FitzSimmons Tales escrita por DrixySB


Capítulo 5
#5 Corações Partidos


Notas iniciais do capítulo

O título é autoexplicativo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/716343/chapter/5

Embora fisicamente presente, sua mente estava distante dali. E não tardou para que Coulson percebesse. Em algum momento, enquanto ele esclarecia e expunha as diretrizes da missão, Jemma se perdera em divagações, provavelmente imersa em um oceano de dúvidas, temores e conflitos consigo mesma. Seus ombros estavam tensos e suas mãos se agitavam sobre seu colo.

— Jemma...? – ele a perscrutou com uma sobrancelha arqueada.

Os olhos da bioquímica focaram-se novamente no diretor da SHIELD. Parecia ter despertado de maneira abrupta de um transe.

— Sim?

Ele respirou fundo antes de tornar a falar.

— Tem certeza de que quer fazer isso?

— Absoluta.

— Fala isso do fundo do coração ou... É só um pretexto para fugir daqui? – indagou, não conseguindo mais se conter.

Simmons o encarou, aturdida. Os olhos ligeiramente saltados, seus lábios entreabertos.

— Se for apenas isso... – interrompeu May, recostada em um pilar no canto da sala com os braços cruzados em frente ao corpo – é melhor não ir, agente Simmons.

Jemma virou-se em sua cadeira, de modo a encarar a agente. Surpreendeu-se ao ouvir sua voz, afinal May havia se mantido em silêncio durante todo o tempo em que estivera ali.

— Essa missão é arriscada e requer que você mantenha a cabeça no lugar, focada em seu objetivo. Não em seus próprios problemas pessoais.

— Eu sei disso! – Jemma rebateu, um tanto contrariada, e tornou a olhar para Coulson – Eu sei disso, senhor. Eu quero ir.

— Sei que foi ideia minha, mas...

A bioquímica notou que havia um ar de arrependimento no semblante de seu diretor.

— Senhor, eu não vou lhe decepcionar.

Ele respirou fundo.

— Ok. Eles estão recrutando cientistas com o seu perfil. Altamente hábeis, talentosos, especializados... Você é a nossa melhor aposta, mas...

— Mas...?

— Sabemos que não é muito boa em mentir, agente Simmons – novamente May se manifestou.

Jemma abaixou a cabeça, chateada por ter sua capacidade questionada.

— Eu sou uma agente da SHIELD tão boa quanto qualquer outro...

— Sabemos disso – tornou May, dirigindo-se a ela com passos lentos, porém seguros – Não duvidamos de você.

— Eu posso aprender a mentir – afirmou, levantando o olhar para fitar sua interlocutora.

May deu um meio sorriso astuto.

— Não será assim tão necessário. Não precisa de fato mentir, contanto que saiba que há coisas que deve omitir. A questão é trabalhar com a verdade, mas utilizando-a sempre a seu favor.

— Eu não vou arruinar a missão, agente May.

A outra assentiu.

— Não estamos tão preocupados com a missão em si, ou com o seu trabalho em se manter infiltrada. E, sim, com a razão de estar fazendo isso.

Jemma desviou o rosto, suspirando pesadamente.

Coulson lançou a ela um olhar avaliador.

— Tem certeza que a razão de querer se afastar não é...?

— Não, não é! – ela o interrompeu abruptamente, sentindo um nó se formando repentinamente em sua garganta.

Meio a contragosto, Coulson meneou a cabeça, aquiescendo.

— Justo, agente Simmons. Após visitar seus pais em Sheffield, deve se dirigir imediatamente à sede da HYDRA.

Jemma respirou fundo, como se quisesse inalar o máximo possível de oxigênio que seus pulmões conseguissem suportar, antes que todo o ar a sua volta fosse roubado de si.

*

Ela ensaiou um milhão de maneiras diferentes de entrar no laboratório. Um milhão de expressões faciais diferentes que poderia portar. Mas quando se aproximou de uma das paredes de vidro do laboratório e encarou Fitz sentado diante do computador com a cabeça afundada entre as próprias mãos, parecendo extremamente frustrado – o que havia se tornado costumeiro – ela estacou. Sentiu a garganta se fechar, os olhos se inundarem de lágrimas. Respirou fundo, esforçando-se para engolir o pranto, antes de entrar no laboratório e caminhar na direção do melhor amigo.

