- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 32
Trinta e dois


Notas iniciais do capítulo

Prometo que vou responder os comentários de vocês. Obrigada por lerem, indicarem, comentarem. ♥ Duda e Cris, obrigada por sempre ajudarem!



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O nível de estresse de Maura naquela semana não poderia ser pior. É claro que tudo tinha começado com a visita indesejada de seus pais, entretanto, ela tinha conseguido lidar da melhor forma possível com a presença dos dois ali, na mesma cidade que ela. Para ser honesta, ela poderia até qualificar o jantar com o pai como agradável. Tinha sido melhor do que ela tinha esperado, o que a deixara bem surpresa. Ela sabia, também, que em algum momento a mãe lhe pediria por um jantar ou almoço em particular com ela, e embora durante todos os anos a loira tivesse aprendido a construir uma barreira entre ela e a mulher, os exercícios que praticava nas aulas de Yoga vinham a calhar quando Constance decidia implicar com ela.

Tirando esse pequeno detalhe perturbador sobre os pais, ela agora tinha que lidar com Jane. Tudo tinha começado na manhã seguinte quando acordara com seu vestido completamente amarrotado. Ela quase teve um pequeno surto quando se sentou na cama e notou que vestia a roupa da noite anterior. Quando ela questionou o motivo de não ter sido acordada para que pudesse trocar para um pijama, Jane resmungou algo como 'eu tentei mas você não me ouviu'. Ela respirou fundo, se lembrando de que era só mais um vestido, que ela poderia resolver aquilo facilmente. Ela não ficou chateada por muito tempo depois disso. As duas saíram para almoçar fora, num pequeno restaurante italiano localizado dois quarteirões à frente do quarteirão do apartamento de Jane. Com um dia agradável, Maura pensou que ela poderia finalmente começar a relaxar, esperando que toda a tensão que ela criava era nada mais do que mera ansiedade por conta da presença dos pais ali.

Ela se provou errada quando, naquela noite, Jane chegou em casa e se sentou do seu lado no sofá segurando um envelope amarelo marfim nas mãos.

'O que é isso?' Maura perguntou, os olhos curiosos estudando tanto Jane quanto o envelope.

'Kendra e eu tivemos uma conversa antes, e apesar de eu achar que ela pega pesado algumas vezes nesses assuntos, eu pensei sobre o que ela me disse. E acho que ela pode ter razão.' Jane disse daquele jeito cuidadoso que ela sempre dizia quando estava prestes a acrescentar algo ruim.

'Você ainda não respondeu minha pergunta.' Maura a lembrou gentilmente, embora estivesse sentindo o estômago revirar.

'Você sabe que vai ter que depor.' Jane disse abrindo o envelope. Por alguma razão, Maura não conseguia deixar de olhá-lo.

'Eu sei.' Ela mumurou a resposta, agora já sabendo do que aquilo se tratava.

'Eu concordo com Kendra quando ela diz que você tem que se preparar.' Jane disse, se justificando.

Maura ergueu os olhos para ela, prestes a lhe perguntar o que queria dizer, quando a morena sem ensaios tirou três fotos do envelope e colocou na almofada do sofá, entre suas pernas. Maura estudou as fotos rapidamente. Elas diziam respeito à uma única pessoa. Duas fotos de perfil. Uma frontal. Ela não precisou de muito tempo para reconhecê-lo. Como se a mera presença daquelas imagens pudessem queimar sua pele, sua alma, ela se afastou com um pulo, os olhos lançando um olhar afiado para Jane, cheios de indignação e fúria.

'O que você acha que está fazendo, Jane?' Ela disse, se levantando e se afastando dela como se tivesse sido traída.

'Isso são só fotos, Maura. Elas não vão machucar você. Nós precisamos conversar sobre isso. Se você mal pode encará-las aqui, assim, o que vai acontecer quando você tiver que encará-lo na corte?' Jane pareceu cansada. Talvez contrariada. Maura não sabia dizer.

Ela abriu a boca, tentou e falhou ao elaborar uma réplica. Ela arfou em pura indignação, mais uma vez, e apontou um dedo para as fotos. 'Eu não quero vê-las. Eu não quero essas fotos dentro da mesma casa que eu. Jogue-as fora.' Ela exigiu com urgência.

