Príncipe dos Mares escrita por Nowhere Unnie


Capítulo 1
Sonhos de Aquamores


Notas iniciais do capítulo

Eu tinha essa fic na cabeça há anos, mas o desafio me animou a escrever de uma vez, espero que gostem!

As partes da letra estão em negrito e, quando a narração muda de primeira para terceira pessoa, é sempre entre os dois trechos da música que estão entre aspas.

O link da música está aqui:
https://youtu.be/mTHPH-WCyUo



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 Saio em cada entardecer

Na esperança de te ver

Correndo na areia

Dessa praia

Na primeira vez que o vi, não tinha muita certeza se era real ou apenas uma ilusão criada pela minha mente, que talvez já estivesse prejudicada pela longa exposição ao forte sol da tarde. Ele corria por toda a extensão da praia sem se cansar, como se exercitar as pernas fosse seu passatempo preferido e o meu, desde aquele dia, passou a ser caminhar despretensiosamente pela areia da praia e me sentar sobre uma pedra todos os dias, admirando o pôr do sol como pretexto para observá-lo mais de perto.

Ouço a música no mar

Gaivotas par em par

Mas você nem olha

Você malha

Era quase impossível que ele fosse um ser humano normal, seu corpo perfeito parecia ter sido esculpido pelos mais talentosos anjos e seus longos cabelos negros esvoaçando contra o vento lhe davam um incrível ar de leveza, como se ele pudesse levantar vôo a qualquer momento,  o que é comum a todos os viajantes que passam o verão nessa ilha, livres de todo o mar de gente que os sufoca entre as selvas de pedra nas cidades grandes.

Ou talvez ele fosse realmente um homem como outro qualquer e aquilo que o tornava tão perfeito era uma simples maquiagem do meu coração, que se utilizava do canto das gaivotas e criava a trilha sonora perfeita para o meu devaneio apaixonado.

E quanta, e quanta água, ah!

Só uma coisa me encantava mais que aquele homem: O mar. Muitas pessoas que nasceram aqui se mudaram porque se sentiam sufocadas nesta ilha, como se estivessem cercadas em uma prisão de água por todos os lados. Mas eu sempre encarei a infinitude do mar como a maior das belezas existentes, uma inspiração que me lembrava a cada momento que nada nesse mundo poderia me limitar e, ainda que a faixa de terra das minhas certezas acabasse, havia um mar de possibilidades à minha volta. As águas que correm até a areia da praia e se quebram em ondas sempre convidam minha mente a viajar até o azul do mar junto com elas quando retornam.

Imagino

A gente de mãos dadas

E você sussurrando

Em meu ouvido

E ao fim de cada tarde, quando a lua tomava o seu devido lugar como a rainha das noites, eu voltava para casa e costumava sonhar acordada. Quase podia sentir o toque de suas mãos nas minhas e, se fechava os olhos, conseguia escutar o doce som de sua voz misturando-se ao sussurrar das ondas que acalentavam as areias da praia.

 

“Vem pra mim, só pra mim!”

 

Enquanto a bela jovem dormia, desejando encontrá-lo em seus sonhos mais profundos, nem sequer imaginava que havia uma força incontrolável dentro dele que também ansiava por estar próximo a ela. Mas os dois não pertenciam ao mesmo mundo, ainda que coexistissem no arcaico universo dos apaixonados, portanto ele não deveria fazer nada mais além de permitir que aquele doce olhar sobre ele alcançasse o seu coração.

 

“Vem pra mim, só pra mim!”

 

No horizonte os barcos vão

Vai também o coração

Levando o segredo

E o meu desejo

Até que um dia, ele foi embora, como era de se esperar. Nenhum barco se demorava muito nos portos dessa ilha, assim como nenhum amor de verão dura mais que uma breve estação. Mas eu não me sentia tão só, pois aquela paixão que ardia em meu peito ainda me acompanhava e, de alguma forma, sentia que ele estava perto de mim cada vez que me sentava naquela pedra para observar o pôr do sol e olhava de soslaio para o mar.

Eu procuro teu olhar

Eu queria te beijar

Mas a timidez

Guardou meu beijo

Sempre esperei que ele voltasse, verão após verão, e esperava encontrá-lo em cada barco que trazia novos viajantes, mas ele não estava em nenhum lugar. Cheguei até mesmo a imaginar que talvez ele nunca tivesse existido, mas logo percebi que isso seria um absurdo, pois o sentimento que movia minhas esperanças era tão profundo quanto o oceano e isso era prova suficiente de que tudo havia sido real. E não me arrependo de ter deixado um forasteiro levar consigo uma parte do meu coração, o único motivo para arrependimentos foi eu nunca ter me aproximado dele, mas eu ainda era imatura demais, tinha medo de mergulhar tanto em águas quanto em sentimentos mais profundos.

