As Damas Perrault escrita por Florrie


Capítulo 8
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem :D



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No dia seguinte a partida da Madame, Alayna parou na frente dos portões dourados se perguntando como tinha deixado Odette a convencer daquilo. A chuva torrencial que não parou um segundo sequer no dia anterior deixou o terreno todo lamacento. A princesa olhou a barra do seu vestido e suspirou, ele ficaria todo estragado.

            – Você tem certeza?

            – Uma laminha vai te assustar? – Odette lhe respondeu.

            – Isso não é uma laminha.

            – Desculpe Alteza, se a estrada não está de seu agrado. – O tom pomposo com que Odette falou a irritou de um modo que ela saiu andando, fazendo os portões se abrirem, esquecendo-se da lama. A outra devia estar com um grande sorriso convencido atrás dela.

            As duas estavam com botas na altura dos joelhos e precisaram segurar as saias para que elas não arrastassem no chão. Em meio à caminhada, ela olhava para o céu, estava um pouco nublado, o que a fazia temer uma nova chuva no meio do caminho. Esperava que a tranquilidade de Odette e sua insistência em ir hoje fosse sinal de que não iria chover. Ela teria desistido se previsse uma chuva, certo? Não tinha tanta certeza sobre a resposta dessa pergunta.

            A mata fechada abria-se discretamente a presença delas. A trilha estreita ia se revelando à medida que andavam. Demorou um bom tempo até chegarem aos limites da proteção, onde a floresta era mais espaçada e a trilha mais larga. Alayna sentiu um formigamento estranho por vir tão longe. Devíamos voltar, não parava de pensar isso. Odette deu um passo à diante, esquivando-se de uma poça de lama no meio do caminho.

            – O que está esperando? – ela perguntou.

            – Eu... – vamos lá, você já veio até aqui, – certo.

            Ela respirou fundo e seguiu Odette. Elas seguiram nas margens da estrada, era preferível que ninguém as visse, seria melhor se misturar sem que as pessoas soubessem que elas surgiram da floresta. Para sorte delas, ninguém parecia ser estúpido o suficiente para pegar aquela estrada toda lamacenta. As duas tiveram apenas a companhia uma da outra até avistarem as primeiras construções. Lá longe a cidade começou a tomar forma, o coração de Alayna se agitou com a perspectiva.

            – Estamos quase lá. – disse Odette.

            Mas não estavam. Apesar de a cidade continuar a crescer diante dos seus olhos, as duas ainda andaram por uns bons minutos. Alayna já estava ficando cansada de desviar de poças, tudo o que queria era uma boa rua de paralelepípedos. Quase chorou quando finalmente chegaram ao seu destino; soltaram os vestidos, ajeitaram os chapéus e seguiram na direção da rua.

As duas misturaram-se entre o povo com facilidade. Alayna podia ter uma aparência diferente da de um nativo, como sua pele, que era mais escura, mas por ser uma cidade portuária, havia gente de todo mundo, com traços tão diferentes quanto os dela.

            A princesa não se lembrava da última vez que viu tanta gente junta no mesmo espaço. Comerciantes gritavam, mães repreendiam seus filhos, rapazes apostavam um jogo, moças soltavam risadinhas. Ela podia entender o porquê de Odette gostar tanto de se arriscar.

            Um rapaz as parou, ele devia ser alguns anos mais novo que as duas e ofereceu uma bandeja de doces redondos e coloridos.

            – São os melhores da cidade mademoiselles. – Ele então apontou para a doceria na calçada. Odette pegou um e timidamente Alayna a seguiu. O suspiro de prazer foi inevitável.

            – Nós passaremos por lá mais tarde. – Odette disse e então piscou para o menino que corou como um tomate. – Agora vá oferecer aqueles ali – apontou para um grupo de homens robustos, bigodudos e bem vestidos. – Eles vão fazer uma compra grande.

            O garoto tomou o conselho e em poucos instantes já estava lá, colocando sua bandeja de doces na altura do nariz dos homens. Alayna riu.

            – Vamos, temos muito mais para vê.

