- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 42
Quarenta e dois




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Maura tinha acordado uma pessoa diferente, Jane notou. A morena estava ali, encostada na parede que dava acesso à cozinha, observando enquanto a outra lavava alguns morangos e jogava dentro do liquidificador. O cabelo loiro descia um pouquinho abaixo dos ombros e acompanhava os movimentos rápidos e confiantes. Graciosos. Algo tinha mudado para melhor, e Jane podia sentir a transformação no ar. Era quase como se ela pudesse ver Maura sorrindo, ainda que a outra estivesse de costas – ela não tinha nem mesmo notado a presença da detetive ali.

‘Ei, você.’ Jane disse meio baixo, a voz ainda rouca do sono. Ela queria anunciar sua presença antes de abraçar a outra – ela sabia como toques inesperados poderiam causar aversão e sustos.

Maura virou-se – sim, ela estava sorrido – e enxugou delicadamente as mãos na calça de moletom azul-marinho que usava. Aquela peça de roupa não combinava com nenhuma outra coisa em seu guarda-roupa, ficava um tanto quanto comprida nas pernas, e Jane se deu conta do porquê quando notou o B em vermelho estampado na perna esquerda: aquela calça era sua, um presente de aniversário dado por Frankie que era fã, também, do Red Sox. Se fosse outra pessoa, Jane arrancaria aquela calça à força, mas aquela era Maura, e ela parecia tão ridiculamente linda usando aquilo.

‘Ei.’ A outra caminhou em sua direção e passou os braços em sua cintura. ‘Eu achei que você fosse dormir até mais tarde, considerando que não dormiu a noite toda.’ Ela terminou de falar e seus lábios se encontraram com os de Jane para um beijo longo.

‘Hmm.’ A nota se perdeu no ar e Jane só voltou a abrir os olhos quando Maura se afastou. ‘Nós ainda temos muita coisa para organizar hoje.’

A loira concordou com a cabeça e acariciou a bochecha da mulher com o polegar. ‘Verdade. Sua mãe já esteve aqui mais cedo.’

‘Mais cedo?!’ Jane se espantou, olhando para o relógio no punho. ‘Você falou com ela? E mais cedo quando?’

Maura riu divertida. ‘Claro que falei com ela, Jay. Sobre o jantar de hoje à noite, nada mais.’ Ela lançou um olhar significativo para a morena e riu em seguida. O que tinha acontecido na noite anterior era apenas um segredo entre as duas. ‘Ela passou aqui há uma hora atrás, disse que vai comprar os últimos presentes e embrulhá-los antes de colocá-los em baixo da árvore.’

Foi a morena quem sorriu dessa vez. ‘Está pronta para o seu presente, Maura Isles?’

A loira ergueu uma sobrancelha, duvidosa. ‘Você está para o seu?’ Sua risada soou baixa e misteriosa.

‘Pode apostar.’ Ela disse com confiança. ‘Mas eu devo advertir que, talvez, você não goste muito do seu.’

Maura estreitou os olhos. Confusão, curiosidade e dúvida estampadas em seu rosto. ‘Por que?’

‘Segredo.’ A mulher inclinou-se e beijou seus lábios.

‘Bem,’ ela disse, tentando resistir à urgência se pressionar Jane e, sendo assim, usando de outro assunto para distrair-se, ‘o que você me deu ontem a noite foi perfeito o bastante.’ Ela disse com afeição enquanto seus dedos acariciavam o pescoço da outra.

A morena sorriu um tanto quanto tímida e deu de ombros, aparentemente sem saber o que dizer. Falar abertamente sobre sexo sempre a deixava um tanto constrangida.

‘Jane.’ Maura riu divertida e abraçou sua cintura. ‘Todo mundo faz isso, você sabe.’

‘Não.’ Ela disse com determinação. ‘Todo mundo não. Meus pais não fazem. Nem meus irmãos. Não mesmo.’ Ela chacoalhou a cabeça com força.

‘Quer me dizer como você nasceu, então?’ Maura a provocou, apertando o dedo em sua cintura.