E quanta, e quanta água!

Mas com o tempo, tudo mudou. Eu não me contentava mais em só ficar de longe contemplando a beleza do mar, já havia perdido um amor antes por medo de me arriscar, não perderia outro tampouco. E foi assim que o mar e eu nos tornamos um só. E foi mergulhando de cabeça e sem medo de perder o fôlego que o reencontrei, ou melhor, foi ele quem me encontrou quando eu estava prestes a me render.

Estava nos poucos segundos que me restavam de consciência quando o vi nadando em minha direção. Acreditei que ver o seu rosto mais uma vez deveria ser o meu último desejo sendo concedido pelo deus do mar, uma vez que sua forma humana se mesclava a uma bela e ágil cauda marinha que tomava o lugar de suas pernas torneadas. Então o abracei e, enquanto enlaçava minhas pernas ao redor do seu tronco, lhe presenteei meu último suspiro em forma de beijo. Mas, ao contrário do que imaginava, ele não me roubou o fôlego e, a cada instante que o beijava, sentia que o mar ia me deixando aos poucos e o ar retornava ao seu devido lugar.

Toda noite

Eu vejo no meu quarto

Você vir me chamando

Docemente

Naquele dia, ele salvou não somente a minha vida, mas também meu coração. Não aparecia mais durante o dia e nunca perguntei o motivo, me contentava apenas com a sorte de receber cada uma de suas visitas noturnas, onde nos entregávamos um ao outro desesperadamente.

 

“Vem pra mim, só pra mim...”

 

Ele sabia que aquilo era uma loucura, entendia que não deveria jamais se relacionar com uma mortal, podia inclusive prever as inúmeras tragédias que aquela aventura causaria. Mas ainda assim decidiu se arriscar, afinal, o que é o amor se não um conjunto de ações imprudentes sem fim?

Ela não era uma simples mortal como todas as outras, tinha todo o oceano em seu coração, algo que até o príncipe dos mares conseguiu perceber apenas ao sentir sua presença na praia alguns anos antes. Mas ainda assim não era uma criatura do mar,  eles não poderiam viver esse amor como mereciam, mas também não conseguiam viver um sem o outro.

Ele havia passado todos os anos de sua vida recriminando seu pai e tantos outros deuses que não resistiam a se infiltrar no mundo dos mortais se deixando levar por sensações mundanas e agora cometia o mesmo erro. Que ele não considerava tão errôneo assim, uma vez que não estava comprometido com nenhuma outra divindade. E não havia ninguém, nem ninfas, nem deusas, nem sereias, nem meras mortais que se comparassem a ela. Prometeu a si mesmo que seu coração pertecia somente a ela e por isso ele lhe confiou seu mais profundo segredo: Ele era Tritãoão, filho de Poseidon e Anfitrite, herdeiro dos oceanos, um deus dos mares.


“Vem pra mim, só pra mim...”

 

Ninguém sabe

que o príncipe dos mares

me levou nos seus sonhos

 de aquamores

Nosso amor era um segredo particular, como tantos outros que compartilhamos. Ele me conhecia tão bem quanto nenhuma outra pessoa desse mundo. Era o único que compreendia meus mais profundos sentimentos e dividia comigo meus maiores temores. Ao seu lado eu me sentia verdadeiramente completa.

E fugimos

Atlânticos amores

de um verão

E nos cantam

as sereias

Uma vez lhe perguntei se não poderíamos escapar de nossos mundos para viver o nosso amor, mas não havia forma de sair do meu sem atravessar o dele. O que não nos impedia de buscar refúgio um no outro sempre que possível e era incrível como seus beijos e carícias me traziam aquela sensação agradável como se pudesse escutar o canto de mil sereias.

“Vem pra mim, só pra mim, vem!”

 

Como todo amor de verão, ainda que os dois persistissem em se reencontrar a cada renovo da estação, esse também teve o seu fim. Mas não aquele trágico fim que toda história de amor deveria ter, ainda que envolvesse um grande sacrifício de ambas as partes. O príncipe dos mares se embrenhou nas profundezas do oceano e a deixou em segurança com uma promessa: Ela não estaria mais sozinha.

E desde aquele dia, Kai é sua mais preciosa companhia. Em outra ilha, muito distante dali, seu nome significa “mar”, o que inspirou sua mãe a nomear assim o fruto de seu amor, a prova maior de que tudo aquilo não foi mera ilusão, o melhor presente que a vida, ou os deuses do mar,  poderiam lhe dar. Quando ela pensou que já conhecia todas as formas de amar, aquele pequeno tesouro marinho fez o seu coração transbordar.

“Vem pra mim, só pra mim, vem sim!”

 


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Notas finais do capítulo

Eu já estou pensando em escrever as aventuras do Kai também, mas ainda é um projeto bem futuro...