Moon Lovers: The Second Chance escrita por Van Vet, Andye


Capítulo 60
Quando o Inevitável Acontece


Notas iniciais do capítulo

Annyeonghaseyo

Estão todxs bem? Esperamos que sim.

Hoje temos algumas informações para vocês antes de iniciarmos a leitura deste capítulo maravilhoso, com cenas legais, divertidas, românticas e, como não poderia faltar, cheio de bombas sendo soltas. Foi um daqueles que a gente super adorou o resultado. Esperamos que gostem também!

— Primeiramente, queremos avisar que este é o último capítulo que postaremos da fic neste ano. MAS CALMA!!! A gente volta a postar todos os domingos, como sempre, a partir do dia 21 de janeiro. Esse período de férias acabou ficando assim... as autoras vão viajar, teremos um tempo off e, por isso, daremos essa pequena pausa para não acabar ficando em falta com vocês.
— Em segundo, vocês agora podem reler os capítulos que mais gostaram, matutar suas teorias sobre o que vai acontecer daqui para a frente e comentar os capítulos que ainda não comentaram. Contamos com vocês!!!
— Em terceiro, nosso encontro fica marcado, ratificando, para o dia 21/01/2018, não esqueçam.

Desejamos ótimas festas! Um Natal cheio de alegrias. Que o ano de 2018 venha com mais amor, paz no coração, realizações e sorrisos sinceros. Que as dificuldades se tornem combustível para continuarmos e que os tombos nos sirvam de aprendizado.

Confirmamos nosso pacto de amor à Moon Lovers em 2018 e esperamos te encontrar no próximo ano.

Beijos das autoras.

Fighting!



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Yun Mi não queria se importar, a raiva da mãe por ter sido obrigada a se casar estava longe de findar, mas logo que Taeyang ligou informando que Ah Ra saíra da mansão há alguns dias anunciando que ia se divorciar de Hansol, ela pegou o carro e dirigiu para a cobertura da família Woo, herança e famoso refúgio da mulher quando queria ficar longe dos outros.

Yun Mi conhecia todas as senhas previsíveis de sua mãe e, tendo acesso livre à portaria, rapidamente desbloqueou o código e entrou no apartamento. De pronto, ainda no hall, um cheiro esquisito invadiu seu nariz.

— Mãe — chamou-a avançando pelos cômodos.

Dezenas de garrafas vazias e embalagens de comida espalhadas pela mesa da sala de jantar serviram para esclarecer o cheiro azedo no ar.

— O que é agora…? — a garota resmungou, preocupada, e seguiu para o quarto principal onde constatou suas suspeitas acerca do estado da sua mãe.

Ah Ra, de máscara tampando os olhos, dormia profundamente na cama de casal. Os braços ao redor dos travesseiros, como se estivesse se agarrando a uma boia à deriva em alto-mar, e a boca semiaberta, roncando baixo. Em cima de um quadro gigantesco ilustrando couro de onça, o aquecedor, ligado no máximo, gerava uma temperatura sufocante dentro do quarto.

— Mãe, acorda. Acorda! Acorda! — a mais nova desligou o aparelho para acabar com aquela fornalha e cutucou as pernas da outra sem muita delicadeza — Acorda, mãe! — puxou as cobertas.

— Quê? Hã? — Ah Ra despertou, desorientada, erguendo a máscara para cima e espremendo os olhos — Aah, Yun Mi, o que quer aqui…? — reclamou para filha com uma voz grogue.

— Eu é que pergunto. O que a senhora está fazendo aqui? Seu lugar não é na mansão, ao lado do papai?

— Aaaaaaah, me poupe… — voltou a colocar a máscara.

— Vou ali na sala jogar aquele lixo todo fora e contar quantas garrafas de bebida a senhora já tomou. Trate de levantar dessa cama e abrir a janela que o calor está insuportável.

— Humm…

Meia hora depois, com ar fresco e puro circulando pelo apartamento, a janela da sala sendo mantida aberta mesmo com o tempo gelado, Yun Mi se sentou com a mãe no sofá de tecido de onça e cobrou por explicações:

— Por que a senhora está entornando garrafas de champanhe como se fosse água, posso saber? O médico já não disse para parar de abusar do álcool?

— Estou comemorando — a mãe resmungou olhando rabugenta para a janela. Seu rosto, sem maquiagem, e o desalinho nos cabelos a tornando mais velha do que a filha costumava se lembrar.

