- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 2
Dois




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Jane fechou a porta atrás de si e suspirou, se preparando para o que viria a seguir. Ela estudou a mulher loira - Isles, como Frost a chamara - que continuava em pé, apesar de ter sido orientada a se sentar. A detetive nem sabia seu primeiro nome. Frost parecia tão apressado que nem apresentara uma à outra. Ela se viu na obrigação, então, de ser educada e se apresentar. Antes que o fizesse, entretanto, ele tomou nota de cada traço da mulher. Ela era mais baixa, parecia pálida e magra demais, como se tivesse passado fome. Os olhos carregavam um tipo de cansaço e... medo? Jane se sentiu incomodada com aquilo. A outra mulher parecia aflita, até mesmo ansiosa. Ela não sabia que tipo de confusão aquela desconhecida tinha se metido, mas fosse o que fosse, deveria ser sério.

'Meu nome é Jane Rizzoli.' Ela disse de repente, e viu a outra se encolher um pouquinho. Achando que tinha falado alto demais, ela diminuiu o tom da voz. 'Frost perdeu as maneiras e nem nos apresentou.' Ela revirou os olhos. 'Qual teu nome?' Ela esperou enquanto a outra mordia o lábio inferior, olhando rapidamente ao redor da casa, para qualquer lugar, menos para os seus olhos.

'Maura Isles.' Ela disse baixinho, optando por encarar os pés vestidos de meias de Jane.

'Certo. Tudo bem se eu te chamar de Maura?' Ela esperou, e lentamente a mulher balançou a cabeça em sim. 'Ótimo. Eu sinto muito, acabei de me mudar e ainda não tenho uma cama em que você possa dormir.' Ela respirou fundo e jogou as mãos ao lado do corpo. 'Quer dizer, você pode dormir na minha, se quiser. Eu não me importo.' Ela começou a andar enquanto falava, gesticulando com as mãos e apontando o corredor para indicar o quarto. 'É logo ali.'

Mas a outra nem fez menção de segui-la. Continuou parada no lugar, como se nem tivesse ouvido sequer uma palavra, mas então...

'O sofá serve?' Ela sugeriu, uma voz tão baixa que entregava toda a incerteza. Quando Jane demorou demais para responder, ela finalmente ergueu os olhos verdes para ela - e ela parecia assustada, como se tivesse cometido um erro gravíssimo.

'Se você assim prefere.' Jane murmurou. Elas se encararam por um breve momento, e os olhos verdes se abaixaram de novo. Mais uma vez, a loira não se mexeu. O que há de errado com ela? Jane pensou com irritação, agora. 'Eu vou pegar uma coberta para você. Você pode se sentar se quiser.' Ela disse com indiferença, andando para o quarto. Ela escolheu uma coberta verde-queimado e grossa, considerando que as noites eram frias, apesar do ar quente rodando pela casa. Ao voltar à sala, colocou-a em cima do sofá. Maura havia se sentado na outra ponta, encolhida a ponto de parecer que queria não se fazer notar. De novo, Jane se sentiu ignorada - a mulher não deu indícios nenhum de que reconhecia sua presença ali. Agora mais curiosa pela situação, Jane se sentou na frente dela, na mesa de centro que ela achava que poderia ceder sobre seu peso.

'Você tá com fome?' Ela tentou começar uma especulação. Um simples meneio de cabeça a deixou entender que não. 'Você tem algo para dormir? Um pijama?' Ela observou enquanto os dedos da mulher apertavam e desapertavam a alça da mochila que ainda segurava nas mãos. Jane queria pedir para que ela parasse de fazer aquilo porque estava lhe dando aflição. Os dedos finos e brancos pareciam a ponto de se quebrarem por conta do esforço. E resposta não veio, então Jane perguntou de novo. 'Maura, você tem algo confortável para dormir?'

