Rise escrita por Lua Chan


Capítulo 11
E ele se foi...




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8 de abril de 1917

—Enoch? -Ouvi risos abafados. Ela sorria para mim, seus olhos brilhando tanto quanto as estrelas que gostava de observar -Você está aí?

Pisquei meus olhos, balançando a cabeça.

—Estou aqui! -Chamei pelo seu nome, tão fracamente que estranhei -Por que não vem até mim?

O sorriso da menina, cujos olhos estavam escondidos num borrão, se apagou. Ela se afastou de mim.

—Não posso fazer isso com você, Enoch. É cruel. -A garota dos meus pesadelos se desaparecia numa mancha branca e pálida. -Eu te amo, En, mesmo sem poder te amar.

—Mas... por quê? -Pedi, aflito -Por que sempre vai embora sem explicações? Eu te odeio por isso, Eleonor! Te odeio!

—Você me machuca tanto. É tão cego que não aproveita o que já conseguiu com a srta. Jay*. Ela te deu um abrigo, te deu pessoas iguais a você. Pessoas que te amam e que você pode aprender a amar.

—A única pessoa que eu amei está morta. -Sussurrei, pesadamente e sem expressões -Por que você não sai logo da minha vida?

—Porque eu sempre fui parte dela, amor.

Acordei, suando frio. Não estava no meu quarto, como normalmente acontecia. O local estava claro e com um cheiro agradável. Procurei por alguém por perto e então, encontrei.

—Parece que teve outra noite difícil, hein, Enoch? -Um garoto me observava, enquanto brincava com uma faca enferrujada. Nigel se aproximou da minha cama, com seu sorriso irônico que sempre ostentava.

—Eu sei... a Eleonor se tornou uma ferida aberta. Você deve saber como é se sentir assim. -Rebati com a consciência pesada, me referindo à sua namorada, Jasmine. Eles se separaram por motivos aparentemente inúteis.

—Pelo menos, a Jasmine não morreu. -Disse com uma feição tão rígida quanto pedra.

Já tinha me acostumado um pouco a falar sobre Eleonor. Já se faziam aproximadamente 15 anos que eu morava no Orfanato da srta. Jay com os outros, sem mesmo envelhecer. Dentre eles, havia Nigel Duncan, ele veio da Rússia, assim como a Pearl.

Assim como eu, ele era um syndrigast e tinha a habilidade de ver os etéreos, monstros que nos perseguiam para roubar nossas almas e comê-las. Eu o achava legal, sua personalidade chamava minha atenção de alguma forma. Com ele, aprendi a ser mais fechado às pessoas e a não sofrer tanto pela El.

Mas ainda doía.

—Anda, vamos comer. A srta. Jay vai decepar nossas cabeças se atrasarmos para o café.

Descemos o lance de escadas em espirais para encontrar as crianças. Tinham várias delas na mesa principal, compartilhando a refeição.

—Bom dia, meninos. -Srta. Jay falou -Por que não vêm sentar conosco?

Nigel seguiu para a mesa, procurando uma cadeira para se acomodar. Fiquei parado.

—Estou sem fome no momento. -Disse, cabisbaixo, revirando a cabeça -Acho que vou dar uma volta pelo jardim.

—Enoch, não faça isso consigo! -Marie, a garota telepata e gentil falou, arqueando as sobrancelhas num ângulo estranho -Não pode continuar sofrendo por causa dela.

—O que você sabe sobre amar alguém, Marie? -Explodi de raiva, pela primeira vez em tantos anos -O que sabe sobre perder alguém?

—Se não se lembra, idiota, sou o irmão dela -Caleb complementou, erguendo a voz -e nós dois perdemos nossos pais na guerra em 1916. Pare de reclamar como se você fosse um coitadinho infeliz com a vida arruinada.

—Já chega, crianças. -A srta. Jay tentou apartar a briga, mas ela só tinha começado.

—Enoch, se senta por favor, cara. -Nigel sugeriu, olhando pros meus olhos como se sentisse algo ruim prestes a acontecer.

—Se quiser, posso apagar sua memória, En. -A pequena Grace me consolou, mas sabia que isso não aconteceria. Grace Willis era capaz de alterar as memórias das pessoas, mas nunca pedi que fizesse isso comigo.

—Já chega! -Pearl repetiu, batendo com toda a força ambas as mãos na mesa de madeira. Talheres e pratos se remexeram -até uma taça de vidro caíu na bancada. Todos silenciaram, nervosos. Srta. Jay mudou o tom de voz repentinamente -Venha sentar, Enoch. Por favor.

Olhei para todos e eles me olhavam de volta, esperançosos. Quantos mais rostos eu iria decepcionar na minha vida? Saí correndo para o jardim, batendo a porta num baque terrível. Mas antes, ouvi uma voz.

A de Nigel.

—Vou falar com ele, senhorita. -O menino se retirou da poltrona e correu para minha direção.

—Enoch! -Ouvi seu grito a uma larga distância. Não me preocupei em encará-lo. Eu estava apoiado num galho de uma extensa árvore -Sei que está aí, em algum lugar. Será que pode aparecer?

—Ora, ora. Esse não parece ser você, Nigel. -Falei, olhando para baixo. Ele me fitou -Parece que seu coração está amolecendo. Se quiser, posso trocar por outro.

—Você sabe que eles são inocentes. Não pode culpá-los pela sua perda, Enoch. -Ele replicou, chateado -Todos perdemos alguém, cara. Você não é o único. Não precisa ficar assim. Somos uma família, não somos?

Não respondi, encarando uma maçã que encontrei numa ramificação de galho.

—É o que as famílias fazem. -Fiquei pensando por um instante. E se a minha solução fosse mesmo a que El me dera em meus pesadelos?

E se o necessário fosse esquecer Eleonor para sempre?

Olhei de novo para o garoto. Para o meu terror, Nigel estava inclinado, seus joelhos tocando o chão. Ele gemia de dor e palavras em uma esquisita língua eram pronunciadas. Eu sabia o que significava.

—Nigel! -Gritei, indo para o chão.

—El-eles estão vindo, Enoch. -Foi o que disse entre sussurros, sua mão pressionando fortemente a barriga. Nem conseguia imaginar o quanto de dor ele sentia. Isso sempre acontecia na presença de um etéreo -Corra!

Ouvi um barulho semelhante ao balançar das folhas das árvores. Uma sombra imensa fora projetada no chão, fazendo-me tremer. Puxei o garoto para perto, apoiando-o nos meus ombros.

—Enoch, por favor, vá embora. Meu estômago está queimando, eu não aguento mais. Não posso correr!

—Não vou te deixar sozinho! -Com dificuldade, ele se ergueu, semicerrando os olhos e colocando todo o peso em mim -Vamos, você consegue.

As coisas pioraram. Nigel viu o etéreo, enquanto eu ainda o procurava feito um louco. Ele estava a um passo de nós.

Foi aí que todo meu pesadelo se repetiu.

Não sabia as características fisionômicas de um etéreo, mas ele deveria ter braços pontudos, porque Nigel foi brutalmente arremeçado no ar pela coisa e assassinado a sangue frio.

Bem na minha frente.

Uma poça de sangue foi se originando debaixo de seu corpo que jazia na grama macia do jardim. Meu coração parou, no mesmo instante que ouvi as últimas batidas do coração do meu melhor amigo.

—Nigel!


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Notas finais do capítulo

*Jay= gralha.
Blue Jay= gralha azul



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