— Hey, Fitz! – ela disse, forçando seu melhor sorriso.

Ele ergueu a cabeça abruptamente para encará-la.

— Jemma... Está tudo bem? – ele perguntou, levantando-se da cadeira e se aproximando mais dela.

Simmons fez o possível para evitar uma expressão que denunciasse seu súbito nervosismo e, embora o coração houvesse acelerado, ela procurou sorrir novamente.

— Está. Por que não estaria? – disse, aparentando uma tranquilidade que não possuía.

— Bem... Eu pensei ter visto... Uma lágrima...

Jemma engoliu em seco.

— Mas deve ser devido à minha atual condição... Além de ser inútil operando... Toda essa parafernália téc... Técnica... Tecnológica – ele se embaralhou ao proferir a palavra, mas não tardou a se corrigir – eu acho que também devo estar... Você sabe? Alucinando – disse ele, desviando o olhar e sacudindo nervosamente uma mão no ar.

A bioquímica sentiu um peso devastador esmagar seu peito. Não bastasse o fato de ele estar se sentindo um empecilho desprovido de utilidade para a SHIELD devido ao dano cerebral sofrido, agora ela também o fez acreditar, ainda que não intencionalmente, que ele estava delirando.

Mas tudo bem. Ela podia lidar com mais essa. Se sentia constantemente culpada por tudo o que havia acontecido com Fitz. Se ele, agora, estava assim, era porque havia cedido seu oxigênio a ela no fundo do oceano.

Há dois dias, eles haviam tido uma briga sem precedentes. Fitz estava determinado a voltar a atuar como engenheiro da SHIELD, mas tinha dificuldades em manusear os artefatos que ele mesmo havia construído e desenvolvido. Além de esquecer palavras, confundi-las, se perder em raciocínios, não conseguir terminar uma sentença simples... Ele não conseguia se manter otimista em relação à sua recuperação devido à falta de paciência. E Jemma havia dito isso a ele. Fitz salientou que, com ameaças reais e imediatas, como a Hydra, não havia tempo a se perder e, portanto, ele não podia ter paciência. Jemma replicou dizendo que, daquela forma, ele jamais iria conseguir se recuperar efetivamente. Fitz interpretou errado suas palavras e gritou que ela deveria tê-lo abandonado no fundo do oceano, pois era melhor que estivesse morto do que ser um membro inútil e inoperante da SHIELD. Ele perdera a única coisa na qual acreditava que era realmente bom. Toda aquela discussão se convertera em briga, que resultou em lágrimas e Jemma tomou sua decisão...

Ela sentia que, ao invés de ajudá-lo, estava apenas fazendo com que sua condição piorasse. Se ela trabalhava ao seu lado, ele dizia que Jemma não tinha mais confiança nele, não acreditando que ele pudesse realizar algo sozinho, mesmo que se tratasse apenas de executar algum simples teste. Se ela terminava alguma de suas sentenças, proferindo a palavra que lhe havia fugido, Fitz alegava que ela não estava ajudando em sua recuperação e que ela devia permitir que ele se lembrasse sozinho.

Jemma não sabia mais o que fazer. No começo procurou agir como se nada houvesse mudado, mas se sentia pisando em ovos constantemente. Fitz havia desenvolvido um complexo de inferioridade, achando que não era mais um profissional à altura de sua melhor amiga.

Para completar, havia o fato de que eles ainda não tinham conversado sobre o que Fitz dissera a ela no fundo do oceano...

Tomando fôlego e coragem, ela finalmente revelou.

— Fitz, eu tenho algo pra te contar.

— Pode falar...

— Eu vou pra Sheffield. Ver minha família – disse de uma vez, de modo a não vacilar em sua determinação.

— Isso é ótimo... Você vive dizendo que faz tempo que não os vê – ele tornou com simplicidade.

— Sim, mas...

— Você vai voltar logo? – ele a cortou, sem perceber.

— Aí é que está... Eu planejo... Passar um tempo com eles.

— Quanto tempo?

— Algumas semanas...

— Oh! – Fitz exclamou com resignação, no entanto – isso significa que você vai passar... Vai passar... – ele apertou os olhos, tentando se lembrar.

Jemma franziu o cenho, torcendo internamente para que ele recordasse a palavra que queria dizer. Ele ficava muito frustrado e tinha ataques repentinos de fúria quando não se lembrava.

