- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 43
Quarenta e três


Notas iniciais do capítulo

Queridos leitores! Me perdoem pela demora. Aparentemente, a gente tem que trabalhar para poder viver.
Espero que vocês gostem desse capítulo. Estamos quase no final da fic :(



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Quando Jane abriu os olhos na manhã de Natal, respirou fundo e abriu um sorriso. Era o seu dia preferido do ano. Todas as lembranças de infância vinham a tona durante essa data, e ela recordava todos os natais que ela e os irmãos passaram juntos, as brincadeiras, os presentes, a inocência de quando ainda acreditava em papai noel e mágica, e das noites que os três ficavam acordados até tarde para tentarem pegar o bom velhinho entrando pela chaminé. Ela havia crescido e perdido tal ingenuidade, aprendera que mágica não existia, que não era todas as crianças que recebiam presentes de Natal, que grande parte do mundo ainda permanecia sombria e triste e com fome, enquanto a outra metade exagerava na comida, no consumo, nas festividades. O que a deixava feliz, entretanto, eram as doces lembranças da infância, os momentos em família, o amor entre eles que parecia se multiplicar.

E, nesse ano, ela tinha Maura. Doce, gentil, e adormecida Maura. A morena se virou para o lado e estudou a expressão suave no rosto da outra, os lábios ligeiramente entreabertos, o ritmo calmo da respiração. Maura estava virada de frente para ela, uma mão sob a bochecha, a coberta até o queixo.

Jane se sentia tão feliz que tinha sorrido com a imagem, sem nem mesmo notar. Não, ela não tinha mais a ingenuidade de quando era pequena, e ela conhecia os horrores do mundo como poucas pessoas conheciam – como a própria loira conhecia – mas, em contraponto, ela tinha agora esse tipo de amor: puro, forte, que não podia ser corrompido. Fazia sentido celebrar a vida, então, dessa maneira. Nos últimos dias, ela estava celebrando silenciosamente, agradecidamente, toda evolução que ela e Maura passaram desde meses atrás. A outra já não era tão mais tímida; ela se sentia a vontade perto de pessoas conhecidas e desconhecidas. Ela não chorava frequentemente, parecia fisicamente mais saudável, e com a ajuda de Angela ela tinha, certamente, ganhado uns quilos a mais. Ainda, aquele detalhe delicioso que era o segredo entre as duas: elas tinham feito amor, e para o alívio no coração de Jane, Maura tinha acordado no outro dia ainda mais forte, mais feliz, mais conectada com ela. É verdade, ela ainda tinha obstáculos a serem vencidos; medo de ambientes fechados e escuro, os pesadelos que por vezes retornavam – mas que, para ser justa, tinham se tornado raros. E, o agravante: julgamento. Essa era a parte que mais preocupava Jane. Vez ou outra ela sentava na cadeira da delegacia, dando um tempo do trabalho, ou até mesmo em casa quando a loira não estava por perto, e se permitia avaliar o assunto. Quando ela mesma tinha ido depor contra Hoyt, ela se lembrava do estado de ansiedade que vivera dias antes, e de todos os pesadelos que vieram depois – mesmo com a sensação gratificante em saber que ele pegaria prisão perpétua. Embora a justiça tenha sido feita, ela não balanceava e tão pouco anulava o medo que ela tinha provado nas mãos dele.

Ela sabia que para Maura, o pior já tinha passado. Porém, ela não era ingênua em acreditar que vê-lo sendo processado e preso, apagaria todas as memórias terríveis de sua mente. Havia consequências; ela previa mais noites mal dormidas, um pouco mais de choro e sonhos ruins, pedidos por colo e abraços e por favor, fique comigo hoje. Jane, honestamente, não se importava. Ela amava cada segundo com Maura, segurá-la nos braços e fazê-la feliz, oferecer segurança, conforto. Ela gostava de ser seu porto seguro – ela se sentia confiante e poderosa, como se fosse a única capaz de fazê-la feliz, e bem no fundo, Jane sabia que isso era bem perto da verdade. Ela entendia que eventualmente Maura voltaria a trabalhar, e a rotina das duas mudaria de novo, que ela provavelmente chegaria em casa em noites que a loira não estaria lá – porque Jane pensava que a mulher se renderia a medicina outra vez, e ela sabia que plantões nos hospitais eram longos – e sentiria sua falta imensamente, a ausência marcada pelo tiquetaquear continuo do relógio pendurado na sala de estar. E era por isso que cada segundo com ela, agora, era valioso. Engraçado, ela conseguia sentir falta da mulher ainda que a outra estivesse bem ali, deitada ao seu lado.

