Bohémienne escrita por Ananda Ayira


Capítulo 1
Commença notre histoire...


Notas iniciais do capítulo

Bom, o primeiro capítulo é um flashback necessário para a compreensão da história posteriormente. Então, espero que aproveitem. Prometo que só haverá esse flashback.
E caso tenham alguma dúvida sobre os personagens que não aparecem na adaptação cinematográfica, podem me falar que eu esclareço!
Os títulos dos capítulos serão em francês também, mas irei deixando as traduções certinhas, o título desse significa: "Começa a nossa história..." é, na verdade, um verso da música de abertura do desenho da Disney na versão francesa "Les Cloches de Notre-Dame".
E, antes que eu me esqueça, dedico esse capítulo à Arrriba que estava esperando eu repostar essa fanfic desde setembro-outubro. Sua espera acabou, ma belle! Eu voltei e agora pra ficar! HAHAHAH ♥
Ah, lá pro final tem um link, é a música tema desses personagens. Se quiserem ouvir...
Bom, chega de blá blá blá. Boa leitura, mes amours!



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Paris. Agosto de 1482

O vento soprava do lado de fora do quarto do infame estabelecimento da rua St. Denis. E ás pressas, a mulher ajeitava algo dentro de uma bolsa, e mais alguns panos. Seus cabelos castanhos e longuíssimos caiam sobre seu rosto quando abaixava-se para pegar alguma coisa. E suas roupas estavam descompostas, o corpete mal amarrado, a blusa e a saia tortas, revelavam seu corpo mais do que seria considerado aceitável.

Seu olhar de desespero e sua postura apreensiva era, por vezes, interrompida por acessos de tosse. Segurava um lenço frente aos lábios, e cada vez que o retirava após as crises se tornava mais vermelho. O que a deixava mais apreensiva para partir logo e deixar aquele lugar. Não era seguro. Principalmente porque sentia-se enfraquecer e ter menos forças para levantar-se a cada dia.

— Vai mesmo fazer isso? – Perguntou outra das mulheres da casa à porta de seu quarto.

— Que escolha eu tenho, Paulette? Eu não posso continuar aqui. Estou doente, não vou conseguir continuar fazendo isso e, além disso... – A mulher olhou para a bolsa que arrumara. Olhara fixamente, com tamanha comoção, vendo o que guardara ali.

— Boa sorte, então. – Desejou abraçando a amiga.

— Obrigada. – Agradeceu retribuindo o abraço.

Pegou nos braços a bolsa e passou a tira sobre o peito como garantia de que não cairia. E, na surdina das altas horas, deixou a casa. Do lado de fora, as luzes das lâmpadas de velas postas nas paredes das casas e tabernas iluminavam inutilmente o chão de pedra de Paris.

A grande luz vinha, prateada e pura, da Lua. Os ventos faziam que suas costas levassem chicotadas de seu cabelo. Embora não estivesse tão frio, ela sentia-se congelar. Talvez estivesse com febre. Contudo, seguia seu caminho dentre as casas de pedra.

Apressava o passo, embora já se sentisse cansada, esperando encontrar quem queria pelas ruas da cidade. Seguiu por muito tempo, sem saber ao certo aonde ia. Tropeçando nos próprios pés, ia dando passos cambaleantes. Até que, sem entender como, viu-se cercada pelos párias de Paris.

Ladrões, mulheres desonradas, mendigos, bruxas e estrangeiros. Refugiados na enorme praça ao pé da antiga torre da velha muralha da cidade. Todos tão desgraçados que eram capazes de sorrir, mesmo em meio à tudo que viviam e sobreviviam nas ruas da cidade.

— Ora, vejam o que o vento nos trouxe! – Exclamou algum bêbado que soube reconhecer a mulher.

Ela abaixou a cabeça para receber os olhares repreensivos. Embora, não havia nenhum. Eram todos iguais em desgraça naquele lugar.

— Você é tão repugnante quanto qualquer um de nós, demoiselle. Não precisa ter vergonha aqui. – Ela abaixou a mão pela tira da sacola, colando-a ao corpo. Assustada. –  O que vem fazer em nosso profano santuário? – Perguntou-lhe aproximando-se da mulher.

— Deixe-a em paz, Tuomas! – Irrompeu uma voz forte e altiva.

O homem admitia sua raça cigana em cada aspecto de seu corpo e de suas vestimentas, embora esfarrapadas. O peito moreno saltava da camisa, já sem cor para ser definida, com amuletos pendurados ao pescoço. E o rosto de traços fortes, endurecidos ainda mais pelas dificuldades da vida que vivia, era moldurado de pesados cabelos negros que caiam até pouco abaixo dos ombros.