— Comemorando? A minha saída da mansão? O fato de ter de se livrado do fardo que era me ter por perto?

— Por favor, Yun Mi, não comece… — revirou os olhos — Se veio aqui preparada para me azucrinar com esses assuntos, faça o favor de sair agora mesmo. Quer que lhe peça desculpa por te obrigar a se casar? Eu peço. Me desculpe por fazer você entrar num casamento igual ao meu. Casamento é uma idiotice. Se envolver com qualquer homem é uma idiotice. Eles levam sua beleza, sua juventude, sua disposição, sua sanidade e no fim da vida ainda querem te trocar por outra mais nova.

Taeyang estava certo, não era somente um desentendimento corriqueiro. Algo mais sério havia ocorrido entre os seus pais.

— Mamãe, o que houve? Por que deixou papai sozinho na casa e no estado de saúde que ele se encontra, para piorar?

— Foi isso que aquele velho disse? Que eu o abandonei?

— É o que parece.

— Que bom. Que ótimo — a mais velha sorriu com cinismo — Ele tem outras mulheres para escolher nessa reta final. Não se preocupe, meu bem. Até o fim deste ano, você terá uma infinidade de mães para optar.

— Dá para a senhora me explicar o que está havendo? — a herdeira rebateu, impaciente. Ah Ra, ao contrário, permanecia inabalável.

— Pergunte a Hansol. Sei que anda magoada com ele por ter escondido a doença e tudo mais, agora imagine a mim, que estive do lado desse homem por mais tempo que todas as outras juntas, isso se não contarmos essa nova com a governanta espertalhona. Vai saber quantas vezes eu já não fui traída debaixo daquele teto…

— Então é isso? Temos que enfrentar a doença do papai e o divórcio, tudo junto?

— Desculpe por ser inconveniente de novo, Yun Mi — Ah Ra retrucou com desdém — Você sempre teve todo conforto e toda segurança disponível… Volte para o seu castelinho e continue a não se importar. Avisei que não queria Taeyang ligando para a irmã.

Ditas essas palavras, Ah Ra se levantou do sofá e anunciou que tomaria um banho. Essa era a forma dela dizer para a filha que não a queria mais ali.

Retornando da visita à mãe, Yun Mi se esforçou para enterrar aquele problema no fundo da mente e se concentrou no seu novo plano para o jantar afim de vencer mais uma luta contra Choi Jin In. Uma batalha silenciosa era tecida entre a herdeira Wang e seu novo marido, sendo esse o único motivo deturbado que a garota encontrava para se divertir naquele casamento de fachada.

A noite em que eles tiveram de dividir o mesmo teto pela primeira vez, que era também a noite em que ele a obrigou a compartilhar, indignada, da mesma cama, acendeu nela o desejo vingativo que já estava ansioso para entrar em ação desde que o contrato matrimonial fora planejado por seus pais.

Durante as últimas semanas, ela se esforçou, contente em cada novo ato concluído,  para tornar a vida de Jin In um tormento.

O primeiro passo foi logo no dia seguinte à nebulosa noite de núpcias: Yun Mi comprou uma cama de casal, sofisticada e de preço exorbitante, semelhante a que ela estava acostumada a dormir no seu quarto na Mansão da Lua, e mandou colocar no cômodo livre mais distante do quarto principal.

Em seguida, enquanto os montadores instalavam o móvel e despejavam a mobília sobressalente para a sala, a garota ligou para que um chaveiro viesse substituir a tranca daquele quarto de forma que o espertalhão do seu esposo não tivesse a chance de entrar no refúgio particular dela.

Para a grande irritação de Yun Mi, quando Jin In chegou do trabalho ao fim do dia, apenas desviou das poltronas e estantes que estorvavam por toda a sala e, sem nenhum comentário, sem nenhuma expressão que indicasse frustração, desejou-lhe boa noite e foi dormir.

Ela, perfeccionista nata e incontrolável, acabou por se impacientar com aqueles móveis deslocados na sala e, num ímpeto de irritação, dez dias depois da pequena mudança, acabou dando um jeito na mobília inútil. Parecia que, se dependesse de Jin In, ele poderia passar a vida inteira desviando da estante de livros e pulando as duas poltronas gigantescas para chegar até o sofá da sala sem esboçar nenhuma reclamação.

