As Damas Perrault escrita por Florrie


Capítulo 4
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Voltando com capítulo novo :)
Espero que gostem.



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— Capítulo 3 – 

 



— Quer ouvir uma história?

            A garçonete perguntou, inclinada no balcão, enquanto enchia o seu copo com mais uma dose de cerveja. Ela tinha um dente faltando e seu cabelo foi cortado de uma maneira desigual, como se quem tivesse segurado a tesoura tivesse, der repente, levantado a mão e cortado mais do que devia e não se incomodado em igualar o outro lado. Apesar disso, ela era bonita, ou pelo menos ele conseguia enxergar a beleza por debaixo do aspecto maltratado.

            Ela não se importava em sorrir, isso era certo, e tinha uma risada cativante.

            – Que tipo de história? – perguntou ele.

            – Do tipo que sempre contam por aqui. – alguém gritou por bebida, habilmente ela encheu outro copo e o fez deslizar até a mão de um velho gorducho. – Com uma menina pobre, mas de bom coração, que um dia recebe um presente da fada madrinha.

            Ele riu, fez o copo de cerveja tremer na sua mão.

            – Sempre tem uma menina de bom coração e sempre tem uma fada madrinha. – disse. – De onde eu vim, nós temos histórias assim também.

            – Quer ou não ouvir o resto? – não houve irritação no modo como ela falou, apenas divertimento. Ele deu de ombros e a mandou prosseguir. – Havia essa menina que morava em um castelo no meio da floresta, ela usava apenas farrapos e limpava os quartos todos os dias; esfregava cada centímetro do chão até os dedos sangrarem. Um dia, quando a menina, ainda muito nova, saiu para pegar água no fosso, encontrou uma mulher que lhe disse que era sua fada madrinha.

            Ela limpava os copos ao mesmo tempo em que falava. Fazia isso com uma agilidade impressionante.

            – A fada madrinha prometeu que um dia, ela cresceria e se tornaria uma belíssima moça e se casaria com um príncipe e se tornaria princesa, depois disso, seria Rainha. Ela nunca mais teria que esfregar um chão novamente e teria uma vida repleta de conforto e riqueza.

            – Deixe-me adivinhar, uma bruxa apareceu...

            – Como sabe?

            Ele deu um sorriso irônico.

            – Não é muito difícil de presumir.

            – Antes de a bruxa aparecer, a fada madrinha deu a menina um par de sapatinhos de cristal e a fez prometer que ela apenas usaria quando chegasse a hora. A menina tentou resistir à tentação, mas todas as noites o sapatinho a chamava, era a coisa mais bonita que ela tinha. Então, no meio da noite, ela calçou o sapatinho e foi lá para fora sem que ninguém a visse, ela dançou na floresta, ensaiando para o dia em que fosse velha o suficiente e chegasse a hora de dançar com o príncipe.

            A garçonete pegou novamente o seu copo e voltou a enchê-lo.

            – A bruxa então apareceu e jogou uma terrível maldição que tirou tudo o que havia sido prometido à pobre menina.

            Esperou um pouco mais, como ela não continuou a falar, ele perguntou:

            – E o que aconteceu?

            – Deve ter morrido, eu suponho. Ninguém lembra realmente como termina essa história. Essa cidade é cheia de histórias sem final.

            Arqueou a sobrancelha, não esperava por essa.

            – Sem final feliz?... Essa é uma história muito estranha.

            – E todas as histórias têm final feliz?

            – As feitas para entreterem sim. – respondeu.

            Ela riu, voltando a outros clientes, enchendo seus copos com cerveja.

            – Não sei se tenho uma história com final feliz, mas você aceita um mistério? – ele a olhou interessado, foi tudo o que ela precisou para continuar. – O castelo no meio da floresta... Mora uma mulher e outras moças lá dentro, mas ninguém realmente as vê, pelo menos não as moças, a mulher aparece na cidade uma vez ou outra. Ninguém nunca foi convidado para sua residência e todo mundo morre de curiosidade para saber que tipo de coisa ela esconde em suas paredes.

            – E ninguém foi lá xeretar?

            Ela respondeu descansando o cotovelo no balcão na sua frente e inclinando o corpo na sua direção.

            – Sempre tem um aventureiro, mas ninguém nunca voltou com respostas.

            Ele apenas riu.

            – Está me incitando a xeretar a vida de uma mulher reclusa?