Maura.’ Ela censurou, revirando os olhos e depois lançando um olhar maligno para a loira. Ela passou os braços em torno do corpo da outra e, assim como na noite anterior, levantou-a no colo com um movimento gracioso. As pernas apertaram em torno de sua cintura enquanto Maura ria.

‘Não me derrube.’ Ela demandou, seus braços sobre os ombros da mulher, mãos na nuca.

‘Eu não ousaria.’ Ela disse e depois sentou-a na bancada da cozinha, se colocando entre suas pernas. ‘O que temos para fazer hoje, de acordo com minha mãe?’

‘Hmm. Ela mencionou que nós podemos cortar todos os ingredientes para os pratos que, ela disse, você sabe que são tradição.’ Ela encolheu os ombros. Quando Angela passara naquela manhã, na verdade, elas conversaram mais sobre outra coisa – o presente de Jane – do que a preparação do jantar em si.

‘Fácil.’ A morena devolveu.

‘E ela também mencionou, enfatizou, que você não deve tentar cozinhar nada por si só.’ Ela mordeu o lábio inferior para não rir da expressão de horror no rosto da morena, mas falhou.

‘Ela disse mesmo isso?’ Ela resmungou, incrédula.

‘Eu só estou brincando.’ Maura riu abertamente, seus olhos claros brilhando com alegria.

‘Você tem andado muito… Bem, comigo.’ Jane admitiu, inclinando-se e beijando sua bochecha. ‘E não pense que reparei na minha calça, senhorita Isles.’

‘O que?’ Maura alisou a calça com a mão, divertida. ‘Aposto que suas outras namoradas também usavam suas roupas.’ Ela provocou, no fundo sentindo uma pontada de ciúmes em pensar que outra mulher tinha feito o mesmo.

Jane ficou séria por um instante, mas depois descansou as mãos no quadril de Maura. ´É verdade. Algumas. Mas quando eu te vi hoje cedo aqui, eu me dei conta de que é você com quem eu quero dividir não só as roupas, mas tudo mais.’

‘Oh.’ Maura suspirou, aquele tipo de suspiro que vem acompanhado com o sentimento de satisfação. Jogou a cabeça para o lado e beijou os lábios da morena com amor, gratidão, reciprocidade. ‘Você continua dizendo essas coisas e eu nunca vou querer sair do teu lado.’ Ela acariciou o rosto de Jane e beijou a covinha quando um sorriso apareceu. ‘Eu amo você. Eu tenho dito muito isso ultimamente. Talvez eu precise encontrar palavras tão belas quanto as suas.’

A morena revirou os olhos e riu. ‘Você é melhor do que eu em tantas outras coisas. Me deixa ganhar nessa.’

‘Eu sou competitiva.’ Maura brincou, laçando sua cintura com as pernas de novo. ‘O que eu fiz para merecer você?’

‘Talvez eu seja mesmo seu presente de Natal.’ Jane abriu o sorriso mais engraçado e piscou os olhos. ‘Não foi isso que você pediu?’

Maura riu e colou seus lábios com os dela. ‘Exatamente do jeito que pedi, incluindo a parte de ser… um pouco pateta.’ Ela apertou os lábios ao sorrir, sabendo bem qual seria a reação da outra.

‘Perdão?’ Jane ergueu uma sobrancelha, fingindo estar ofendida e dando uma nova chance para a loira.

‘No melhor dos sentidos, eu estava prestes a acrescentar.’ Ela justificou.

‘Bom escape.’ A morena devolveu, sorrindo em seguida. ‘Bem, eu adoraria levar você daqui para a cama. Mas… Alguém teve a brilhante ideia de hospedar a ceia Natalina nessa casa. Então nós temos que trabalhar.’

‘Talvez ainda podemos aproveitar, vamos dizer, uma hora?’

‘Maura, seja uma boa menina.’ Jane retrucou e riu, beijando-a por fim demoradamente.

...

