Crianças Noturnas escrita por Lilac Kane


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos à Firenzia



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Firenzia, a cidade tomada pelas crianças noturnas, ou como éramos mais conhecidos: vampiros. Antes fosse que a cidade tivesse sido tomada por nós; pouco depois que o rumor tinha sido espalhado, o governo fez questão de atacar-nos, e diminuir nosso número até que pudesse nos controlar; muito sábio de sua parte, temos que admitir. Felizmente temos muitos milênios de prática a mais. Foi realmente fácil induzi-los a assinar um Tratado que garantisse a nossa imunidade enquanto os números humanos de nossa querida cidade não diminuíssem.

  Mesmo com o tratado, o governo sentiu necessidade de criar um grupo da elite, treinado especialmente para conter-nos se o Tratado fosse violado e a situação saísse do controle. Iluminados, ele os chamou; nome interessante dado como éramos conhecidos. Certamente era muito sonoro para o governo avisar “Nosso fiel grupo de Iluminados se encontra em luta contra as repugnantes criaturas noturnas para salvar a nossa cidade”.

  Bem, vamos dizer que isto aconteceu à cem anos atrás; o que é verdade. O governo de Firenzia não e mais o mesmo, nem os humanos com quem convivíamos, unicamente o Tratado é o que continua igual.

 Sinceramente não sei a necessidade humana de celebrar tudo, tanto os aniversários, quanto as mortes; até a vitória de um simples jogo pode se tornar uma situação de comemoração formal. Tudo bem, tudo bem, posso estar sendo chata demais quanto a esse quesito; mas na realidade, a parte chata é que você não pode simplesmente faltar essa situação social.

Hoje é o baile da comemoração de cem anos do Tratado, ou seja que nós havíamos sido controlados. Sei que este motivo é muito importante para a raça humana e é certamente muito importante para a raça vampiresca que mostremos o nosso controle para a sociedade, especialmente pelo fato que a minha família, ou seja, o meu clã é o mais antigo de Firenzia, já que a maioria de integrantes do nosso clã estava presente quando o Tradado foi assinado.

Nosso palácio é enorme, bem, toda cidade é repleta de palácios, castelos e mansões deslumbrantes, além de que todas são localizadas em uma floresta. Firenzia é dividida em povoados, ou aldeias e cada uma é “governada” pela família moradora do castelo.

 -Selene, venha. – Chama-me Ambrosia da escadaria. Tenho imensa curiosidade em saber seu nome humano, já que ao sermos criados, esquecemos parte de nossa vida humana, incluindo nosso nome; é como se fosse um espaço em branco que nunca consegue ser preenchido. Então seu criador lhe batiza com outro nome, geralmente com um significado que remete à sua personalidade. Mesmo que esse costume de batizar os recém-criados com um nome significativo tenha sido deixado de lado por alguns nosso clã o preservou. Nem devo ter falado de nós...

Os primeiros foram Gaspare e Ambrosia, Gaspare foi o criador do resto de nossa família, incluindo Ambrosia, a mulher que ama; sim, nós vampiros somos capazes de amar. Thyia e Orfeo foram criados praticamente juntos, eram irmão quando humanos, fui criada logo depois, batizaram-me de Selene. Callidora e Kora vieram depois, Gaspare preferiu deixar nosso clã pequeno, como se fossemos uma família, além do fato do controle; certamente não queríamos que o Tratado fosse violado e que um monte de humanos viessem nos matar.

  -As outras já estão escolhendo seus vestidos. Você sabe que esta noite é muito importante.- Fala Ambrosia, já subindo os degraus. Sigo-a rapidamente pela escadaria até o sótão; o qual foi reformado para servir de guarda-roupa.

 Ao chegar lá as meninas já estão remexendo as anáguas, rendas e babados dos vestidos antigos. Incrível o fato de conseguirmos dividir um guarda-roupa, já que temos tantas opiniões diferentes; além do fato de que, obviamente, termos que vestir algo que combine com a nossa coloração natural.

 Alguns anos atrás começamos a arrumar os vestidos de forma que cada uma de nós tivesse o seu próprio espaço. Com a pele pálida e a figura esguia e delicada, as únicas características que nos diferenciavam tinham que ser mostradas. Por isso Thyia sempre escolhia vestidos azuis, que valorizavam seus olhos, assim como Kora que sempre escolhia valorizar seus enormes olhos verdes. Ambrosia e Callidora valorizavam seus cachos e ondas, que eram, respectivamente pretas e ruivas. Já eu, não ligava tanto para valorizar meus atributos marcantes, mas era sempre imposto que eu usasse vestidos dourados ou com detalhes metálicos para valorizar os meus olhos amarelos.