Com um sobressalto, a mulher balançou a cabeça vigorosamente em sim, e ela se encolheu ainda mais, talvez querendo sumir dali. Se dando conta de que sua presença causava incômodo, a detetive achou melhor recuar - pelo menos por enquanto. Ela se levantou e deu mais algumas instruções. 'Você pode apagar a luz ali, e se quiser uma fonte de luminosidade tem um abajur ali.' Ela apontava o dedo enquanto falava. 'O banheiro é logo ali, e é ao lado do meu quarto, então se você precisar de algo é só me chamar.'

Com um movimento quase imperceptível, Maura deixou-a entender de que tinha ouvido. Jane desejou-lhe boa noite, se dirigiu ao próprio quarto e fechou a porta, apoiando suas costas nela. Merda, aonde Frost a tinha metido? O que tinha acontecido com aquela mulher para que ela parecesse tão amedrontada daquele jeito? Ela passou a mão no cabelo e decidiu mandar uma mensagem no celular para o amigo; ela precisava mesmo saber o que tinha acontecido, e não era só por curiosidade. Ela tinha que saber como se aproximar dela, sem causar nenhum dano. A idéia foi por água a baixo quando percebeu que seu celular tinha ficado na cozinha - e ela não queria voltar lá agora e pertubar mais uma vez a mulher. Aquilo teria que esperar pela manhã.

No meio da noite - por causa da ressaca que comecava a aparecer - Jane sentiu a garganta seca, e por mais sonolenta e preguiçosa naquele momento, ela sabia que não dormiria bem se não tomasse água. Uma visita rápida na cozinha e ela soube que Maura ou não tinha dormido ainda ou havia acordado no meio da noite, porque ela agora estava encarando a janela. Ela pareceu se assustar com a presença de Jane, mas a outra balançou a cabeça em negativo como se dizendo para que fosse ignorada, e depois de beber um copo e enchê-lo com água mais uma vez para levar ao quarto, ela sumiu de vista, deixando a loira parada perto da janela, contemplando o que quer que fosse.

A manhã de sábado pareceu chegar lentamente - primeiro os raios de sol se infiltrando pela janela e cortina de seu quarto, depois o barulho do trânsito que crescia gradativamente à medida que as horas passavam. A morena esfregou os olhos e conferiu o relógio ao lado da cama - 8:37. Uma leve pontada na cabeça a fez enrugar a testa. Certo, ela deveria beber menos da próxima vez. Com um estalo, ela se lembrou de que algo tinha acontecido na noite anterior: havia uma pessoa desconhecida ali em sua casa. Com o coração levemente disparado, ela trocou de roupa o mais rápido que pôde. Uma camiseta roxa e calça jeans iriam servir para o dia. Ela escovou os dentes e lavou o rosto, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo em seguida.

Ela esperava encontrar Maura acordada, mas ao chegar na sala ela descobriu que a mulher dormia- encolhida no sofá. Bem, aquilo dificultava as coisas. Jane precisava ir na delegacia o mais rápido possível - ela teria uma conversa com Frost - mas ela também não queria deixar a mulher sozinha em sua casa, sem lhe informar de que estava de saída. Seria estranho. Talvez um bilhete? Não. Ela e Maura teriam que conversar pelo menos um pouco, o mínimo para estabelecer confiança, e abandoná-la ali logo depois das primeiras horas de sua chegada não era, definitivamente, uma forma de criar um laço.

O que ela escolheu errado, ela entendeu apenas depois, foi decidir tocá-la no ombro. 'Maura?' Ela chamou com uma voz calma, mas aparentemente alta o suficiente para alarmar a outra. Com um pulo, a loira tentou empurrá-la para trás. O que mandou Jane longe dela, entretando, não foi a força física - a outra era bem fraca; fora o grito que sucedeu ao chamado. Jane achou que a palavra tinha sido um 'não', mas fora pronunciado com tanto pavor que saiu distorcido à voz da loira. Ela se sentou rapidamente e protegeu a cabeça com os braços, o corpo encolhido no sofá, a testa tocando os joelhos que estavam dobrados ao peito; um deles carregava arranhões, e o outro uma gaze. Nas pernas, a pele branca era manchada com alguns hematomas e pequenos arranhões.