Yun Mi precisaria ser um pouco mais contundente para importuná-lo. Uma semana depois do primeiro ocorrido, ela achou muito interessante, embora nada criativo, admitia, cortar na altura da gola, todos os ternos dele. Havia copiado isso de algum melodrama noturno qualquer e a ideia lhe pareceu oportuna.

Era uma linda coleção composta das marcas europeias mais sofisticadas, um closet inteiro para ele escolher, mas que viraram apenas pedaço de pano destruído depois de uma vistoria com a afiada tesoura da cozinha.

Jin In realmente teve alguma dificuldade na manhã seguinte, ao precisar se aprontar para o trabalho. Descobrindo que todo o seu guarda-roupa estava em frangalhos, vestiu o mesmo terno do dia anterior e teve uma pequena conferência via telefone com seu secretário durante o café da manhã, dizendo que este deveria comprar algumas roupas para ele naquela tarde.

— Algum problema? — ela indagou cinicamente, olhando-o nos olhos, enquanto partilhavam a mesa.

— Não… Nada sério. Apenas uma infestação de traças no meu armário. Tome cuidado com o seu também — ele respondeu e lhe devolveu um sorriso radiante.

A garota Wang não soube muito bem o que pensar daquilo. Se era uma ameaça, um jeito de dizer que ele faria vista grossa ao ocorrido ou se, simplesmente, estava se divertindo com aquilo; ela não conseguia decifrar.

O homem com quem se casara era um completo desconhecido a ela, e cada nova provocação era também uma forma que a mulher encontrava de descobrir sobre a personalidade dele. Ainda não tinha nenhum julgamento concreto.

No dia seguinte, novas roupas estavam penduradas nos cabides, no mesmo lugar, desprotegidas, mas Yun Mi achou bobo demais repetir a técnica. Precisava pensar em algo novo…

Cinco dias depois a nova chance lhe sorriu. Jin In estava montando um projeto aparentemente importante em seu notebook, o aparelho e vários papéis espalhados pela mesa de jantar após a refeição.

Em um minuto de ausência dele para ir ao banheiro, a esposa de aparências já havia derramado uma taça inteira de vinho sobre o teclado do equipamento. Ela observou, controlando o riso, o aparelho reclamar, soltar uma fumaça e se apagar para sempre.

— Desculpe… tropecei no tapete… estava com a taça na mão e… e… acertei seu notebook sem querer — se justificou assim que ele retornou ainda a tempo de ver o aparelho gorgolejar em seu último suspiro.

Então Yun Mi viu, foi fugaz, mas ela captou. Um brilho diferente dançara nos olhos dele: o inabalável Choi Jin In estava com raiva.

Como se estivesse lendo os pensamentos da bela e geniosa garota, o homem, perturbadoramente instigante numa camisa de seda azul índigo, aproximou-se do notebook e tentou ligá-lo, sem sucesso.

— É, acho que ele partiu… — concluiu, o corpo próximo ao dela, que continuava em pé, ao lado da mesa. Ela quis recuar um passo, por algum motivo estranho, estava incomodada com o perfume de Jin In, tão marcante em seu olfato, contudo não ousou revelar seu desconforto.

— Oh, me desculpe. Era… importante? — disse dissimulada.

— Era sim, mas fique tranquila. Eu salvei no e-mail há pouco menos de dez minutos. O trabalho continua íntegro — e com aquele sorriso insuportável, aquele sorriso que queria dizer a ela que perdera mais uma luta, completou vitorioso — Obrigado pela preocupação.

Então esta era a quarta tentativa de fazer o espertalhão provar do amargo veneno que era humilhar Wang Yun Mi. Desta vez, ela tinha certeza, ele não se sairia incólume.

Ela passara muitos dias se garantindo para isso e a tarefa árdua começou quando a jovem se forçou a ir visitar sua sogra e encontrar, em meio a toda conversa mole sobre como andava o casamento e os negócios dos Wang, algum ponto fraco do filho único de Son Yoo Na.

— Ele é alérgico a castanha. Bastante intolerante… — a sonsa da sua sogra soltou em algum momento das horas torturantes ao lado da velha.

E ali se encontrava Yun Mi, que detestava cozinhar, preparando uma iguaria exclusiva para seu esposo, depois de uma tarde infernal ouvindo a cara de pau da sua mãe pedir desculpas por forçá-la a se casar.