Ela se inclinou e beijou a bochecha macia e quentinha, acariciou sua cabeça. Maura nem se mexeu, mas era melhor assim. Jane tinha assuntos a tratar, e era melhor que estivesse sozinha. Tinha a ver com o presente de Natal da loira, e ela não queria estragar a surpresa. Não querendo acordá-la, saiu cuidadosamente da cama a fim de tomar um banho quente e se arrumar para o dia.

Minutos depois, na cozinha, ela fez uma ligação rápida para Korsak enquanto preparava duas canecas de chocolate quente – uma pra si mesma, outra para Maura. Bass tinha aparecido no canto da cozinha e estava estudando cada movimento seu. Jane nunca entenderia por que Maura achava que uma tartaruga era um animal de estimação adequado, mas ela jamais verbalizaria suas dúvidas – a loira era a pessoa mais doce do mundo, mas ninguém, ninguém, podia profanar Bass. Ou quase. Com um sorriso travesso, a morena cruzou a cozinha rapidamente e entrou no escritório. No dia anterior elas tinham guardado o que sobrara dos enfeites de Natal e sacolas e papel de presentes ali. E também, fitas. Ela achou uma vermelha e correu de volta para a cozinha. Pobre Bass… Cinco minutos depois, ele parecia um embrulho ambulante: um laço imenso e espalhafatoso farfalhava sobre seu casco toda vez que ele se mexia.

Era cutucar a onça com a vara curta, Jane sabia, mas ela estava morrendo para ver a reação da loira. Satisfeita o suficiente com o trabalho, ela nem se preocupou em guardar a fita no mesmo lugar, deixando-a ali mesmo na bancada da cozinha.

Esquentou as duas canecas no micro-ondas e finalmente terminou a bebida, colocando alguns marshmallows em cima.

Contente – mesmo sabendo que corria risco de vida, dentro de algumas horas – ela caminhou de volta para o quarto e empurrou a porta com o pé, para abri-la. Dessa vez, a loira estava sentada na cama, o suéter ridículo que Angela tricotara já no seu corpo; Jane se lembrava que na noite anterior Maura tinha dormido apenas de calcinha.

Um sorriso imenso estampou seu rosto, e embora ele fosse pela travessura anterior, Maura, ainda alheia ao jabuti enfeitado, sorriu-lhe de volta.

‘Bom dia, meu amor.’ Jane disse com mais alegria do que planejava, sentando-se ao lado dela na cama, depois de entregar uma caneca.

‘Bom dia’, Maura respondeu, observando-a com curiosidade ao passo de que esfregava os olhos.

‘Você dormiu bem?’ A morena passou o braço em sua cintura e beijou sua bochecha.

‘Dormi. Você?’ Ela perguntou com inocência e serenidade que parecia fluir naturalmente dela.

Jane revirou os olhos. ‘Dormi, exceto pela parte que você me acordou para me fazer vir aqui.’

Maura riu baixinho com o drama da outra, balançou a cabeça. ‘Desconfio que você aproveitou melhor sua noite de descanso justamente por ter dormido numa cama confortável.’ Ela observou. ‘Obrigada pelo chocolate quente.’

‘Não por isso. Eu estava pensando que talvez a gente pudesse ir lá fora, antes do almoço, eu quero dizer.’

Maura franziu o cenho, confusa. ‘Ir lá fora? Para fazer o que, exatamente? Eu achei que nós já tínhamos comprado tudo o que precisamos para hoje.’

‘Não, Maura.’ Jane suspirou, ao mesmo tempo Repolho tido dado a graça de sua presença, pulando na cama e correndo até a loira. Ele cheirou a caneca, miou para ela e depois se voltou para Jane. ‘Não para você também, seu chato.’

‘Não fala assim com ele.’ Maura disse, pegando o gato com uma mão e colocando no seu colo. ‘O que você estava dizendo?’

‘Certo.’ Jane lançou um olhar maligno para o animal, mas continuou. ‘Você já fez um anjo?’

Maura pareceu ainda mais confusa.

