- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 16
Dezesseis


Notas iniciais do capítulo

Cap maior do que eu planejava. Me doeu um pouquinho escrevê-lo (u)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/716855/chapter/16

Jane contava até dez em sua mente toda vez que via Maura fazer algo diferente. Escovar o cabelo. Conversar com Bass. Regar as plantas. Abrir a cortina. Cortar um pedaço de queijo e comê-lo.

Dez.

Às vezes, vinte.

Não tinha nada a ver com irritação, no entanto. Ela acreditava que se contasse até dez calaria a urgência gritante dentro de si em saber se Maura estava bem desde que acordara. Ela parecia bem, a morena dizia para si mesma, mas aquela voz lá no fundo de sua cabeça perguntava 'está mesmo ou está só evitando?'.

Bem, Jane também estava evitando. Era o elefante branco no meio da sala. Todo mundo via, ninguém comentava. Aquele seria o dia que Kendra faria uma coletiva com a imprensa, e considerando que na noite anterior Maura não tinha se manifestado de forma alguma... a detetive apenas observava. Cada movimento, cada piscar de olhos, esperando pela explosão.

Jesus, ela estava quase perdendo a cabeça. Elas não poderiam ficar ignorando o assunto que estava ali, pairando no ar. Antes do meio-dia, ela resolveu ligar a TV e assistir o que quer que Maura escolhesse para ver, não muito sábio de sua parte porque a loira acabou escolhendo um documentário relacionado à glândula paródita - Jane nem sabia o que uma glândula paródita era. Como aquilo foi entediante. Dentro de dez minutos ela queria conversar com Maura sobre a Coréia do Norte. Os Kardashians. Messias. Tutankamon. Qualquer coisa menos aquilo, por favor. Maura, contrariada, fez um bico que exibia toda vez que a morena começava a falar algo, apenas para deixar claro como estava ficando emburrada com a perturbação.

Depois do documentário (47 minutos de morte lenta, para Jane), a morena decidiu que precisava de ar fresco. Ela achou que seria uma boa oportunidade para Maura arriscar-se um pouco no mundo lá fora, mesmo que fosse apenas uma caminhada em torno do quarteirão. A outra não pareceu muito convencida, mas também não se opôs. Elas perderam vinte minutos discutindo uma com a outra a importância de Maura colocar uma blusa a mais (ela já estava com três).

'É um exagero, Jane. Sem contar que eu já tenho duas calças e duas meias! Eu já estou com calor.' Maura disse emburrada, cruzando os braços na frente do corpo e balançando a cabeça em não.

Jane suspirou, sabendo que aquilo era uma batalha perdida. 'Ok. Eu só quero que você fique bem aquecida. É o frio de Boston, você sabe. Mas o casaco e a bota de neve são indispensáveis.'

Maura revirou os olhos. Se aquela era a última condição, ela poderia aceitar. O casaco poderia ficara aberto, e a bota... Bem, aquilo era realmente necessário. 'Tudo bem.' Ela murmurou e acabou colocando o casaco que Jane lhe passara. Ela se sentou no sofá afim de colocar o calçado, e se surpreendeu quando Jane abaixou em sua frente para ajudá-la. A bota era da morena, o que significava um número maior do que o dela, mas não faria muita diferença. Jane alargou os cadarços dos dois pares e quando Maura colocou-os nos pés, ela ajudou amarrar um par enquanto a loira amarrava o outro.

Agora era a parte em que Maura ficava ansiosa. Era difícil para ela, e seria por um bom tempo, encarar o mundo lá fora. Antes que pudesse se perder num ataque de pânico, Jane estava lá, assegurando de que tudo estava bem, de que era apenas uma volta em torno do quarteirão e de que voltariam para dentro do prédio. Um plano simples e claro do que iriam fazer. Isso pareceu funcionar, calmando-a um pouco. Mãos em mãos, Jane seguia pelos menos um passo na frente de Maura. Era como a garantia de que ela estava sendo protegida.

Não tinha sido tão ruim. Não no começo. Elas andaram devagar na calçada coberta de neve, Maura observando tudo ao seu redor e Jane observando Maura. Era como se a loira desconfiasse de tudo, olhando para todos os lados afim não só de tomar conhecimento do ambiente que as cercavam, mas de que ninguém apareceria inesperadamente e a surpreenderia. Jane queria apertar sua mão e dizer que tudo estava bem, mas teve uma idéia melhor. Enganchou seu braço com a da loira de modo que elas andavam praticamente encostadas uma na outra. Aquilo serviu de conforto e ela relaxou um pouco mais. Em torno de dez minutos, andando lentamente por causa da neve, elas conseguiram completar a volta no quarteirão.

