Rise escrita por Lua Chan


Capítulo 24
B ô n u s 2




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A garota londrina

Será que esse era mesmo o lugar certo?

Essa era a pergunta que se propagava em minha cabeça. Já perdi a conta de quantas vezes eu teria evitado tal questionamento. Há pouco tempo, o céu estava ensolarado, mas agora, uma chuva majestosa se formou para molhar meus cabelos.

No exato momento eu fitava a porta de meu destino. Ela era de madeira e possuia um velho olho mágico e uma campainha. Pressionei, hesitante, o botão e esperei por alguma alma peculiar bondosa. Finalmente, uma mulher esbelta e de semblante sério a abriu. Ela fumava um cachimbo e portava o relógio de bolso mais elegante que já vi. Era mais que notável que ela era a dona desse orfanato.

— Pois não, minha querida? - A moça prendeu a madeira do cachimbo entre os dentes, abrindo um meio sorriso. Percebi seu olhar me percorrer de cima para baixo, como se eu fosse uma máquina e ela procurasse por algum defeito.

— Srta. Peregrine? - Pedi, fazendo-a acenar a cabeça vagarosamente - Oh, que bom! Viajei de tão longe para cá só pra encontrá-la.

— Você é da fenda da srta. Raven? - Perguntou, sorrindo ainda mais.

— Sim. Lilian deve ter falado sobre minha vinda, não é? - Deduzi. A última vez que eu falei com a srta. Raven foi quando me despedi dela. Nosso orfanato estava um caos e Lilian enviou algumas de suas crianças para fendas aleatórias. Eu dei sorte (talvez) com essa.

— Claro. Estava lhe esperando. Entre, deve estar tremendo de frio.

Agradeci e me acomodei no novo ambiente que se mostrava para mim. A sala era aconchegante, o local era tão quente que eu me sentia embrulhada por um cobertor. Srta. Peregrine e eu sentamos no sofá, ela deveria estar ansiosa para saber sobre mim. Tinha certeza que ela sabia que eu era uma peculiar, já que consegui entrar em sua fenda, mas nada além disso.

— Então, qual é sua peculiaridade, srta. Franklin? - Na mesma hora eu me engasguei.

— Jones, por favor. - Sussurrei, a voz embargada - Prefiro que me chame assim.

Sim. "Jones". Carregar o sobrenome "Franklin" de papai era agradável, até minha mãe falecer. Ele teria me culpado por tudo, depois do trágico acontecimento. Desde então, tenho sofrido em suas mãos.

— Oh, claro. Desculpe o atrevimento. - Falei que não teria problemas, ela não teria culpa. Mostrei um sorriso confiante, mas devastado. Ainda estava mal por ter perdido minha fenda.

— Posso me curar. - Respondi - Minha pele é capaz de se regenerar de qualquer corte ou perfuramento. Não sou imortal, mas praticamente indestrutível.

— Quando isso se manifestou? - Percebi que ela teria escolhido fazer uma espécie de entrevista. Deixei o medo de lado e continuei a falar.

— Quando eu tinha 14 ou 15 anos. Aconteceu há um bom tempo, mas eu não gosto de falar sobre isso...

— Entendo, querida. - A ave olhou para baixo, como se tivesse se arrependido de dizer algo - Aceita um chá? Costumo fazer alguns dos melhores.

— Sim, claro. - Sorri honestamente pela primeira vez. Enquanto ela se dirigia para a cozinha, eu fazia mais perguntas - Quantos peculiares a senhorita tem nessa fenda?

— Nem muitos, nem poucos. Seria bom que visse com seus próprios olhos, srta. Jones. - Falou, tendo um breve acesso de tosse - Mas antes, vou providenciar algumas roupas pra você. Tome um banho. Vou chamar os outros.

— Obrigada.

— Seja bem-vinda a seu novo lar.

Então fiz o que pediu, extremamente nervosa. E se eles não gostassem de mim?