Ela poupou a agonia crescente da outra e explicou logo. ‘Na neve.’

‘Não.’ Ela respondeu enquanto bebericava o chocolate quente. ‘É como construir um boneco de neve?’ Ela perguntou, ingenuamente.

Jane riu e balançou a cabeça. ‘Não, Maur. Coloca uma roupa apropriada para ir lá fora, ok? E eu vou te mostrar.’

É claro que Maura ficou furiosa quando desceu na cozinha e notou que seu jabuti carregava um laço no casco. Para seu crédito, entretanto, ela apenas retirou a fita com cuidado, enquanto lançava um olhar maligno para Jane.

Ela acabou rindo, no final.

Maura poderia ser uma felina, mas não uma letal. Sagaz, inteligente e observadora, mas assim como Jane, um tanto brincalhona.

...

Foi Tommy quem lhe mostrou primeiro como  fazer um anjo. Logo em seguida, Frankie.

Maura foi a terceira a fazer o anjo, rindo alto conforme a neve se espatifava e respingava no seu rosto.

Angela observava da varanda da casa, o celular nas mãos, tirando fotos de todos eles.

E, embora Maura fosse cética em relação ao mundo etéreo, ao observar Jane fazendo o seu próprio anjo no chão – cabelos negros contrastando com a branco puro da neve, flocos voando por toda parte e aquele mesmo sorriso que sempre multiplicava seu coração pelo infinito – ela precisou admitir que, naquele instante, ela tinha entendido o que era divino.

Constance Isles não apareceu para a festa de Natal, tão pouco Arthur. Mas o casal tinha mandado por correio uma caixa para Maura. Fora Angela quem assinara e recebera o pacote, logo, tinha sido ela também que o colocara em baixo da árvore de Natal. Jane apostava que era algo extravagante, caro. Algo que só a quantidade de dinheiro que aquela família tinha, poderia comprar. A morena não aprovava a atitude dos dois. Ela não aprovava nenhum deles. Ela encarou por alguns segundos o presente, com certo desdém, é verdade. Aquelas pessoas não conheciam Maura. Eles conheciam apenas uma faceta dela; fina e educada, sorridente Maura. Eles nunca tinham assistido sua força, seus medos, seu lado sensível. Eles nunca tinham visto Maura andar dentro de casa, relaxada e calma, pés no chão, cabelo bagunçado e maquiagem borrada depois de tirar um cochilo no meio da tarde. Nunca tinham acompanhado a loira numa noite quieta de inverno dentro de casa, onde ela se sentaria no sofá e assistiria Downton Abbey, no rosto os óculos que quase nunca usava, encolhida contra o encosto do sofá enquanto comia, uma por uma, as uvas sem sementes que eram suas favoritas. E eles, definitivamente, jamais tinham visto Maura do jeito que Jane estava vendo agora: sentada no chão no meio da sala, vestindo calça de yoga e aquele suéter ridículo ainda no corpo, meias azuis com flocos de neve estampados (Jane não tinha idéia de onde aquilo tinha vindo), esticando o braço a fim de alimentar Bass com os morangos que a detetive tinha comprado no dia anterior.

‘Maur,’ a morena disse enquanto se ajoelhava. ‘Você precisa provar isso aqui.’ Ela esticou as duas mãos – uma segurando o aperitivo, a outra em baixo, a fim de servir como base para pegar qualquer possível farelo – e levou o pedaço de pão mergulhado no fondue de queijo para a mulher experimentar.

‘Oh!’ A loira exclamou e abriu a boca, mordeu um pedaço e depois de mastigar, meneu a cabeça em aprovação. ‘É uma delícia!’

Jane riu baixinho, satisfeita consigo mesma e limpou a boca da outra com o polegar. ‘Você deve comer o queijo também, supostamente.’ Ela brincou depois de limpar o dedo com os próprios lábios, e Maura revirou os olhos, mas aceitou o último pedaço de pão quando oferecido. ‘Como anda a alimentação?’ Jane apontou a cabeça para Bass.

‘A alimentação?’ Maura replicou, ridicularizando o termo, um tanto frustrada. ‘Ele não anda comendo.’ Ela lamentou em seguida, deixando suas mãos caírem (ainda segurando morangos intactos) ao lado do corpo.

‘Você acha que ele tá doente?’ Jane acariciou suas costas.