O dia passara tão rápido que quando Maura espiou o céu pela janela da sala, se sobressaltou por ele já estar escuro. As casas lá fora estavam também enfeitadas, e as luzes amarelas, vermelhas e azuis entregavam os flocos de neve que caiam preguiçosamente do céu e emitiam uma calmaria que era desconhecida para Maura. Embora o frio do lado de fora fosse rígido, do lado de dentro havia a promessa de algo bom. De companhia. Risadas. Histórias engraçadas. Troca de presentes – troca de amor. Ela virou-se para observar a movimentação dentro de casa. Angela estava comentando algo com Tommy, e ele ajudava com uma forma recém-tirada do forno. A mais velha agradeceu o filho com um beijo no rosto enquanto Frankie, da sala de estar, colocava uma toca de Papai Noel em Jane. A morena riu quando o irmão do meio colocou a própria toca – uma verde, ele seria um elfo, então – e fez um careta para ela. O homem ainda tinha mais tocas na mão, e Maura soube que uma era destinada a ela. Ela sorriu.

Ela tinha escolhido uma roupa casual para a ocasião: uma blusa fina e branca, uma calça na cor vinho (por escolha de Jane, porque você tem que usar uma cor natalina!) e sapatilhas preta. Ela dobrou cuidadosamente a manga de cada punho enquanto observava mais uma vez a decoração da casa. A árvore parecia possuir uma graciosidade e encanto de outro mundo. A lareira estava acesa, o fogo espalhando calor pela sala, mas ela tinha certeza que aquele calor que ela sentia se espalhando pelo seu corpo, vinha de outra fonte: quem sabe ele se manifestava toda vez que alguém conduzia um ato de gentileza, ou então quando uma risada soava tão verdadeira e feliz em um canto da casa, ou até mesmo quando ela via pelo canto dos olhos as luzes coloridas da árvore de Natal piscando, ou seu nome estampado numa meia pendurada acima da lareira.

Oh.

Era isso que as pessoas chamavam de mágica natalina, então.

Maura não era uma pessoa religiosa. Ela nunca frequentara nenhuma igreja quando criança, mas havia alguns valores os quais eram semelhantes aos ensinados pela religião de Jane. Como por exemplo, qualquer empatia no que se dizia respeito a ‘amar ao próximo como a si mesmo’ (ela tinha ouvido isso da última vez vindo de Angela), tinha sido aprendido como o equivalente ‘não faça para os outros aquilo que você não gostaria que fizessem a você’, porque seus pais, ainda que negligentes em afeto, foram excelentes em sua educação. Acreditar em uma entidade divina, entretanto, estava fora de questão. Não era de sua crença que fantasmas, espíritos, destino, anjos, possessões, demônios ou nada derivado desse universo pudesse ser real. Ao menos, ela preferia acreditar que a responsabilidade das ações de cada pessoa era, por definição, de cada uma delas.

Contudo, havia outro significado que o Natal carregava que ela podia, agora, associar com suas próprias crenças.

Recomeçar.

Revigorar.

Reinventar.

A habilidade de se desfazer e se montar de novo. De encerrar um ciclo, por vezes um carregado de provações, para começar um novo – mais forte, mais madura, mais sábia. Em seu ponto de vista, aquele dia em específico, aquela comemoração com pessoas que ela amava, não poderia ser melhor definida do que se não por essa palavra; recomeço.

E, oh, só ela sabia, com a mais extensa profundidade do seu ser que, naquele ano, ela tinha se partido em milhões de pedacinhos para, só depois, colocar-se de novo sobre os próprios pés – e ela ainda admitia que estava (re)aprendendo a andar.

‘Maura, qual toca você escolhe?’ Frankie tirou-a do transe. Ele estava andando em sua direção, e ela sorriu feliz, agradecida por estar ali com aquelas pessoas, sentindo o peito se inflar como nunca tinha antes.

‘Tudo bem se eu ficar com essa?’ Ela apontou para a toca vermelha, listrada de um verde brilhante.

‘Claro!’ Ele entregou a toca para ela, e andou em direção ao irmão mais novo e a mãe.

Maura colocou a toca na cabeça, e andou até Jane que estava na sala, mais uma vez implicando com o Papai Noel de enfeite que Frankie tinha trazido com ele. Ele tocava uma música e dançava, jogando o quadril de um lado para outro. Era engraçado e fofo ao mesmo tempo, mas a morena não parecia muito convencida com a performance dele. Ele não acende o nariz? Eu achava que ficava vermelho brilhante! A detetive tinha analisado com o cenho franzido, mas ninguém prestara muito atenção nela. Aparentemente, ela ainda tentava descobrir se ele estava, em partes, quebrado.