Então algo aconteceu.

Jane tropeçou em alguma coisa que não pôde ver porque estava coberta pela neve. Ela perdeu o equilíbrio e caiu no chão. O tombo foi em camêra lenta, inofensivo e engraçado. Maura, por outro lado, acabou se desesperando.

Um instante sem Jane ao seu lado segurando sua mão significava um instante exposta ao mundo. Mas não só isso. E se Jane tivesse batido a cabeça? E se ela tivesse desmaiado? O que Maura iria fazer? Elas não tinham nem mesmo um celular com elas!

'Jane!' Maura exclamou mas metade de sua voz ficou presa na garganta. Ela se ajoelhou rapidamente no chão, o que tinha sido um erro porque agora seus joelhos machucados gritavam em protesto. Ela ignorou a dor. Colocou uma mão na calçada fria e outra na barriga da morena. 'Jane, você tá bem?'

A outra demorou para responder porque estava... rindo. Ela se sentou e fez que sim com a cabeça. 'Esse foi o tombo mais ridículo da minha vida. E eu nem tô brincando.'

Maura se sentiu aliviada. Sentou-se sobre os calcanhares e chacoalhou a cabeça como se reprovando a atitude relapsa. 'Você me assustou. Você tem certeza de que tá bem? Bateu a cabeça no chão? Se você bateu a cabeça eu preciso dar uma olhada. Você sabe, para me certificar de que -'

'Maura, não foi nada sério. Eu não bati minha cabeça, se isso faz te sentir melhor.' Ela levantou e esticou as mãos para ajudar a loira a fazer o mesmo.

Maura trincou os dentes ao sentir os joelhos mandarem pontadas de dor, vingança por não terem sido escutados anteriormente. Jane notou o incomodo e de repente ficou preocupada.

'O que foi isso? Essa cara que você fez?' Ela estava de frente para Maura agora, uma mão na cintura.

Maura deu de ombros, não querendo que Jane se preocupasse ainda mais com ela. 'Só tô com calor. Eu te disse que esse tanto de roupa era exagero.' Ela brincou, um tanto insegura pela reação que iria causar em Jane, mas sorriu ao ver a outra sorrindo também.

E ela aprendeu a reconhecer aquele sorriso. Era um que ela vira um par de vezes, e que significava... travessura. Tarde demais para perceber o que iria acontecer, ela apenas teve tempo de colocar os braços em cima da cabeça para se proteger da neve que caía sobre si.

'Jane!' Ela protestou rindo enquanto a morena balançava o galho de arvore que pairava acima de sua cabeça.

'A gente nunca sabe quando pode nevar de novo.' Jane disse brincando, visivelmente se divertindo.

Maura juntou um tanto de neve na mão e jogou-o deliberadamente em Jane. Com a distância tão curta, ela não poderia errar; a bola acertou-a no meio do peito e se espatifou. A loira pareceu satisfeita consigo mesma e disse 'você tem razão', abrindo o mesmo sorriso travesso que aprendera com Jane.

A morena riu deliciada, tomou a mão de Maura na sua mais uma vez (agora tinha sido só por hábito, e não porque a outra realmente precisava) e elas caminharam de volta para dentro do prédio.

Jane decidiria alguns meses depois, no futuro, que aquele específico momento em que Maura e ela jogaram neve uma na outra seria a sua primeira lembrança feliz desde que mudara para aquele apartamento.

...

O clima entre elas havia definitivamente mudado desde então. É claro que elas não tinham esquecido do que acontecera na noite anterior, mas agora aquilo parecia estar mais distante de seus pensamentos.

Elas fizeram chocolate quente. Duas canecas tão grandes que segurando com as duas mãos os dedos não se encontravam. Jane colocou marshmallows para as duas, mas acabou roubando os de Maura com uma colher. A outra protestou, rindo, e disse que da próxima vez se sentaria longe de Jane no sofá apenas para garantir que ela tivesse os seus também.

'Bem, tem mais alguns na embalagem.' Jane informou.

'E você não poderia pegar por si mesma em vez de roubar os meus?' Maura retrucou enquanto se levantava. Ela queria marshmallow e iria lutar por eles.

