Bohémienne escrita por Ananda Ayira


Capítulo 4
Ici on est tous des frères


Notas iniciais do capítulo

Hello, hello, hello... leitores!
Título: Aqui somos todos irmãos, trecho de "La Cour Des Miracles" de novo, porque sim! ♥
A demora foi giiigante, eu sei. Mas me explico com, bad de ano-novo feat. pedra no rim e infecção no sangue que me deixaram fazendo visitas esporádicas no hospital. Mas já estou 100% recuperada e de volta pra vida d'ocês!
Dedico esse capítulo pra todo mundo que tá lendo. Pros meus amigos out do Nyah, Eudes e Fernanda, pra Arrriba que me mandou MP's que me animaram durante meu período de repouso absoluto e para a leitora Emma Swan, que favoritou a fic. Seja bem vinda, viu? ♥
Agora, só aproveitar mes amours! ♥
AH, ALIÁS, tem uma referência nesse capítulo um coraçãozinho pra quem pegar! (Arrriba, tô falando c vc! XP)



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Os sinos de Notre-Dame soavam como trovões e como orações, soando ao mesmo tempo que o cantar dos galos ao raiar da manhã. Os sons do Pátio dos Milagres não eram capazes de abafa-los. O barulho dos animais que dividiam espaço com os homens e mulheres daquele lugar.

— Bom dia, cigana adormecida! – Riu Aimée, jogando um trapo, molhado com água de um dos talhos que jaziam ao lado do que chamavam de cama, no rosto de Luce. 

— Bom dia. - Luce respondeu com a voz sonolenta, mas rindo ao pegar o trapo, empurrar a colcha que a cobria e sentar-se.

— Vou tentar achar algo para comer, se eu conseguir, pego algo pra você também. – Disse Aimée prendendo os cabelos com um trançado de tiras de panos coloridos.

— Está bem. Assim que me vestir, vou tentar encontrar Malheur, não o vejo desde ontem quando chegamos. – Falou passando o trapo por seu rosto, pescoço e colo enquanto Aimée saia.

Poucas coisas naquela vida que levavam tornavam os ares de humilhação, miséria e dificuldade daquele lugar mais leves e, até mesmo, alegres.

Luce esticou o braço para o cordão estendido no chão ao seu lado e o pendurou de volta ao redor do pescoço e escondendo o pingente debaixo do tecido antes de amarrar o corpete por cima da blusa de tecido simples. Levantando-se, enquanto inutilmente tentava desembaraçar as ondas emaranhadas dos seus cabelos.

Saiu pela porta de tecido pesado para entre as demais paredes de tecido que formavam as moradas dos proscritos. O pouco espaço entre uma tenda e outra era mínimo e quase intransitável. Porém seus pés já conheciam tanto aquele lugar que eram capazes de andar em noite sem luar.

Sem sucesso entre as tendas, Luce virou-se para o centro da grande praça, cruzando-a enquanto ia varrendo o chão daquele lugar com os olhos, a procura do gato.

Quando se viu ao pé da torre da velha muralha, Luce desistiu de encontrar o animal por si só. Sabia que se ele sentia fome, ou se feria, procurava-a. Era de fato estranha a fidelidade do felino para com a garota. Mas ninguém da Tribo do Egito mal via a companhia do animal. Apenas os parisienses que a viam pelas ruas com o gato sempre junto à barra da saia, eram capazes de ver o mau naquilo.

Ela sentou-se, então, sobre o que outrora fora um muro e agora não passava de pedras empilhadas até uma altura pouco mais alta que seus joelhos. Continuando a fitar a construção de pedra que poderia ser perfeitamente uma reconstrução do cenário da Torre de Babel. Porém, parecia que nenhuma divindade voltava-se para eles, nem os amaldiçoava nem abençoava. Eram apenas ignorados.

Deixando-se absorver pelos pensamentos sobre a noite anterior. O gadjê, sucedera ao enganar Clopin e a todos. Se fosse descoberto seria, sem eu ninguém se opusesse, enforcado. Sentia-se como se fosse cúmplice daquela trapaça e tão traidora quanto o gadjê por si só. E pior ainda por saber que ele estava ali por sua causa.