‘Ei, estranha.’ Maura disse quando se aproximou e suas mãos encontraram com a cintura da outra por vontade própria.

‘Ei, você.’ Jane sorriu para ela e estudou com explícita diversão a toca da loira. ‘Você parece uma elfa… Ridícula.’ Ela riu em seguida, inclinou-se para frente e beijou sua bochecha.

‘Cuidado, Jane. Você não quer alfinetar uma elfa logo na noite de Natal. Pode ser que você ainda pare naquela outra lista.’ Maura advertiu com uma sobrancelha erguida.

‘A lista das garotas malvadas?’ Ela inclinou-se e sussurrou como em segredo.

‘Essa mesma.’ Maura riu delicadamente em seguida e beijou seus lábios.

‘Hmmmmm.’ A voz grave ressoou da garganta da morena.

Os olhos escuros pairaram sobre a figura menor de Maura – aquele olhar devorava cada centímetro de sua pele, sua alma. De repente, abraçar Jane não era suficiente. Ela queria aquele mesmo contato de corpo nu com corpo nu, a pele da morena sob suas mãos, seu corpo sobre o dela. Ela queria recriar aquela mesma sensação de estar em segurança, ser cuidada, ser amada da forma mais íntima.

‘Eu mal posso esperar pela meia-noite.’ Ela disse baixinho para Jane.

‘Ansiosa pelos presentes?’ A morena brincou, acariciando suas costas.

Maura balançou a cabeça, um sorriso maroto brotando em seus lábios. Ela se inclinou para frente e sussurrou em segredo para a outra. ‘Porque eu sei que depois disso todos vão para cama. Inclusive nós.’ Ela plantou um beijo demorado no pescoço longo de Jane para não deixar perdido o significado.

‘Maura!’ A detetive repreendeu em um sussurro, arrancando uma risadinha da loira.

‘Ei, vocês duas!’ Angela gritou da cozinha, ‘é melhor que vocês venham ajudar a colocar a mesa.’ E não é como se Frankie e Tommy não estivesse fazendo isso, mas Angela Rizzoli, sendo quem era, exigiria a colaboração de todos os filhos na organização do jantar, não importava quão velhos eles já eram – é bom para a construção do caráter de vocês! Ela diria se alguém se opusesse.

Maura deixou as mãos caírem ao lado do corpo, sentindo as bochechas corarem levemente porque mesmo estando em uma distância segura, temia ter sido ouvida. Em sua percepção, ela notara que Angela não tirara os olhos das duas desde que chegara horas atrás. Qualquer toque e beijo trocados no decorrer o dia, Maura sentia o olhar da mulher estudando-as. Não era necessariamente em repreensão, era mais como se a mais velha soubesse que algo entre ela e Jane tinha acontecido.

A loira se convenceu de que era melhor parar com essa linha de pensamento antes que suas bochechas ficassem ainda mais vermelhas. Sua vida sexual com Jane era algo que ela, definitivamente, não queria Angela especulando, mesmo que fosse apenas em sua cabeça.

'Jane,’ Angela disse alto com a energia que tinha e parecia nunca se esgotar, ‘tá na hora da tradição número um.’ A tradição número um consistia em todos da família vestirem o suéter de lã que ela mesma tricotava à mão durante o ano. Cada Natal eles vinham em cores diferentes. Nos dois últimos anos, Jane se lembrava, tinha sido vermelho e verde, respectivamente. Esse ano era uma surpresa. A morena revirou os olhos e, com Maura, caminhou até o centro da sala. Frankie e Tommy já tinham seus pacotes em mãos. Eles estavam sentados no sofá, parecendo como se estivessem prestes a serem castigados. Maura riu consigo mesma, e Jane apertou os olhos em ameaça para a mãe quando alcançou o próprio pacote.