— Vai passar... – ele tentou outra vez, estalando os dedos.

— Vou passar um tempo com eles, sim! – ela completou, forçando novamente um sorriso.

— Não, não! – ele exclamou, já ligeiramente irritado, sacudindo uma mão no ar – o seu... O seu aniversário...

— Sim, meu aniversário com eles...

— Longe daqui... – ele finalmente completou a sentença. E um silêncio sepulcral se abateu sobre eles por um instante – pela primeira vez... Desde que nos tornamos amigos... Vamos passar nossos aniversários separados – a voz dele caiu para um sussurro de repente.

— Oh, eu não tinha pensado nisso... – Jemma falou mais para si mesma do que para ele.

— Quando você vai? – ele perguntou, um tanto aborrecido.

Jemma procurou conter o pranto, mas parecia exigir dela um esforço sobre-humano.

— Agora – sua voz falhou ao responder e as lágrimas deslizaram livremente pela sua face – eu só vim me despedir.

O engenheiro hesitou a princípio, então levou a mão ao rosto de Jemma, secando suas lágrimas.

— Por que você está chorando? Não é como se você não fosse regressar.

— Eu deveria ficar, Fitz... Eu queria te ajudar a se recuperar... – tornou ela, aos prantos.

— Hey... Está tudo bem. Você deve ver sua família. Quando voltar, daqui umas semanas... Pode ser que eu tenha me recuperado.

Jemma deu um sorriso melancólico e aproximou-se para abraçá-lo.

Ele retribuiu seu abraço, encostando os lábios no alto de sua cabeça, sentindo a textura e a maciez do cabelo dela. Aquilo foi, ao mesmo tempo, reconfortante e avassalador. Poderia ser a última vez que ele a abraçava daquela forma. Poderia ser a última vez que ele quisesse falar com ela após descobrir que não seriam semanas e, sim, meses.  E que ela não iria apenas ver seus pais. Mas se infiltrar na Hydra.

Isso partiria o coração dele, tal qual o dela estava partido agora em um milhão de pedaços.

*

Fitz teve o cuidado de pesquisar qual era a sessão mais vazia durante a semana no cinema mais próximo. A garota da bilheteria lhe garantiu que terças e quartas, pela noite, quase ninguém aparecia para comprar ingressos. O engenheiro também deu um jeito de convencer o projecionista a diminuir um pouco o som do filme. Ele tentou elucidar a situação, sem contar os pormenores. Ninguém precisava saber que ela estava traumatizada porque ficara presa durante seis meses em um planeta alienígena. O homem sustentava uma expressão de enfado em seu rosto.

— Por que não pede para a sua namorada colocar protetores de ouvido?

— Olha, isso não é uma opção. Eu quero que ela sinta como se estivesse em uma sessão de cinema normal. Protetores auriculares só irão atentar para o fato de ela estar traumatizada...

— Será uma sessão normal com um volume de áudio normal.

— E ela não é minha namorada – Fitz o interrompeu para retificar, um tanto sem jeito.

O homem deu um sorriso enviesado, lançando ao engenheiro um olhar malicioso que lhe incomodou, mas procurou ignorar.

— Qual é a dificuldade em fazer isso, afinal? Segundo a garota da bilheteria, praticamente ninguém vem a este cinema nas quartas à noite. Não haverá reclamações.

Rolando um pouco os olhos e respirando fundo, o projecionista concordou em diminuir um pouco o volume do áudio durante a sessão de quarta à noite de Star Wars: The Force Awakens.

*

Jemma era uma grande fã da saga criada por George Lucas. E, antes de ser inesperadamente arremessada para outro planeta, já tinha demonstrado seu entusiasmo ao saber do novo filme da franquia e que este seria dirigido por J. J. Abrams. Na época, Daisy disse que pouco entendia de Star Wars e Hunter apenas ergueu uma mão fazendo o gesto clássico de Spock e bradando Vida longa e próspera. Daisy mordeu os lábios para não rir e então complementou com um Jedis, ao infinito e além! Ambos riram, vitoriosos ao perceberem que haviam conseguido irritar Jemma. Ela os encarou com um olhar cáustico, cruzando os braços em frente ao corpo.