            Elas passearam por uma rua cheia de livrarias e por outra com lojas de vestidos, e chapeis. Os vendedores as tomavam por moças ricas e de boas famílias, pois eram sempre simpáticos quando elas entravam e se despediam com o maior dos sorrisos quando elas prometiam que iriam voltar. Alayna não admitiu em voz alta – nem precisava –, mas estava se divertindo. Queria ter trazido Lady Dafne. Sua coelhinha adoraria as lojas de tecidos, saltitaria feliz sobre as sedas e os veludos. Quando comentou isso, tudo o que Odette fez foi revirar os olhos e fazer uma piadinha.

            Depois foram até o cais, onde comeram peixe frito e observaram as grandes embarcações. Alayna já tinha visto o suficiente de uma embarcação para não ter o mínimo de curiosidade, contudo, tinha que admitir que os navios, naquela perspectiva, eram bastante bonitos. Na frente de um tinha esculpida uma enorme sereia, em outro um titã furioso exibia seu tridente. Odette a puxou de lá quando viu uma trupe de artistas subindo a rua. Eram homens e mulheres com roupas coloridas e brilhantes, alguns tocavam flautas, outros cantavam e quatro moças dançavam. As pessoas os seguiam animados, cantando junto, e quando as dançarinas se aproximavam com um recipiente oval na mão, moedas eram lançadas.

            Odette bateu palma animada e até deu uma de suas moedas. A trupe seguiu até uma grande praça redonda, onde um pequeno palco estava montado. Uma pequena multidão estava lá e havia mais dois grupos de artistas. Haveria uma apresentação? Um homem baixinho subiu no palco, ele tinha um sorriso largo e confiante.

            – Nossos excelentíssimos candidatos escolheram três grupos de artistas e vocês decidiram qual é o melhor.

            Alayna olhou Odette confusa.

            – Candidatos?

            A garota respondeu:

            – Nós não temos Reis, caso você não se lembre. Um Governador é eleito pelo povo e fica no poder por cinco anos até que outro seja escolhido. Deve estar próximo das eleições. – Ela tirou o chapéu, deixando os cabelos ruivos se libertarem. – Na minha cidade nós tínhamos uma festa tão grande a essa, os candidatos faziam bailes e tudo.

            – Que interessante.

            – Interessante é você viver aqui por tanto tempo e não saber disso. – disse Odette rindo. – Mas tudo bem, nós nunca discutimos política, não é mesmo.

            A primeira apresentação foi de um grupo financiado pelo que chamaram de Conservadores. Eles fizeram mímicas e uma pequena peça de comedia onde os policiais caçavam bandidos atrapalhados. Depois, três mulheres ficaram uma do lado da outra e cantaram uma música que Alayna nunca tinha escudado. Elas mexiam os vestidos, rodopiavam e jogavam beijinhos para o público. Os homens, principalmente, foram ao delírio.

            Um barulho ensurdecedor no céu tirou a atenção de todos por alguns instantes. As nuvens escuras haviam se expandido e Alayna tinha certeza de que choveria mais tarde. Pensou no caminho de volta, seu pé afundando na cama e a chuva castigando sua pele como pequenas laminas.

            – Devíamos voltar.

            – Ora, mas ainda não acabou. – Ela apontou para o palco onde o segundo grupo se preparava para começar.

            – E você quer voltar embaixo de chuva? Vamos acabar com uma grite ou coisa pior.

            – Nós não vamos voltar na chuva. Não se preocupe.

            Odette virou-se para o palco, ignorando-a. Alayna olhou para o céu duvidando cada vez mais da afirmação da amiga.

Com o fim do último grupo aplausos encheram a praça. Uma pequena confusão se iniciou; pessoas que torciam por diferentes grupos começaram a trocar provocações. Talvez pressentindo o perigo, Odette a puxou para longe da plateia e as duas correram para o estabelecimento mais próximo. Estavam todos fechados, mas lá da calçada, podiam observar o desenrolar na praça sem serem envolvidas em nada.

            Apesar do céu, agora cheio de nuvens escuras, não mostrar nenhum indicio de sol, Alayna imaginou que seria início de tarde. Sua barriga roncou, fazendo Odette soltar uma risada. A princesa corou de vergonha.

            – Acho que o peixe não foi suficiente. – brincou Odette. – Vamos encontrar um bom lugar para comer?