            – Estou fazendo meu papel de nativa e dando ao viajante o que todos os viajantes querem.

            – E o que seria isso?

            – Uma aventura.







— Adelia, minha querida, aproxime-se.

            Os aposentos da Madame Perrault eram os maiores do castelo, ocupando boa parte do corredor leste do terceiro andar. Ela estava sentada em uma cadeira, admirando-se no espelho. Era muito bonita e parecia ser mais jovem do que realmente era, parecia-se com as filhas, com os cabelos e olhos castanhos. A Madame pegou sua mão e a apertou com carinho.

            – Preciso lhe pedir algo, apesar de não me apetecer fazê-lo. – com um gesto de mão, fez uma cadeira, do outro lado do cômodo, deslizar até sua frente, então indicou para que Adelia sentasse. – Estou fazendo uma poção mais forte para Pauline, por causa do equinócio. Quero prevenir para que o incidente do ano passado não se repita.

            Ela assentiu.

            – Falta apenas um ingrediente, – seus dedos traçaram uma linha pela sua bochecha, – uma lágrima de sereia. Uma lágrima de tristeza.

            Involuntariamente sua mão foi até seu rosto, seus dedos tocaram na pele fina logo embaixo do olho direito. Aquele era um pedido raro, mas não inédito. Lágrimas de serias eram ingredientes poderosos, assim como outras partes do seu corpo. Uma lagrima sozinha tinha o poder de curar, junto com outras substancias podia fazer muito mais. Adelia assentiu sem saber como iria chorar de tristeza. Não se sentia nenhum pouco triste.

            Das outras vezes, ela só precisou pedir que uma das meninas fizesse cosquinhas na sua barriga até que chorasse, mas isso era uma lágrima de alegria. Até esse momento não imaginava que havia diferença.

            – Mas como devo chorar? Não me sinto triste.

            – Adelia, me dê sua mão.

            Ela obedeceu.

            – Não será prazeroso, mas a tristeza nunca é. – explicou. – Existe um grande poder nesse sentimento, tão grande quanto há na alegria. Eu posso induzir sentimentos no seu coração, mas não se preocupe, nada permanente. Magia nenhuma no mundo pode fazer surgir sentimentos verdadeiros em alguém, o que se faz é abrir portas, dá a uma menina um vestido brilhante para que ela se destaque das outras e chame a atenção do seu príncipe. Eu abrirei uma porta em você, será rápido, prometo.

            Adelia assentiu.

            Inicialmente sentiu como se fosse uma picada no coração que espalhou algo pela sua corrente sanguínea. Como um veneno que se espalha lentamente no corpo de uma vítima. Então algo mais forte a atingiu, foi como ela disse, uma porta que se abriu e libertou memórias, mas nem todas pareciam reais. Ou talvez ela não lembrasse direito... Seu pai olhando-a com sua distância habitual, a solidão afundando suas garras no seu peito, seu pai novamente, dessa vez violento, jogando-a no chão, isso foi real ou uma ilusão para fazê-la se sentir pior?

            Viu-se na água, com a pele formigando de prazer. Era um bebê e então um par de mãos a puxou para cima e o ar da superfície machucou seus pulmões, mas nada foi pior do que a sensação de perda, como se metade do seu coração tivesse sido deixado na água. Um terrível vazio começou a preenchê-la, tudo ficou escuro, ela estava tão sozinha.

            Tão só...

            – Querida?

            Estava de volta ao quarto, lágrimas rolavam pelo seu rosto. A mulher pressionava um pequeno recipiente de vidro e ferro contra sua bochecha para onde suas lágrimas se dirigiram quase como se estivessem seguindo ordens.

            – Eu sinto muitíssimo. – ela fechou o recipiente com suas lágrimas e o guardou em um pequeno baú vermelho. – Não gosto de fazer isso, mas foi preciso.

            – E-eu entendo.

            Madame Perrault sorriu piedosamente.

            – Logo essa sensação ruim vai passar e a tristeza vai dá lugar à felicidade. – disse. – Por que não vai nadar lá fora? Eu sei que Odette planeja escapulir como lobo hoje, eu acho que é um bom dia para extravasar nossos extintos mais íntimos. – ela riu da sua surpresa. – Querida, você realmente acha que essas escapulidas são clandestinas? Ninguém é prisioneira aqui, confesso que zelo bastante pela segurança, mas não há mal em se divertir pelos arredores, contanto que permaneçam próximas dos muros e tenham cuidado.