Toda vez que sua mente passava perto da imagem da forca, algo dentro de si se apertava e gelava cada extremidade do seu corpo. Como se uma lembrança agourenta rondasse a corda e o cadafalso. Apertou os olhos, uma nuvem cinzenta lhe afastava daquele pensamento, bloqueando que continuasse.

— Ai! - Acordou do devaneio ao ter os tornozelos mordiscados por dentes afiados, porém não a furaram. – Aí está você, seu bichano fujão. – Riu pegando o animal no colo, pondo-o com as patas dianteiras sobre seu ombro.

Mas seu riso por encontrar o animal desapareceu rapidamente. Enquanto via viu repentinamente parar diante de si o rapaz, o gadjê. Luce engoliu em seco. Ele a olhava fixamente. O rosto jovem possuía também o resquício de um riso, que também desapareceu ao parar diante da cigana. Suas roupas não eram tão comuns, mas Luce sabia ver que era de um tecido rude e, provavelmente, tão barato quanto um tecido que qualquer um dos párias conseguiam pagar.

Quando Luce tentou dar um passo para distanciar-se, porém, ele deu um passo na sua direção. Parecendo hesitar antes de falar:

— Seu gato me acordou. – Disse com certo desconcerto.

Pardonnez-lui. Mas ele vai aonde quer e quando quer, eu apenas o alimento em minha tenda e o acaricio quando vem perto de mim. – Luce falou ajeitando o felino nos braços.

— Ele é tão livre quanto a dona.

— Ele não me pertence. – Corrigiu Luce, interrompendo, antes que ele falasse mais algo.

— Você é uma cigana, não é? – Perguntou ele, semicerrando os olhos por um momento.

— Desde o momento em que abri meus olhos. – Quando ela disse isso, ele não pode evitar colocar toda sua atenção sobre os olhos de Luce.

Olhos azuis-claros, ao mesmo tempo, cinzentos e grandes. Afundados no rosto branco, porém sardento na altura das maçãs do rosto, e moldurado pelas ondas alaranjadas, cor de ferrugem que caiam por cima dos ombros nus.

O rapaz fitou-a por longos instantes, os quais Luce permaneceu parada, porém desconfortável em sua própria pele. Acariciando nervosamente os pelos de Malheur, com os olhos desviados para o chão.

— Luce! – Gritou uma voz, quebrando o desconforto de Luce. - Aí está você!

Era Aimée. Com um embrulho de pano nas mãos. A menina boêmia, aproximou-se aos passos saltitantes e, no rosto, um sorriso grande demais para a tanto de coisas que trazia sob o embrulho.

— É bom que esteja com fome. Peguei pães e, suas favoritas, – O sorriso de Aimée desapareceu de vez ao ver o gadjê perto de Luce. – maçãs...

— Aimée. Eu vou comer minha parte na tenda. E, arh...  - Luce precipitou-se a ir para junto de Aimée e apanhar uma maçã e um pão. – dar água para o Malheur.

Antes de correr apressada para o lado que viera até a praça, mas oposto ao gadjê, Luce pegou outra maçã e mordeu. Dando um jeito de segurá-la.

Enquanto andava entre as tendas novamente, Malheur parecia ficar mais pesado. E segurar um simples pedaço de pão e duas maçãs, tornou-se uma tarefa difícil. Porém, conseguiu passar, aos tropeços, pela porta de tecido. De volta a tenda.

Ao retornar para o interior escuro da tenda. Agachou-se diante do talho de água que havia no canto oposto aos seus pertences e de Aimée, pôs de lado o pão e as maçãs. E deu água ao gato em um pequeno pote.

Enquanto o felino preocupava-se de esvaziar o recipiente, Luce apanhou um trapo e encharcou na água. Respirou pesadamente, pressionando o trapo contra sua nuca, enquanto tentava tirar da sua mente o rosto do gadjê.

Sua mente não descansara um só momento desde a noite anterior em que o gadjê entrara no Pátio dos Milagres. A perseguição da Île de La Cité até o único lugar que sempre vira como refúgio contra tudo era demasiado estranho para alguém jamais vira em sua vida. Tentava lembrar-se, se em algum momento já o vira. Mas tudo antes dos seus quinze anos era nebuloso, nas reminiscências dos últimos dois anos não se lembrava de nenhum gadjê.