Ela fez um bico, depois balançou a cabeça em não. ‘Creio que seja só a época do ano. Eles geralmente não comem muito durante o inverno, mas eu me preocupo, mesmo assim.’

‘É claro.’ Jane disse e não resistiu à vontade de se inclinar e beijar aquela bochecha rosada. ‘Tenho certeza de que ele tá bem, Maur.’ Ela afirmou e acariciou mais uma vez as costas da loira. ‘Eu volto logo.’ Ela disse e se levantou depois que Maura confirmou com a cabeça.

Antes de se afastar a ponto de perdê-la de vista, entretanto, Jane se virou uma vez para observá-la de novo. Maura tinha se remexido e sentado sobre os calcanhares, o corpo ligeiramente inclinado para frente.

‘Vamos lá, Bass. Que tal só uma mordida?’ A morena escutou a mulher dizer, e sorriu com o gesto de afeição.

Maura era fina e educada. Mas essa era a capa do livro. A superfície do mar. O cartaz do filme, uma foto da constelação solar. Era isso que Jane entendia, e era isso também o que os pais de Maura não entendiam: ela carregava a profundeza dos oceanos, a complexidade dos livros, a imensidão do universo. Ela carregava uma história tão intensa e férvida que poderia ser, em outra vida, catastrófica. Era difícil de imaginar, mas quem sabe se Maura não fosse essa pessoa, ela teria se esgueirado para outro lado: rica, arrogante, vazia de valores, oportunista. Ela carregava dentro de si, Jane concluiu, o poder dos vulcões. Mas ela tinha escolhido ser rio. Talvez o Nilo; extenso, profundo, carregado de mistérios. Quieto. Mas o maior de todos eles.

Eles precisam entender, Jane decidiu naquele momento.

Maura era intensa, mas não extravagante.

Jane segurava o pequeno embrulho de presente nas mãos. Era de Maura para ela. Pela primeira vez, dentro de anos, ela se sentiu nervosa por esse momento. Ela geralmente não se importava com o que as pessoas davam para ela – qualquer coisa, pequena ou grande, a faria feliz. O que quase a deixava descabelada era, entretanto, o tipo de presente que ela tinha que comprar para as pessoas. Ela pensava e repensava sobre isso, considerando se eles seriam bons o suficiente, se faria as pessoas felizes ou não. O tremor que corria em suas mãos enquanto seus dedos rasgavam o papel dourado dizia respeito ao presente que ela entregaria para Maura. Ela deveria ter sido a primeira a recebê-lo. Jane queria ansiosamente ver sua reação. Embora nervosa, ela abriu um sorriso para a loira. Olhos verdes brilharam em expectativa e felicidade. Deus, Maura era tão pura e honesta com seus sentimentos que Jane temia decepcioná-la e fazê-la chorar ali, na frente de todo mundo, caso ela se desapontasse com o que a morena tinha lhe comprado.

Papel dourado jogado ao lado, Jane franziu o cenho em curiosidade e retirou a tampa da pequena caixa vermelha.

Seu queixo quase caiu no chão quando ela entendeu o que havia lá dentro.

‘Um disco autografado pelo Bobby Orr?!’ Ela quase gritou com espanto, felicidade e gratidão. Seus olhos bem abertos se fixaram em Maura, e a outra riu deliciosamente.

‘Espero que você tenha gostado. Frankie e eu andamos conversando e ele me contou que perdeu o seu há alguns anos. Eu imaginei que você fosse gostar.’ Maura mordeu o lábio inferior, esperando pela aprovação da detetive.

A morena se levantou do seu lugar, sentou-se do seu lado no sofá e abraçou sua cintura. ‘É o melhor presente de todos os tempos.’ Ela disse depois de beijar o rosto da mulher, e lançou também um olhar agradecido ao irmão. ‘Esse autógrafo foi pego em 1979, em um dos seus últimos jogos.’ Maura informou, virando o disco com os dedos e colocando de volta dentro da caixa.

‘Não toque!’ A morena exclamou em brincadeira. ‘Isso é uma raridade!’

A loira riu, divertida com a teatralidade da outra. E depois recebeu um beijo nos lábios.

‘Eu amo você, Maur. Muito obrigada.’ Ela apertou a mão da menor, os olhos negros transbordando amor. E então ela se virou para o irmão, de repente rabugenta. ‘E quanto a você, Frankie, você jamais vai colocar suas mãos nisso aqui.’