A mente da herdeira continuava trabalhando com preocupação, mesmo animada com seu plano, sobre os motivos da separação de seus pais. Na verdade, eram tantos problemas sérios envolvendo a família que irritar a pessoa com quem dividia o luxuoso apartamento de quatrocentos metros quadrados era quase um passatempo.

Jin In chegou uma hora depois do início dos preparativos do jantar, sendo atraído pelo cheiro e pela mesa muito bem-arrumada na sala de jantar. Yun Mi saiu da cozinha no instante em que ele depositava a pasta de trabalho sobre uma poltrona e afrouxava a gravata, observando o movimento incomum daquela mulher.

Nunca a vira tão bonita dentro de casa. Os cabelos negros soltos e brilhantes, combinando com o vestido preto bem modelado ao corpo, ainda acompanhado de saltos e batom vermelho.  

— Vá lavar as mãos, o jantar está pronto — ela comentou sorrindo de um jeito engessado, depositando uma grande travessa de cerâmica no centro da mesa.

— Foi você quem preparou? Estamos em alguma comemoração?

— É só um jantar. Algum problema? — rebateu com suavidade enquanto retirava as luvas térmicas.

— Nenhum. Volto em um instante.

Ele, de fato, voltou bem rápido, pois certamente deveria estar ansioso para ter seu troco, ela pensou. Sentados um de frente para o outro nas cabeceiras da mesa, Yun Mi retirou a tampa da travessa maior com a supervisão do olhar curioso dele:

— É a carne de Kobe¹?

— Sim — anuiu ainda sorrindo.

— A que eu trouxe do Japão na última semana?

— Ela mesma. Algum problema?

— Não… — ele se manteve na defensiva — É que eu havia dito que deixasse a cozinheira da casa dos meus pais vir preparar…  

O primeiro sinal de fraqueza, Yun Mi deixou um pequeno sorriso brincar no canto do seu lábio.

— Entendo… é que eu achei que pudesse eu mesma cozinhar… Fiz errado?

— Não, não fez. Estava curioso para conhecer o sabor da sua comida.

— Não sou lá uma cozinheira de mão cheia… — não sou cozinheira de nenhum tipo, seu imbecil. Sou uma Wang — … mas resolvi me arriscar. Peguei uma receita que pudesse usar os cinco quilos de carne…

— Você cozinhou a carne toda? — acabou interrompendo-a, perplexo.

— Ah sim… fiz errado de novo? Pensei que poderia levar para meus sogros experimentarem também e…

— Tudo bem, não há por que se justificar — acenou, tentando não focar naquela provocação — Vamos provar, estou faminto.

— Claro. Bom apetite.

Entrementes, Yun Mi não comeu. Encostando as costas na cadeira, ficou enrolando com alguns legumes depositados em seu prato ao espiar as expressões do homem à sua frente com expectativa.

A carne havia ficado horrível. Além dela não possuir nenhuma experiência culinária, garantiu para que a comida ficasse salgada, endurecida e repleta de castanha. Ele continuou comendo passivamente, uma mordida após outra, e quase chegou ao fim do primeiro pedaço sem esboçar o quão asqueroso estava o bife nipônico, então hesitou…

— O que é esse gosto diferente que estou sentindo?

— O sal? — ela perguntou animada, as sobrancelhas erguidas.

— Não…

— O óleo de gergelim? — arriscou cinicamente, se inclinando para frente na mesa.

— Não é isso também… — ele pousou os talheres e encarou o prato à sua frente, muito desconfiado.

— Ah, a castanha!

Choi Jin In olhou para Yun Mi com alarde e, com brusquidão, empurrou a cadeira, que caiu, e se levantou. Yun Mi percebeu que os olhos do marido estavam ficando vermelhos e ligeiramente inchados ao encará-lo. De repente, seu triunfo naufragara a poucos metros da praia.

— O que houve? — ela perguntou verdadeiramente preocupada. Ele não respondeu.

Correndo para o banheiro mais próximo, se trancou lá dentro e lutou alguns segundos para forçar o vômito. Ela ficou tentada a ir até a porta, encostar o ouvido na madeira e perguntar se estava tudo bem, mas o orgulho não deixou. Um pouco mais aliviada por escutar o som de água corrente da pia, se pôs a retirar a mesa e jogar no lixo as sobras do seu plano fracassado.

