- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 20
Vinte


Notas iniciais do capítulo

Aviso: esse cap tem descrições de violência que podem ser gatilhos. Não são descrições tão gráficas, mas ainda sim...
Aviso 2: esse cap tbm é oh ♥
Aviso 3: minha beta sumiu (ela tem vida social, eu não, vou fazer o q?) então perdoem os erros. hahahahah



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'Bem...' Maura foi a primeira a se manifestar dentro daquela bolha silenciosa em que elas tinham entrado. Nenhuma das duas sabia o que dizer, elas continuavam se remexendo lentamente - como se qualquer movimento abrupto fosse um comprometimento à falar primeiro, o que nenhuma queria - olhando uma para a outra, trocando o peso dos pés. A presença seguida pela notícia e depois ausência de Kendra tinha deixado um clima pesado entre elas.

Maura poderia partir. Jane não queria pensar nisso por enquanto e a loira... Bem, Ela não sabia o que pensar sobre isso.

'Escuta, nós não precisamos resolver isso agora.' Jane gesticulou as mãos com impaciência.

'Mas nós precisamos, Jane. Você precisa retornar para tua vida normal. Esse tempo que passei aqui já te deixou distante demais disso. Do seu trabalho, da sua família e dos seus amigos.' Maura argumentou, sentindo um nó na garganta. Ela não tinha certeza do que estava fazendo. Ela nem sabia por que estava dizendo aquilo.

'Não. Tecnicamente eu estava trabalhando. Minha família e amigos... Isso eu posso resolver de outro jeito. Você poderia ficar, Maura, por quanto tempo achar necessário.' A morena devolveu, sentindo um vazio imenso no peito só de imaginar a casa sem Maura. Droga, ela sabia que a loira teria que voltar para a vida dela. Jane até mesmo tinha planejado - fantasiado - em como elas manteriam contato depois de sua partida. Agora que o tempo chegara, por que ela não conseguia aceitar o fato? A verdade é que a prenseça da outra mulher tinha feito um bem tão grande para ela. Jane também tinha um motivo para acordar todas as manhãs, e era mais do que a obrigação de ir para o trabalho. Era saber que alguém precisava dela de volta. Que uma única vida, aquela vida, precisava de sua presença para se estabilizar. Era saber que ela fazia um papel importante para Maura, tão importante que não poderia ser substituído por ninguém mais. Porque ela sabia como. Onde. Quando. Ela sabia como Maura gostava de sua comida sempre saudável e de ler ao lado da janela, na poltrona, sob a luz fraca do sol da manhã. Ela sabia onde Maura ainda sentia dores no corpo e como abraçá-la corretamente. Ela sabia quando Maura precisava de espaço, de consolo, de colo e de silêncio. Ela sabia, ninguém mais. E ela sabia também o quão estava sendo egoísta. Se ela continuasse pressionando Maura, estaria se comportando exatamente como uma sequestradora: insistindo e lhe prendendo para que ficasse. A escolha não era dela. A escolha era de Maura. Ela limpou a garganta para poder falar novamente. 'Quer dizer... Você é mais do que bem-vinda aqui, Maura. Se você quiser ficar, eu vou ficar muito feliz. De verdade. Mas se você decidir ir...' Ela deu de ombros. 'Saiba que eu gostaria de te ver uma vez ou outra, eu te considero uma amiga, e bem, você sabe...'

Certo, aquilo deveria servir. Maura era livre para decidir o que quisesse. E agora que podia... Ela ergueu as sobrancelhas e curvou os lábios para baixo. Ela não sabia. Ela não conseguia sequer imaginar como seria voltar para uma casa silenciosa e vazia. 'Eu apenas não sei por onde começar.' Ela murmurou.

Jane sorriu gentilmente para ela e esticou sua mão. 'Um passo de cada vez, Maura.' A loira segurou sua mão e concordou com a cabeça, Jane continuou. 'Vou ligar para a delegacia e pedir o dia de folga amanhã.'

'Não.' Maura protestou sem nem mesmo saber o propósito daquilo.