‘Maura, querida.’ A mais velha disse e se aproximou da menor com um outro pacote entre as mãos. Ele era embrulhado com papel de cor caramelo, e ao redor uma fita vermelha percorria e se encontrava para fazer um laço bem espalhafatoso. ‘Esse é o seu. Eu usei as medidas de Jane porque queria que fosse uma surpresa para você.’ Ela sorriu gentilmente e depositou o pacote nos braços esticados de Maura, seus olhos carregando pura expectativa e contentamento.

'Angela...’ Ela ergueu os olhos para Jane em surpresa – ela sabia que era um costume da família, como a morena já tinha lhe contado, mas não esperava estar incluída como membro oficial – e Jane levantou um ombro, como se dissesse eu avisei. ‘Angela, muito obrigada.’ Seus olhos se encheram de lágrimas com o gesto, e ela não pôde deixar de abraçar a mais velha.

'Ora, não por isso, querida. E não pareça tão feliz. Se você for alguma coisa como esses daqui,’ ela apontou o polegar para os três filhos, ‘você logo vai torcer o nariz.’

'Eu tenho certeza de que vou adorar, Angela.’ Ela disse.

Jane fez um barulho com a boca para deixar claro sua dúvida. Em seguida, ela rasgou um pacote de uma só vez, seguida pelos irmãos e Angela, revelando um suéter azul safira, na frente carregava bordado a letra R em amarelo. Sem ensaios, ela colocou o agasalho, sabendo que ficar sem não era uma opção. Só depois ela olhou para Maura, que ainda tinha o próprio suéter ainda nas mãos, parecendo encantada com o que seus olhos viam. Por pura curiosidade, Jane inclinou-se e leu as letras que marcavam o suéter da outra.

R-I.

'Rizzoli-Isles, posso assumir?’ Perguntou Maura para ninguém em específico, mas foi Angela quem respondeu.

'Bem, eu achei que você gostaria mais se tivesse gravado o nome das suas duas famílias.’ Angela disse sem muita importância, sem perceber o quanto aquela frase abraçou com mais carinho Maura do que o próprio suéter.

Jane assistiu enquanto a loira travava uma batalha para encontrar as palavras para, provavelmente, agradecer Angela. O jeito como seus dedos abraçavam o tecido como se fosse o presente de Natal mais precioso que já tinha ganhado. O modo como seus olhos brilhavam com lágrimas recém-fabricadas e como seus lábios se curvavam num sorriso tão puro que era quase infantil. Centenas de dólares amontoados em forma de roupa no closet da loira. Mas aquele suéter ridículo era o que Jane viria pendurado no primeiro cabide na sessão de inverno, por muitos anos.

'É melhor você colocar isso.’ Jane disse e tirou a blusa de suas mãos delicadamente. ‘Como você já sabe, é nossa tortura de Natal. Quer dizer, costume de Natal.’ Ela se corrigiu quando Angela lançou um olhar mortífero para ela, arrancando uma risada de Maura. A loira deixou que Jane a ajudasse vestir o item. As mangas eram mais compridas que seus braços, a bainha descia até o seu quadril, o amarelo no azul era chamativo e berrante, mas quando se olhou no espelho, mais tarde, Maura decidiu que aquela era a peça de roupa que mais lhe caía bem. Porque era uma peça dos Rizzolis, feita para ela, feita especialmente para ela, a mais nova Rizzoli da família – e ninguém mais poderia dizer o contrário, ou se ousassem ela apontaria determinadamente para as letras R-I. Rizzoli-Isles.

'É um pouco grande.’ Jane disse, arrumando a blusa nos ombros.

'Cabe em mim perfeitamente.’ Maura retrucou segurando a barra da blusa na mão, levantando os braços, provando sua flexibilidade.

Ela se virou para Angela, pedindo pela análise da mulher. A mais velha já tinha o próprio suéter no corpo – assim como os filhos, que pareciam bem infelizes – e colocou as mãos na cintura, maravilhada.

'Oh, Maura! Eu mal posso esperar pela foto em família!’ Ela bateu as mãos juntas, de repente. ‘Todo ano eu faço um álbum especial com fotos das festas comemorativas. Se lembra das fotos do dia de Ação de Graças? Vai tudo parar num álbum! E você ficou tão bonita! Jane, ela não está linda vestindo nossa tradição? Esse ano a foto vai ser linda, por sua causa!’ Ela exclamou animada. Mais do que o normal.

