Rise escrita por Lua Chan
Fiquei um bom tempo no orfanato da srta. Jay. Me senti mais livre por aqui, conhecendo pessoas como eu: julgadas pela sociedade por serem diferentes, os peculiares.
Falando em peculiares, comecei a namorar a Marie. Tinha que admitir, sempre sentia um peso nas costas quando me lembrava da El, ela foi meu primeiro amor e ainda sentia sua falta, mas agora com pouca intensidade. A garota raramente aparecia nos meus sonhos ou pesadelos, tudo era calmo demais. Minha vida ficou calma demais.
Até hoje, o dia em que tudo mudou novamente.
—
— O que planeja fazer agora, Enoch? - Marie enganchava os dedos em seus cabelos volumosos. Sua cabeça descansava em meu peito, sentia sua respiração quente acompanhar a minha.
— Que tal ficar perto de você? - Sugeri, sorrindo como um idiota.
— Já está perto de mim, monstrinho. - Retrucou, usando o apelido que me dera ano passado.
— Você sabe o que eu estou dizendo, Marie. - Falei, com um tom maior de seriedade - E se ficarmos assim para sempre?
A garota engasgou. Seus olhos se voltaram para mim com espanto. Esperei alguma resposta, que por sinal, demorou a ser dita.
— Enoch, você não estaria...? -Não pôde terminar a frase, suas mãos tremiam. Não consegui ver nela o sorriso que tanto desejava.
Sem jeito, fiquei de joelhos em sua frente, fitando seus olhos marejados. Segurei, delicadamente, uma de suas mãos - estava gelada, me assustei.
— Marie... há muito tempo nos conhecemos. Você tem sido uma pessoa excepcional em minha vida. Desde o dia em que cheguei no orfanato, você cuidou de mim, se ofereceu a me ajudar a esquecer da morte de Eleonor, o que não foi uma tarefa fácil. - Suspirei, olhando para baixo, desta vez -Desde então, tenho uma admiração completa por você. Quero poder estar ao seu lado para todo sempre, algo que não pude fazer antes...
— Enoch...
— Marie Wander, você aceita se casar comigo?
A resposta demorou. Fiquei nervoso, envergonhado de receber um "não". Antes que Marie pudesse falar, um ruído foi gerado pela casa, acompanhado por um tremor que se assemelhava a um terremoto.
— O que está acontecendo? - Gritei. Caleb invadiu o quarto, extasiado, seus olhos se arregalaram de uma forma assustadora.
— São eles! - Berrou, sua voz já rouca e desgastada - Os monstros estão nos atacando, fujam!
Me virei para Marie, ela fez o mesmo, roçando os dedos nos lábios como quem estivesse confusa. Desejei que nada tivesse acontecido, que eu não tivesse pedido a mão dela, de não ter passado por esse vexame. Corremos para a porta, eu a deixei passar primeiro.
De longe, mais barulhos de bombas foram emitidos do lado de fora do orfanato. Gostaria de ter Nigel conosco nesse momento, ele seria útil.
— Crianças, se escondam! - Pearl alarmou, mal a reconheci dessa forma, a imagem da mulher serene, rígida e séria havia se desmanchado - Não sabemos quantos etéreos estão nos atacando, mas tomem cuidado de qualquer forma! - De repente, uma mão fria se apoia na minha, a de Marie. Olhei para seus olhos cheios de tristeza e medo, sabia que gostaria de fazer algo por todos nós.
— Senhorita, acho que posso ajudar. - Marie afirmou. Seu irm ão pôs-se em sua frente, numa tentativa de protegê-la contra alguma ameaça invisível.
— Irmã, não seja tola. - Rugiu - Isso não é um maldito jogo de cartas!
Um grupo de meninas, junto a três garotos se posicionaram a favor de Caleb, todos dizendo que qualquer passo a tomar seria arriscado. Por mais que meu coração implorasse para ela não fazer nada, senti uma pontada de culpa.
— Por que não deixamos Marie falar? - Ela sussurrou um "obrigada" e se voltou a todos.
— Posso tentar ler a mente dos etéreos, saberemos quantos deles estão no jardim. Quanto aos soldados... - Piscou os olhos, sua boca formando uma linha curva - Não tenho forças para ler tantas cabeças. Enquanto isso, vocês trancam todas as portas e possíveis aberturas.