'Sim.' Jane insistiu. 'É o ultimo dia de trabalho essa semana, de qualquer jeito. E então nós vamos pensar numa solução, sem pressa.'

Sem aviso nenhum, a loira jogou os braços em volta de Jane. 'Eu já disse que jamais vou ser capaz de te agradecer pelo tanto que você tem feito por mim?'

Jane riu levemente. 'Tenho certeza que você mencionou uma ou duas vezes, mas eu posso estar enganada.'

'Nesse caso, não sei mais o que dizer.' Maura brincou e soltou Jane.

Diga que fica, a morena pensou mas apenas lhe sorriu de volta. Se elas apenas pudesse pedir por isso...

O acordo de que elas decidiriam o que fazer no dia seguinte - ou no final de semana, sem pressa - foi o que fez com que elas voltassem à atmosfera calma e tranquila dos dias que ficavam juntas em casa. Maura leu durante um curto período, Jane ligou para a delegacia para avisar de que não apareceria no dia seguinte. Perto das onze da manhã as duas começaram a cozinhar juntas. Maura ficou levemente irritada com Jane porque a morena continuava comendo as batatas que teoricamente estavam destinadas para um purê. Fora isso, tudo andava na mais perfeita calmaria que se estendeu também para o período da tarde. As duas se sentaram juntas no sofá e Jane segurava o Ipad nas mãos enquanto ela e Maura procuravam por algo para fazer naquela noite. Cinema tinha sido o primeiro a ser descartado - nenhum filme especialmente interessante. Maura tinha sugerido o planetário de novo - Jane sabia que ela o tinha feito porque Maura sabia que era o seu lugar favorito, e também porque nessa época quase ninguém aparecia, o que significava que entre todos os lugares, esse era o que ela se sentia mais segura. Jane sorriu e disse que seria ótimo, mas ao checar a previsão do tempo descobriu que uma chuva forte estava prevista para a noite.

'Oh, isso muda tudo.' Maura murmurou.

E não só aquilo mudava. O que acabou mudando o plano delas foi a visita inesperada de Angela. E mais o que ela carregava numa bolsa. Jane ficou bastante surpresa ao notá-la ali, mais uma vez em sua porta. De novo, a mais velha entrou sem esperar ser convidada e foi espalhando logo a notícia.

'Eu adotei um gato para você.'

'O que?' Jane virou-se para ela, tendo certeza de que tinha entendido algo errado.

'Eu disse que adotei um gato. Para você.' Angela disse de novo, agachou-se no chão e tirou de uma bolsa um gatinho cinza e branco, de talvez quatro meses.

A morena arregalou os olhos e ficou imóvel por um minuto. 'V-você... Você me trouxe um gato?'

'Ora, eu achei que te faria feliz. Ele precisava de um lar e, bem, pensei em você.' E isso foi tudo que Angela ofereceu. Jane observava embabascada enquanto a mãe passava o pequeno animal para o colo de Maura. A outra piscou os olhos verdes para ela, tentando claramente não rir.

'Mãe, sei lá, você pensou primeiro em me perguntar se eu sequer gosto de gatos?' Ela colocou as mãos na cintura, um tanto quanto irritada.

'Ora, Jane! Se você gosta? Quando você era pequena você costumava pegar emprestado o gato da vizinha e escondê-lo no teu quarto. Você até deu um segundo nome para ele! Como era mesmo?' Angela rebateu.

'Repolho.' Jane murmurou e abaixou a cabeça se sentindo ridícula. Não ajudou muito quando Maura riu, e quando a morena ergueu a cabeça para lançar-lhe um olhar afiado, a mulher tinha uma mão na boca para abafar o riso. 'Eu achava que ere um nome adequado.' Ela disse, mal humorada.

'Bem, Angela, você já tem um nome para esse aqui? Nós sabemos que Jane não pode escolher um.' Maura provocou.

'Ele não precisa de um nome porque ele não vai ficar.' A morena resmungou, cruzando os braços na frente do peito como uma criança teimosa.