Jane ficou paralisada por um momento, primeiro por causa do choque em relação à atitude da outra, e depois por conta dos ferimentos. Tentando acalmá-la ela se inclinou para frente e tocou mais uma vez seu ombro. 'Maura, você está bem.' Mas como se sua mão queimasse, a outra se inclinou, tentando escapar do toque da morena.

O toque. Ela não quer ser tocada. Jane finalmente se deu conta e afastou sua mão rapidamente. Horrorizada, ela sentiu o coração bater com força no peito. Ela não sabia ainda o que tinha acontecido com aquela mulher, mas ela tinha quase certeza de que ela tinha sido vítima de agressão física. Ela ainda vestia a camiseta da noite anterior - que na verdade era de manga comprida - logo Jane não conseguia estudar seus braços para concluir se havia hematomas ali também. Provavelmente, ela pensou e engoliu seco.

Ela se ajoelhou no chão e colocou as mãos entre as pernas. 'Maura, eu não vou machucar você. Se lembra? Frost te trouxe aqui porque você vai estar segura comigo.' Ela ofereceu, mas notou que a mulher chorava e respirava com dificuldade. 'Eu não quis te assustar.' Ela murmurou, agora se sentindo tola. Ela deveria ter sido mais prudente; como ela relava em uma pessoa que mal conhecia? 'Há algo que eu possa fazer para você se sentir melhor?' Ela perguntou, quase implorando por um sim.

'N-não.' Veio a resposta cortada pelo choro, um lamento que doeu na detetive. Entretando, ela não desistiu.

'Vamos colocar um pouco de comida dentro de você. Aposto que você vai se sentir melhor.' Ela ofereceu singelamente, sabendo que por hora não poderia oferecer conforto maior - ela não sabia ainda o que se passara com ela. Sem esperar resposta, ela se levantou e foi procurar por algo em sua geladeira que não fosse cerveja - ou que não estivesse coberto por mofo. Com sorte, ela encontrou uma maçã e um último cacho de uva. Frutas que a mãe tinha trazido dois dias atrás. Droga, ela precisaria fazer compras também. Ela lavou as frutas, cortou a maçã e colocou numa pequena tigela com as uvas. Não era algo que geralmente ela faria, mas ela se sentia culpada e o pequeno desjejum preparado ali era como um pedido de desculpas.

Quando retornou ao sofá, ela se sentou ao chão, na frente da loira que agora evitava seu olhar. O rosto estava manchado por lágrimas, e as mãos tremiam levemente, ainda que estivessem segurando fortemente os joelhos. Quando ela viu as frutas sendo oferecidas, ela balançou a cabeça em não.

'Você precisa comer.' Jane disse, e assistiu com aflição enquanto confusão se instalava no rosto da outra. Ela levou uma mão à boca e mordeu a ponta das unhas, num gesto de ansiedade e quase medo. A detetive tentou outra abordagem. 'Você não precisa comer, me desculpa. Eu só quis dizer que preparei isso para você, e que se você quiser está aqui à sua disposição. Você está com fome?' De imediato, assim como Jane imaginou, ela parou de morder as unhas e finalmente encarou-a. Os olhos corriam dela para as frutas, e se ela parecia confusa agora era porque parecia não ter entendido o que acabara de acontecer. Com um sorriso, Jane soube que acertara pela primeira vez com ela. Maura precisava de ter seu controle de volta, de poder escolher por si mesma.

'Eu vou deixar aqui ao lado e você come se quiser, ok? Eu preciso ir na delegacia por uns minutos, mas eu volto logo. E eu vou precisar passar no mercado e comprar comida descente. É uma vergonha, mas não tenho nem mesmo para mim!' Ela disse num tom mais descompromissado e depositou a tigela no sofá, numa distância segura para Maura. Vestiu o casaco preto e colocou as botas de inverno. 'Você vai ficar bem sozinha? Você pode trancar a porta, eu tenho uma cópia da chave que carrego sempre comigo.'

Maura olhava com confusão para ela, para as frutas e para ela de novo. Com um balançar de cabeça - Jane achou que ela estava concordando com ela - a mulher se cobriu de novo e observou enquanto ela saía de casa.


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