'Valeu, mãe.’ Jane disse e revirou os olhos.

'Você sabe o que eu quis dizer, Jane! Não seja boba!’ Ela deu um beijo no rosto da morena. ‘Agora, eu vou terminar o prato principal. Não gritem com a TV, como todo ano vocês fazem.’

'O que faz disso uma tradição.’ Jane murmurou em rebeldia para Maura.

Uma ervilha atingiu Jane bem no rosto enquanto Angela se levantava da cadeira para pegar uma segunda torta salgada. A morena franziu os lábios, irritada, ao passo de que agarrava o grão entre os dedos e arremessava de volta em Frankie. Ele tinha se desviado, fazendo-a errar o alvo. Maura riu, mas dessa vez era ela quem tinha sido atingida, bem no pescoço. Ela abriu a boca em um O, escandalizada. Riu em seguida, procurou pela ervilha – tinha aterrissado em seu colo – e jogou em Tommy, acertando em sua orelha quando ele tentou se esquivar. Todos riram baixinho na mesa.

‘Vocês estão brincando com a comida?’ Angela se virou, furiosa só com a suposição.

‘Não.’ Os quatro responderam em conjunto, entreolhando-se em cumplicidade.

‘Eu tenho certeza que vi algo voando.’ A mais velha disse olhando direto para Maura.

A loira apertou os lábios e olhou para Jane, pedindo ajuda.

Ela estava encrencada.

Ela nunca esteve tão feliz.

Seu coração já tinha doído – fisicamente – por experimentar dor. Ela já tinha sentido ele a ponto de explodir por causa de medo e desesperança. Ela também tinha experimentado aquela sensação terrível de aperto ao sentir angústia e culpa.

Agora, sentada no sofá de sua casa, ela sentia outra coisa.

A TV mostrava um programa de Natal em que ninguém prestava atenção. Tommy e Frankie conversavam aos cochichos. Angela virava as páginas de uma revista velha de decoração, vez ou outra lançando olhares para os quatro, como se para se certificar de que não estavam tramando nada. E Jane, bem, ela estava desmaiada no sofá, a cabeça no colo da Maura.

A loira corria os dedos entre o cabelo negro, acariciando gentilmente sua cabeça. A detetive nem se mexia. Maura só tinha certeza que ela estava viva porque conseguia ver o sutil movimento do seu peito subindo e descendo lentamente. É claro que depois de passar boa parte da noite anterior acordada, e somando o fato de que não tinha dormido até mais tarde, era natural que ela estivesse exausta.

Maura sorriu quando a outra apertou seu joelho inconscientemente. Com o polegar, ela acariciou o rosto de Jane e virou a cabeça para o lado quando seu nome foi sussurrado.

‘Ei, Maura, será que você se importa se a gente terminar aquele vinho que você abriu mais cedo?’ Tommy tinha perguntado.

A loira não perdeu o olhar afiado que Angela lançara para ele.

Ela sorriu, meneu a cabeça. ‘Nem um pouco, Tommy. As taças estão no armário, parte superior, na quarta porta, contando da direita para a esquerda.’ Ela gesticulou com o indicador, e ele sorriu e agradeceu.

Angela sorriu para ela, mas balançou a cabeça em negativo e revirou os olhos, como se dizendo esse menino não tem jeito. Maura sorriu em compaixão.

Quinze minutos depois, um vinho finalizado e uma Angela parecendo tão cansada como nunca.

‘Eu vou dormir.’ Ela anunciou. ‘Não fiquem acordados até muito tarde. Amanhã cedo nós abriremos os presentes!’ Ela disse para ninguém em particular. Beijou o rosto dos dois filhos, o adormecido de Jane e o sorridente de Maura. ‘Eu amo vocês.’

‘Eu também’, disse Frankie.

‘Amo você.’ Tommy respondeu.

‘Eu amo você também, Angela.’ Maura disse e apertou sua mão, reafirmando as palavras. Em resposta, a mais velha se inclinou e beijou sua testa.

‘Cama!’ Ela ordenou, embora tivesse um olhar brincalhão no rosto. ‘As duas!’