'E por que não?' Angela parecia indignada, e Maura um tanto decepcionada.

'Tá, que seja.' A outra se deu por vencida e achou melhor não comprar a discussão com a mãe. Era apenas um gato. E bem, ele era fofinho. O que irritava Jane, na verdade, era o fato da mãe não ter lhe perguntado antes se ela considerava a idéia boa ou não. De qualquer forma, agora ela gostava como Maura parecia feliz com o gatinho no colo, o modo como ela coçava sua cabeça e ele rolava das suas pernas quase caindo no chão, apenas para ser pego pelas mãos delicadas da loira e devolvido em sua barriga, e tudo começaria de novo. Jane tinha se rendido a observá-la. Maura e Angela tinham embarcado numa conversa qualquer, uma que até então Jane ignorava. Até que algo pegou sua atenção.

'Você está solteira por muito tempo, Maura?' Angela perguntou.

'Por tanto tempo eu consiga lembrar.' Ela disse e riu consigo mesma.

'Oh! Você é tão bonita, aposto que tem homens caindo aos seus pés.' Angela continuou. Jane achou que não era um comentário apropriado, principalmente depois do que acontecera com Maura, mas ela deixou passar porque a loira não parecia aborrecida. 'Ou mulheres.' Angela então completou, e Jane sentiu o rosto corar.

'Mãe.' Ela castigou-lhe e a mais velha lançou a cabeça em sua direção para encará-la.

'O que? Eu sou cabeça aberta, Jane! Não há razão para negar o óbvio! Maura é uma mulher linda, e você também, se você quer saber. Aposto que vocês podem conseguir quem quiserem, homem ou mulher!'

'Ok, chega. Você já se fez entender. Vocês vão nomear esse gato ou o quê?' Ela perguntou, mudando de assunto.

'Sabe que eu até gosto de Repolho?' Maura provocou-a.

'Não.' Jane disse, decidida. 'Você não vai chamá-lo de repolho apenas para poder tirar sarro de mim. Não mesmo.'

Maura e Angela trocaram um olhar. Um olhar em cumplicidade.

Eu estava tão ferrada, Jane se deu conta.

'Repolho.' As duas disseram em unissono, concordando e rindo.

'Oh! Ele gosta do nome!' Maura afirmou, tendo como base sabe-se-lá-o-que. Talvez o modo como o gato tinha corrido pelo seu ombro afim de pegar seu cabelo.

E foi assim que naquele dia seu plano todo tinha mudado. Agora ela teria que ficar em casa com o gato novo, Repolho, sua mãe lhe irritando por algumas horas e Maura - que era a única parte boa naquilo tudo. Bem, se Jane fosse honesta, ela diria que estava feliz em ver Maura feliz com a presença do gatinho. Em certo ponto do dia Bass tinha aparecido e ela fizera questão de apresentar o gato para o jabuti. Jane quase esperava que a tartaruga fosse esticar a mão e dizer prazer em conhecê-lo. Ela não ficaria surpresa, considerando a educação de Maura.

A leveza do dia foi se extinguindo conforme a noite caía, entretanto. Era como se o relógio tivesse tiquetaqueando mais e mais alto, pressionando-as a decidirem logo o que fazer em relação aquela assunto que fora colocado de lado. Mas elas continuavam deixando para lá, porque tinham tantas coisas mais importantes no momento - como comprar um saco de ração, potes e uma cama nova para o mais novo habitante da casa. Então elas tinham ido ao mercado ao entardecer. Maura escolhera uma cama enquanto Jane se responsabilizara pela ração e potes - o que deixou a morena orgulhosa, porque mesmo que a loja fosse pequena, Maura tinha voluntariado a ir sozinha até a sessão de camas.

Uma hora mais tarde e tudo arrumado no apartamento, elas não tinham mais o que fazer. Decidiram por um filme, um jantar leve e uma taça de vinho - era a primeira de Maura desde que ela fora sequestrada, e ela só se permitira porque já não estava mais sob medicação alguma. Assim elas terminaram o dia: da melhor forma possível. Exceto que, ainda, Maura não tinha verbalizado, sequer decidido, o que faria em seguida.