Jane lançou um olhar inacreditado para ela. 'Você vai precisar encarar isso mais cedo ou mais tarde, Maur. Se você se preparar agora, se fortalecer para quando for depor... Ele não vai te amedrontar desse jeito.' Ela tentou negociar, oferecer um acordo.

'Agora!' Maura quase gritou, ainda apontando o indicador para as fotos que se recusava a olhar. Ela respirava pesado e ela estava tão irritada com Jane nesse momento. Ela queria pegar as fotos e rasgá-las, queimá-las, se livrar da existência delas. Ela queria gritar, também. Principalmente com Jane, mas ela não podia. Ela não podia porque ela sabia que essa raiva que sentia não era por culpa da morena, por ela ter trazido as fotos. Era porque Jane tinha lembrado-a do que ela precisaria fazer - do que tinha que passar. Ontem tinha sido um dia tão normal para ela, o mais comum que ela poderia se lembrar depois de muito tempo, o que causava um contraste enorme com o presente. Era isso que a irritava. O fato daquela história não ter acabado, de ainda não ter ficado para trás. O fato de que ela teria um encontro marcado, mais uma vez, com o seu bicho-papão. Ela já podia prever os pesadelos que teria naquela noite.

Jane se levantou também, uma tentativa inocente de acalmá-la. Ela tentou tocar o braço de Maura, mas a mulher deu um passo para trás. 'Eu sei que é difícil. E é por isso que nós temos que -'

'Jane, você não pode aparecer de repente com isso em mãos e esperar que eu reaja bem!' A loira exclamou, perplexa. 'Eu entendo que eu preciso depor, que eu vou estar no mesmo lugar que ele. Eu entendo isso tudo. Quando a hora chegar eu vou estar pronta. Eu vou.' Ela disse com ênfase quando Jane pareceu duvidar.

'Mas agora você não está.' A morena disse. 'Pense sobre isso, Maura. Eu quero ajudar você, mas eu só posso se você deixar.'

'Você e Kendra conversando sobre mim, pelas minhas costas, não serve como ajuda.' Ela rebateu furiosamente. Tinha sido tão infantil, ela sabia, mas ela estava tão insuportavelmente irritada agora. Aquela raiva que sentia dentro de si era explosiva, mas ela decidiu com um pouco de sabedoria que era melhor recuar agora do que machucar Jane.

Mas a morena tinha dado um passo à frente e colocado as mãos na cintura, como uma mãe prestes a dar um sermão na criança que se meteu em encrenca. 'Eu quero que você se lembre de que Kendra trabalha no seu caso, Maura. E que eu, assim como ela, tenho conexões com ele. Nós estamos nos organizando como profissionais para que esse julgamento ocorra da melhor forma possível, mas também porque nós nos importamos pessoalmente com você, é que estou fazendo isso.' Ela apontou para as fotos ainda em cima do sofá.

'Ninguém precisa que esse dia ocorra bem melhor do que eu.' A loira rebateu em pura teimosia, mais pelo fato de que não queria dar o braço a torcer. Mesmo assim, ela não queria ficar ali discutindo com Jane. Ela precisava de espaço. De silêncio. 'Eu preciso de ar.' Ela resmungou, virou as costas para a morena e nem se importou em registrar o que ela tinha dito. Com um último ato de rebeldia, ela bateu a porta do apartamento de Jane e caminhou em direção ao elevador.

É claro que ela não iria muito longe. Primeiro, porque ela não estava usando nada mais do que uma calça jeans e uma blusa de algodão, e o ar do lado de fora estava congelante. Segundo, ela não soube registrar quando aconteceu, mas agora que deixara a companhia de Jane, sua auto-confiança tinha se reduzido a pó - mais uma vez. Ela não queria andar pelas ruas e ver pessoas porque, de repente, sentia medo delas de novo. O elavador parecia ao mesmo tempo uma cadeia e um abrigo. Aquela sensação era sufocante.

O que diabos tinha acontecido com ela dentro desses dois minutos que discutira com Jane? Quando ela e Kendra tiveram tempo para falar sobre isso, afinal de contas? Ontem no pub? Seria possível que, enquanto Maura estava tentando com todas as forças socializar-se com tanta gente naquele lugar, Jane e Kendra estavam discutindo sobre ela, será que ela tinha se tornado um assunto assim tão banal para ser conversado numa mesa, entre goles de cerveja?