 – Cecille.— cumprimentou friamente indo em direção à mulher.

— Clopin. – Ela o cumprimentou de volta com o mesmo entusiasmo.

Quando o cigano respirou fundo conseguiu olhar a mulher nos olhos. E ver que ela tinha enorme desespero em seus olhos cor de poeira.

— Precisamos falar a sós. – Disse dando-lhe as costas e dirigindo-se aonde haviam montadas as cabanas da tribo cigana.

Cecille o seguiu até uma das maiores tendas, montada ao lado de uma caravana, com tecidos pesados e escuros. Dentro era ainda mais escura, havia a pouca iluminação de tocos de velas estrategicamente colocados em alguns pontos mas era insuficiente para toda a tenda.

— Se veio aqui procurando por ele... – Disse-lhe o cigano. – sinto lhe dizer, mas ele tinha planos para tomar o primeiro barco para Florença.

— Você conseguiu, não é? Fê-lo sentir-se culpado pelo que aconteceu com aquela...

— Dobre sua língua suja para falar de Esmeralda! – Bradou Clopin. - Ela tinha mais honra do que você alguma vez teve. – Xingou o homem. – Deitando-se com quem lhe pagasse. Sem se importar se esse homem era casado ou não.

— Devo recordar que você não é nem um santo, Clopin? Quantas vezes pagou mulheres mais baratas do que eu, por nem metade de uma noite? – Defendeu-se Cecille.

A mínima honra que lhe restava, sua única esperança e melhor chance, jazia pendurada em torno de si. Apertou a sacola no corpo mais uma vez sentindo um peso subir em seu peito.

O sentimento de peso em seu peito subia à sua garganta. E o gosto de salubre e amargo, lhe chegava à boca. Quando Cecille começou a tossir, sem parar, cobriu os lábios com as mãos. Clopin olhava-a com espanto.

Quando a mulher tirou as mãos do rosto, as mãos estavam ensanguentadas.

— Cecille, você está doente – Sussurrou Clopin. Sem saber se estava afirmando ou perguntando-a.

De qualquer maneira, ela assentiu com a cabeça. E quando ela limpou as mãos no corpete. Uma vozinha aguda espreguiçou-se. E algo remexeu-se dentro da sacola junto ao corpo da mulher.

— O que tem nessa sacola? – Indagou o cigano. Embora já imaginasse a resposta.

Cecille hesitou dar um passo para trás. Mas já reconhecia a derrota. Não haveria argumento que lhe validasse.

Clopin veio até ela e tentou arrancar-lhe a sacola. Cecille protegeu-a segurando nos braços, numa posição que delatava seu, já bem crescido, conteúdo.

— Cecille, o que tem nessa sacola? – Insistiu entredentes.

A mulher abaixou o tecido. Revelando uma criança serena, que se mexia sem interromper seu sono inocente.

— Sabe ao menos qual dos seus visitantes foi o azarado? – Ironizou o homem.

— Não me ofenda, Clopin.  O que eu fiz foi dar a Gringoire o que sua amada cigana se recusou a dar. – Recordou com lágrimas nos olhos. – Os ouvidos para ouvir os poemas. Os braços para passar a noite. Acabei dando meu coração junto, mas não me arrependo. – Uma lágrima desceu por sua bochecha. – Eu o amo. Da maneira que Esmeralda jamais amou

Clopin calou-se. Lembrava-se de ver Gringoire triste pelos cantos nos primeiros dias de expurgos de Esmeralda, enquanto ele ainda tentava ao menos entender porque ela o rejeitava. Não podia culpa-lo por procurar consolo em outros braços que não os da cigana. 

— É por isso que preciso encontrar Gringoire. – Retomou Cecille. - Ela não pode ficar desamparada. Cada vez estou tossindo mais sangue. Eu sei o que isso significa, Clopin. – Cecille começou a chorar. - Eu estou morrendo. E ela ainda não tem nome.

A cena estremeceu o exterior áspero do cigano.

— Ela? – Indagou.

— É uma menina. – Disse Cecille com um esboço de um sorriso em seus lábios pálidos e ainda salgados de sangue.

O cigano aproximou-se das duas, estendendo a mão desajeitada para tocar a criança na fronte. Quando tocou-a, a criança espreguiçou-se e abriu os olhos. Cecille soltou um gemido de alegria.