...

A tempestade tinha sido prevista, mas qualquer pessoa que não tivesse consultado a previsão do tempo para aquele dia se surpreenderia como ela atingiu a cidade tão rápida e fortemente. O que acordou Maura, entretanto, não foi as gotas batendo com força contra sua janela.

Foram os trovões.

Eram dez minutos depois das onze, ela tinha adormecido rápido por conta do vinho, mas tinha dormido pouco. Quando o primeiro trovão soou, ela abriu os olhos e sentiu o coração disparar. Sentou-se cautelosamente na cama, procurando não fazer barulho. Ela tinha sonhado ou realmente tinha ouvido? Ela teve a resposta quando a luz prata cortou o céu e iluminou seu quarto, deixando-a na mera escuridão em seguida - bem, exceto que alguma luz ainda estava acesa, talvez a da sala. Ela respirou fundo algumas vezes. Não tinha razão para se apavorar. Era apenas uma tempestade, e só isso.

Só que não era só isso. Quando o próximo trovão soou, inesperado, ela levou as mãos nos ouvidos, tampando-os. Não era só o barulho. Era o que eles lembravam. Era aquela primeira noite que ela se encontrava fria, sozinha e desprotegida num lugar escuro que ela não conhecia. Eram os passos descendo a escada de metal, um degrau de cada vez. O eco parecia mais alto porque não havia quase nada naquele espaço, somente escuridão. E Maura nunca teve medo de monstros morando no escuro, nem mesmo quando pequena. Ela não acreditava neles porque nunca tinha visto um. Até então. Aquele, daquela noite, aquele que se vestia com a pele de um homem. Ele iria assombrá-la pelo resto de sua vida. Ele continuava descendo os degraus, e o som metálico cortava seus ouvidos. O som de seus passos, dos trovões e de seu assobio. Ele assobiava uma melodia mórbida, como se fosse a própria morte anunciando sua chegada. Ela só pôde vê-lo quando ele passou pela dobra que a escada fazia; na verdade, tudo o que ela via era a luz vinda de um lampião. Ele iluminava parte do corpo do estranho, e se luz era tudo o que as pessoas desejavam na escuridão, aquilo era tudo o que Maura queria se livrar. Porque ela podia ver com ela, mas também podia ser vista.

Não tinha para onde correr, e se tivesse, seria impossível. Um de seus punhos estava algemado. Aquilo só lhe dava a flexibilidade de andar até um certo ponto e depois voltar. Ela estava presa e alguém estava descendo as escadas e o que quer que acontecesse ali, naquela noite, seria abafado pelo som da chuva.

Quando ele alcançou o chão, colocou o lampião perto de seus pés e caminhou em direção à ela. Ela se afastou o máximo que conseguiu, mas seu espaço era limitado. As mãos dele subiu pelo seu corpo e ela virou o rosto porque se recusava deixá-lo ver que estava chorando. Ela não era fraca e ela iria vencê-lo. De uma forma ou de outra. Quando as mãos deslizaram pelos seus seios, ela agiu por impulso guiada por toda a raiva que sentia. Empurrou-lhe fortemente com as mãos, um gesto inesperado que acabou mandando ele para o chão. Só que aquilo tinha sido um movimento estúpido, ela entendera logo. O primeiro golpe - em seu estômago - veio tão logo ele se levantou. A dor cegou todos os seus sentidos, e ela se dobrou no meio para não vomitar - ou exatamente para isso, ela já nem sabia. Sem piedade, ele segurou em seus braços e a jogou contra a parede. Mais uma onda inacreditável de dor. Mas Maura não era alguém que se entregava fácil, e ela não admitiria que alguém a machucasse assim sem ao menos tentar se defender. Algo bateu de encontro com sua mão no momento em que ela atingiu o chão. Ela não sabia se era um pedaço de madeira porque não conseguia ver, mas parecia ser aquilo, então com agilidade e com o que restava de si golpeou-o nas pernas e depois com força na barriga. Aquilo afastou-o apenas por um minuto, porque depois ele voltou, agarrou-lhe pelo pescoço e lhe levantou do chão.