A lembrança daquele dia, ainda vívida na cabeça de Fitz, foi o que trouxe à sua mente uma nova ideia para levar Jemma para sair depois daquele desastroso jantar em que a bioquímica desabou em prantos em seu ombro ao encarar uma taça de vinho tinto. Fitz preferiu não pressioná-la a contar o motivo de uma simples taça acionar um gatilho e fazê-la entrar em desespero daquela forma. Era um claro sinal de transtorno de stress pós-traumático e o doutor Garner já o havia alertado para o fato de que Jemma falaria a seu tempo, sem pressões.

Um tanto hesitante, o engenheiro a convidou para ir ao cinema. Ela pareceu animada ao ouvir as palavras Star Wars.

— Eu tinha até me esquecido – o semblante da bioquímica ainda era melancólico e seu sorriso soou frágil. Mas ainda assim, ela estava sorrindo e isso pareceu suficiente para Fitz – É claro que eu quero ver... Estava tão ansiosa por isso.

Ele devolveu seu sorriso, sentindo-se mais confiante e otimista.

*

Dentro do carro, ele percebeu o quanto ela estava distraída. Fitz mantinha seus olhos na estrada – a rua praticamente deserta, quase sem trânsito. Mas o engenheiro não podia evitar que sua atenção se desviasse, vez ou outra, para a garota ao seu lado, no banco do carona. Ela encarava firmemente a lua através do vidro da janela do carro.

— Jemma...?

A voz de Fitz a sobressaltou. Ela tornou o rosto em sua direção.

Sob a fraca iluminação do carro, Jemma pareceu extremamente fragilizada aos olhos do engenheiro. Era como se ela fosse se despedaçar a qualquer momento.

— Tem algo errado? – ele perguntou, ligeiramente preocupado.

— Não – a voz de Jemma não passou de um sussurro.

Ela permaneceu em silêncio ao seu lado, agitando as mãos no colo. Fitz a conhecia bem demais para saber que ela estava nervosa... Mas ele não queria pressioná-la a contar o motivo se ela não queria expressá-lo voluntariamente. Jemma voltou a encarar a lua, então cerrou os olhos com força e encarou as próprias mãos pousadas no colo. Parecia aflita e até mesmo arrependida. Como se estivesse se sentindo culpada...

Fitz já havia visto a culpa nos olhos dela daquela vez que ela retornara da Hydra. Ele reconhecia aquele semblante.

*

Jemma pareceu ligeiramente assustada quando a projeção começou. Fitz sugeriu que eles se sentassem na última fileira, mas o impacto causado pelas luzes e cores vivas exibidas na tela, ainda assim, a sobressaltaram a princípio. Alguns minutos depois, ela foi se adaptando. Era como estar em um cinema pela primeira vez. Mas nem mesmo na primeira vez, ela se sentiu tão diminuta e assustada quanto agora. O operador cumpriu o que havia prometido a Fitz, deixando o áudio um pouco mais baixo que o normal. No entanto, para Jemma, o barulho ainda soava um tanto incômodo aos seus tímpanos...

Ela procurou relaxar, se concentrar no enredo da produção, mas quando o deserto de Jakku deu o ar de sua graça na tela, Jemma não conseguiu se conter. Imagens do planeta inóspito e desolado no qual esteve cativa pelos seis últimos meses se sobrepuseram a do planeta desértico da ficção. Ela levou as mãos ao rosto, tapando os olhos, um som constrito e aflitivo se desprendendo de sua garganta sem que ela pudesse evitá-lo.

Ao sentir a mão de Fitz em seu ombro, ela deu um salto na cadeira.

— Jemma! – ele exclamou, agachando-se diante dela, e segurando seus braços – está tudo bem?

Ela abriu bem os olhos, focando-se unicamente em Fitz e ignorando totalmente a tela do cinema, logo atrás dele.

— Não... – ela disse, simplesmente – o deserto... É muito parecido... Eu não consigo – tentou explicar em meio a palavras entrecortadas – podemos sair?

— Claro! – tornou ele, a amparando enquanto ela se levantava da poltrona.

A bioquímica sentiu o sereno daquela noite fria assaltar seu corpo quando deixaram a sala de cinema. Fitz, que vinha em seu encalço, tratou de colocar o casaco sobre seus ombros.

— Obrigada – ela murmurou, então se virou para encará-lo – Me desculpe... Acho que não consegui aguentar nem vinte minutos...

— Não tem motivos para se desculpar, Jemma. Foi mesmo uma péssima ideia. Quer dizer, luzes e muito barulho ainda te causam incômodo... Eu não deveria...