— Por que está me assombrando? – Sussurrou para si mesma. Não podia evitar a sensação agourenta que percorria seu corpo ao encontrar aqueles olhos.

— Por que você está falando sozinha? - Gahel entrou na tenda e parou perto da porta.

Ela não respondeu, apenas levantou-se. Soltando o trapo e limpando as mãos úmidas nas costas do vestido. Enquanto ele entrava.

— O que houve, Luce? – Perguntou ele.

— Aimée está na praça. Está procurando por ela? – Desconversou Luce.

— Estava, até ouvir você falando sozinha. Desembucha, cabeça de fogueira. – Disse o rapaz tentando fazer que podia mandar, mas só parecia uma criança que faz birra.

Ela ignorou-o, dando as costas e mordendo outro lado da maçã que Aimée lhe dera.

— É aquele gadjê, não é?

Luce congelou por um instante, antes de voltar a mastigar a maçã. Engolindo em seco ao perceber que sua reação claramente denunciara sua resposta.

— Ela te contou? – Indagou Luce virando-se em sua direção.

Gahel confirmou com a cabeça.

— Ela não devia ter feito isso. Eu não dei permissão que ela falasse disso com ninguém. – Disse revirando os olhos.

— Mas disse. E, ainda por cima, disse que ele te seguiu todos os dias que estivemos nos arredores da catedral e que te seguiu até aqui. Luce, você precisa falar com Clopin, ele fez uma grande erro em deixar esse gadjê entre nós!

— Eu não vou falar nada, Gahel! – Exclamou.

— Você sabe que tem algo de errado com esse gadjê, por que não fala?! Você tem coragem o suficiente para entrar em Notre-Dame sempre que quer. Por que não tem coragem de falar com Rosalie? – Esbravejou o garoto.

— Porque... – Luce hesitou quando percebeu o quanto alto estavam falando. – Porque eu o vi trapacear no teste do espantalho.

— Como assim trapacear? Não tem jeito de enganar as campainhas. Elas são costuradas no pano. – Indagou confuso.

— Eu não sei como. Mas ele fez alguma coisa e, de repente, os pêndulos de cada sino estavam na mão dele. Por isso que nenhum deles fez barulho quando ele mexeu no bolso daquele boneco. – Explicou Luce.

— Eu sabia que tinha um motivo par eu gostar ainda menos daquele gadjê. – Retrucou ele.

— Mas você vai me prometer que não vai falar nada. – Disse com tom severo.

Mas Gahel parecia perdido em outro pensamento.

— Você me ouviu? – Chamou-lhe, forçando-o à olhá-la. - A decisão é minha. Fui eu quem viu. Se alguém irá contar à Clopin, sou eu.

— Mas você não vai contar, Luce. – Contestou Gahel.

— Eu posso mudar de ideia. Por enquanto, eu estou determinada a não falar nada. – Luce parou um instante, respirando profundamente lembrando-se, com detalhes da cena. - Se esse gadjê fez aquilo com os pêndulos, é porque pode fazer igual com as nossas línguas se falarmos alguma coisa. Então, respeite o que eu escolhi fazer com o que sei e tenha bom senso o suficiente para não estragar o que já está ruim o suficiente. - Ralhou ela.

Gahel manteve-se em silêncio alguns instantes.

— Está bem. – Consentiu. – Eu só espero que você realmente tenha certeza do que está fazendo. Porque se esse gadjê fizer alguma coisa contra você ou Aimée...

— Só porque Clopin disse-lhe que tinha que nos proteger, não significa que precisa fazer isso o tempo todo. – Falou Luce.

— Eu não estou fazendo isso só por você, Luce. – Disse o jovem boêmio, deixando a tenda escura.

Aproveitando o tempo enquanto transitava entre as tendas de pano, Gahel só conseguia pensar se o gadjê representava perigo. E, em sua mente, brotou uma imagem. Se ele tivesse sido enviado pelos padres da ordem de Paris, que dariam tudo para ver queimar todos os ciganos de uma só vez numa enorme fogueira.

A imagem do Pátio dos Milagres sendo consumido por labaredas colocou-lhe um temor no peito. Aquele lugar que era o santuário dos sem-religião. Onde os estrangeiros, sem-documentos e homens e mulheres sem moradia encontravam o asilo que Paris lhes negava.

