmo que vão pegá-lo. Nesse período você não tem que se preocupar com nada. Nem com tua segurança, nem com advogados, nada. Só com tua saúde. Isso é o mais importante agora. E você precisa me deixar te ajudar com isso.'

'O psicólogo -' A loira começou, e Jane logo balançou a cabeça em entendimento.

'Tão logo você queira. Qualquer serviço de saúde oferecido é pago pelo governo, ou você pode procurar um particular, se preferir.'

'Eu conheço um, e eu gostaria de começar o quanto antes.' Ela mordeu o lábio inferior.

Jane sorriu para ela e ergueu uma sobrancelha em brincadeira. 'Já mencionei que vou ser tua motorista também?'

Maura sorriu de volta e meneu a cabeça. 'Eu deduzi.'

'Coisa boa que trabalho na polícia, assim ninguém pode me multar por limite de velocidade.'

Maura arfou e olhou escandalizada para ela.

'Ei, eu tô só brincando.' Jane ergueu as sobrancelhas duas vezes, apostando em seu humor.

Maura riu levemente e suspirou em seguida. 'Jane, me desculpa ter voado de asa delta na tua vida. Não deve ser fácil ter alguém como eu -'

'Ter o quê?' Jane franziu o cenho e como um relâmpago algo passou pela sua mente. 'Você não quis dizer ter caído de para-quedas na minha vida?' Ela gargalhou quando a expressão do rosto de Maura passou de confusa para envergonhada. 'Oh, Maura! Você diz as melhores coisas!' Ela riu de novo e só depois pensou que a loira poderia se sentir mal por isso, e se explicou: 'Não leva a mal, ok? É na verdade bem fofo. E olha, não se preocupa. Eu gosto mesmo de gente que pratica esportes radicais.'

A loira abaixou a cabeça em timidez - dessa vez Jane tinha certeza que era isso - e mordeu o lábio inferior.

'Escuta...' Jane considerou dizer algo mais para confortá-la. 'Eu sei que não tivemos um começo fácil, mas eu posso ser mais legal do que você pensa. E... para o que quer que você precise, Maura. Eu tô aqui.' Ela estendeu a mão consciente de que a outra possivelmente a rejeitaria, torcendo para que ela a segurasse.

Maura correspondeu às suas expectativas e a mão magra e delicada se apertou na sua. Naquele breve momento Jane reconheceu que gostava da presença de Maura. Pela coragem, pela delicadeza, e principalmente por ser um tanto desajeitada.


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