'Tava mais perto.' Jane disse simplesmente ainda com a colher na boca. Ela sorriu e deu de ombros.

Maura revirou os olhos. Jane era tão infantil às vezes, mas isso em vez de irritá-la a fazia se sentir acolhida, querida e... em casa. Era como se tivessem vivido juntas por muito tempo - o que cronologicamente não era verdade - mas elas tinham se conectado de um modo peculiar, e o fato de Jane ser tão espontânea e sincera aquecia o coração de Maura.

Ela acrescentou mais marshmallows em seu chocolate quente e, como prometido, se sentou distante de Jane. A morena abriu a boca em 'o', e depois de assistir Maura bebericando o líquido, ela deslizou sobre o sofá apenas para provocá-la.

'Por favor, Maura, eu prometo que só vou pegar um.' Ela disse esticando o braço, tentando colocar a colher dentro da caneca da loira.

'Não!' A outra disse enquanto ria, depositando a caneca na mesinha ao lado do sofá e tirando-a do alcance da morena

Jane revirou os olhos e se deu por vencida. Literalmente. Ela fizera Maura rir, tinha recompensa maior que aquilo? Ela sentou-se novamente e deu de ombros. A TV estava ligada mas nenhuma delas prestava atenção. Não até o rosto de Kendra aparecer na tela.

As duas trocaram um olhar imediatamente. Jane segurou o controle remoto e aumentou o volume. Parte da notícia exibia Kendra dizendo 'duas vítimas foram resgatadas. A primeira, Maura Isles, 32 anos.' E então uma foto de Maura apareceu no canto da TV. 'A segunda, Kimberly Yves, 29 anos.' A voz de Kendra continuou falando enquanto a foto da segunda mulher apareceu. Loira, olhos azuis e pele clara. 'O suspeito ainda não foi encontrado, entretanto, isso é só uma questão de tempo. Nós já temos sua indetidade confirmada. É tudo o que vocês precisam saber por agora.'

Jane segurou a respiração e trincou os dentes. Ela sabia que tinha mais. Quando a imagem voltou para a jornalista, Jane fez uma oração silenciosa para que eles não tivessem cavado tanto. Quanto maior o drama, mais expectadores eles tinham, e para se certificarem de que eles tinham uma história boa para vender, mais detalhes eles precisavam, e por muitas vezes passavam do limite do aceitável.

A jornalista comentou sobre o hospital em que Kimberly estava internada, sobre como seu estado de saúde era estável, mas crítico. O que enfureceu Jane foi que de alguma forma eles conseguiram uma foto dela. Uma foto que a morena tinha certeza que vazara de dentro de BPD; apenas porque fora tirada no lugar imundo que ela tinha sido mantida. Era uma imagem horrível: Kimberly deitada no chão com os olhos semi-abertos, parecendo mais morta do que viva, um paramédico ajoelhado ao seu lado tocando-lhe o pescoço com dois dedos afim de conferir-lhe a pulsação. Ela estava suja e coberta de hematomas. Extremamente magra.

Jane levantou-se, furiosa, procurando pelo celular. Ninguém poderia ter acesso àquilo, era material da delegacia e somente para a delegacia. Alguém iria perder o emprego ainda essa noite. Ela tentou primeiro o telefone fixo e o código que a conectaria diretamente com a sala de Kendra na delegacia. Enquanto esperava pela conexão, Jane espiou Maura por cima do ombro. Ela assistia à tudo imóvel, exceto pelos olhos que piscavam de vez em quando. A morena encerrou a chamada quando se deu conta de que a linha fixa estava ocupada, e tentou dessa vez o celular. Apenas um toque foi necessário.

'Kendra.' Ela disse duramente, não irritada com a mulher, apenas preocupada com a repercussão daquela foto.

'Jane, eu sei. Eu já tô trabalhando nisso, droga!' Ela respondeu imediatamente, indiscutivelmente zangada. Jane também notou um tom de cansaço em sua voz.

'Me avisa se você precisar de alguma coisa.' Ela ofereceu, sabendo muito bem como era estressante lidar com isso tudo. 'E Kendra...' Ela começou, mas sentiu-se travar.

'Eu já coloquei o aviso de que o responsável vai pagar por isso. As fotos de Maura estão seguras comigo.' Ela adicionou, lendo os pensamentos de Jane.