E riu. Uma risada maligna e insana. Ela desejou nunca mais ouvir aquilo de novo, mas tudo perdeu o sentido quando mais uma vez ele a atirou no chão. Suas mãos se rasparam na superfície áspera assim como seus joelhos. A dor tinha sido imensa, e talvez ele fosse embora depois disso e talvez não. Por ventura, reconhecendo o quão esgostada ela estava, ela tinha decidido que se proteger era a melhor saída.

E ela não se lembrava mais. Ela não queria lembrar, mas os trovões insistiam em sua cacofonia. Ela pressionava as mãos nos ouvidos mas podia ouvi-los assim mesmo. Como naquela noite, alguém poderia aparecer ali, e agredi-la, aremessá-la contra o chão, a parede. Alguém poderia, alguém estava vindo lhe pegar. Sua respiração tinha se tornado curta, aparentemente ineficaz. Ela começara a dizer para si mesma de que estava a salvo e de que Jane estava ali. Mas ela estava? Porque aquela sensação era muito maior do que ela, e ela tinha certeza que no próximo segundo, ou no outro, ele estaria de volta. Ele passaria pela porta e ela então estaria morta.

Só que ela não queria morrer. Não era por isso que lutara tanto da outra vez para escapar? Ela precisava de ajuda. Só que, e se ela gritasse por Jane e ele viesse? E se ele lhe encontrasse primeiro do que a morena? Maura tinha que decidir porque estava ficando cada vez mais difícil de respirar e ela logo perderia a change de poder chamar por alguém.

'Jane!' Ela tentou. Tinha sido alto o suficiente? E se a morena estivesse dormindo? 'Jane!' Ela tentou mais alto. Quando passos soaram no corredor, ela rezou para que fosse a morena, e não ele.

'Maura?' A outra tinha aparecido na porta, mas agora olhava para ela em completa dúvida. 'O que houve?'

'Eu preciso de ajuda.' A outra disse sem ensaios. 'Mas você não pode tocar em mim agora.' Ela adicionou. A idéia de mais alguém lhe tocando nesse momento era inaceitável. Ela simplesmente não conseguiria lidar com aquilo.

'Ok, ei... O que eu posso fazer?' A morena se ajoelhou no chão, apoiando os braços na cama. 'Quer me contar o que aconteceu?'

'São esses malditos trovões!' Maura exclamou e lágrimas cortaram seu rosto. Ela não queria, mas conferia a porta de vez em quando, apenas para ter certeza de que ninguém mais apareceria. Jane pareceu perdida, sem entender muito bem porque ela estava tão assustada. Por puro desespero, Maura lhe contou tudo. Sobre a primeira noite naquele lugar imundo, sobre os trovões. Ela contou o máximo que pôde e lhe foi permitido, porque ainda que a presença de Jane tivesse lhe acalmado a respiração, ela ainda estava desregulada.

'Oh.' Jane disse, se levantando. Ela contornou a cama e se sentou ao lado de Maura, mesmo a outra tendo pedido para que não chegasse perto. 'Maura, você tá passando por um flashback. Você sabe o que isso significa?'

'Eu sei.' Ela disse e soou como se realmente soubesse mas que não quisesse reconhecer como seu.

'Certo, primeiro: você precisa respirar com mais calma. Você pode respirar comigo?' Ela inspirou devagar e instruiu que a loira fizesse o mesmo.

Maura fez. E depois expirou. Repitiram isso quantas vezes necessário. Quando a loira melhorou significamente, Jane continuou.

'Muito bem. Agora você precisa tirar as mãos do ouvido.'

'Não.' Maura choramingou e negou com a cabeça. Era aquilo que aparentemente poderia lhe salvar: ignorar o som dos trovões.

Jane tentou de outra forma então. 'Maura, aonde você está agora e quem é que vai te proteger?'