Meia hora mais tarde, já recolhida em seu quarto, se sentindo mais frustrada do que vitoriosa pelo embate daquela noite, Yun Mi foi surpreendida por ele batendo em sua porta. Se esqueceu que estava apenas de camisola e o atendeu de pronto, ansiosa para saber como ele passava de saúde.

Nunca admitiria, mas, depois do ocorrido, conferindo na internet a eficiência da castanha, se deparou com os sintomas perturbadores sofridos por pessoas alérgicas, que poderiam ir muito além de coceiras irritantes e brotoejas asquerosas, como ela imaginou. Estava preocupada.

— Preciso ir ao hospital. Tomei um antialérgico, mas acho que devo tomar algo mais forte… Apenas achei bom avisá-la antes de ir — Jin In parecia respirar com leve dificuldade.

— O que houve? Você… está bem?

Uma pergunta retórica, que ele simplesmente poupou-os da resposta. Era como se o olhar dele suplicasse para que ela não insistisse mais naquele jogo de mal gosto no momento. Yun Mi se calou, aguardou e então, com um sorriso doce, ele disse calmo:

— Você estava muito bonita hoje à noite. Mais bonita ainda, quero dizer… Bem… Boa noite, Yun Mi.

***

Era noite e, como de costume naquela época, estava muito frio. Jung olhou ao redor observando o movimento da rua antes de entrar em seu carro, o pensamento voltando para o pai, desaparecido por mais de vinte e quatro horas no último final de semana, aparecendo ensopado de chuva no início da manhã de domingo, informando durante o almoço daquele dia que Ah Ra, que fora embora depois de lhes dizer que não se preocupassem com o seu paradeiro, lhe pedira o divórcio.

Estava tentando não se preocupar com as tristes novidades da última semana, ultimamente sua família passava por tantas dificuldades que ele já se sentia amortecido, mas não conseguia e, além de todos os problemas familiares, o sumiço repentino de sua aluna mais dedicada lhe trazia ainda mais a sensação de impotência. Aquela era a segunda semana sem a presença divertida e o sorriso caloroso que Khan Mi Ok sempre lhe oferecia.

Quando pensava na jovem, o peito insistia em doer estranhamente em resposta ao coração batendo acelerado. Já há algum tempo vinha notando aquelas sensações e de princípio resolveu ignorar, mas agora, depois de muito convívio e da amizade estreitada entre os dois, começava a se conscientizar que o que sentia não era um simples sentimento fraterno.

De súbito, e sem entender o real motivo para aquilo, decidiu caminhar um pouco pelo quarteirão da academia antes de voltar para a tensão constante que se tornara sua casa. Desceu a pequena ladeira, as mãos enfiadas nos bolsos do casaco, o vento gélido doendo na pequena parte de rosto exposta no capuz, e seguiu em direção ao som alto de um bar armado na esquina abaixo.

Pensou em pedir alguns bungeoppang na loja de conveniências do outro lado da rua e levar para os irmãos, mas o coração, sem que ele pudesse controlar, bateu descompassado e a mente perdeu todo poder de raciocínio quando seus olhos reconheceram a silhueta da sua aluna desaparecida, de costas, sentada sozinha à mesa, diante de algumas garrafas de soju. Ela virou um copo enquanto ele se aproximava rapidamente.

— Pensei ter ouvido você dizer que ia diminuir na bebida — Jung ralhou sentando-se de frente à garota, lembrando de uma das muitas conversas que tiveram quando ela prometeu parar com a bebedeira.

— O que…? Agora estou tendo visões também? — ela respondeu para si mesma, os lábios ligeiramente abertos pelo susto repentino. Agitava a mão como se tentasse dissipar a fumaça diante de seus olhos — Preciso mesmo diminuir com a bebida… Estou tendo visões e ainda são sonoras. Daqui a pouco serei internada para desintoxicar — sorriu de sua realidade enchendo mais um copo que foi bloqueado a alguns centímetros de seus lábios.

— Por que está bebendo desse jeito? — ele perguntou tirando o copo da mão dela, jogando a bebida no chão.