'Ótimo.' Ela encerrou a ligação sem nem se despedir. Não era por falta de educação ou nada do tipo, era só que ela sabia o quanto Kendra tinha que lidar agora. O mais rapido possível.

Ela jogou o aparelho em cima da mesa e sentou-se perto de Maura novamente, depositando uma mão em seu ombro. 'Maura...' Ela mal sabia o que dizer. Ela ainda estava chocada pela foto. Pelo que aquilo significava - todo o horror, e medo, e dor, e fome que alguém passara. Ela podia dizer que Maura também estava abalada, mas de maneira muito mais profunda, por razões óbvias.

A loira balançou a cabeça e se levantou, subtamente. 'Eu preciso tomar um banho.' Ela murmurou e saiu, deixando Jane sozinha e preocupada. Ela respeitava os momentos em que a loira pedia por silêncio e solidão, mas sentia uma necessidade imensa de confortá-la. Sem ter muita escolha, Jane se sentou no sofá e acampanhou o resto das notícias. A foto de Kimberly e Maura acompanhada pela, agora, velha notícia de que tinham sido encontradas, aparecera mais uma ou duas vezes em canais diferentes.

Cansada, Jane desligou a TV. Nem ela e muito menos Maura precisavam ver aquilo de novo. Tinha sido aborrecedor demais da primeira vez, e ela nem sabia como Maura reagiria com aquilo no final das contas.

Acontece que a resposta veio mais cedo do que ela pensava. Um grito furioso - gutural e contido - cortou o ar seguido do barulho de objetos caindo no chão. Reconhecendo o ataque de raiva, ela se levantou imediatamente e correu para o banheiro, abrindo a porta (ela e Maura nunca a trancava) de uma vez. A loira tinha tomado banho, e vestia uma calça de moletom e apenas um sutiã esportivo - que deixava a mostra o resto de seu abdomen e costas marcados por manchas roxas. Jane desviou o olhar e tentou acalmá-la.

'Maura, ei...' Ela deu um passo a frente, mas em sua fúria Maura afastou suas mãos com as mãos dela, dando um passo atrás.

'Não!' Ela protestou entredentes. 'Não me toque.' Ela alertou, lançando um olhar afiado para Jane. Ela respirava fundo, seu peito subindo e descendo rapidamente como um animal ameaçado e bravo.

Jane sabia que era perigoso insistir, que Maura poderia descontar o que estava sentindo nela. A morena sabia, porque fizera o mesmo uma vez com sua mãe, seus irmãos e médicos.

Ela sabia também que espatificar coisas no chão, gritar e socar o que estivesse em seu alcance era inútil. Ela fez a única coisa que pensava que poderia ajudar: ela tentou contê-la. Rapidamente passou os braços pelo corpo de Maura e a abraçou por trás. A loira tentou se livrar dela, primeiro com toda a força que tinha, empurrando os braços da outra com os seus, e depois apenas cedendo ao peso do corpo em direção ao chão. Jane a segurou por longos minutos. Ela era mais forte, mais alta. Contê-la não foi tarefa difícil.

'Maura, eu não quero te machucar.' Ela dizia de novo e de novo, mas enquanto a outra não parasse de se debater ela não podia deixar de dizer. Quando suas forças se esgotaram, ela apelou através de palavras.

'Por favor, me solta.' Ela dizia ainda furiosa, mas agora a raiva estava mesclada com tristeza e medo, então aquilo soava mais como um pedido do que como uma ordem.

'Eu entendo que você está brava, mas arremessar coisas não vai mudar nada.' Jane sussurrou, tentando acalmá-la de todas as formas. Quando Maura tentou uma última vez se livrar de seus braços tentando deslizar para baixo, a detetive se rendeu ao movimento dela e as duas acabaram se sentando no chão, Maura entre suas pernas. 'Você precisa respirar, Maura.'

Era fácil falar, mas não exatamente fazer. Toda vez que ela tentava respirar fundo era como se estivesse engasgando. Ela acabava tossindo, se irritando ainda mais. De novo ela tentou se livrar de Jane e quando falhou miseravelmente, tensionou o corpo e algo entre um rugido e lamento de dor escapou de sua garganta.