'Em casa, e você.' Ela murmurou, logicamente.

'Exatamente. Aqui ninguém vai te machucar. Isso que você acabou de me contar ficou lá no passado. São só lembranças. E eu sei que são os trovões que desencadearam isso, e é nisso que nós precisamos trabalhar. Ok?'

A loira balançou a cabeça em sim, sem encará-la.

'Ok, ahn... Por que nós não tentamos algo assim: faça uma coisa que vai te fazer sentir bem, tão bem que da próxima vez quando os trovões aparecerem, você possa se lembrar disso em vez da coisa ruim que te aconteceu.'

Maura mordeu o lábio inferior e pensou por um minuto. A única coisa que poderia lhe fazer bem agora, era Jane. Nada mais. Ela ainda tinha aquela pequena aversão em ser tocada - apenas no momento - por causa do flashback que teve, mas toda vez que Jane a abraçava e tomava conta dela... Aquilo lhe restaurava como nada no mundo poderia. Ela lutou contra aquela sensação incômoda, finalmente se inclinou e então passou os braços pela cintura da outra. Sua cabeça descansou no ombro de Jane e ela suspirou contente com o abraço acolhedor que a outra lhe ofereceu em troca. Aquele toque, Maura se lembrou, era de gentileza, proteção, carinho. Nada relacionado ao que acontecera quando fora sequestrada.

'Você... você se sente bem assim, comigo?' Jane perguntou, metade em supresa, metade em orgulho.

Maura apenas balançou a cabeça em sim, apoiou a mão em sua barriga e suspirou. 'Jane...'

'Sim, Maura?' A morena descançou suas costas na cabeceira da cama, ajeitando a outra em seus braços.

'E se... eu ficar?' Ela perguntou, incerta. Porque ela sabia o que iria acontecer se ela fosse: depois de tudo que ela passou e ainda estava passando - do medo, tristeza, confusao, insegurança - ela temia que depois disso tudo viria o vazio. A solidão. E agora ali, no calor dos braços da morena ela se dava conta de que aquilo, exatamente aquilo, ela não teria se voltasse para casa. Em vez de Jane no meio da noite para lhe segurar durante o sono, ela teria o vazio e a solidão. E desses dois ela não sabia como escapar. O que fazer. Parecia tão mais fácil, seguro e garantido se levantar novamente com a ajuda da outra. Mas ainda assim, Jane tinha uma vida... E ela não teria que carregar Maura além do que já fizera.

'Se você ficar, eu prometo que vamos ter uma refeição saudável toda noite juntas. E sorvete.' Jane disse brincando.

A outra franziu o cenho e balançou a cabeça. 'Uma refeição saudável não inclui um pote de sorteve, Jane.' Ela levantou a cabeça para olhá-la. 'Se eu ficar... Nós precisamos conversar algumas coisas.'

Jane tinha previsto isso, ela já conhecia Maura tão bem nesse ponto. Ela deixou que a outra falasse, entretanto. 'Como, por exemplo...?'

'Todas as despesas da casa serão divididas em dois. Parte minha, parte sua.' Ela disse seriamente. 'E todas as despesas que você teve comigo até então, eu faço questão de arcá-las.'

'Não.' Jane disse imediatamente. 'Eu concordo com a primeira parte, mas não com a segunda. Você não precisa me pagar nada de volta, Maura.'

'Não seja ridícula, você comprou mais coisas do que deveria. Roupas, e livros, e tudo mais.' Maura argumentou.

'Você é tão teimosa. Eu disse não, e não entraremos num acordo.' Jane resmungou, balançando a cabeça para que Maura não a interrompesse.

'Isso te torna teimosa também.' Ela revirou os olhos. 'Além disso... Há uma outra condição. Você vai retornar para o seu trabalho. E não vai mudar absolutamente nada da tua vida social por minha causa.'