Será que esse era mesmo o lugar certo?

A pergunta voltou a ressoar como sinos de uma capela. Fui para o banheiro e tomei um banho quente. Ao vestir minhas roupas, rasguei, sem querer, minha mão com um objeto cortante. Que bom que o corte não durou tantos segundos

Eu estava lá, em frente às escadas, lembrando de cada coisa que aconteceu na minha vida antiga. Quantas coisas tive que deixar. Quantos rostos tive que esquecer. Meu coração só parou de se lamentar quando eu vi os rostos de algumas crianças. Os peculiares da srta. Peregrine.

— Olá, srta. Jones! - Um deles, todo coberto por um casaco bem costurado, se dirigiu primeiramente - Seja bem-vinda ao orfanato.

— Obrigada. - Agradeci timidamente.

— Ora, Horace! Deixe de se exibir pra todas as garotas que você conhece. Ela deve estar com medo de chegar perto de você. -Uma menina loira falou. Ela estava erguida pelos ares da casa. Apenas uma corda permitia que ela não voasse até o teto. Uma garota de aparência máscula a segurava sem nenhuma marca de esforço.

— Não tem problema. - Disse, recuperando o fôlego, depois de ver a garota flutuante - E pode me chamar de Eleonor.

Questionamentos foram lançados por cima de mim. Paramos até a srta. Peregrine chamar um garoto que estava em cima das escadas. Não pude ver seu rosto de início, mas quando ele desceu alguns degraus, foi como se eu estivesse sonhando pela milésima vez.

Ele tinha cabelos negros e olhos contornados por olheiras. Tinha um andar idêntico a Enoch. O ar fez questão de fugir dos meus pulmões por alguns segundos. Pelo olhar de "Enoch", o mesmo teria acontecido com ele.

— E-Eleonor? - Ele sussurrou com dificuldade. Uma dor se formou em meu peito. Será que meu cérebro estava pregando peças comigo?

— Enoch? - Ele acenou a cabeça e eu mostrei o sorriso mais caloroso possível.

Eu subi as escadas e fui até seu encontro, sem mais demoras. Sem mais dor. Sem mais vazio. Enoch tocou em minhas bochechas, rindo como uma criança e beijou meus lábios com paixão. Pensei que eu morreria sem fôlego, até ele ter me soltado. Todos os peculiares pareciam ter pensado em dar um espaço para nós dois.

— C-Como pode ser? - Ele perguntava, dos seus olhos saiam lágrimas de felicidade - Eu pensei que estivesse-

— Morta? - Sugeri, estremecendo - Eu também.

Notei que ele ainda estava confuso, claro. Comecei a explicar.

— O dia em que Trevor me esfaqueou, foi quando eu descobri minha estranheza. Eu era como você, Enoch. Uma peculiar. - Ele abriu a boca, espantado - Quando você se foi, meu corpo começou a se regenerar, inclusive meu coração.

— Então você é imortal?

— Não. A srta. Raven me falou que se meu coração fosse atingido mais uma ou duas vezes, eu morreria. E dessa vez, sem voltas. - Ele arqueou a sobrancelha quando eu disse o nome dela - Ah... Lilian Raven foi minha mentora na primeira fenda. Ela me encontrou lá mesmo, em Londres e me levou para seu orfanato. Desde o ano passado eu morei com ela, mas então, sua fenda se foi.

— Entendo... mas como eu poderia ter sonhado todas as noites com você? Era como se estivesse comigo o tempo inteiro. - Enoch se assustou.

— Que engraçado. O mesmo aconteceu comigo.

O meu garoto ainda olhava para mim como se eu fosse a coisa mais importante para ele. Se era, de fato, eu não sabia. Mas ele, com certeza era para mim.

— O que foi? - Perguntei, minhas bochechas estavam quentes.

— Só estou olhando pra você. - Sussurrou - A garota londrina mais perfeita que eu já conheci.

Enlacei meus braços ao redor de seu pescoço e compartilhamos um beijo ainda mais demorado.