'Eu sei, eu te entendo.' Jane disse baixinho para ela, numa voz calma. Ela já não segurava Maura com força. Ela sabia que nesse ponto a mulher não tinha mais energia para nada. A única coisa que lhe restara era o choro, um que começou quando a loira enconstou a cabeça em seu ombro e segurou com as duas mãos em seu braço. Jane deixou que ela chorasse por minutos e minutos seguidos, sem dizer nada. Era agonizante o som dos soluços e da respiração pesada, então em certo ponto ela começou a balançar Maura gentilmente de um lado para o outro, não só para confortá-la mas também para ter algo no que se concentrar. O puro movimento, a responsabilidade de não perder o ritmo.

Enfim, os soluços sumiram e ela respirava normalmente. As lágrimas ainda caiam copiosamente, mas o pior daquilo já tinha se passado. Agora começaria a outra parte. Jane orientou-a para que se virasse, de modo que agora o lado de seu corpo estava encostado em nela. Ela abraçou Maura mais uma vez e dobrou uma perna para sustentar suas costas.

Jane agora era seu abrigo.

A morena alcançou a toalha de rosto e ofereceu para Maura limpar os olhos e nariz. Depois disso, elas ficaram novamente em silêncio. Jane acariciava seu cabelo gentilmente, e depois de alguns minutos o corpo de Maura pesava tanto sobre o seu que era como se ela estivesse dormindo. Mas ela não estava.

'Poderia ter sido eu.' Ela murmurou tão baixinho que Jane duvidou ter ouvido. 'Ninguém veio por mim e nem por ela. Po-poderia ter sido tão pior.' Ela limpou os olhos mais uma vez, afundando a cabeça no pescoço de Jane. A morena apertou seus braços ao redor dela um pouquinho mais forte e por puro impulso beijou-lhe o canto da cabeça.

'Mas não foi. E se lembra? As pessoas estavam procurando por você, você só foi esperta e conseguiu escapar antes.' Ela disse baixinho, querendo desesperadamente que Maura ficasse bem de novo, ainda que soubesse que aquilo levaria tempo e que sua definição de bem, para Maura, era parcial. Ela nunca chegara a conhecer Maura antes disso tudo, ela não sabia quem Maura era, e seria, quando estivesse bem.

'Isso é tudo tão assustador.' Ela confessou, se encolhendo ainda mais. 'O que... o que vai acontecer agora, Jane? O que vai acontecer comigo, minha vida?'

Oh, aquela era uma pergunta tão difícil. Jane jamais saberia responder, porque ela também não soube meses atrás, quando se perguntou a mesma coisa. Mas ela tinha uma idéia, e era isso que era importante.

'Maura...' Ela começou, pensou por um tempo e só depois continuou. 'Você vai seguir em frente. Do mesmo jeito que eu segui, é isso que nós fazemos. E eu sei que você não é alguém que desiste, Maura. Ontem mesmo você me disse: dias melhores virão. E eles virão. Isso tudo é só... Vamos colocar assim, é só uma escalada. Você vai cair e se machucar e vai tentar de novo. Vai avançar alguns metros, muitos metros, até se sentir cansada. Então você vai ponderar se desistir e voltar para o chão é mais seguro e razoável, mas ao mesmo tempo vai se sentir dividida porque você já conseguiu subir tanto. E você sabe por que você vai continuar?' Jane perguntou. Quando Maura ergueu os olhos para ela e balançou a cabeça em não, ela continuou. 'Por que você tá fazendo isso por você, porque você sabe que se você chegar no topo você pode ver o horizonte. E é isso o que você quer ver.'

'E depois?' Maura perguntou, incerta. Ela não sabia exatamente do que Jane estava falando, embora entendia a metáfora.

A morena deu de ombros. 'Do horizonte nasce o dia, a luz, mas também a noite, a escuridão. Depende de que lado você olha, e depende do que você quer ver.'

Maura estreitou os olhos em pensamento. 'Eu ainda posso olhar para baixo.' Ela disse, logicamente.

'Oh, não. Isso não é mais uma opção.' Jane a apertou um pouquinho e as duas riram baixinho. 'Dias melhores virão.' Ela depositou um beijo na cabeça dela novamente, dizendo as palavras que Maura tinha lhe dito no dia anterior, lembrando-a de novo. 'Eu já sei pelo que você vai procurar.' Jane sorriu gentilmente para ela e recebeu um sorriso em retorno.

Maura suspirou lentamente e descansou a cabeça em seu ombro. 'Eu sinto muito por ter perdido o controle.' Ela se desculpou, encolhendo as pernas de encontro ao peito.