Maura meneou a cabeça em obediência, depois se virou para os dois homens. ‘Um de vocês pode dormir no quarto de hóspedes, sendo que a casa de hóspedes só tem dois quartos.’

‘Eu fico aqui.’ Frankie disse primeiro, ganhando de Tommy um soquinho no ombro.

‘Melhor eu cair fora, então.’ Ele disse enquanto se levantava. Acenou uma despedida com a mão e disse por cima do ombro, ‘boa noite e até amanhã!’

Os dois acordados responderam, enquanto Jane franziu o cenho.

Frankie tinha sido o próximo a se retirar, depois de ouvir as orientações de Maura sobre onde encontrar cobertas extras caso precisasse.

Agora, eram apenas ela e Jane na sala. A morena ainda dormindo profundamente no seu colo. Maura correu as mãos em seus braços de cima para baixo, com carinho. Ela se entregou ao momento e observou, gravando na memória, todos os traços finos e perfeitamente desenhados do rosto da morena. Os ossos da bochecha, o queixo anguloso. As sobrancelhas que pareciam sempre juntas em concentração, agora relaxadas. A ferocidade que era Jane Rizzoli, agora em seu colo, vulnerável e desarmada.

‘Jane?’ Ela chamou baixinho, mesmo deduzindo que a outra não fosse ouvir. ‘Eu amo você.’

A única resposta que teve veio segundos depois quando a morena se virou, encarando seu corpo agora. Apoiou a mão em sua barriga e suspirou. Maura riu baixinho, divertida. ‘Jane?’ Ela tentou mais alto dessa vez. ‘Você precisa acordar, meu amor.’ Ela acariciou as costas da morena, tentando despertá-la.

Seu corpo chacoalhou com a risada que tentou abafar quando Jane, aparentemente incomodada, balançou a cabeça em não nas suas pernas.

‘Sim, você precisa.’ Ela insistiu.

‘Hmmmm.’ A morena resmungou em protesto, mas não se mexeu.

Maura suspirou e revirou os olhos, quase em redenção. Ela sabia que teria um problema com a situação – Jane nunca ficava muito feliz em ser acordada no meio da noite, mas que opção ela tinha?! Mordendo o lábio inferior, em partes para tentar conter o sorriso que brotava em seus lábios, ela deslizou a mão um tanto quanto fria no pescoço da morena – seu corpo se encolheu num espasmo, como quando se leva um susto, e finalmente ela abriu os olhos.

‘Maura!’ Ela protestou, sem nem mesmo olhá-la. Fechou os olhos de novo, um tanto irritada, mas a loira não a deixaria em paz.

‘Não, não, não!’ Você precisa ir para cama. Ela passou um braço em baixo da nuca da outra, numa tentativa de levantá-la.

‘Tá bem!’ A morena concordou contra vontade, se levantou e deu dois passos para longe do sofá. Virou-se, de repente, para Maura, voltou e a pegou pela mão, como se tivesse voltado para pegar algo esquecido.

A loira colocou a mão na boca para esconder o sorriso, achando melhor não testar muito a sorte. Ela seguiu Jane até o quarto, observou com diversão enquanto a outra apenas se jogou na cama, sem nem mesmo se trocar. Soltou um suspirou exasperado e ela jurou que dormiria apenas de calcinha somente naquele dia, porque Jane estava esperando por ela – um braço levantando a coberta, bem no espaço onde ela deitaria.

Quando se acomodou na cama e o braço da morena laçou sua cintura, como toda noite, e um beijo foi plantado em sua nuca, ela se deu mais um momento para prestar atenção naquela sensação que vinha sentindo a noite toda: seu coração se inflando cada vez mais e mais, e talvez ele fosse explodir, mas ela desconfiava que ele era flexível e elástico e inquebrável, e que ele ainda fosse caber dentro dela, quebrando as leis da lógica e física, mas ela tinha certeza que ele tinha aumentado consideravelmente de tamanho – ela podia sentir.

Pela primeira vez, naquela noite, ela dormiu sentindo algo magnífico e imenso e inexplicável. E pela primeira vez, ela nem sequer tentou entender – ela se limitou apenas a desfrutá-lo.


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