[. . .]

Meu namorado me evitou por algumas semanas. Já estava ficando preocupada. Quando eu falava um oi, Enoch me retribuia com um simples aceno. Quando tentava beijá-lo, ele correspondia, mas não com tanto amor. Fiquei com medo de ele ter encontrado outra garota, por isso, estava prestes a desistir de nós.

Mas foi aí que meu coração palpitou quando ele chegou perto de mim pela primeira vez, depois de um tempo. Enoch estava se aproximando de mim, tão nervoso que deveria estar a ponto de desmaiar. Ele escondia algo em suas costas.

— Oi. - Falei friamente.

— Olá. - Respondeu - El, quero falar com você.

Era agora. Acho que ele diria tudo. Que não estava mais apaixonado por mim, que tinha achado outra. Que nosso relacionamento não funcionava mais. Fiquei esperando por qualquer palavra.

— Eu estive com você por tanto tempo, que senti uma conexão entre nós. É como se fôssemos uma corrente.

— Uma corrente enferrujada, imagino. - Acrescentei. Ele estranhou.

— Como assim?

— Olha, sei que não quer ficar comigo. Diga logo o que tem pra dizer. - Suspirei, reprimindo o choro - Vai doer menos.

O garoto retirou de suas costas o que escondia. Fiquei esperando com os braços cruzados.

— Eleonor Franklin Jones, eu não aguento mais ser seu namorado. - Falou o que eu já suspeitava. Dei as costas para ele, indo embora, mas Enoch me puxou com força - Quero ser muito mais. É por isso que estou te pedindo em casamento.

Ele pegou uma aliança. Tinha os nossos nomes nela. Cobri minha boca, tentando esconder o espanto.

— Não... - Falei friamente.

— Não?

— ... Não pediria por mais nada nesse mundo. - E nos beijamos, eu já chorava há muito tempo.

[. . .]

O tempo foi se passando tão rápido que me espantou. Eu olhava para o sol que se desmanchava como uma gema de ouro. Ao olhar de relance para meu lado esquerdo, vi Enoch se aproximando de mim. Ele estava mais velho. Na verdades, todos nós estávamos, de fato.

Depois de várias décadas, Srta. Peregrine descobriu uma maneira de acelerar nossas idades físicas, retardando apenas nosso crescimento. Muitas crianças do orfanato já estavam adolescentes, agora. Olive e Claire eram os exemplos mais claros disso. Eu e meu marido já éramos adultos, mas nunca deixamos a fenda. Ainda não podíamos.

— O que está fazendo, amor? - O'Connor pergunta, lançando um beijo repentino. Praguejei por ele ter me assustado.

— Só pensando. Foram tão bons esses anos aqui, En.

— Sim, eu sei que foram. E sei que ainda vão ser. - Ele massageou minha barriga, assim como eu. Avery nasceria daqui a poucas semanas. Enquanto isso, minha pequena dava socos na minha barriga que me faziam saltar.

— Enoch, me prometa uma coisa.

— Qualquer coisa. - Ele diz, sua voz soando como a mais bela melodia.

— Que nunca iremos nos afastar um do outro. - Enoch suspirou, como se fosse a coisa mais óbvia já dita. Ele beijou minha testa.

— Prometo.

Encostei minha cabeça no ombro dele, apreciando cada momento que ficávamos assim, juntos.

Eu estava numa fenda aleatória de Gales, 03 de setembro de 1940, mas assim que me reencontrei com Enoch, senti como se estivesse revivendo aquele dia ordinário, em 04 de dezembro de 1904, ao lado do meu garoto londrino preferido.

Enoch  Shepherd O'Connor.

 


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Notas finais do capítulo

Decidi fazer algo diferente nesse cap, como notaram. Agora sim, posso dizer que esse é o fim de Rise. Muito obrigada por terem acompanhado até aqui. Bjos.

That's all, folks!
~ Lua



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