- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 10
Dez




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Em três dias a temperatura havia caído ridiculamente. A neve tinha dado uma trégua e o que sobrara fora o ar gelado tornando a vida fora de casas e prédios comerciais bem difícil. Preocupada com Maura, Jane se ofereceu para levá-la em sua casa para que ela pudesse pegar algumas peças de roupas que fossem adequadas para o inverno rigoroso. A mulher balançou a cabeça fervorosamente em não, dizendo que não se importava em continuar usando as únicas três peças que tinha. Jane não insistiu, embora achasse que fosse loucura. Calça jeans e moletom não eram roupas lá muito adequadas para a época, e porque Maura começaria a sair de casa com frequência (visitas ao psicólogo, fisioterapia, nutricionista) ela ofereceu levá-la então à uma loja para que pudesse comprar roupas novas.

Maura negou de novo.

Jane concluiu que o problema, na verdade, poderia ser que a mulher não queria sair daquele ambiente que agora sabia que era absolutamente seguro. Elas haviam caído rapidamente numa rotina não muito espetacular nos últimos dias. Na parte da manhã Jane fazia um café razoável. Enquanto Maura lia um de seus livros, Jane trabalhava de casa pelo computador. Uma pausa de duas horas para o almoço oferecia tempo de sobra para que elas conversassem, mas geralmente a loira respondia as questões pessoais de modo bem vago, e em certo ponto Jane aceitou que era melhor escutar ela falando sobre como tribos indígenas do Taiwan acreditam que deuses moram nas lavas de seus vulcões do que nada. Na parte da tarde Maura retornava à leitura, e era Jane quem a lembrava de comer de tempo em tempo. No jantar elas iriam assistir a um filme ou episódio de um seriado engraçado, e na hora de dormir Maura sempre apagava a luz, mas deixava a porta entreaberta, a luz do banheiro de frente ao seu quarto acesa.

Ela tinha pesadelos, Jane sempre acordava também. Ela nunca entrou no quarto de Maura nessas ocasiões, exceto uma única vez em que a loira parecia estar aterrorizada; um único grito de 'não' que fez Jane saltar da cama imediatamente, achando que alguém de fato tinha invadido a casa. Ela correu para o quarto e encontrou Maura sentada na cama, respirando fundo, entre lágrimas. A mulher se desculpou repetidamente, e mal olhava Jane nos olhos. Jane tentou confortá-la e convencê-la a se deitar de novo, mas Maura abraçou as pernas e se negou, dizendo que era melhor ficar acordada por um tempo, só por prevenção.

No dia seguinte, ela mal falara com Jane. Se por um lado Maura passara a falar mais - nada pessoal, mas ainda assim falava - por outro lado ela parecia tão distante, tão possível de alcançar.

Era sempre não. Não me toque, não me console. Não me leve em casa e não compre nada para mim. Não escove meu cabelo, não lave minhas roupas.

Em certo ponto ela começou a negligenciar Bass. Toda alegria e alívio por tê-lo reencontrado tinha desaparecido no dia seguinte. Ela andava pela casa e tropeçaria na tartaruga se Jane não a avisasse que ele estava no meio do caminho. Ela não tinha mais falado com ele, tão pouco alimentado. Era Jane quem o fazia. Às vezes, ela ignorava a presença de Jane também. A morena não sabia se ela estava perdida em pensamentos ou se só não queria ser incomodada e fingia não ouvir.

Quando Jane recebeu o último não — eu não quero ir em loja alguma - ela mordeu a parte inferior da bochecha para manter a calma e não revirar os olhos. Ela não sabia o que tinha acontecido. Ela desconfiava de que aquela reação tinha sido culpa dela. Desde que perguntara sobre a família de Maura as coisas pareceram piorar, e agora ela não sabia como consertar.

Um tanto quanto irritada consigo mesmo - e também com Maura - ela decidiu ineterpretar a atitude da outra apenas como teimosia. E Jane, teimosa também, foi por si só numa loja e comprou três vestidos de inverno - verde, azul e vermelho - simples, e um casaco pesado e decente. Maura encarou os items, agradeceu e se retirou para o quarto.

Intrigada, a morena deixou-se tomar pelo cansaço e se deu por vencida. Ela não entendia Maura, e naquele final de dia apenas queria ignorá-la também, porque afinal de contas ela tinha tentado de todas as formas se aproximar dela e tentar fazê-la se sentir bem, mas era um jogo duro de se ganhar.

Na manhã seguinte - depois de alimentar Bass - ela deixou um bilhete na geladeira dizendo que voltaria dentro de duas horas. Maura não tinha aparecido ainda às oito, e dessa vez a porta de seu quarto estava fechada, um aviso nada sútil sobre não querer sem incomodada.

Às nove, Jane se encontrou batendo na porta do escritório de Kendra. Para sua própria surpresa.