Ela abriu a porta que dava para a escadaria do prédio e sentiu o ar abraçar com brutalidade seu corpo. Estava tão frio lá fora, mas dessa vez ela não se importou. Fazia bem para os seus pulmões, queimava sua pele de um jeito delicioso. Ela não queria andar para longe dali, então apenas se sentou em um degrau e abraçou as pernas. Em menos de trinta minutos ela estaria congelada, mas dane-se. Ela precisava sentir outra coisa que não fosse essa raiva, vontade de chorar, esse aperto no peito. Ela respirou fundo diversas vezes, e sentia pouco a pouco o calor esvanecer do seu corpo. Quando ele começou a tremer, ela se abraçou com mais força. Ela tinha perdido noção do tempo agora, mas tudo o que importava era o frio. Ele serpenteava em sua pele, começando pelas pernas, subindo para os braços, nuca. Abraçando-a por completo. Quando se tornou demais, ela se levantou do chão tremendo incontrolavelmente. Aquilo serveria por enquanto, aquele tremor a manteria ocupada por alguns minutos que fosse. Suas unhas estavam roxas e seus pés formigando, e agora que ela caminhava de volta para dentro, para o elavador, ela ponderava se deveria conversar com Jane já que estava um tanto mais calma.

A morena estava justamente onde Maura pensou que ela estaria: inclinada sobre a bancada da cozinha, um copo de café entre as mãos, encarando a porta - agora, a loira - com um olhar que não entregava nada. E era por esse simples fato que Maura soube que ela teria que ser a primeira a falar.

A contragosto, ela suspirou e ofereceu a trégua. 'Eu não deveria ter gritado com você.' Ela disse, mordendo o lábio inferior. Ela tinha decidido que se Jane rebatesse, ela iria ser a pacificadora dessa vez. Ela não suportaria outra discussão. Tudo o que a morena fez, entretanto, foi balançar a cabeça em compreensão. Ela corrigiu a postura, de livrou do copo de café e depois caminhou até Maura.

A loira assistiu tudo com admiração. O jeito que Jane se movia sempre chamava sua atenção; mesmo se lentamente, Maura podia ver quanta energia emanava daquela mulher. Ela era tão forte. Quando a morena parou em sua frente, seus olhos negros caíram sobre os dela. Maura se sentiu nervosa, um tanto intimidada.

E ela sabia o por quê.

Jane tinha razão sobre aquilo tudo o que dissera e, só agora, depois da raiva, é que Maura começara a sentir medo. Principalmente, se adiconando o fato de que ela sabia, também, que a detetive não retiraria o que disse.

'Isso não pode ser fácil de jeito algum.' Ela disse e Maura sentiu o coração bater mais rápido. Um pensamento ridículo cruzou sua cabeça, fazendo seus olhos se abrirem um pouco mais em terror. Ela está terminando comigo, porque era sempre assim que as pessoas começavam aquele tipo de conversa. A solidão nunca tinha parecido tão real para ela, porque antes ela sempre fora sozinha, mas antes ela nunca prestigiara a presença de alguém como fazia com a de Jane. Mas então a morena continuou falando. 'Eu só quero que você entenda isso e, que não importa o que aconteça, Maura, ele não representa mais uma ameaça para você.'

Ela tinha se perdido nos olhos de Jane, escuros e acolhedores e tão reais. Tão meus. Naquele instante, porém, uma única coisa parecia errada ali. Aquela frase.

'Mas ele é, Jane.' Ela murmurou. Ou talvez tivesse dito apenas em sua mente.

A morena balançou a cabeça, passou os braços em torno do seu corpo frio. 'Não existe meio algum pelo qual ele possa se aproximar de você outra vez, Maura. Você nunca esteve tão segura como agora.'

Porque eu tenho você, porque você jamais permitiria que ele me tocasse novamente, ela pensou, encostando a cabeça no ombro de Jane.

'Você vai precisar repetir isso todos os dias e principalmente na corte.' Jane acariciou suas costas, mas foi o beijo em sua cabeça que a fez suspirar. Lá estava de novo, aquela vontade de chorar. Dessa vez ela apertou as mãos na cintura da morena, fechou os olhos com força. Ela se sentia tão mal agora, uma mistura de sentimentos que aparecia e sumia, um dando lugar ao outro numa troca rápida e impetuosa. Medo, vergonha, ansiedade, culpa, impotência.