 Inicialmente não achávamos que Kora tinha as qualidades que toda vampira precisa ter, já que sua personalidade bondosa e gentil se sobrepunha facilmente à sua força.

  -Qual deveria usar?- Ouço sua voz fina perguntar; já era algo típico dela querer ajuda para escolher o vestido. Em suas mãos estavam cuidadosamente estendidos dois vestidos, um verde claro e um rosa. Sinceramente não era a melhor pessoa para dar dicas de beleza e moda, dado que Ambrosia sempre fazia questão de opinar no vestuário e aconselhar na produção do cabelo e na maquiagem.

 E como de costume Ambrosia já tinha em mente a pergunta e antes que qualquer uma das outras pudesse opinar, ela já exibia uma tiara e braceletes que combinavam perfeitamente como vestido rosa claro.

Olho ao meu redor e percebo que todas já estão escolhendo entre duas opções e eu ainda nem tinha começado a olhar os panos. Estendo a mão e pego um preto com detalhes dourados, com poucos babados e uma saia sem muito volume.

Vamos até um grande armário em uma das paredes opostas ao vestidos para pegar os sapatos. Sinceramente, odiava saltos altos com todas as minhas forças; era pedir muito para ir descalça?

Todos os pares eram extremamente altos, não tinham muitas variações; o mercado de sapataria não era, nem de longe, tão desenvolvido quanto o de vestidos. O modelo mais popular era uma bota de cadarços, já que tinha uma maior variação de cores.

A parte de se arrumar definitivamente era a pior. Além de sempre precisarmos de outra pessoa para ajudar a ajeitar tudo que ficava embaixo do vestido; e todas precisávamos de ajuda para amarrar o espartilho, oque eu gostava de chamar de “assassino de pano”, já que com aquilo era praticamente impossível respirar direito.

Desço e entro junto com Thyia em um dos “quartos de vestir”, que eram basicamente quartos normais, mas não tinham a cama, o que dava espaço para um espelho imenso que ajudava na hora de se arrumar, honestamente eu achava aquilo uma inutilidade; mas a casa era enorme e tinham quartos sobrando.

A parte de colocar os vestidos era praticamente involuntária, e quando percebemos já estávamos com o espartilho e com algumas anáguas e a única coisa que faltava era colocar o vestido por cima.

Paciência era algo que nenhuma de nós tinha, então ignoramos a quantidade absurda de pós sobre uma mesa e ajeitamos os cabelos de forma rápida, adicionando uma tiara e alguns prendedores. Colocamos algumas joias e descemos para esperar o resto do clã.

Pouco tempo depois Kora e Callidora aparecem, com bochechas rosadas até de mais e os cabelos para cima com vários prendedores. Ambrosia aparece com Orfeo e Gaspare, que usam ternos e um pouco de gel no cabelo. O que eu não faria para ser homem em uma situação dessas...

Completamente contra o meu paladar, Ambrosia estende um pequeno frasco com o líquido vermelho escuro que conhecíamos muito bem; infelizmente, eu já sabia que se a fome aparecesse repentinamente teria que beber do sangue no frasco; mesmo em um local cheio de humanos completamente inúteis para o mundo.

Ao saímos do palácio uma enorme carruagem preta nos aguarda para levar-nos até o baile. Os bancos aveludados e a falta de janelas deixaram o ambiente ligeiramente desconfortável; infelizmente achavam que nós gostássemos de ambientes escuros e abafados.

Ao chegarmos os mordomos estendem suas mãos para nós, mas logo se afastam ao receber um toque gelado, afastando seus membros de nós. Era sempre assim. Suas expressões, antes gentis se tornaram um isto de medo com nojo, que conhecíamos muito bem.

—Finalmente! Achei que não viessem mais! – Fala o chefe do Governo, percebo uma fina gota de suor descendo pela sua testa; a falsidade daquelas palavras foi tão intensa que até os convidados que chegaram depois de nós e também esperavam para ser anunciados perceberam.

—Não podíamos faltar a essa comemoração tão importante que simboliza a paz dos nossos povos.-Gaspare falou, com um tom ainda mais intenso de falsidade e o outro se afasta sorrindo e dá espaço para sermos anunciados.

Ao descermos a escadaria de mármore começamos a nos dispersar para “aproveitar” o baile. Olho o salão tentando achar algum canto que eu pudesse escapar e não ter que repetir pela milésima vez “como foi estar presente no momento mais importante na história de Fiorenzia”.

—Suavize o seu olhar. Parece que você quer matar alguém.- Disse Orfeo, saindo logo depois para a mesa de bebidas. Talvez eu estivesse com esse olhar por que eu queria de fato matar alguém.

Vou até uma das janelas mais afastadas para observar a lua. Realmente ficar ali olhando para aquele ponto luminoso no céu parecia bem mais divertido que qualquer outra coisa.

