Rise escrita por Lua Chan


Capítulo 19
Corações de vidro




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As semanas foram se passando rapidamente. Procuramos ser mais cautelosos um com o outro, a cada dia. A visão de Horace me fez ter uma aproximação maior com as pessoas do orfanato, afinal, teríamos que nos proteger de qualquer mal que supostamente estava para vir.

Não poderíamos subir as escadas, brincar e até dormir sem o medo martelar em nosso peito. Era impossível não sentir nada depois de sermos avisados que alguém morreria daqui a uns dias.

— Fiona, você pode me arranjar vasos para pôr suas flores? - A srta. Peregrine pediu, segurando um barbante enorme. Estávamos fazendo os preparativos para o aniversário de Olive. Quando se vive numa fenda, não é necessário comemorar tais coisas, mas nossa mentora fazia questão arrancar sorrisos da gente - De preferência, da cor azul bebê. Olive amaria.

A garota assentiu e foi, junto a Hugh, procurar os vasos para Olive. No momento, eu estava costurando algumas de suas antigas bonecas para servir como decoração. Marie estava distante de mim, ao lado de Richard, enchendo alguns balões. Ela me lançava olhares nervosos, de preocupação. O garoto prodígio de vez em quando apalpava suas costas para aliviá-la.

Marie finalmente tomou coragem e veio até mim. Para disfarçar minha troca de olhares com ela, voltei meus olhos para a cabeça de uma das bonecas, procurando costurá-la ao seu corpo original.

— Enoch... oi. - Disse ela, puxando uma mecha de seu cabelo para trás de sua orelha. Sorri de leve para ela e tasquei um beijo em sua bochecha. O mais estranho de tudo era que ela parecia ter um certo nojo de mim, já que afastou o rosto dos meus lábios.

— Hum... oi. - Respondi no mesmo tom, que a propósito teria sido um pouco frio - Como vai com os balões? Precisa de ajuda?

— Não, obrigada. O... Richard está me... ajudando. - Ela desviou o olhar de mim para o garoto, gaguejando enquanto o fazia. Minhas sobrancelhas ficaram tortas pela confusão.

— Você tem algo a me dizer ou vai continuar olhando pra ele? - Disse, impaciente. Ela deixou a pergunta solta no ar, amaciando as pontas dos dedos como se estivessem doloridos.

— N-não. Pelo menos, não agora. Falo com você depois da festa.

Não respondi, deixei que voltasse a fazer suas tarefas. Apesar do ciúme ter tomado conta de mim, sabia que algo não estava certo.

— Horace, ajude Jasmine a fazer a faixa de "Feliz aniversário" para Olive, sim? - A srta. Peregrine pediu para o garoto, que acabara de chegar na sala.

— Certo. Ah, Wyn está perguntando se devemos nos preocupar em pôr as velas em cima do bolo. - Disse ele.

— Bom, se vocês se responsabilizarem em colocar 82 velas sobre o bolo e não deixarem nenhuma cair e queimar a casa inteira, fiquem a vontade. - Nossa mentora falou, sarcasticamente. Não era de seu feitio, mas o fez. Horace notou que não era uma boa ideia, então foi logo procurar por Jasmine, a garota que ele secretamente amava. Mas antes disso, eu o chamei. Precisava tirar uma dúvida que me perturbou por 2 ou 3 semanas.

— Ei, Horace. Vem cá! - Gritei, uma das tesouras acabou ficando presa em meus dedos.

— Sim? - Respondeu, curvando as sobrancelhas. Olhei para todos os lados possíveis, me certificando que ninguém nos ouviria.

— Horace, me conte exatamente o que você viu naquele seu sonho.

— Aquele que eu vi a Morte? - Balancei a cabeça, confirmando - Eu já disse tudo, Enoch. F-Francamente, nem sei por que me chamou.

Ele ficou nervoso, percebi pela sua voz trêmula. Antes que ele pudesse fugir, o segurei fortemente pelo casaco que estava usando.

— Ei, me larga! Isso deve custar umas 50 libras! Você quer mesmo ficar me devendo 50 libras? - Soltei na hora. Quando Horace cismava com suas roupas, ele falava sério. O garoto limpou sua roupa, como se estivesse empoeirada.

— Desculpe, mas não acho que esteja sendo completamente honesto. - Horace congelou, ele entrelaçou os dedos e ficou movimentando os polegares. Seu nervosismo ficou bem mais perceptível - Horace, eu tenho uma espécie de segunda peculiaridade. Serve como um 6° sentido. Sabia disso? - Falei num tom ameaçador.

— C-como assim?

— Eu consigo notar quando as pessoas estão mentindo. - Sussurrei - Você viu quando Marie veio até mim, minutos atrás? - Ele assentiu - Pois bem. Ela me disse algo bem curioso, mas notei na hora que estava escondendo uma coisa de mim.