'Jane.' Ela murmurou contra o pescoço da morena.

'Shh.' A outra disse. 'Eu sei. Eu já passei por isso e sei como é, mas ei, olha para mim.' E como em todas outras vezes, Maura fez. Ela piscou seus olhos verdes para a mulher, estudando seu olhar que agora transmitia confiança. 'Eu sei que você tá com medo agora, mas quer saber de algo? Quando você colocar ele atrás das grades, para sempre, quando você passar por todo o processo do julgamento... Você vai se sentir incrível. Mais forte. E Maura... você vai estar mais forte.'

'Ok.' Ela murmurou, não muito convenciada. Jane deslizou as mãos para cima e para baixo em seus braços.

'Vamos enrolar você num cobertor. Você tá tão gelada. Não sai de casa sem um casaco da próxima vez ou você vai pegar uma pneumonia.'

'Pneumonia é contraída por vírus ou bactérias.' Ela corrigiu automaticamente a morena.

Jane suspirou e revirou os olhos. 'Uma dor de garganta, então? Que seja.' Ela resmungou e embrulhou Maura na coberta que sempre ficava no sofá. Envolveu-a nos braços e se sentaram lá, bem próximas uma da outra.

'Você se livrou daquelas fotos asquerosas?' A loira perguntou, encolhida contra o corpo da outra.

'Elas pertencem à delegacia, então eu preciso levar de volta.' Jane acariciou seu cabelo.

'Elas me assombram.' Maura devolveu, se remexendo entre seus braços. 'Me desculpa por ter gritado com você.'

'Talvez você queira gritar com Kendra, também. Foi idéia dela.' Jane brincou, colocando uma mecha de cabelo atrás de sua orelha. 

'Talvez amanhã.' Maura brincou também e riu um pouquinho, mas em seguida o silêncio recaiu entre elas. A loira sabia que seria uma noite quieta para ambas. Era o fantasma do que tinha lhe acontecido pairando por ali, um lembrete sutil de que num futuro não muito distante ela iria enfretar seu maior medo - um que tinha um rosto bem humano, um nome.

Ela mal dormiu naquela noite. De madrugada sonhou que ouvia vozes; de Jane, Angela, seus pais, Frankie... tantas vozes. E a dele. Mas ela não conseguia ver nada, senão a escuridão. Ele sussurrava alguma coisa em seu ouvido, algo ininteligível que ela não consguia decifrar. Com um sobressalto ela se sentou na cama - Repolho tinha escolhido uma péssima hora para pedir por atenção. Ela empurrou o gato delicadamente com os pés, deitou de novo e virou-se de frente para Jane. A luz do corredor estava acesa - como ela sempre pedia para a morena deixar - e estudou os traços de seu rosto. Ela dormia profundamente, de modo que jamais saberia que Maura acordara de um pesadelo com o coração batendo terrivelmente contra seu peito. Ela acaricou o rosto de Jane com carinho e achou que ela fosse acordar quando o gato escalou suas pernas, cintura, entretanto ela continuava dormindo.

Por minutos e minutos Maura manteve-se acordada. O sonho tinha a perturbado de tal forma que agora ela não queria fechar os olhos porque isso significava ver apenas a escuridão - assim como no pesadelo. Bem, aquele tinha sido o primeiro de uma sequência que viria a seguir, ela sabia bem. Consternada, ela se virou de costas para a morena. Quão esquisito seria, de qualquer forma, se Jane acordasse com ela encarando-a? Além disso, Maura não queria explicar porque ela estava acordada. Ela ficou um tanto satisfeita quando o gato pareceu mais interessado nela e deitou-se de frente ao seu rosto. Ele estudava os olhos de Maura e toda vez que ela piscava, ele pressionava a patinha fofa tentativamente em cima deles. Era engraçado, e aquilo lhe roubou minutos de sono. Em certo ponto Jane se encolheu contra ela e abraçou sua cintura, seu rosto ficou escondido entre o cabelo e nuca da loira. Não muito depois, o gato cansou da brincadeira e decidiu dormir também.

E então era apenas Maura, seus pensamentos que a aterrorizavam trazidos por aquela voz que, naquela noite, não tinha um rosto.

Ela não queria mesmo vê-lo.


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