— É a primeira vez que os abre para mim. – Exultou recomeçando a chorar.

Clopin afastou a mão da cabeça da menina quando viu os olhos. Tão azuis-claros, quase prateados, à semelhança da luz da lua. Tremeu ao ver aqueles olhos.

— Cecille. Fique aqui. Eu já volto. – Disse Clopin apreensivo e logo desaparecendo pela porta de tecido da tenda.

A mulher, apesar de confusa, permaneceu ali. Olhando, encantada, os grandes e brilhantes olhos da nenê. Brincando com ela, fê-la rir. E a ninou novamente. Quando Clopin entrou novamente na tenda. Dessa vez seguido por uma cigana.

— Cecille, esta é Rosalie. Ela é uma de nossas ciganas videntes mais poderosas. – Apresentou-lhe. A mulher de cabelos negros e vestes pesadas sorriu por um instante, como se para tentar acalmá-la. - Deixe-a ler a sorte para sua filha. Considere como um presente meu. – Disse Clopin.

— Por que será que não consigo ver isso como um presente? – Perguntou Cecille afastando a criança dos ciganos.

— Apenas deixe. Espero que não haja nada a temer, mas é preciso ter certeza. Por favor, Cecille. – Pediu Clopin. Cecille fitou à ambos com desconfiança.

— Eu sou ótima com crianças. – Disse a cigana, tentando acalmar a mãe. – Cuido de todas as que nascem no Pátio dos Milagres.

Então, Cecille, mostrou-lhe a criança em seus braços. A cigana sorriu e passou a mão sobre o rosto da bebê, acordando-a e fazendo-a abrir novamente os olhos. Seu sorriso cessou e ela olhou de relance para Clopin, antes de pegar a pequena mãozinha e examinar as linhas recém-formadas.

Ela murmurou algumas palavras em língua cigana que Cecille não compreendeu. Mas Clopin arqueou arregalando levemente os olhos antes de voltar a sua expressão grave.

— Você está certo. – Disse a cigana com espanto soltando a mão da criança e olhou direto à Clopin.

Os ciganos se entreolharam. Assustando Cecille:

—O que? Há algo errado com minha filha? – Questionou-os. Clopin fitou Rosalie. E ela se aproximou novamente de Cecille e da criança, acariciando-lhe o rosto sereno.  

— Enquanto ela for criança, nada. Mas eu li a mão dela e... – Rosalie refletiu antes de continuar suas palavras.

— O que você leu? – Perguntou Cecille com medo.

— Não importa o que eu li. Ela é ainda tão pequena. – Disse afagando a bebê. - As linhas vão mudar. – A cigana respirou fundo e tirou do pescoço um colar.

— Esse cristal é uma pedra da lua. – Disse mostrando o pingente azul-claro e translúcido como os olhos da menina. E colocou ao redor dela. – Ele vai protege-la. E não importa o que eu li nas linhas. Não vai acontecer, enquanto ela o usar.

— Obrigada. – Disse Cecille com lágrimas nos olhos. Não importava o que fosse que o destino reservava à sua filha. Isso seria mudado.

Em seguida, Cecille foi até Clopin e, tocando-o no antebraço, implorou:

— Agora, Clopin, por misericórdia, me diga onde está Gringoire. Se há um destino que preciso desviá-la, ela não pode ficar sozinha. Eu sei que Gringoire não irá renega-la.

O cigano comoveu-se da mulher.

— Ele disse que ia te encontrar. Antes de ir para o porto em Marseille, onde há barcos para Florença. Se ir rápido talvez o encontre no meio do caminho de volta de não encontrá-la em Val D’Amour. – Disse Clopin.

Cecille sorriu. E mais rápido que uma gazela pôs-se no caminho de volta ao que viera. Com passos apressados na calada da noite. Sentia seu fôlego esgotar-se, e por vezes, precisou parar para tossir mais sangue. Já cambaleava, esforçando-se para manter a sacola com a filha longe de perigo. Em certo ponto não conseguiu mais prosseguir, apoiou-se com as costas numa casa. Tossindo como nunca, sentia seus pulmões se apertarem e diminuírem. Não conseguia respirar.

Mas, eis que vinha descendo a rua, uma silhueta pesarosa de homem. Arrastava-se tristemente fitando o astro acima dele como quem espera um ato de piedade para com sua miséria.

Até que saiu da sombra das casas e a luz clara da lua iluminou sua triste figura.