— Você… não é… uma alucinação? — Mi Ok perguntou com o olhar confuso, os dedos se aproximando lentamente do rosto dele — Não é possível…

— Sou de verdade — ele respondeu pegando a mão dela com um pouco de irritação, suspensa e parada no ar enquanto o apontava, levando-a até o seu rosto, tocando-o. Sensações estranhas percorrendo o corpo de ambos — Por que está aqui a essa hora e sozinha?

— Eu… Queria esquecer umas coisas — respondeu desviando o olhar, a voz pastosa do excesso de bebida, aceitando, mesmo com ressalvas, que o Jung diante de si era de verdade.

— Você sabe muito bem que não tem como esquecer as coisas que acontecem na nossa vida. E sabe ainda mais que essa não é a melhor maneira de superar o que quer que seja. Vamos, vou te levar em casa.

— Não. Eu estou bem — a voz embolada a denunciando mais uma vez — Cheguei faz pouco tempo… Venha, beba um pouco comigo.

— Vamos — Jung, já de pé, pegou a bolsa da garota em uma das mãos e com a outra a apoiou, lhe ajudando a levantar.

— Estou bem, é verdade — deu um passo e meio. Tombou.

— Senta aqui. Vou pagar isso e já volto.

Mi Ok, sem entender muito bem o que estava acontecendo, observou Jung, ainda com sua bolsa no ombro, ir até o balcão e quitar o débito da beberrona, voltando para ela com uma expressão de poucos amigos. Cruzou a bolsa nos ombros da amiga e lhe ajudou novamente a levantar, abaixando à sua frente.

— Vamos. Suba — o tom autoritário fez os pelos da nuca de Mi Ok se eriçarem.

— Não precisa disso, Jung. Eu estou bem — rebateu, um nó sem tamanho no estômago.

— Precisa sim — ele levou o corpo mais para trás e ela desequilibrou sobre suas costas. Ele aproveitou para levantar e ela, com medo de cair, prendeu os braços ao redor de seu pescoço — Não sei por que faz essas coisas… Eu realmente não entendo — reclamou mais uma vez e seguiu se distanciando da tenda, indo em direção à rua que levaria a jovem, quase desmaiada sobre suas costas, para sua casa.

Mi Ok estava concentrada demais no perfume que exalava da nuca dele para dar atenção a toda lição de moral que ele fazia ao subir a ladeira da rua do bar. Coisas como cuidar do corpo e da mente não significavam absolutamente nada quando se estava sendo carregada pelo dono dos seus mais profundos sonhos.

— Jung… Me desculpe — ela falou um tempo depois, interrompendo o silêncio instaurado entre os dois.

— Não tem que se desculpar comigo. Você bem sabe o mal que beber faz e…

— Não. Me desculpe — ela o interrompeu e ele não entendeu o motivo para aquele pedido.

— O que houve?

— Será que podemos parar aqui?

Ela pediu e o rapaz parou, permitindo que ela se firmasse em seus próprios pés, observando os passos tortos que ela dava em direção a um banco de madeira diante deles.

— Está se sentindo bem? Quer vomitar?

— Eu estou bem… Só preciso respirar um pouco — Mi Ok respondeu focando a rua e as pessoas que passavam por ela, continuando com sua voz embriagada — Por que foi me procurar no bar? Como sabia que eu estava lá?

— Não fui… — começou sentando-se ao lado dela — Não sabia que estava lá. Estava dando uma volta antes de ir para casa. Mas… e você, por que sumiu dos treinos? — ia dizer que sentira falta da jovem, resolveu parar por ali.

— Eu acho que não tenho jeito para essas coisas — começou a lista de mentiras que havia ensaiado para justificar a ausência — Também fico cansada para ir trabalhar no outro dia e…

— Tudo bem. Eu já entendi que não quer me falar a verdade. Não vou insistir, mas não invente desculpas.

— Jung… Eu…

— Tudo bem. Tudo bem, de verdade…

— Eu gosto de você e toda essa aproximação entre nós não estava me fazendo bem — Mi Ok, decidida e impulsionada pela bebida, respirou profundamente depois de compartilhar seus sentimentos.

— O que… Você disse? — Jung, pego de surpresa, gaguejou. O estômago congelado e o ar quase faltando como se tivesse sido atingido por um soco forte.