Jane riu e balançou a cabeça. 'Aqui vamos nós de novo: concordo com a primeira parte, mas não com a segunda. Minha vida social de antes era um lixo, se posso dizer. Você se lembra de quando veio para cá? Eu estava bêbada. Eu apenas saía de casa nas noites de sexta, bebia com Frost, Frankie e Korsak, e então voltava para casa. Tenho aproveitado melhor meu lado social com você e não quero que isso mude.'

Maura desconfiava daquilo mas resolveu ceder, de qualquer forma. 'Certo.' Ela escostou a cabeça no ombro da morena de novo, suspirando. Talvez aquilo desse certo, afinal de contas. Ela não queria ser um peso para Jane. Bem, a morena nunca a fizera sentir como se fosse um, mas agora voltando com sua rotina... quem é que saberia?

'Maura?' A voz da detetive veio rouca, baixa.

'Hm?' Ela respondeu mas não levantou a cabeça para olhá-la.

'A razão pela qual eu gostaria que você ficasse... Não é porque eu não acredito que você possa encarar daqui para frente por si mesma.' Ela engoliu seco, mal acreditando que estava prestes a dizer isso. Só que ela tinha que dizer, porque ela não queria que Maura pensasse errado. Não queria causar uma má impressão nela. Então ela engoliu o próprio orgulho e continuou dizendo. 'É só que porque você tá aqui, eu me sinto... importante.'

Isso chamou a atenção da outra. Maura se remexeu gentilmente, virando-se para encarar Jane. 'O que isso significa?'

A morena encolheu os ombros. 'Tipo quando Kendra disse que tudo é uma batalha perdida. Naquela hora eu pensei que ela tava certa, sabe? Mas então hoje quando eu disse para você fazer algo que te faça bem ou confortável, você veio e me abraçou... e eu me achei importante.' Ela sabia que seu rosto estava vermelho, mas ela foi recompensada com um sorriso... e um beijo na bochecha.

'Oh, Jane. Isso é tão doce. É claro que você é importante. Para mais pessoas do que você pensa.' Maura colocou gentilmente uma mecha de cabelo preto atrás da orelha de Jane.

'Eu só queria que você soubesse. Que eu acredito na tua independência, quero dizer.'

'Eu sei. Eu sei mesmo.' A loira sorriu de volta para ela e então voltou a lhe abraçar, a cabeça no ombro que já conhecia. 'Jane, você pode ficar aqui comigo essa noite, por causa da chuva?'

A morena acariciou as costas dela e riu. 'Depende. Você vai ficar aqui as outras noites?'

Maura estudou seu rosto por um momento. Ela sorriu e balançou a cabeça em positivo. 'Apenas se você disser que eu não vou ser um incômodo.'

'Você não vai ser um incômodo. Pronto, eu disse.' Ela falou rapidamente como uma criança ansiosa por doce, fazendo Maura rir. 'Eu juro pela minha mãe e pelo Repolho.' Porque era sempre bom reforçar.

Maura riu um pouco mais, fechou os olhos e focou na respiração de Jane. Era bom ter contato humano, para variar. Aquele tipo de contato. Era confortável, e Maura só não tinha caído no sono, ainda, porque de repente Jane começou a se remexer.

'O que você está fazendo? Maura franziu o cenho para ela.

'Deitando. Vem.' Ela disse simplesmete e Maura não protestou. Quando finalmente se ajeitaram, a loira se lembrou de algo.

'Jane. Eu acho que eu estou pronta. Para ver o Melvin, quero dizer.' Ela murmurou entre o sono.

'Oh. Ok. Quando você quiser.' Jane respondeu, acariciando suas costas. Maura estava virada de frente para ela, o rosto praticamente escondido no seu pescoço. Ela não disse mais nada, só continuava encolhida contra a morena. Quando o relógio de cabeceira marcou meia-noite, Maura se remexeu e apertou seu corpo contra o de Jane, laçando sua cintura. Repolho, o pequeno filhote de gato, apareceu um instante depois, se ajeitou na curva das costas de Jane e adormeceu ali. E a morena não conseguia pensar em uma maneira melhor de começar um novo dia.

 


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