            – Que lugar? Está tudo fechado.

            – Nem tudo. – Declarou. – Vamos.

            Não teve alternativa senão seguir a outra pelas ruas. Ao afastar-se da praça, as duas encontraram lugares abertos, mas Odette recusou-se a parar, seguindo obstinadamente e obrigando Alayna fazer o mesmo. Elas até passaram por uma doceria onde os bolos e pãezinhos doces fizeram seu estomago dar saltos.

            – Para onde estamos indo? – perguntou quando as casas bonitas foram dando lugar a residências menores e com um aspecto decadente. – Odette!

            Claro que ela não lhe deu importância, seguindo como se conhece aquelas ruas como a palma da sua mão. Essa é uma pergunta relevante, pensou, como Odette poderia conhecer também a cidade? Certamente a faria mais tarde, quando estivesse de volta a segurança do castelo. E o céu continua a escurecer... O vento que soprava agora era gelado e a fez se apertar em seu chalé.

            – Chegamos.

            – Ótimo... O que viria a ser isso? – perguntou apontando para a construção espaçada que ficava em um terreno aberto um pouco mais distante das outras casas. A construção em si não parecia ser muito confiável, tinha dois andares que se projetavam sem nenhum tipo de planejamento. Era como se os cômodos tivessem sito adicionados a esmo à medida que mais espaço era necessário. Odette já andava em direção da portinha de madeira que tinha, logo acima, a cabeça de um touro entalhado. – Está falando sério?

            – Não seja assim. – respondeu a outra. – Posso caçar nosso almoço, mas eu não sei se vossa alteza gostaria de carne crua.

            Alayna ofegou e correu até Odette.

            – Não fale assim tão alto.

            – Às vezes você consegue ser tão paranoica quanto Noelle. – disse abanando-se com a aba do seu chapéu parecendo não sentir o vento gelado que soprava. – Venha logo.

            E então, com um puxão, Alayna entrou naquele lugar. A parte de dentro era tão suspeita quanto à de fora. Havia uma grande porção de mesas postas de maneira desorganizada.

            – Isso é uma taberna.

            – Eu sei o que é uma taberna Odette.

            Nunca tinha entrado em uma, naturalmente. Quando ainda era uma princesa, esse tipo de lugar não era considerável adequado para alguém de sua posição. A jovem Alayna frequentava salões sofisticados, com mesas douradas cobertas por um tecido ricamente bordado. A comida era posta em delicados pratos e a bebida em lindas taças ornamentadas. Depois de fugir e ser acolhida pela a Madame Perrault, ela não tinha se atrevido a se afastar tanto do castelo.

            Havia mais gente do que gostaria sentada nas mesas ou no balcão. Em sua maior parte, homens, mas também viu algumas mulheres. Todos conversaram animadamente, mas assim que as duas entraram, o burburinho diminuiu e os olhares se concentraram nas duas. Alayna se intimidou imediatamente, mas Odette pareceu tão à-vontade; ela andou confiante até uma mesa em um canto que estava, milagrosamente, vazia e sentou-se. Alayna a seguiu a passos rápidos.

            As conversas foram voltando, mas sempre havia um olhar questionador na direção delas.

            – Isso é o oposto de segurança.

            – Meu bem, eu tenho o dobro da força de qualquer homem nesse lugar, se alguém nos atacar, eu acabarei com a raça do malandro.

            – Odette, não foi isso que eu quis dizer.

            Ela a ignorou e acenou para uma garçonete que passava perto. A garota veio até elas com um sorriso. Uma mulher, não uma garota, pensou, devia ser mais velha que as duas, apesar de ter um rosto infantil e baixa estatura.

            – O que as mademoiselles vão querer?

            – Carne! – exclamou Odette. – Será que você teria porco? Tanto tempo que não como.

            Com um sorriso irônico, a garota assentiu e então olhou para ela.

            – E você?

            – Eu... Hum... Presumo que tenham alguma tortinha ou quem sabe um pudim...

            – Temos pudim de peixe. – Ela deve ter feito uma carena, foi a garçonete rapidamente adicionou: – e uns pães açucarados.

            – Ela vai querer carne também, e traga os pães. – Odette disse por fim. – E se tiver alguma bebida...

