Rise escrita por Lua Chan


Capítulo 1
O garoto londrino




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Eu nasci assim. Diferente dos normais, mas não por ser realmente distinto das outras pessoas.

Eu era um garoto peculiar, antes de ser peculiar.

Minha estranheza transcorria pela minha aparência, até pelo meu jeito de andar (eu era julgado por isso). Sim, Enoch O'Connor -ou "eu", se preferir -era excluído. Gostava de coisas mirabolantes e vivia numa época exótica, macabra. Meus pais sempre me entendiam, eu sempre entendia meus pais.

Até que tudo mudou.

Até que um dia, eu me transformei no que hoje eu sou.

Até que num dia ordinário, eu virei uma criatura peculiar.

Dezembro, 1904

Era mais uma tarde fria no Leste de Londres e eu, como todos os dias, admirava o lago que ficava próximo à minha casa. Meu nariz congelava, assim como minhas mãos, por isso sempre andava com luvas de tecido feitas por mamãe e um par de galochas um tanto desconfortáveis.

O especial nesse dia não era tão significante para mim. Era meu aniversário de 12 anos, para ser preciso. Meus pais me deixaram ficar mais tempo rodeando pela cidade, algo que só fazia com sua companhia.

Não tinha muitos amigos, os poucos que arranjava eram à força. Qual louco gostaria de fazer amizade com um menino que era filho dos mais conhecidos agentes funerários de Londres? Por causa disso, procurava me esconder, mesmo que não fosse possível fugir da minha realidade. Era vergonhoso ser uma aberração.

—Enoch! En! -Ouvi uma voz que reconheceria em qualquer lugar. Eleonor Jones corria com seus pequenos e desajeitados passos, até chegar onde eu estava. Mesmo confuso com sua presença, exclamei um "oi" e afastei-me dos meus devaneios.

—O que está fazendo aqui, El? -Perguntei para a menina de cabelos castanhos que me olhava com expressividade e energia -Sabe que está tarde!

—Não queria deixar seu aniversário passar em vão, então... -Pegou um papel molhado devido à chuva de mais cedo. O ar ainda estava denso. Junto ao bilhete, havia um boneco com uniforme de soldado. Sua perna estava torcida num ângulo perturbador -se fosse humano, teria muita pena dele -Feliz aniversário!

Eleonor era uma das pessoas que me faziam sorrir. Sabia que eu amava colecionar bonecos, com as melhores ou piores condições. Ela era meu porto seguro, quando alguma crise me abalava. Seja com a minha família (não tão grande) ou com os negócios dos meus pais que ameaçavam falir.

Às vezes, uns amigos de Samuel, meu pai, o apelidavam de Thomas Malthus, um homem louco que vivera no século passado e que era à favor da diminuição da população demográfica. -Prestar atenção nas aulas de Geografia veio a calhar.

—Obrigado, mas quero que vá agora. Preciso ser responsável com você. -Falei, minha voz confiante e inabalável. A menina apenas balançou a cabeça, encarando o chão. Suspirei -Tudo bem. Iremos juntos, então. -Um imenso sorriso brotara em seu rosto delicado. Segurei a mão da menina 1 ano mais jovem que eu e fomos caminhando pelas nem tão movimentadas ruas de Londres.

Depois de ter deixado a menina em sua residência, retornei para a minha, esperando ser recebido com alegria por meus pais e meu velho labrador, Bucky. Mas nada aconteceu. Me aventurei em ir até o escritório do meu pai, onde ele passava o tempo escrevendo ou cuidando da parte burocrática de seu trabalho.

Estava vazio. Uma onda de insegurança percorreu pelo meu corpo -ou será que era só o frio? Encontrei Bucky dormindo na sala de estar, próxima a lareira que exalava deliciosas chamas crepitantes.

—Oi, garoto. -Acariciei sua pelagem. Seu rabo balançava em movimentos repetitivos -Você sabe onde estão meus pais?

Ele latiu sem parar. Fazia isso quando ouvia barulhos que o incomodavam. Normalmente, só ele escutava, mas desta vez, eu também pude ouvir.

Não entende que hoje é o aniversário de nosso filho, Samuel!—Minha mãe gritou com a voz trêmula e furiosa -Era para nós passarmos o dia juntos, como uma família! Onde você esteve?

Tentei espiar os dois, mas era difícil de fazê-lo sem ser notado, portanto só ouvi.

—Ah, querida. Eu só estava no bar com uns colegas. -Meu pai respondeu vagarosamente. Ele tinha bebido, algo que fazia minha mãe explodir de raiva. Cada palavra que Samuel dizia era seguida por uma risada tosca e demente -Sabe Victor, não sabe, amor? Você adoooora o Victor. Heherr... -Papai cambaleou -o som dele caindo não dava para ser confundido.

—Não me importa! Por que não pode fazer presente pelo menos uma droga de vez na vida de Enoch, seu inútil!

Paft!

As vozes foram dissipadas. Uma corrente de ar gelado circundou pela sala, abafando alguns dos ruídos da casa. Mesmo assim, aquele som era inquestionável e me deixou apavorado.

Meu pai bateu na minha mãe.

Como se nada tivesse ocorrido, ordenou que ela preparasse sua refeição. Fiquei calado e corri chorando para o meu cômodo.

Lá estava eu. Um menino de cabelos bagunçados, tão negros quanto o breu. Minha palidez dava um contraste gritante, se comparada à minha íris.

Meus olhos, frios e cheios de lágrimas, eram contornados por duas marcas negras que se acomodavam perfeitamente abaixo deles -apesar disso, minhas olheiras não eram tão grandes.

Fiquei deitado no chão, encarando o teto como se estivesse vendo as estrelas. Me agarrei ao meu boneco que tinha ganhado de Eleonor de presente e reprimi alguns soluços, desejando que aquele desastroso dia pudesse acabar logo.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem, peculiares :)



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