O outro revirou os olhos e riu, mas, culpado, não argumentou.

‘Certo,’ Jane se voltou para Maura, agora se sentindo um tanto nervosa de novo. ‘Pronta para o seu presente?’

‘Sim!’ A outra exclamou com alegria, lambendo os lábios e sorrindo abertamente.

‘Ok.’ Jane lançou um olhar e fez um sinal com a cabeça para Tommy – que se levantou e sumiu de vista – mas continuou falando com Maura. ‘Há uma possibilidade de você não gostar, e se você não quiser ficar com ele, tudo bem. Mas todos nós concordamos que, talvez, você precisasse de um.’ Jane disse, já se explicando.

Os olhos de Maura se estreitaram um pouquinho, como sempre faziam quando ela não entendia alguma coisa, mas ela acabou abrindo outro sorriso e dando de ombros. ‘Ok.’

‘Muito bem...’ A morena se revirou no sofá, espiando por cima do ombro para saber se Tommy.

Maura estudou Jane, depois Angela e Frankie, e só então notou a ausência de Tommy. Ela franziu o cenho, dessa vez confusa, porque Jane não tinha dito mais nada, tão pouco lhe entregara algo.

‘O que está acontecendo?’ Ela perguntou baixinho.

‘Você só tem que esperar mais um minuto, querida.’ Angela tinha respondido, e Jane apertou sua mão com carinho.

Ela meneou a cabeça e, disciplinada como sempre, apenas esperou.

Quando Tommy reapareceu pela porta da cozinha que dava acesso à casa de hóspedes, Jane colocou a mão no joelho da loira para chamar sua atenção. ‘Você tem que prometer que não vai gritar comigo, ok?’ Ela quase implorou, ainda incerta sobre a escolha do presente.

Maura riu levemente e concordou com a cabeça. ‘Eu nunca faria isso, você...’ Sua frase morreu quando ela viu, finalmente, Tommy parando na frente da lareira segurando uma coleira com um cachorro aos seus pés. Um Pastor Alemão já adulto, Maura reconheceu imediatamente. Ela piscou os olhos, um tanto incrédula e intrigada. O cachorro farejou o ar, estudou cada um deles, e ela ainda precisava demonstrar uma reação.

‘É um cachorro.’ Ela observou, debilmente. ‘É um cachorro para mim?’ Ela perguntou para Jane, embora seus olhos ainda pairassem sobre o animal. ‘Eu nunca tive um cachorro.’ Ela adicionou com a voz fraca, distante no passado.

‘Eu sei.’ Jane disse e acariciou sua perna. ‘Se você acha que é uma má ideia, nós podemos devolvê-lo.’

A loira olhou para ela, espantada, como se tivesse dito o maior absurdo do mundo. ‘É claro que nós não vamos devolvê-lo!’ Ela abriu um sorriso, mas os olhos ainda carregavam surpresa. ‘Ele é amigável?’

‘Maura, você acha mesmo que eu te daria um cachorro que não fosse amigável?’ Jane revirou os olhos. ‘Além disso, ele é um cão policial, treinado.’ Ela riu baixinho e acariciou a perna da mulher. ‘Você pode tocá-lo, você sabe.’ Jane a incentivou, porque até então a mulher parecia um tanto desorientada.

No momento em que as mãos de Maura tocaram a cabeça do cachorro, Jane viu no fundo de seus olhos cristalinos a mais pura forma de felicidade.

Dedos finos e graciosos deslizaram da cintura até a barriga de Jane, cruzando-se e entrelaçando uns aos outros. A detetive sentiu aquele arrepio familiar percorrer seu corpo; ela conhecia bem aquele toque, a leve pressão do abraço em sua cintura. Maura plantou dois beijos em suas costas, um em cada escápula. Um em sua nuca.

As duas agora estavam sozinhas no quarto, cansadas, exaustas, mas havia algo mais que Maura precisava fazer para só então deixar o dia se encerrar.

Ciclone, o seu novo cachorro, estava deitado em cima da cama, observando as duas. Ele parecia deslocado, um tanto desconfiado, mas tinha aceitado os carinhos e mimos vindos da loira. Levaria alguns dias até ele se sentir confortável o suficiente na nova casa.

Jane se virou de frente para a menor quando os braços a soltaram. Ela sentiu falta do calor imediatamente.