—Olha quem está chegando. –Senti uma figura atrás de mim subitamente. Era Thyia. Um grupo de homens se aproximava do salão, eram os Iluminados. –Você não acha nenhum deles interessante?

—Não tem graça se eu não puder beber o sangue de nenhum...- Olhei para ela, com um olhar entediado. Não é como se o amor da minha vida; se é que ele existe, fosse estar em um mero grupo de Iluminados.

—Você não pode beber o sangue deles, mas você pode se divertir.—Thya falou maliciosamente; bem, aquilo era tecnicamente verdade. Mas todos sabiam que se um vampiro de descontrolasse naquelas horas, poderiam matar o outro, mesmo que não fosse para beber o seu sangue.

—Ha. Ha. Ha. – Ri falsamente olhando para ela desdenhosamente, ela sabia muito bem que poderia ser muito ruim para a nossa raça se algo acontecesse.

Observei o grupo, que é todo formado por homens relativamente jovens; e todos são considerados ótimos pretendentes para serem maridos. À medida que eles passam pelos grupos de mulheres sorrindo, elas arfam e dão risinhos. Patético.

Vi que Kora e Callidora estavam tão incomodadas quanto eu, portanto vou até elas junto com Thyia. Ambas encaram os Iluminados com desgosto, era praticamente ficar no mesmo ambiente em que eles. Era fato que eles eram treinados especialmente para nos matar e se orgulhavam disso.

Alguns deles riem e apontam para Orfeo, Gaspare e Ambrosia, e logo seus olhares se voltam para nós e eles começam a andar em nossa direção. Viramos para o outro lado para que eles percebesse que não estávamos interessadas em conversar, mas mesmo assim senti que eles continuavam andando.

—Não precisam ficar viradas de costas, sabemos que vocês desejam beber o nosso sangue. Não estamos com medo.- Um deles ri e os outros o acompanham. Um deles toca o ombro de Thyia e sinto ela ficar tensa. Ela segura a mão e torce, e com isso viramos, só para ver um iluminado com uma careta de dor.

—Deviam.-Thyia falou apertando ainda mais a mão que segurava. Os outros homens parecem tensos e se entreolham.

—Você não vai fazer nada conosco. Você não quer violar o Tratado. – Argumentou um moreno se aproximando com uma lâmina.

—Quer pagar para ver?-Thyia ameaçou. Coloquei a mão no seu braço e ela soltou o iluminado com uma cara de desgosto. Estávamos nos retirando lentamente quando o mesmo que tinha provocado Thyia tenta feri-la. Rapidamente Callidora arrancou a lâmina a mão dele e eu e Kora tivemos que segurá-la para que não enfiasse suas presas no pescoço no moreno.

Alguns convidados perceberam o que estava acontecendo e o chefe do Governo apareceu e brigou com os Iluminados que tentaram nos ferir. Ainda segurando Callidora, subimos para um dos quartos do castelo.

—Eu não acredito que um deles...

—Acalme-se Callidora. Apesar de ter sido usado como uma provocação ele estava certo, não queremos violar o Tratado.- Falei duramente e a soltei quando percebi que Kora tinha trancado a porta.

—Vai me dizer que se tivesse a oportunidade, pouparia a vida de um deles?- Callidora perguntou e vi que não sou a melhor pessoa para falar com ela sobre esse assunto. Obviamente se eu tivesse a chance mataria um deles em nem pensar. Olhei para Kora e Thyia.

—Mesmo assim Callidora, não podemos ser inconsequentes.- Falou Kora olhando para a vampira que tinha os olhos avermelhados.- Eu vou ficar aqui com você até que se acalme.

Peguei Thyia pela mão, destranquei a porta e arrastei ela para fora. A vampira tinha ficado calada o tempo inteiro.

—Thyia... O que foi?- Perguntei, tentando ao máximo parecer acolhedora, mas ela me olha com descrença e ri desdenhosamente.

—Você não percebeu, não é mesmo?

—O que eu não percebi?

—Um deles era o neto do homem que eu amava quando humana...

Aquilo não fazia sentido. Nós supostamente não deveríamos lembrar nada da nossa vida como humanos. Mas se Thyia conseguia se lembrar do homem que um dia amou... Isso queria dizer que eu conseguiria me lembrar da minha vida como humana, mas... como?

—Thyia, como você se lembra disso? – Interroguei cautelosamente, esperando que ela me respondesse. Antes de virar-se para mim, encarou o chão por um tempo.

—Eu achei que era somente uma teoria mas... Quanto mais situações incomuns aos vampiros, porém comuns aos humanos você vivenciar, mais memórias você terá da sua vida quando humana. – Ela respondeu e voltou a me olhar como uma expressão melancólica. – Você já amou Selene?


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