— Fitz, o problema não é você ou suas ideias – ela tratou de pontuar – foi apenas uma bobagem minha.

— Não! Você ainda está em fase de recuperação, é natural que ainda sinta alguma aversão a qualquer coisa que traga alguma reminiscência... Enfim, daquele lugar.

Jemma assentiu, agitando a cabeça de modo frenético. O que, para Fitz, foi um atestado de que ela ainda estava aflita e ansiosa.

— Tem algo que você queira? Digo... Algo que a faria se sentir melhor? Pelo menos por ora? Eu realmente não sei mais o que fazer...

Um sorriso terno e afetuoso curvou os lábios de Jemma ao mesmo tempo em que ela sentia uma dor aguda e persistente no fundo do peito. Fitz estava se esforçando, fazendo o possível para que ela se sentisse melhor... E tudo fora arruinado. Seu jantar, sua ida ao cinema... Ela passara tantas noites gélidas e arriscadas no outro planeta pensando no seu encontro com Fitz. Por vezes, aquele pensamento é que lhe trouxe esperanças de, um dia, regressar.

E até agora, seus encontros haviam sido desastrosos.

— Tem, sim – ela respondeu com honestidade – poderia me abraçar?

Fitz deu um sorriso enviesado, aproximando-se para envolvê-la em seus braços.

— Isso eu posso fazer por você.

Ela encostou a cabeça em seu peito, os olhos cerrados e um sorriso sincero desenhando-se em sua face ao sentir os braços acalentadores dele ao redor de si. Aquele gesto lhe transmitia uma sensação inigualável de paz e conforto. Mas, ao abrir os olhos, ela avistou novamente a lua. E o peso da culpa voltou a lhe atingir e ferir seu peito. Uma lágrima fortuita escapou de seus olhos e ela agradeceu internamente que Fitz não pudesse vê-la.

Estava na hora de revelar tudo o que havia acontecido a ela do outro lado. Ela iria partir o coração dele outra vez...

*

Voltar ao espaço certamente não estava na lista de coisas que Jemma estava ansiosa para fazer. Lembrou-se de uma conversa que teve com Fitz, logo antes de eles iniciarem definitivamente seu relacionamento, em que ela verbalizou o desejo de que o espaço algum dia lhes trouxesse algo magnífico. Não vil como Hive, não a morte, como no caso de Lincoln posteriormente... O fato era que, até agora, tudo o que espaço lhes proporcionou foram tragédias e outras experiências desagradáveis.

Mas lá estava ela. Junto de sua equipe, a bordo de uma estação espacial em um local que só podia se tratar do quartel general da Equipe de Supervisão, Pesquisa, Avaliação e Defesa Alienigena. Ou E.S.P.A.D.A. Ela revirou os olhos, pensando no quanto de tempo havia sido gasto para que chegassem a um nome para a equipe cuja sigla formasse a palavra ESPADA. Talvez houvesse levado o mesmo tempo para se chegar ao acrônimo SHIELD.

Ela lembrava-se de estarem apreciando uma singela refeição em uma lanchonete quando foram autuados por uma equipe misteriosa e, posteriormente, paralisados por meio de algum artefato alienígena. Só recobraram a consciência quando estavam no espaço exterior. Aliás, a consciência lhes foi devolvida. Jemma começou a argumentar com um integrante do grupo assim que se deu conta de onde estavam.

Alguém que parecia ter uma posição de confiança na equipe ergueu a mão para que ela parasse de falar, e lhe informou que eles estavam sendo recrutados.

Jemma cruzou os braços em frente ao corpo, com uma postura altiva. Estava sentada no que parecia ser uma maca. Era possível que aquele recinto se tratasse de alguma espécie de enfermaria?

— Recrutados? Do lugar onde eu venho, isso se chama sequestro – disse com insolência ao ser prostrado diante de si.

— Eu não iria tão longe – respondeu a criatura cuja máscara que usava parecia acobertar traços indiscutivelmente não humanos.

— Vocês apontaram armas na nossa direção, nos paralisaram, nos trouxeram para o espaço contra a nossa vontade e não nos permitem voltar. Isso é rapto!

— Nós os salvamos. A SHIELD está sendo caçada. Inclusive os rostos de vocês estão naqueles programas ridículos televisivos de mais procurados da América. Está sendo ingrata, criança.