Jane estalou a língua. 'Não vai ser a primeira vez. Eu sei bem. Não há pelo que se desculpar.'

'Eu posso ter quebrado um vidro de perfume.' Maura brincou.

'Nesse caso você vai ter que comprar outro, mas fora isso estamos bem.' Jane disse e acariciou seu braço. Só então ela notou que Maura não tinha a faixa que geralmente estava em seu punho. Ali, a pele estava esfolada, vermelha e roxa, como um bracelete envolvendo seu braço. Ela suspirou e desviou o olhar. De todos machucados que ela vira, aquele parecia o pior. E ela podia imaginar como a loira conseguira aquela marca. Num momento já delicado, ela decidiu não mencionar nada. Outra coisa que ela notara, era que Maura estava com frio. Sua pele estava arrepiada, e embora ela não tivesse dito nada não era difícil imaginar um segundo motivo pelo qual ela estava se encolhendo mais e mais, inclusive contra o corpo quente da morena.

'Ei, tá frio aqui, vamos levar você para o quarto, ok?' Jane disse e Maura concordou com a cabeça. Elas se levantaram com ajuda uma da outra. Suas pernas queimavam por causa da posição que ficara por um longo tempo, mas Jane ignorou a sensação.

No quarto, ela entregou uma blusa confortável e quente para a loira que a vestiu imediatamente. Ela sugeriu que Maura descansasse um pouco, que tentasse dormir. Ela parecia exausta, e nem tentou convencer Jane do contrário. A morena suspirou aliviada e puxou a coberta para a outra, pensando que em seguida voltaria para sala, pegaria o celular e tentaria conseguir notícias com Kendra.

Seus planos mudaram, entretanto. Maura já estava sentada na cama, as pernas cobertas, mas ainda havia algo que ela queria saber.

'Jane, você acha que... Kimberly vai ficar bem?' Ela vira na TV, mas por razões óbvias acreditava mais no que Jane fosse lhe dizer.

A morena se sentou na cama ao seu lado, esticou as pernas paralelamente às de Maura. 'Eu honestamente não sei. Eu te contei tudo o que sabia a respeito dela. Eu quero ser positiva e pensar que sim.'

Maura encostou a cabeça em seu ombro. 'Eu nunca soube... Eu nunca sequer cogitei de que ele poderia ter... mais alguém lá comigo.' Ela disse baixinho, distante.

Jane não resistiu à urgência de passar os braços novamente em torno de sua figura pequena. Aquilo era inapropriado, ela sabia, mas dane-se. Ela não suportava ver Maura sofrendo, pensando que estava sozinha. A outra se encolheu e encostou a cabeça em seu ombro.

'Ela estava em outro prédio, Maura.' Jane a lembrou.

A loira deu de ombros. 'Ainda assim.'

'Maura... Você entende que salvando a si mesma, você a salvou também?' Jane perguntou para ela assim que o pensamento lhe ocorreu. Ela sentiu a outra balançar a cabeça em sim. Não tinha sido de forma direta, mas mesmo assim... Os policiais só voltaram no prédio porque precisavam checar o lugar de que ela havia escapado.

Outro suspiro, e Jane sabia que ela estava a ponto de dormir. Ela decidiu então dizer que teria que ligar para Kendra, se atualizar do que estava acontecedo com o caso das duas, descobrir se já tinham encontrado o responsável por vazar uma das fotos de Kimberly, e se lembrou de dizer também que qualquer foto que eles tiraram de Maura para evidência estava segura com Kendra. No final, Jane descobriu que tinha dito tudo aquilo em vão.

Maura estava dormindo tranquilamente em seus braços. A mão esquerda jogada sobre sua barriga, a cabeça pesando sobre seu ombro. Ela sentia a respiração pesada bater em seu peito, entregando o quão cansada ela estava. Jane ficou com medo de se mexer, temeu que se tentasse deitá-la na cama iria acordá-la. Não que fosse um problema grande, se isso acontecesse Maura só teria que dormir de novo. O fato era que, para Jane, aquilo tinha sido um gesto de confiança. Um pedido não verbalizado para que ficasse e lhe fizesse companhia. E depois daquele episódio de raiva e choro, Jane sabia muio bem como ela precisava da presença de alguém lhe abraçando, e segurando, e dizendo que tudo iria ficar bem. E, de novo, ela não poderia dizer não à Maura. Ela ficou, e esperou que as duas acordassem para um dia ensolarado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "-" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.