            A mulher girou seu anel lentamente.

            – Vá nadar, mas fique alerta, com o equinócio tão próximo nenhum cuidado é exagero.

            Ela acenou uma resposta afirmativa com a cabeça e se levantou.

            – Sim, senhora.

            – Boa menina.



Encontrou Odette vestindo apenas uma túnica fresca amarela. Ela nunca vestia muita roupa quando pretendia se transformar, na verdade, Adelia tinha certeza que ela preferia ir nua. As duas foram até os portões dourados, ela dando olhadas por cima do ombro em direção do castelo. Um grupo de corvos grasnou do alto da torre mais alta e subiram no céu formando uma mancha escura.

            Os portões abriram-se ao toque de Odette e as duas saíram em direção da floresta. O rio corria para o outro lado, a oeste. Ela começou a andar, contornando o castelo, Odette vinha ao seu lado, em um segundo livrou-se da túnica e no outro se transformou em lobo. Sua pelagem é cinza e seus olhos azuis como são em sua forma humana. Ela lhe lança um olhar cheio de significado, não precisa de palavras e não fica surpresa quando, momentos depois, a loba some por entre os arbustos indo caçar no meio da floresta. Adelia continua sua caminhada até avistar o rio.

            A bifurcação onde ela, anos antes, desmaiou estava logo ali. Um dos ramos entrava no castelo, o outro o contornava. Foi até a margem e mergulhou os pés, um formigamento gostoso subiu pelas suas pernas até chegar a cabeça. Olhou para os lados, um hábito que não conseguia largar. Depois se despiu, arrumou as roupas perto de uma árvore e jogou-se na água.

            O rio não era tão profundo quanto gostaria, mas havia espaço suficiente para exercitar sua cauda. Ela nadou para o norte, onde a floresta se fechava ao redor da margem e o rio ficava mais profundo. Não havia sereias de água doce por esses lugares, apesar delas existirem. Nas terras do extremo norte, os sereianos povoavam os vários rios que cortavam a região; elas podiam enlouquecer quem ouvisse sua voz e diziam que podiam sugar a alma de alguém para manter-se jovem e bonito.

            Adelia emergiu e olhou ao redor. Devia tomar cuidado por onde nadava. Não podia seguir muito adiante, se o fizesse, chegaria às imediações da cidade e apenas os céus diriam que tipos de coisas lhe fariam se a capturassem. Lá encima, a luz penetrava timidamente em formas de tubos por entre as copas das árvores. Passarinhos de todas as cores cantavam, fechou os olhos, gostava de ouvir a sinfonia da floresta.

            – Um dia um marujo veio ao mar. Suas palavras eram doce como mel. Seu sorriso gentil como a maré. Eu o levei pro meu reino no mar. Eu o levei pro meu reino no mar.— cantou. Seu pai sempre cantava músicas de sereias, escondido, e sempre odiava quando ela as cantava.

            Sorriu.

            Der repente, Odette, em forma de lobo, pulou para a margem assustando-a.

            – Aconteceu algo? – perguntou.

            A loba apenas acenou a cabeça. Ela nadou até a margem e afagou a cabeça da outra. Algo atrás de Odette chamou a atenção dela, pois a loba olhou para trás e no instante seguinte saltou para o meio das árvores. Foi capaz de ouvir seus passos ligeiros se afastando cada vez mais.

            Talvez fosse hora de voltar. O simples pensamento já fez seu corpo doer de saudade.

            Mas ela tinha que voltar.

            – Mas que merda... – uma voz desconhecida disse atrás dela. Adelia virou-se assustada e viu que tinha alguém no meio da mata. Era um homem, ele continuou amaldiçoando a floresta, não podia vê-lo direito e ele não parecia tê-la notado.

            Um gritinho saiu involuntário da sua garganta; horrorizada pela própria estupidez, ela foi para o fundo do rio e nadou o mais rápido que conseguiu. Quando chegou aos arredores do castelo, ela saiu do rio, pegou as roupas onde as tinha deixado, mas não se preocupou em vesti-las. Correu até os portões, os espinhos e as plantas que serviam de escuro natural não a impediram de entrar.

            Seu coração ainda batia acelerado quando Adelia se viu na segurança do jardim.



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Notas finais do capítulo

Comentários são sempre estimulantes XD
Podem vir, não sejam tímidos haha
Beijos ;*
E feliz ano novo - atrasado.



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