'Rizzoli?' A mulher levantou a sobrancelha, certa de que uma Jane Rizzoli nessa hora da manhã era problema na certa.

A morena entrou na sala, excepcionalmente quieta, se sentou em frente à Kendra e cruzou as mãos no colo.

'É tão sério assim?' A outra perguntou para ela depois de dois minutos inteiro de silêncio.

'Eu disse que não sabia como ajudá-la. Eu não sei. Mas não tenho outra saída porque sei que você não vai tirá-la de lá. O que eu faço então, Kendra?' Jane perguntou, redimindo-se à pressão que empurrava seus ombros em direção ao chão.

A mulher cruzou as pernas e encostou-se na cadeira, batendo os dedos na mesa como se estudando Jane. 'Caramba, Rizzoli. Eu não achei que você fosse ficar assim tão... acabada.' Ela segurou o riso, e Jane fechou os olhos e contou até setenta e sete para não dizer o que pensava sobre ela naquele momento. Kendra riu finalmente e perguntou, 'o que aconteceu, afinal?'

Jane ergueu as mãos e deixou toda frustração escapar. 'Ela não... Deus, ela é tão... distante! Eu tento me aproximar e oferecer conforto, ela me afasta. Eu mostro preocupação, ela se afasta. Quando conversa é apenas sobre coisas impessoais, como se ela estivesse apenas assistindo o mundo e fazendo comentários sobre ele. É como se eu fosse um fantasma, ás vezes, e até mesmo a -'

'Jane, calma.' A outra levantou uma mão pedindo por paciência. 'Vamos considerar duas coisas. Primeiro, ela acabou de ser resgatada. Eu sei que já são alguns dias, mas ainda é recente. Segundo, ela ainda não começou o tratamento psicológico. Tudo o que ela sentiu quando estava lá, somado com a adaptação do aqui, é latente. Tudo está a flor da pele, Jane. Talvez ela não esteja sabendo lidar de outra forma.' A mulher bateu os dedos levemente na mesa, considerando. 'Talvez ela esteja... envergonhada. Se sentindo exposta demais, vulnerável.'

'Me diga algo novo.' Jane murmurou e suspirou.

Kendra pressionou os dentes e segurou a respiração. Ela sempre esperava por uma Jane que seria explosiva, mas agora a mulher parecia tão desanimada que mal parecia ser quem era. Ela tomou um certo tempo para tentar encontrar uma solução, e quando achou que tinha uma, inclinou o corpo para frente afim de manifestar a idéia.

'Certo, o que posso te dizer é que, antes de ser sequestrada, ela era uma mulher bem independente, assim como você é. Como você se recuperou, Jane? Como se colocou de volta em seus pés?' Ela perguntou calmamente.

Jane jogou as mãos para cima. 'Eu não sei... Levou tempo? Talvez... Talvez ela deva voltar a fazer coisas por si só? Cozinhar, sair para os lugares que escolher ir, isso é, considerando que ela queira sair.'

'Pode ser que dê certo.' Kendra deu de ombros, considerando o que foi dito.

'Pode ser? Kendra, eu realmente preciso saber de algo que funcione. Foi para isso que vim aqui.' Ela disse irritada, apontando a mão agora para a outra mulher, para o escritório.

Kendra apenas riu e balançou a cabeça em não. 'Como se todos nós tivessemos uma resposta para isso, não é, Rizzoli?'

Jane apenas revirou os olhos e, sabendo que a mulher estava certa - quem é que realmente sabia o que fazer? - não disse nada.

'Olha...' Kendra começou de novo. 'Você deve saber melhor do que ninguém. Ela está vivendo com você. O que ela está te pedindo, Jane? O que ela está esperando de você ou de alguém que você não conseguiu ver ainda? Ela está mais em contato com você do que comigo. Você pode observá-la melhor do que eu.'

Jane coçou a cabeça e pensou por um minuto. Ela balançou a cabeça, tomando em consideração tudo o que a mulher lhe dissera. 'Certo.' Ela murmurou. 'Eu vou pensar mais sobre isso. E tentar algo... Ela tem a primeira sessão de terapia amanhã, de qualquer forma. Se não eu, alguém mais vai poder ajudá-la.'

Kendra sorriu levemente e cruzou as mãos sobre a barriga. 'Eu gosto de ver que você tá se esforçando.'

'Ah, me poupe.' Jane resmungou e se levantou, andou até a porta e segurou a maçaneta com as mãos. Virou para trás para encarar Kendra mais uma vez. Ela não era assim tão impertinente. Ela lançou um sorriso brincalhão para a outra e disse provocando, 'obrigada pelos conselhos, Melanie Klein.'

'Não abuse da sorte, Rizzoli.' A outra devolveu com um revirar de olhos, tão convincente quanto os de Jane.

E, com algo a mais para se pensar, a morena decidiu que ainda naquele dia daria um jeito na atitude não muito apreciada de Maura.


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