            – Temos cerveja.

            – Cerveja então, duas canecas.

            Quando a garçonete se afastou, Alayna fuzilou Odette com o olhar.

            – Por que insistiu tanto por esse lugar?

            – Sempre me pareceu interessante.

            A resposta a pegou de surpresa, ela então perguntou:

            – E você viu isso aqui?

            – Ver? Sim, eu já vi algumas vezes.

            Quando a comida chegou, novamente Alayna torceu o nariz. Estou parecendo uma mocinha mimada, pensou consigo mesma, enquanto observava Odette comer sem nenhuma reclamação. Ela então pegou pego um pedaço e mastigou, não é tão ruim, apesar de achar que o molho estava um pouco pastoso demais para seu gosto.

            Uma música animada se iniciou e os outros frequentadores começaram a batucar o pé no chão e bater palmas. Um homem com um grande bigode se levantou, claramente bêbado e gritou apontando para outro:

            – Essa eu dedico a sua mulher e o belo sorriso que ela me deu ontem à noite.

            E todo mundo começou a rir, até mesmo o homem que sofreu a ofensa. Que coisa mais estranha, na sua terra isso teria dado uma discussão que poderia acabar em morte. A voz do bêbado elevou-se acima das outra, ele puxou uma mulher para dançar, os dois rodopiaram de forma desgovernada por entre as mesas, derrubando talheres e copos pelo caminho.

            Alayna concentrou-se em comer depressa e ir embora o mais rápido possível. Odette por outro lado, sem aparentar nenhuma pressa, batia as mãos junto com os outros e ria do casal que dançava. Alayna bebeu um gole da sua cerveja, era amarga e o gosto deplorável, pousou a caneca na mesa e a deixou o mais longe possível.

            Na mesa do lado, dois velhos bêbados levantaram-se para dançar, mas tudo o que conseguiram foram tropeçar um no outro e cair de cara no chão. Um levantou, ficando de quatro e olhou na sua direção.

            – A mocinha gostaria de dançar?

            Alayna se encolheu na cadeira, mas a visão do homem foi bloqueada por um par de pernas.

            – Acho que vocês não precisam mais dessa mesa, certo? – disse um rapaz de cabelos negros brilhantes, longos o suficiente para baterem no queixo, seus olhos eram da mesma cor. Ele segurava outro rapaz, com cabelos igualmente escuros, mas brilhantes olhos azuis; este parecia estar caindo de bêbado e deslizou sem cuidado para a cadeira.

            Outro homem puxou uma cadeira do lado do rapaz bêbado. Ele era sério, com olhos claros penetrantes e cabelos castanhos arruivados. E por fim havia o que se pôs entre eles e os velhos bêbados, que já tinhas se arrastado para longe. Era o mais alto, sem sombra de dúvida, e largo. Contudo, o que mais a impressionou foi o seu rosto. Alayna, nem mesmo quando vivia com a família, teve muito contato com homens. Ela estava sempre na companhia de damas de companhia e amas, quase nunca de um garoto de sua idade que não fosse seus irmãos. Quando foi embora, ela era considerava muito nova para frequentar os salões e quando chegou aqui, bem, a Madame sempre teve uma opinião forte sobre o sexo oposto. Os únicos que via eram os criados sem alma que arrastavam os pés pelo castelo, Alayna nunca prestou muita atenção neles. Desde que chegou à cidade, viu uma grande variedade de homens, mas todos pareciam como alegorias do cenário, nenhum realmente causou uma forte impressão. Ainda com sua pouca experiência, quando ela olhou o rosto dele soube que dificilmente acharia alguém tão bonito. Os cabelos eram loiros, como se o sol tivesse lhe emprestado um pouco da sua cor, maxilar forte e os olhos azuis como o mar.

            Alayna sentiu o rosto corar e tropeçou as próprias palavras. Foi Odette quem a resgatou, falando sem demonstrar um pingo de nervosismo:

            – Muito obrigada por afastarem aqueles homens. – Alayna continuava a olhar o homem a sua frente. Sentiu as mãos tremerem e o coração bater na sua garganta. Estava parecendo com as personagens dos livros de Celia, que perdiam todo e qualquer traço de inteligência ao verem um rapaz bonito.