‘Eu ia perguntar de novo se você tem certeza se quer ficar com ele, mas acho que o mero fato de ele tá em cima da cama e você não estar surtando, diz muito.’ Ela brincou, apontando o dedo para o cachorro e depois abraçando a menor pela cintura.

Maura riu docemente, e mesmo em seus olhos cansados Jane podia ainda ver aquele misto de felicidade e gratidão.

‘Eu amo você.’ Ela disse, mas depois balançou a cabeça. ‘Não. Espera.’

‘Não ama?’ Jane franziu o cenho, numa pergunta que carregava mais provocação do que dúvida genuína.

‘Amo, claro que eu amo!’ Ela exclamou, soltando-se da morena. ‘Há outra coisa que eu gostaria de entregar essa noite.’ Ela lançou um olhar significativo para Jane, um pedido de paciência. Caminhou até a mesa de cabeceira da cama, abriu a gaveta e retirou de lá um envelope. ‘Eu achei que caberia melhor se eu entregasse isso a sós.’ Ela murmurou, parecendo um pouco incerta e tímida.

Jane adora a timidez que surgia em Maura de tempos em tempos. Geralmente significava que ela estava tentando algo fora da sua zona de conforto, relacionado ao lado sentimental, o que derretia ainda mais o coração da morena. Ela alcançou o envelope e rolou os olhos em falsa irritação. ‘Nós tínhamos combinado que cada um receberia apenas um presente, Maura.’

A menor encolheu os ombros e fez um bico. ‘Isso mal conta como um presente, eu imagino. São só palavras.’ Ela mordeu a ponta do polegar, num gesto nervoso, e suspirou. Era a deixa para Jane abrir o envelope.

Ela o fez. Retirou o cartão e leu a nota.

 Jane,

 Você é minha força, a primeira a me defender em momentos de confusão e necessidade

Sua sagacidade e inteligência me sustentam, e nunca veem às minhas custas

Quando nós nos separamos, não há nenhuma tristeza, porque nossa conexão está sempre aqui

Você não é só minha namorada, você é meu presente: ambos raro e precioso.

 Feliz Natal

Sua Maura

 Admirada com as palavras que escreviam a mais doce declaração de amor, a morena sentiu seus olhos marejarem. Ela apertou os dedos no papel e suspirou, feliz. ‘Maur, essa foi a coisa mais linda que alguém já me escreveu.’ Ela envolveu a loira num abraço e beijou seus lábios, guiada por todo o amor que sentia naquele momento – algo tão grande e poderoso que fazia seu corpo tremer quase que em fraqueza.

‘Eu disse que encontraria outras palavras para dizer o quanto te amo e o quanto você é importante para mim.’ A outra riu baixinho, beijando várias vezes os lábios da morena.

‘Esse,’ Jane mostrou o cartão para a menor, ‘foi o melhor presente que você poderia me dar.’

‘Mas e o disco de hóquei?’ Ela perguntou tão ingenuamente que fez o coração de Jane pular uma batida.

‘Aquele foi muito bom também, como tudo o que vem de você.’

Satisfeita, a loira sorriu e encostou a cabeça no ombro de Jane.

Não muito tempo depois, ambas estavam na cama, Ciclone no chão. Jane tinha Maura aninhada em seus braços, um sorriso estampado no seu rosto sereno, e embora ela estivesse cansada, ela simplesmente não conseguia dormir. A alegria que sentia eletrizava seu corpo, logo ela se virava e remexia de um lado para o outro, até que Jane, também cansada, mas resignada (ela sabia que não poderia dormir se Maura não dormisse) colocou-se sobre ela e beijou-a por longos minutos. E foi querendo prolongar aquele dia que tinha sido, depois de muito tempo, o melhor de suas vidas, que elas cederam ao desejo que faiscava quando quer que elas se tocavam. Elas fizeram amor, dessa vez sem medo, sem hesitação – apenas prazer e entrega.

A felicidade de Maura, depois de longos dias, ainda não tinha expirado. Jane achou que ela nunca mais fosse minguar, afinal de contas. Quem sabe por ventura fosse sombrear, assim como as fases da lua que marcam seus ciclos, mas mesmo em lua nova, ela ainda poderia discernir o contorno amarelo e resplandecente.

Jane sempre saberia como transformá-la em lua cheia.


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