— Criança, como ousa...? Hey! – ela sentiu uma picada no braço – o que é isso?

— É para o seu próprio bem. Fazemos isso pensando na sua frágil condição terrestre. Sua saúde não vai se adaptar tão fácil a um local extraterreno.

— Para sua informação – ela tornou, com atrevimento – eu já estive em outro planeta. Fiquei lá durante seis meses, vivendo em condições inóspitas.

— Sim, eu sei. Maveth. É como vocês chamam. Sabemos tudo sobre vocês. Estamos lhes observando há um tempo – disse ele com naturalidade.

A boca de Jemma se entreabriu.

— Também violaram nossa privacidade? Vocês cometeram uma série de crimes.

— Segundo as leis dos terrestres. Aqui as coisas são diferentes.

Jemma respirou fundo, procurando conter sua cólera.

— Onde estão os outros?

— Devidamente medicados e já instalados em seus alojamentos – respondeu, lhe entregando um embrulho desconhecido.

— O que é isso?

— Coisas que vai precisar para sua estadia aqui...

— Oh, é minha bagagem? – ela indagou, enfatizando seu cinismo.

— Chame do que quiser – replicou com frieza – o seu alojamento é o último à esquerda, no fim deste longo corredor. Basta um reconhecimento de retina.

— Sério? – a incredulidade e o sarcasmo estampavam sua face.

O ser não falou mais nada. Jemma dirigiu-se a passos largos e furiosos até o alojamento indicado. Ao abrir a porta, a primeira coisa que capturou a sua atenção foi a vista para o espaço por meio de uma esquadria na parede. Ela não pôde evitar que seus lábios se entreabrissem em total surpresa. Era inegavelmente magnífico. Seu rosto se desviou para a cama, no canto do alojamento, e foi quando um pensamento lhe ocorreu.

Jemma caminhou de volta até o ser com quem havia discutido minutos antes.

— Onde está Fitz?

— Última porta, à direita. Logo em frente à sua – ele disse, simplesmente, sem erguer o olhar do que quer que estivesse fazendo sobre uma estrutura de metal que muito se assemelhava a uma mesa de comando.

— Ele não falou nada sobre dividir um alojamento comigo?

O ser ergueu a cabeça, virando o rosto gradativamente na direção de Jemma. Ela não pode identificar sua expressão uma vez que o sujeito portava uma máscara. E ainda que não estivesse com o rosto coberto, todo o ambiente ao redor era extremamente mal iluminado.

— Ah, esqueça! – ela disse, abanando uma mão no ar e dirigindo-se às acomodações de Fitz. Sem hesitar, ela bateu à porta. O engenheiro não tardou a atender.

— Hey, Fitz! – sua voz saiu em um sussurro, o semblante inexpressivo.

— Hey! – ele respondeu em um tom de voz melancólico, tal qual seu olhar.

— O seu quarto também tem vista para o espaço?

Um sorriso enviesado se formou em seus lábios e Fitz não deixou de notar que ela esfregava as mãos compulsivamente.

— Eu não chamaria isso de quarto. Mas, sim, tem vista para o espaço – respondeu, cruzando os braços e encostando-se à soleira da porta. Estava perfeitamente claro à Jemma que ele não iria convidá-la para entrar.

Jemma assentiu nervosamente e desviou o olhar. Não conseguiria proferir a pergunta olhando diretamente nos olhos dele.

— Eu tenho uma pergunta... Pode soar estúpida, mas... Ainda assim, eu preciso perguntar.

Ela tomou fôlego, ainda sem encará-lo.

— Por que estamos separados?

Fitz suspendeu a respiração por um momento, então deu um longo suspiro.

— Bem... Não é como se eles tivessem nos dado opções. Só disseram para nos encaminharmos aos nossos alojamentos...

— Ok! – ela o cortou com uma voz frágil, quase sibilante – mas isso não é estabelecido, certo? Quer dizer... Se disséssemos que somos um casal... Você sabe, de repente, isso poderia ser discutível...

— Jemma... – foi a vez de o engenheiro interrompê-la – eu acho melhor não questionarmos.

Finalmente, ela olhou dentro de seus olhos.

— Não que eu ache que eles proibiriam ou que realmente se importam de perguntarmos ou não, mas... É melhor assim, por enquanto.

— Melhor pra quem? – perguntou de maneira incisiva.