            Recomponha-se, ela o fez, mas as mãos continuaram a suar.

            – Não a de que. – Quem respondeu foi o rapaz de cabelos negros. Foi uma distração bem-vinda olhar alguém que não a fazia parecer tão tola. – Eu sou me chamo Dante, este é Lucian, esse imprestável bêbado Alfonso e – então Alayna voltou a olhar o homem loiro que não havia saído da sua frente. – Esse aí é Adrien.

            Respirou fundo e então, finalmente, encontrou sua voz:

            – Muito obrigada. – disse com o máximo de dignidade que pôde reunir.

            – Ao seu serviço.

            Pelos céus, ela gostaria de um leque, porque havia ficado tão quente repentinamente?

            O homem sentou-se com seus amigos e Odette soltou risadinhas.

            – Muito bonito, não acha?

            – Não sei do que está falando.

            – Não sabe hein? – ela deu uma olhadela para a mesa vizinha. – Os amigos não são nada mal. O que acha de uma dança?

            – Não se atreva. – respondeu ferozmente.

            – Tudo bem, mas não prometo negar se um deles me pedir.





A primeira vez que Ava viu aquela garota andando pelo jardim foi há duas semanas. Primeiro tinha achado que era Adelia por causa dos longos cabelos dourados – era muito baixa para ser confundida com Augustine –, mas então, ao se aproximar, ela percebeu que se tratava de um fantasma. Inicialmente ficou surpresa, não pelo fato de poder vê-la, afinal, Ava podia ver e falar com espíritos desde que se entendia por gente, mas sim por vê-la aqui, no castelo, onde os espíritos eram poucos.

            Na sua antiga casa, uma mansão antiga nos arredores de uma pequena cidade, havia um pequeno cemitério familiar. Então, desde pequenininha, Ava era vista conversando com suposto familiares mortos. A bisavó Marie Therese era uma visita constante. Ela vinha com uma peruca alta e dura, o rosto todo branco pelo pó e os lábios cuidadosamente pintados de vermelhos. Gostava de se vangloriar dos seus passos de dança e então falar mal de uma mulher a quem chamava de aquela meretriz.        

            Sua mãe tinha ficado apavorada quando Ava contou com quem andava falando de noite. Mandou-a rezar a noite inteira, mas isso não impediu que outros fantasmas viessem ao seu encontro. Aqui no castelo ela mal os via, às vezes, quando estava tocando piano em um dos salões, podia ver um casal translúcido rodopiar e então desaparecer. Outras vezes, na cozinha, uma senhora barulhenta passava através das paredes dando ordens a criados que não estavam ali. Contudo, nenhum deles nunca tinha falado com ela, na verdade, nunca a tinham sequer notado.

            Eles também não tinham um corpo de aparência tão sólida quanto aquela garota.

            Naquela tarde nublada, Ava estava sentada junto com Celia na biblioteca. Sua amiga estava indignada com o final triste de um livro e ressaltava o quão injusto foi a garota morrer no final por uma doença enquanto o rapaz casava-se com outra – a que tinha tentado tirá-la da protagonista todo o livro.

            – Acho que o autor quis, com a morte, dar um castigo aos protagonistas. Ela por ter abandonado o noivo por um amor proibido e ele por desrespeitar a escolha dos pais.

            – Mas isso é um absurdo.

            – Alguns autores gostam de ressaltar a importância dos valores e das imposições da família. – Foi quando disse isso que a viu pela janela. A garota estava seguindo uma borboleta no jardim, dando pulinhos para tentar alcançá-la. – É ela!

            – Quem?

            Mas Ava não respondeu. Correu, saindo da biblioteca e disparando pelos corredores até chegar aos jardins na parte de trás do castelo. Chegou ofegante e viu, com alivio, que a garota fantasma continuava no mesmo lugar. Recompôs-se e andou até a garota.

            – Ei, você.

            A garota a olhou com um misto de surpresa e curiosidade.

            – Então agora você está falando comigo?

            – O que?

            – Eu sei que você me viu. Sabe, é desrespeitoso ignorar as pessoas.

            – Bem, você não tentou falar comigo.

            A garota pareceu um pouco envergonhada.

