Rise escrita por Lua Chan


Capítulo 18
Pule, coelho




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Os minutos se passaram com dificuldade, como se quisessem me torturar. Eu já estava ansioso para ver a tal "transição", Victor só piorou tudo quando me perguntou se eu tinha medo dos monstros.

Ora, é claro que eu tinha. Um etéreo matou o meu melhor amigo, outros deles invadiram o orfanato da minha antiga fenda. Vamos dizer que parte da minha maldita desgraça tem o nome deles estampado.

— Está pronto, Enoch? - Emma sussurrou. Estávamos escondidos atrás de um arbusto ornamentado. Tinha a forma de um homem apontando para o céu, que atendia pelo mome de Adam. Acho que nunca vou entender o porquê, talvez alguma referência artística. O único universo artístico que me atrai, porém, é o da vida, cheia de pinceladas bucólicas e engenhosas, até que se acabe com as garras peçonhentas da morte.

A senhorita Peregrine estava lá em pé, encarando o absoluto nada. Ela parecia destemida, apesar de não entender a maioria de suas feições. Ela era misteriosa, assim como Pearl von Jayne sempre foi. Nossa atual mentora pegou um relógio de bolso, o que ela carregava quando nos recebeu. Alma olhava para ele a cada 5 exatos segundos.

— Quando a coisa toda vai acontecer? - Perguntei, copiando o tom de voz da garota de fogo. Ela teria mostrado sua peculiaridade minutos atrás, quando fomos banhados pela escuridão. Quase acordei alguns dos syndrigasts com o meu grito de surpresa.

— Daqui a alguns segundos. - Respondeu, sem tirar os olhos da ave. Eu perguntaria como ela teria tanta certeza disso, mas logo desisti quando ouvi barulhos semelhantes a rugidos de um motor.

— Esses são...

— Os monstros. - Victor concluiu meu pensamento. Estava ainda mais ansioso, meu coração batia com muita força. Mesmo sem ver os etéreos, eu estava nervoso.

Apesar dos barulhos agonizantes que os etéreos emitiam, Alma não poderia permitir que as outras crianças ouvissem. Para abafar os grunhidos, ela carregava uma velha e elegante vitrola que tocava uma melodia simbólica, pelo menos para mim.

Sim, eu conhecia a música. Era a que Pearl cantava a maioria das noites para seus filhotes dormirem.

Pule, coelho, pule, coelho, pam, pam, PAM!
Bum, bum, BUM, fazem o fazendeiro e seu pistolão.
Por isso ele não vai comer esse coelho,
Pule, coelho, pule, coelho, PAM!

— Enoch, abaixe-se! - Bloom exigiu, nem tinha percebido que meu queixo estava tão erguido.

No exato momento, cerca de 8 aviões cortavam o céu, deixando um rastro mórbido de fumaça. Imaginei que fosse algum tipo de gás que, felizmente, não chegou a nos atingir. Cada um possuia uma espécie de suástica negra em seu corpo.

Depois de assistir atordoado ao "espetáculo", vi Alma girar, delicadamente, o mecanismo de corda do objeto metálico. À medida que ela o fazia, a paisagem mudava de figura.

Não era mais noite. Não havia mais monstros, nem sequer aviões ou bombas, que ameaçavam cair sobre nossas cabeças. Tudo estava tranquilo demais. A música já estava em seu fim.

Na fazenda, nenhum pobre coelho
Vai se dar mal. Porque eu os agarro
Eles brincam e saltam, seja lá onde eu perambule
Então pule, coelho, pule, coelho, pule, pule, PULE!

— E então, gostaram, crianças? - Engasguei-me assim que Alma fez a pergunta. Ela mal tinha virado a cabeça para nós, nem entendi como ela nos percebeu. Victor e Emma se escondiam ainda mais e balbuciavam palavrões. Rendemo-nos e saímos das costas de Adam.

— F-foi incrível. - Falei, tentando retirar a raiva que a mulher acumulava em seu peito. Ela agora, na nossa frente, encarava nossos olhos como quem se decepcionasse com algo.

— Vão para seus quartos. Já tiveram seu castigo. - Fiquei sem entender. Qual parte do "foi incrível" ela não compreendeu? Assistir à transição não foi nenhuma punição para mim.

— Como assim "castigo"? - Perguntei para Emma, depois de Alma ter ido embora para dentro da mansão.

— Ficaremos sem tomar café. Além disso, não dormiremos. - Disse ela, revirando os olhos - Existem regras por aqui. Se você é um dos pupilos e não obedece à srta. Peregrine, fica sem comer pelo menos uma refeição.

— Isso é um saco! - Respondi, olhando ainda para a floresta de onde os monstros vieram.

— Vamos logo para dentro. Não quer que ela se transforme num dragão, quer? - Victor sugeriu, amedrontado.

— Pfft! Isso eu pagaria pra ver.

. . .

Já era a hora do almoço e eu ainda estava trancado no quarto, "apreciando" as consequências das minhas ações. Duas ou três pessoas já tinham passado por aqui, para saber como eu estava e até deixando umas frutas, secretamente. Infelizmente, nenhuma delas era Marie. O mais estranho era que ela parecia ter se afastado de mim e eu, dela.

Bam!

O mesmo ruído de ontem ecoou pelo quarto. Presumi ser Emma, já que era levemente barulhenta.

— Pode entrar, Bloom. - Pedi, sentando-me na borda da cama. Eu tinha acertado, era ela. Emma se aproximou de mim e sentou-se ao meu lado.

— Estou morrendo de sono. - Resmungou, deixando um bocejo escapar.

— Por que veio aqui? - Perguntei.

— A srta. P está chamando para comer, Victor me avisou. Vim dizer o mesmo.