— Pra mim... Pra nós – Fitz, por sua vez, respondeu determinado.

Ela o fitou de maneira penetrante. Era possível identificar a angústia nos olhos da mulher que ele amava a quilômetros de distância. E ela estava diante de si, o que só tornava ainda mais avassalador o olhar que ela lhe dirigia.

Fitz cerrou os olhos, consternado, levando as mão às laterais da cabeça a fim de massagear as têmporas.

— Depois de tudo o que eu te fiz...

— Não era você...

— Depois do que eu fiz... – ela a interrompeu – Ainda que fosse em uma realidade simulada, em um mundo totalmente falso e manipulado... O melhor é darmos um tempo.

Simmons sentiu um nó começando a se formar em sua garganta.

— Eu ainda não consigo olhar para você sem me sentir atormentado pela culpa... Sem me lembrar do que te disse, do que fiz... Não consigo encará-la sabendo que eu a machuquei de tantas maneiras diferentes. Nem sei como você consegue olhar pra mim.

— É porque não era você – ela persistiu naquele raciocínio, aproximando-se dele, tentando tocá-lo, mas ele se esquivou. Aquilo doera mais do que o tiro que ele dera em seu joelho no Framework.

— Você pode até ter razão. Mas aquele... Era como se fosse eu. Eu tenho intercaladas as lembranças de duas vidas... De duas linhas distintas. Ambas parecem bem reais. Ambas parecem ter influência sobre quem eu sou. Eu não posso ignorar isso, Jemma. Minhas ações aqui e lá... Parecem ter o mesmo peso. Não é como se fosse um sonho do qual eu tivesse despertado. É como se fosse uma vida que eu me arrependo de ter vivido.

As lágrimas começaram a deslizar pelo rosto de Jemma.

— Está me pedindo um tempo ou terminando definitivamente comigo? – inquiriu, já desprovida de esperança.

Fitz inalou profundamente antes de responder.

— Eu ainda te amo, Jemma. Isso nunca vai mudar – afirmou, olhando profundamente nos olhos dela.

— Eu também te amo, Fitz. Qual é a razão de nos mantermos separados, então?

O engenheiro desviou o olhar por um momento, ponderando.

— Eu preciso mesmo de um tempo para reavaliar minhas ações.

— Podemos fazer isso juntos, você sabe...

— Eu ainda preciso me perdoar. Mais do que o seu perdão... Eu preciso do meu próprio – Fitz foi categórico e Jemma sentiu que a conversa terminara ali. Não havia nada mais que pudesse ser dito.

Ela simplesmente cerrou os olhos e assentiu.

— Bem... Nos falamos em outro momento.

— Boa noite, Fitz – ela disse, resignada, sem conseguir despregar os olhos dos dele.

— Boa noite, Jemma – aquelas palavras pareceram demandar um esforço enorme. Desejar boa noite sem que ambos estivessem deitados lado a lado, com as cabeças repousadas em seus travesseiros, ou, como era mais comum, com Jemma descansando sua cabeça sobre o peito de Fitz... Era um cenário simplesmente triste que ambos jamais haviam considerado anteriormente.

Ele esperou que ela se distanciasse, mas Jemma não se moveu. Então, reunindo todos os resquícios de coragem que lhe sobraram, Fitz cerrou a porta.

O barulho da porta se fechando calou fundo na alma da bioquímica. Jemma caminhou a passos vacilantes até seu alojamento, desprezou a vista para o espaço ao adentrar o recinto desta vez, jogou-se sobre a singela cama no canto do aposento e se permitiu chorar. Chorar como há muito não chorava. Ela havia visto Fitz assassinar uma mulher inocente e lhe dizer, cara a cara, que ela não significava nada para ele justamente após Jemma declarar seu amor. Mas, em seu íntimo, ela tinha a certeza de que aquele não era o Fitz que ela conhecia e amava. Ele estava sendo manipulado, não possuía a mesma empatia, ternura e afeto do original...

No entanto, ter o próprio Fitz, o que ela conhecia e amava, rejeitando seu amor no mundo real, preferindo curar suas feridas distante dela, dizendo que deveriam se manter separados por um tempo – e que ela não fazia ideia de quanto seria – doera mais do que qualquer coisa.

Desta vez, fora Fitz quem partira seu coração.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Só eu para escrever uma one-shot angst em pleno hiatus.
Mas espero que tenham gostado ;)