— Cecille? – Sussurou o homem, reconhecendo-a.

A mulher lhe sorriu, reconhecendo-o de volta.

— Pierre. – Balbuciou a mulher, em lágrimas, quando, de súbito, lhe subira uma vertigem que quase a jogou no chão junto da criança.

Porém, foi impedida do impacto sobre as pedras da rua pelos braços que lhe eram familiares. Ele a apoiou no chão, com a cabeça erguida recostada em seu ombro.

— Cecille. Cecille, fale comigo. – Chamou-a. Mas ela estava entorpecida, esvaindo-se aos poucos.

— A sacola. – Ela gemeu com fortes dores nos pulmões.

Ele pegou-a. Abriu-a. Vendo o que ali havia olhou Cecille com uma mistura de espanto e ternura em seus olhos escuros como a noite.

— Ela é sua. – Disse com a voz quase inaudível entre as lágrimas. – Eu... - Ela tomou fôlego para continuar sua explicação. – eu não deixei que outro me tocasse. Como eu prometi. – Ela tentou rir, mas arrependeu-se arqueando para respirar. -  Eu fingi minha regra para que me deixassem em paz. - Ela o fitava emocionada, tentava sorrir, mas só conseguia sentir dor.

Ele sorriu.

— Eu sinto muito, ma belle. – Confessou derramando as lágrimas salgadas sobre o rosto, ainda mais lindo que se lembrava, da perdida.

— Shhh. Está tudo bem. - Ela estendeu a mão suja do sangue seco ao rosto do amado. Tocando-lhe os cachos miúdos e negros. - Não a deixe separar-se disso. – Falou apontando o cristal envolta do pescoço da nenê. – Clopin disse que ela precisa disso para que esteja protegida.

— Clopin? Então você estava no Pátio dos Milagres enquanto eu te procurava pelas ruas? – Perguntou Gringoire com o riso torto que fez Cecille sorrir.

— É engraçado, de fato. Mas o que pode acontecer com ela se ela se desfizer desse cristal não é. Me prometa, Pierre, - Ela engasgou. – prometa que vai protegê-la.

— É claro que sim. – Respondeu fitando-a, como se enamorado novamente. Ela sorria, serena, como sorria ao ouvir um poema.

Ele tomou-lhe a mão de Cecille na sua a cobriu-a de pequenos beijos. E, por um instante, e desceu os olhos do rosto de Cecille para o da pequena, acocorada entre seus corpos. Devia ter uns sete meses e era muito pequena. Quando ele retornou os olhos para a mulher, ela já havia expirado completamente e descansava. Cecille ainda sorria.

Ele engasgou em suas lágrimas, ao vê-la já morta em seus braços. Dobrou-se sobre o corpo e depositou-lhe um último beijo nos lábios.

A bebê remexeu-se, entreabrindo os olhos para o céu e seus olhos imitavam a luz prateada que banhava a triste cena dos ex-amantes e a pequena. Ao ver a luz prateada naqueles grandes olhos, Gringoire, não conteve-se, torceu os lábios em um sorriso torto entre suas lágrimas e fez-lhe cócegas com a ponta do nariz, sentindo o delicado perfume, o mesmo de Cecille, debaixo do cheiro do sangue. A criança ergueu os braços para cima.

— A Lua. – Disse olhando para onde ela indicava com os pequenos bracinhos.

Fitou curiosamente o astro, cuja luz e mistérios que lhe rendera tantos poemas, e depois fitou novamente Cecille, morta, e a criança que, agora, brincava com os dedos entre seus cabelos.

— Isso é obra tua, não é? Fazer-me encontra-las e fazê-las me encontrarem...

Continuou fitando o céu por mais alguns instantes. Até a menina começar a balbuciar, tentando chamar-lhe atenção. Ele riu.

— Cecille lembrou-se de dar-lhe um nome, jolie? – Indagou para a pequena enquanto levantava-se, deixando Cecille no chão. Provavelmente a levariam ao Cemitério dos Inocentes pela manhã.

— Muito bem, a partir de agora, você é minha. E se chama Hélène. – Falou, quase sério, fitando-a.

— Hélène Gringoire.


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Notas finais do capítulo

O que achou? Algo errado? Um elogio? Uma dúvida?
DEIXE-ME SABER, COMENTE!
Aliás, Arrriba, pegou as referências?! HUEHUEHUEHUEHUE
Prometo não ser uma escritora fantasma, se meus leitores estiverem vivos!
Um grande beijo dans tes coeurs :* ♥



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