— Acho que podemos seguir esse plano. - Jasmine suspirou, olhando para uma das janelas, quebradas devido o impacto de uma bomba.
Não segui os outros, como sugerido, Marie me pediu para ficar ao seu lado. Eu a apoiei, segurei sua mão como se fosse a última vez que eu fosse vê-l a. Olhei para seu rosto delicado, com a intensão de marcá-lo de tantos beijos. E se eu a perdesse também?
Concentre-se, Enoch.
Uma voz no meu interior murmurou, mas não era a minha, e sim, a de Eleonor Jones. Ouví-la me fez sentir cócegas no estômago, sorri como uma criança numa loja de brinquedos; Marie me encarava com dúvidas.
— Vou precisar me concentrar, Enoch. - Disse - Será que poderia vigiar a porta pra mim? - Assenti com a cabeça, mesmo sem deixá-la sozinha no lugar.
Antes de sair, estudei as expressões faciais da garota, eram sempre caretas. Mesmo relutante, obedeci às suas ordens.
...
— Quais são nossas chances, Richard? - Srta. Jay perguntou para um de seus pupilos. Richard Brown, a criança prodígio e a mais inteligente dos peculiares (se não, de todas as pessoas), fitou seu relógio de pulso como se este fosse dar os resultados que tanto queria. A esse ponto, Marie conseguiu rastrear 12 dos monstros no jardim.
— Querem uma resposta honesta? - Todos, inclusive eu, assentiram com medo - Bom... temos cerca de 40,8% de chances de sermos devorados pelos etéreos; 28,7% de sermos mortos pelos soldados; 19,2% do orfanato ser destruído por bombas. Isso nos dá exatamente 11,3% de chances de sobrevivência.
Ninguém ousou dizer nada, Richard nunca errava nos cálculos, eles eram espécies de premonições. Olhei para Marie e beijei seus cabelos, posicionando meu queixo no topo de sua cabeça.
— Tudo bem, faremos o seguinte. - A mulher começou - Formaremos grupos de 4 à 5 pes... cof! cof!—Pearl parou para tossir, algo que, na verdade, todos fizeram. Algo saía pelas aberturas das janelas que me fez sentir uma dor no peito - o que, pela Ave, é isso?
A resposta foi logo obtida. Uma bomba de gás foi lançada pela chaminé da residência, fazendo-nos arquear para tossir. Meus pulmões se encheram de ardor, como se estivesse engolindo ácido.
— O que cof! cof! é isso, senhorita?! - Eugine, outro pupilo, perguntou para nossa mentora. O menino se contorcia no chão, tentando despistar o cheiro das narinas.
— Isso é gás mostarda! - Richard respondeu por ela - Nós seremos aniquilados em poucos segundos, se não saírmos daqui!
Foi difícil pronunciar mais palavras, mas pude ouvir Pearl sussurrar para irmos ao porão. Procuramos por um piso falso, o lugar onde teria uma portinha para os fundos que nunca chegamos a ir. A srta. Jay julgava ser um lugar perigoso demais para simples garotos como nós.
Descemos as escadas, alguns segurando os corpos de outros -para o nosso azar, 2 peculiares nos deixaram, por não resistirem ao gás. -Vendo um portão azulado, semelhante a uma porta de madeira, Pearl ordenou que todos fizessem um círculo ao redor da figura. Mesmo sem entender, fizemos o que pediu.
— Crianças, foi um enorme prazer ser sua tutora legítima, mas temo que não tenha condições de progredir com meu dever de cuidar de vocês. - Pearl falou, seus cabelos pareciam mais esvoaçantes do que em qualquer momento que já viveu - Não mais.
— Do que está falando, Srta. Jay? - Arrisquei-me, apoiando o corpo ainda vivo de Marie no meu ombro.
— Meus peculiares, a partir de hoje, essa fenda estará oficialmente fechada.
— O quê?! - Todos dali gritavam, meu coração sentiu uma pontada de dor ao ouvir a frase.
O quarto se encheu de mais dúvidas e vozes desesperadas.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Tam taaaaam.
FELIZ ANO NOVO, PESSOAS! ♡ >< ^-^