            – Eu não gostaria de me interromper nos seus assuntos. – Então a garota se virou abruptamente encarando o céu coberto por nuvens escuras. – Mas o que fez você vir falar comigo agora?

            Ava suspirou. Essa seria difícil.

            – Está um dia bonito... – começou, mas foi logo interrompida.

            – Está nublado.

            – Sim, mas... – ela tinha aprendido com a experiência que os fantasmas estavam mais dispostos a seguirem seus conselhos se fossem com a sua cara. A maioria aceitava uma breve conversa antes de seguir para o além, outros davam um pouco mais de trabalho. – Esse é um vestido muito bonito.

            O comentário pareceu ter um efeito positivo, pois a garota sorriu e rodopiou feliz.

            – Não é? Mamãe mandou fazer para mim. A renda veio de Damegh, não é a coisa mais linda? – era mesmo muito bonito. O vestido foi tingindo em diversos tons de rosa e a renda era enfeitada com pequenas pérolas brilhantes. – Mamãe prometeu que eu seria a moça mais bonita do baile.

            Sentindo-se mais confiante, Ava deu um passo à frente e comentou:

            – Eu aposto que você foi.

            O rosto luminoso da garota se fechou; como se fosse o sol que subitamente se via coberto por nuvens. Tinha dito algo errado, droga, mas o que? Esperou calada enquanto as feições da menina ficavam serias.

            – Não aposta não.

            – Aconteceu algo no baile? – perguntou cuidadosamente.

            A garota olhou ao redor, parecendo, subitamente, perdida. Ela girou como se procurasse por algo ou alguém, depois voltou a encará-la.

            – Você está bem?

            – Eu estava no meu quarto, coloquei meu vestido, mamãe disse que eu devia esperar até o baile, mas estava tão ansiosa. – O vento soprou fazendo seus delicados cachos voarem. – Nunca houve nenhum baile.

            A garota estava ficando agitada, era melhor voltar ao básico.

            – Qual o seu nome?

            Mas o fantasma desapareceu logo em seguida.

            Ava ficou olhando para o espaço vazio que antes a garota ocupava, nem mesmo percebeu quando Celia chegou ao seu lado. Sua amiga a olhava com um misto de curiosidade e surpresa.

            – Era um fantasma?

            – Sim.

            – Você a guiou para o além?

            – Não, acho que não.





Odette observava a cena.

Os rapazes da mesa ao lado eram agradáveis, ou pelo menos, alguns deles eram. Adrien falava sobre comercio, seu pai era um comerciante, ele contou, então havia aprendido uma coisa ou duas sobre o assunto. Ele tinha um sorriso bonito e quando contava histórias engraçadas, sobre seus irmãos e primos, acabava ganhando um sorriso luminoso de Alayna.

Você é uma menininha má. Vovó Eponine sempre dizia isso, mas era ela quem era dona de um prostíbulo ilegal. Devia ter dito e nós teríamos salvado a garota.

O rio tem que seguir seu curso. Ela respondia enquanto terminava de coser os vestidos. Um trabalho às vezes chato, mas nada comparado com o das garotas no andar de cima. Vou colocá-la para lavar as panelas da próxima vez, ela sempre dizia isso, mas nunca o fazia. Vovó a deixava sozinha logo depois, subia as escadas balançando o largo traseiro coberto por um tecido brilhoso e plumas coloridas. Odette então largava os pontos e saia pela portinha dos fundos. Lá fora a noite era fria e a margem da floresta estava logo a sua frente.

            Às vezes ela conseguia vê-lo.

            Às vezes ele apenas uivava.

            – Se você quiser dançar... – falou o outro homem na mesa, aquele que se chamava Lucian.

            Ele tinha ficado na mesa junto com o outro que estava bêbado demais para dizer qualquer coisa. Odette apenas acenou negativamente, meus pés estão cansados, respondeu. Sua negativa não teve grande efeito nele, o homem só perguntou por educação, na verdade, até pareceu um tanto aliviado.

            Ela voltou a olhar Alayna, que dançava com Aiden, pulando com os outros como uma verdadeira plebeia.

            Você é uma menininha muito má.

            Eu sei vovó, eu sei.


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Notas finais do capítulo

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