— Disse que gosto de você — ela repetiu mais para si do que para ele — Faz um bom tempo, mesmo antes de saber que você era um dos herdeiros da casa onde Ha Jin trabalha. Acho que me apaixonei por você desde o dia em que te vi pela primeira vez na ISOI… Você foi tão gentil e afetuoso e depois que te conheci, você me pareceu ainda melhor…

— Mi Ok, eu…

— Ah… Não se preocupa com isso — a voz continuava pastosa, mas ela parecia sã. Talvez o ar gelado da noite tenha agilizado a recuperação da bebida ou, talvez, confessar seus sentimentos fosse como uma grande tigela de haejangguk² — Você não tem que me explicar nada ou se desculpar por não gostar de mim. Sei que você é apaixonado por minha melhor amiga e sei que não tem espaço para mim na sua vida. Eu também espero não me lembrar de nada disso amanhã, quando eu acordar, ou não me arrepender do que falei.

“Também vou compreender se não quiser mais ter qualquer tipo de contato comigo, esse também é o motivo de eu ter saído das aulas. Estava ficando difícil ter que controlar meus sentimentos quando te tinha sempre tão perto… É complicado negar quando o que se quer é… Eu realmente sinto muito. Você é um bom amigo, não me esquecerei dos nossos momentos juntos, mas vou me afastar a partir de agora.”

Mi Ok levantou e começou a caminhar. Parecia realmente mais centrada, mesmo que cambaleante. Jung, em estado de total espanto, letárgico, tinha uma expressão de incredulidade estampada em seu rosto.

Era estranho ouvir tudo aquilo e ainda mais estranho ter se abalado com aquelas palavras. Apressou-se em levantar e alcançar a garota que tinha dado poucos passos, segurando seu pulso delicadamente, mas com firmeza.

— Não se preocupe — ela falou depois de olhar para a mão do rapaz em volta de seu pulso — Eu estou bem, de verdade. Você não precisa se preocupar comigo. Eu…

Mi Ok, de olhos arregalados, fitava ansiosa os olhos igualmente arregalados de Jung. O rapaz, sem saber o motivo, soltou a mão de seu pulso e concentrou as duas no rosto dela, fazendo com que a olhasse. Em seguida, respondendo positivamente aos impulsos de seu corpo, colou os lábios nos dela lhe atrapalhando a fala e se permitindo fazer o que já há algum tempo vinha tendo curiosidade: descobrir o sabor daqueles lábios tão encantadores.

O estômago estava mais gelado que o clima que envolvia os dois. Os lábios, imóveis e ainda colados, os olhos igualmente arregalados já por alguns instantes se focavam. A sensação de que não poderiam explicar o que sentiam, a surpresa da garota em ser beijada pelo homem de seus sonhos e o assombro do rapaz que, finalmente, tomou coragem para beijá-la.

— Desculpe… — Jung começou, descolando os lábios, assustado com os olhos arregalados de Mi Ok — Eu… Eu não sei o que houve… Eu não sei explicar… — ele parou de falar quando percebeu a expressão da jovem desanuviar ao tocar os lábios arqueados em uma discreta semi lua: ela estava sorrindo.

— Isso aconteceu de verdade? — ela parecia em transe, levada para outra dimensão — Você me beijou? Mas…

— Já faz algum tempo que desisti da Ha Jin e você me ajudou com isso. Eu sempre soube que não havia espaço para mim na vida dela… Também faz um bom tempo que tenho notado como você é maravilhosa, como me sinto à vontade com você… A saudade que sinto, meu peito acelerado… É tudo muito novo, mas… eu também gosto de você, Mi Ok, só não tinha percebido antes e, me desculpa por demorar tanto assim para…

Agora foi a vez de Mi Ok o interromper. Se lançando ao pescoço de Jung, a garota, em ponta de pés, o beijou novamente aproveitando aquele momento, talvez temendo que ele não fosse mais se repetir.

O corpo estava dormente com tantas sensações, mas seu coração exultava de felicidade e suas bocas começaram a se mover em um ritmo discreto e apaixonado. Seu peito batia na mesma frequência que o de Jung e ela sentia - mesmo que aquela situação parecesse improvável - que finalmente viveria sua primeira e verdadeira história de amor.

***

Conforme os dias avançavam e os Wang iam se aproximando da conclusão dos fatos que arruinaram a empresa, mais desesperançosos se tornavam. A realidade era exatamente como Taeyang, Eujin, Yun Mi e Sun haviam imaginado e nada parecia pior do que descobrir a traição entre pessoas do seu sangue. Ainda mais desolador era saber, não precisavam ouvir da boca do traidor, as motivações para o ensejo. Inveja, competição e ganância foram os sentimentos que dominaram o culpado, supuseram os herdeiros.