Ficamos em silêncio, acho que o sono nos deixou sem assunto ou era apenas eu e meu péssimo hábito de não saber conduzir uma conversa. Ia olhar para as bochechas rosadas da garota, mas meus olhos me levaram até seus lábios. Fiquei vermelho por ter feito isso, meu coração parecia um potro saltitante.

— O que foi? Quer me beijar? - Debochou.

— Eu tenho uma namorada, se é que você se lembra. - Rebati.

— Não percebeu o sarcasmo, idiota? - Emma riu - Claro que vou abandonar o meu maravilhoso Abraham Portman por um trapo como você.

— Devo ser o trapo que qualquer mulher se apaixonaria.

— Eu não teria tanta certeza. Não aconteceu nada comigo. - Ela riu novamente e eu repeti a ação. Nem sei por que ou como, mas senti como se aquilo tivesse me atingido - Vamos ficar aqui de bobeira e morrer de fome também?

— Espero que não.

Descemos as escadas e nos encontramos com Victor e Marie no meio do caminho. Deixei um beijo nos lábios da garota que parecia não ter correspondido muito bem. Deixei os pensamentos ruins de lado e fui para a mesa. Notei a ausência de 3 pessoas: Olive, Horace e Claire. A senhorita P disse que eles já teriam almoçado.

— Vocês já tentaram fugir desse lugar? - Richard perguntou, enquanto pegava pedaços de cenoura, retirados por Fiona. Ele aproveitou a situação, já que Alma não estava por perto.

— Você quer dizer desta fenda? Qual o problema com ela? - Bronwyn, a irmã de Victor parecia incomodada.

— Nenhum, Wyn, acredite. - O garoto respondeu - É só que... é como ficar dentro de uma gaiola.

— Richard! - Caleb reprovou - Isso é rude. Peça desculpas.

— Querem saber? - Disse Victor -Já que estamos falando do "assunto da morte", eu vou dizer minha opinião: sim, é verdade. É como estar preso numa gaiola. Também gostaria de sair dessa fenda com a srta. P e todos os peculiares.

— Victor, não deixe que Richard controle sua cabeça. Ele costuma ser persuasivo. - Defendi - Além disso, uma vez que você entra numa fenda, deve ficar até o fim de sua vida por lá.

O silêncio bateu novamente, parecia ter levado o assunto para longe. Quando todos terminaram de comer, ouvimos um choro.

— O que é isso? - Perguntei para a pessoa mais próxima de mim, mas ninguém respondeu. Corremos para o jardim, origem do barulho, e nos deparamos com Olive e Claire, sentadas no chão.

— O que houve, meninas? Hugh questionou, pasmo. Olive era a única das duas que não chorava, por isso, conseguiu responder ao garoto.

— Claire deixou a Bunny brincar pela terra. Quando ela foi pegá-la, a encontrou morta no chão.

Bunny? Que nome idiota pra um coelho.

— Enoch, pare de ser rude. - Marie sussurrou, provavelmente teria lido meus pensamentos.

— Pare de ser imprevisível. - Retruquei.

Chegando perto de Claire, vimos o corpo do animal jazido sobre seu colo. As lágrimas caiam no pelo branco do coelho. Achei que teríamos que acalmá-la até que parasse de chorar, mas foi aí que tive uma ideia.

— Claire, você pode me emprestar a Bunny por uns segundos? - Mesmo sem compreender, ela assentiu, limpando os olhos com as costas das mãos - Ótimo.

Corri até meu quarto e peguei uma bisturi e um pequeno coração de rato, já tinha formado um estoque. Voltei para o jardim e comecei com a operação. Abri seu tórax, retirei o coração do coelho e o troquei pelo do rato. Enquanto eu fechava os olhos e esperava a onda de choque chegar, fiquei cantarolando a canção que mais conhecia.

Pule, coelho, pule, coelho. Pam, pam, PAM!

O coração batia no mesmo ritmo que a "explosão" da música.

Bum, bum, BUM, fazem o fazendeiro e seu pistolão.

O animal chacoalhou no chão, pronto para voltar a vida.

Pule, coelho, pule, coelho. Pule, pule, pule!

Então Bunny estava lá, pulando como se nada tivesse ocorrido. Recebi alguns aplausos e alguns "esplêndido!" ou algo do tipo. Fiquei com pena por não saber se o bicho ficaria vivo por muito tempo, mas deixei que Claire pudesse me dizer caso ele batesse as botas de vez.

De repente, mais um barulho. Não era alguém chorando, era um grito e vinha de um dos quartos.

— O que foi dessa vez? - Abe se perguntou, ainda com um forte sotaque.

Corremos todos pelas escadas, chegando até o quarto de Horace. Pelo que a srta. Peregrine nos dissera, ele estava dormindo. Alma abriu a porta de seu dormitório e viu o menino hiperventilando com um olhar aterrorizado.

— Pela Ave, Horace! - Marie exclamou - O que houve?

— Ele teve uma visão, não foi, Horace? - Emma respondeu, o menino balançou a cabeça positivamente.

— O que você viu, querido? - Alma pediu, alisando os cabelos de seu pupilo.

— Morte. Eu vi a morte, senhorita. - Disse ele, vidrado nos olhos de Alma, ainda respirando pesadamente - A-alguém daqui irá morrer, srta. P. Eu sinto isso.

Um nó gigante se formou em meu estômago. Algo me dizia que Horace não estava sendo completamente honesto.


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Notas finais do capítulo

Quem não gosta da musiquinha do "run, rabbit"? ♡ Bom, a última parte da música não estava no livro (pelo que eu lembre), portanto, traduzi o final da letra da música original (a que tocou no filme) e fiz umas modificações pra que pudesse rimar.

That's all folks! Até o próximo cap. ♡



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