Colocava-as no lugar de Clopin. Se o gadjê traria um perigo iminente, era necessário agir. E o contragosto de Luce seria posto de lado, já que aquela seria uma ameaça a todos.

Quase conseguia ouvir os gritos de Aimée em sua mente. Com as chamas começando a subir em sua saia e lágrimas nos olhos cor do mar de Andaluzia. E se ele se aproveita-se da inocência e caridade de Aimée para dizer para os soldados do Santo Ofício, exatamente, onde e como entrar no Pátio dos Milagres? Precisava salvá-la acima de tudo.

Quando Gahel ergueu os olhos para a outra extremidade da praça, seu temor tornou-se desespero. Aimée dividia um dos pães, que mais cedo a ajudara a arrumar, com o gadjê. Deixando-o com a maior parte. E sorria. Sorria plenamente. Como criança a brincar pelo chão. E o gadjê ria de volta. E o riso dos dois dava-lhe raiva. Pareciam rir dele porque nada ele poderia fazer.

Sem ordenar a si mesmo, Gahel cruzou a praça a passos duros e estarrecidos. Quando aproximou-se dos dois, Aimée olhou-o rapidamente. Desvanecendo seu sorriso.

— Vem comigo. – Sussurrou em seu ouvido enquanto puxava a garota pelo braço.

Levando Aimée para o outro lado da praça. A garota, confusa, tentava entender o que acontecia. Jamais vira Gahel com tanta raiva em seus olhos.

— O que diabos está havendo com você? – Bradou Aimée puxando-se do aperto dos dedos de Gahel.

— Eu não quero você perto dele. – Disse ele.

— E por que, seria isso? Ora, Luce tem suas desconfianças mas, enquanto ele não fizer nada que prove que ele tem algo de maligno, ele é um de nós. – Contestou. - Não é mais ou menos proscrito que nós.

— Eu não quero você perto dele, Aimée! – Repetiu quase gritando com a garota.

— Eu decido isso! Não você. – Ralhou ela. – Sabe algo sobre ele que eu não sei? Se sabe, conte-me!

— Espere, um pouco. – Titubeou ela. – Está com ciúme? Eu apenas conversei com ele. Ele estava com fome e dei-lhe um pedaço de pão.

Ele calou-se. Hesitando em consterná-la com suas suspeitas sobre o gadjê. Embora quisesse defender-se da acusação de Aimée. Tentava não olhá-la nos olhos, mas sempre acabava retornando à eles.

Embora, Gahel jamais tivesse visto o mar. Conseguia pensar que fosse como os olhos de Aimée, pelo jeito que arrastava-o para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. A onda que saía deles era uma cava e escura que ameaçava envolver, puxar e traga-lo por inteiro. Não sabia dizer por certo o que eram aqueles olhos e o que lhe faziam.

— Não é ciúme! Eu... Não estou com ciúme! - Falou ele desconcertado.

— Imagine, então, se estivesse... – Falou ela, dando-lhe as costas e retirando-se para o lado das tendas.

— Aimée. Aimée, volte aqui. –Tentou chama-la.

Mas ela ignorou-o, acelerando os passos.

O rapaz cigano grunhiu contrariado. Aquele gadjê conseguira, sem fazer nada, atingir sua vida, exatamente em seu ponto fraco. A raiva de seus olhos alastrou-se ao coração e cresceu três vezes em questão de segundos. Inibindo seus pensamentos claros. Levando-o até a lateral da praça, numa parte mais elevada.

— Clopin. – Chamou o rapaz.

E o homem que estava sentado sob o batente da porta de uma caravana, parada ao lado da maior tenda armada à esquerda da velha torre, e soprando uma flauta feita de vários caniços de madeira, despreocupadamente, fazendo sair algumas notas, ergueu-se da distração.

— Tem algo que quero lhe falar.  


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Notas finais do capítulo

Por favor, não odeiem o Gahel. Ele só é escorpiano, tadinho. ♥
Quem pegou a referência comenta!! E quem não pegou também, pode perguntar que eu explico a referência! ♥
Vou tentar agilizar o próximo capítulo para o mais breve possível, abandonei vocês por tempo demais já!
Um grande beijo :*



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