— E o que eu tenho a ver com isso? - O menino ajeitou seu monóculo e pigarreou, forjando uma postura mais corajosa.

— Você está mentindo para mim, Horace. - Revelei, minha voz ainda saindo como um sussurro - Está mentindo para todos nós. Diga-me exatamente o que viu.

Ele pensou um pouco, mas cedeu.

— Certo. - Suspirou, hesitando - No sonho, tinha uma mulher toda vestida de preto. Ela usava um capuz folgado e uma foice bem afiada.

— Morte. - Concluí, ele balançou a cabeça, prosseguindo.

— Tinha uma ponte de tijolos estreita e ela estava do outro lado, esperando... e-eperando... - gaguejou, deixando-me ansioso.

— Esperando por quem, Horace? Vamos lá, você consegue. - Forcei. Pela sua cara, ele estava prestes a chorar.

— Esperando pelas 6 almas. - Meu maxilar ficou mais mole, um arrepio passou pelas minhas entranhas. Do que ele estava falando?

— E essas... 6 almas pertencem às crianças daqui? - Perguntei, ainda tentando desviar os olhares curiosos de alguns peculiares.

— Certamente. - Afirmou.

— E você sabe quem sã...

— Ei, vocês dois! - Eu terminaria de falar, se não fosse brutalmente interrompido por Millard. Depois de um tempo vivendo no orfanato, aprendi a sentir sua presença. Era ainda mais útil quando ele usava roupas e não ficava rondando pela casa, como se fosse um fantasma. Me virei para encarar um livro e uma boina flutuantes. Era mesmo o pequeno Einstein - A srta. P quer que vocês deixem de conversas e voltem ao trabalho.

— Claro... estamos indo. - Respondi, sem espontaneidade. Virei-me para Horace pela última vez. Ele me olhou como se eu fosse um monstro destruidor de sonhos. Minha cabeça agora estava dividida:

Deveria ou não descobrir quem eram as 6 almas?

. . .

Eu já tinha voltado para meu quarto, a festa me deixou completamente exausto, sem contar que minhas costas doíam depois de me curvar tantas vezes para consertar a mesa, que quebrara.

Senti saudades da minha cama macia, escorei a cabeça no travesseiro e tentei adormecer, mas como sempre, isso nunca acontecia de imediato.

Bam!

O miserável barulho de sempre me assustou. Presumi ser Emma pela terceira vez.

— Emma, se quer dormir comigo, por que não larga logo seu namorado? - Brinquei, sorrindo de leve. A porta finalmente foi aberta, revelando uma sombra negra. Meu quarto estava um pouco escuro, mas mesmo assim, pude notar que era Marie.

— Nossa, então é assim? - Perguntou ela, sem estresse - Está convidando mulheres pra te fazerem companhia à noite?

— Que engraçada. Pena que eu não consegui rir. - Bufei, convidando-a para sentar ao meu lado. Ela o fez, aproximando-se de mim com cautela.

— Enoch, de fato, eu tenho algo a lhe dizer. Vem me incomodando há um tempo, mas só tive a coragem de te contar agora. - Disse, no mesmo tom que usou mais cedo, ela não estava nem mesmo um pouco confiante. Meu sorriso se desfez, parecia algo grave.

— Então... fale.

— Eu... estou namorando com o Richard. - Meu coração deu um salto enorme, eu não sabia o que dizer.

— O quê?! Você esteve me traindo com... com um cara que eu chamava de amigo? - Fiz a primeira pergunta que veio na minha cabeça, levantando-me da cama.

— N-não! Não é isso, eu juro! - Defendeu-se. É fácil demais negar o que já é considerado um fato - Nós sequer nos beijamos. Eu só...

— Só o que, hipócrita?! - Ela se afastou, lágrimas começaram a rolar em suas bochechas.

— Eu estive mais próxima dele, nos últimos dias. Eu não estava tão a vontade com nosso relacionamento, Enoch.

— Foi por isso que não aceitou se casar comigo?

— Isso é outra coisa. - Murmurou - Enoch, eu precisei ser honesta com você.

— Que bom que já foi. - Disse, sarcástico e com todo ódio possível - Se isso foi tudo, saia daqui.

— Enoch...

— Vá embora! Eu não quero ver sua cara de novo. - Ela abaixou a cabeça e se foi.

Peguei um dos jarros de vidro que carregava um coração e o atirei na porta com todas as forças que eu podia. O órgão estava agora no chão. Eu me lembro muito bem de quem o pertencia.

Eleonor Jones.

Dobrei meus joelhos, pensando que nunca teria alguém do meu lado novamente.

Enoch, eu te amo. Por favor, não faça nada estúpido

A voz de Eleonor surgiu na minha cabeça pra piorar. Abracei minhas pernas e chorei a noite inteira, como se fosse uma criança.


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