Rise escrita por Lua Chan


Capítulo 3
Mudanças acontecem




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Após o estranho incidente, fui para casa, sem nenhuma vontade de ajudar meu pai, pela primeira vez. Subi ao meu quarto, tranquei a porta e fitei minhas mãos. Ainda estavam sujas com o sangue do bicho, me esqueci de limpar. Como era possível? Será que o que vi era real?

—Enoch! -Minha mãe batia na porta, me assustando. Pisquei os olhos repetidas vezes, para poder me concentrar -Seu pai está chamando, amor. Venha aqui. -Me apressei em me livrar do sangue e fui para o escritório do pai. Ele estava conversando com meus tios.

—Olá, garoto. -Meu pai bagunçou meus cabelos com um fraco sorriso -Será que poderia me ajudar com o corpo do sr. Frederik? -Ergui os olhos para ele, me perguntando onde estaria o cadáver. Acho que meu pai deduziu e acabou antecipando minha pergunta -Oh, quero que antes trabalhemos na documentação do óbito. Preciso checar o laudo que o médico nos enviou. Pode copiar o que eu te disser?

Suas palavras dançavam na minha cabeça, mas só concordei.

—Muito bem. Data de óbito: 01 de Dezembro, 1904. -Anotei -Causa da morte: Hm... o médico não especificou essa parte. -Samuel coçou a barbicha, meio pensativo -Será que poderia me dar licença, Enoch? Preciso contatar com o dr. Quire.

Concedi, mas não só porque ele me pediu. Era porque eu queria ver o corpo.

Saí do escritório, silenciosamente, sem ser pego pelos meus tios. Fui ao pequeno laboratório que tínhamos no porão, onde os cadáveres eram expostos. Procurei pela ficha do sr. Frederik e me espantei ao notar o quão rápido foi. Lá estava ele. Um senhor de idade, totalmente rígido, jazido sobre uma mesa. Deve ser estranho não poder falar com mais ninguém, nem estar vivo. Uma linha enorme traçava do seu peitoral até o abdômen, revelando parte de seus órgãos internos.

Quando resolvi ser mais ousado do que já fui naquele dia e começar o embalsamamento sem meu pai, uma figura negra e pequena emergiu para me parar. Era um gato. Ele ronronava e puxava minha calça.

—O que foi? Não vê que estou ocupado? -O gato persistiu. Logo entendi o que queria. Seus outros amigos gatos estavam fazendo um montinho sobre algo que não consegui identificar de início. Ao me aproximar, vi que era um animal morto. Mais um gato. Seu corpo estava brutalmente estraçalhado -era tão horrível, que até alguns de seus órgãos se espalhavam no chão.

Olhei para ele como tinha olhado para o sapo. Vi uma pequenina bolota vermelha ao seu lado. Que pessoa teria a crueldade de matar um inocente animal e ainda arrancar seu coração?

Peguei o órgão e fiquei hipnotizado e tentado a guardar dentro de um pote, por nenhum motivo concreto.

Foi aí que começou. Pela segunda vez, fui atacado pela extrema aura de dor. Meu corpo inteiro formigava e quando menos esperei, lá estava no chão, convulsionando, batendo meus membros nos móveis da sala escura.

Meus pais devem ter ouvido o barulho, pois quando me forcei a abrir os olhos, ambos estavam perto de mim, falando palavras inaudíveis. Será que eu estava morrendo ou foi só mais um acontecimento estranho?

—Como ele está, dr. Quire? -Lentamente, abri meus olhos. Fiquei adormecido por quase meia hora, foi o que me disseram. Meu pai tinha ligado para o doutor confirmar o laudo, mas acabou, por coincidência, sabendo que eu estava lá no chão me debatendo. Na hora, pediu para que Quire viesse urgentemente me socorrer.

—Sinto muito informar-lhe, sra. O'Connor, mas não tenho uma explicação garantida que determine o motivo do ataque de seu filho. -Ele olhou para mim, ajeitando os óculos -Enoch é um menino especial. Tem sorte de que ele não morreu.

—O que você estava fazendo, filho? -Meu pai pediu, aterrorizado. Tive que omitir grandes partes.

—Eu fui até seu laboratório. -Disse -Acho que o odor de formol me atingiu em cheio. Fiquei tonto e caí no chão.

Meus pais se entreolharam. Eu já sabia que aquilo não seria bom. Esperava as piores notícias. Doutor Quire pediu um momento para conversarem a sós e eu os deixei, mesmo que os aguardassem com ansiedade.

Passados longos minutos, eles saíram do quarto. Lágrimas escorriam pelo rosto da minha mãe e aquilo me quebrou. Meu pai a consolava, enquanto o doutor se aproximava de mim com um olhar triste.

—Enoch, antes de tudo, quero que saiba que seus pais chegaram a uma conclusão sobre sua vida. -Quire lançou um olhar breve para meus pais -Você é uma criança talentosa e inteligente. Soube que tem ficado meio para baixo nesses dias. Não tenho um diploma em psicologia, mas será que poderia me falar sobre isso?

Encarei meus sapatos desamarrados, com vergonha de compartilhar meus pensamentos.

—Não foi nada demais. Estou bem agora, é o que importa.

—Sei que isso não é toda a verdade, Enoch. Sei que parte de seus problemas se relacionaram com sua família. Sei que por dentro, parte de você sofre e eu só quero o seu bem. Todos nós queremos. -Quem era ele para dizer tais coisas?

—Enoch, o que o dr. Quire está tentando dizer é que... -Mamãe hesitou em terminar a fala, mas com muita força, o fez -A partir de amanhã, você irá morar com a tia May.

Aquilo partiu o meu coração, me deixou tonto. Eles... eles estavam me abandonando? Será que eu não era bom o suficiente? Será que eu não funcionava?

—M-mas... -Lágrimas teimosas ameaçavam escorrer pelo meu rosto -Eu quero ficar aqui. Eu sou feliz com vocês!

—Não queremos traumatizá-lo, En. -Mãe rebateu -Eu vi o quão ruim você estava ontem à noite. Quase pude sentir sua dor. -A frase parecia ser incoerente, uma vez que ela literalmente sentiu dor naquela noite.

—Queremos fazer isso para seu bem, filho. -Meu pai complementou. Corri para as escadas, como sempre fazia quando estava desesperado. Fiquei imaginando como minha vida seria a partir de amanhã. Continuaria a ir à escola. Continuaria vendo Eleonor e meus pais, só que com menos frequência. Continuaria me arriscando com essa nova energia que me atingira duas vezes.

Continuaria sozinho.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo haverá uma passagem de tempo grande.



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