Eujin, sentado ao lado do CEO Taeyang, desligou seu celular e informou aos outros Wang:

— Shin acabou de entrar no prédio.

— Ele está mesmo envolvido em tudo isso? — Jung perguntou aos demais dentro da sala de reuniões. Como Shin, ele havia sido limado das investigações por piedade dos irmãos que já anteviam seu desfecho e saberia de todos os detalhes como o mais velho, em primeira mão.

— Infelizmente — Taeyang respondeu cabisbaixo. Os cotovelos em cima da mesa, a cabeça apoiada pelas mãos, os olhos fechados e a aparência esgotada.

— Não consigo acreditar… — Jung suspirou atordoado.        

— Pior, nós já conseguíamos acreditar piamente antes de investigarmos — Eujin comentou, a voz entristecida após espiar as provas que os irmãos haviam reunido. Uma pasta cheia de fotos incriminadoras e um gravador portátil.

Shin entrou na empresa deveras desconfiado. Sua intuição conjecturava os motivos do convite feito por Taeyang, mas ele não se sentia nada à vontade ao voltar para aquele lugar.

Ao menos a reunião havia sido marcada para o horário noturno e nenhum funcionário, além dos da portaria, estariam pelos corredores cochichando sobre o retorno do “filho traidor” do moribundo senhor Wang.

Balançando seu fiel capacete na mão direita, Shin subiu para o andar combinado e entrou cauteloso, como um animal selvagem farejando terreno inimigo, pelo corredor principal do piso.

Além das luzes automáticas estalando a cada passo dele, que trouxeram a lembrança da noite em que encontrou Taeyang nocauteado em seu escritório, apenas a iluminação da principal sala de reuniões estava acesa. Caminhou naquela direção.

Não era somente o CEO interino que o aguardava. Mais quatro dos seus meio-irmãos observavam enquanto o herdeiro rebelde daquele bando adentrava pela porta de vidro.

Taeyang estava sentado à direita na cabeceira da mesa de madeira. Eujin, ao lado do outro, lançou um sorriso cansado em cumprimento à Shin. Sun aproveitava a liberdade do horário e sentava-se displicentemente sobre o aparador em frente à mesa, balançando as pernas e mirando ansioso a chegada do motoqueiro. Yun Mi e Jung eram os reflexos de Taeyang e Eujin no lado oposto do móvel, ambos detentores de expressões preocupadas.

— Estão todos aqui? Achei que era algo entre nós…

Taeyang desencostou da mesa, endireitou o corpo na poltrona e preparou a garganta, bebendo um pequeno gole d’água antes de iniciar:

— Não, Shin. Infelizmente o que será dito nesta sala, hoje, diz respeito a todos nós, mas, principalmente a você. Sente-se, por favor.

— Esta é a minha poltrona? — perguntou receoso encarando o assento majoritário, onde somente o seu pai ou o CEO escalado se sentavam durante as reuniões.

— Sim, por favor. Precisamos lhe contar uma história — Taeyang anuiu inquieto.

— Vamos lá, Shin… — Eujin incentivou — Nós prometemos descobrir a verdade sobre o roubo do P02. Esse dia chegou. Sente-se e escute o que temos a dizer. A conversa é longa e precisa escutá-la sentado.

— Certo… — ele acabou concordando — A partir daquele dia eu… bem, nunca imaginei que voltaria a essa sala, muito menos que sentaria nessa poltrona… — argumentou ressabiado. A seguir depositou o capacete aos seus pés e se preparou para ouvir os demais — Podem começar…

— Antes de iniciar o tema dessa reunião, gostaríamos de falar algo, Shin — Yun Mi tomou a palavra e mirou-o com olhos altruístas, um olhar que não se via com frequência nas expressões de sua irmã — Nós o consideramos nosso irmão de verdade e pouco importa se você é filho da governanta da casa… Não sabemos o que houve no passado e isso pouco nos interessa. O importante é que você continua compartilhando o sangue do nosso pai, o nosso sangue, e isso nunca mudará.

— É isso — Taeyang emendou no assunto levantado pela irmã — É ótimo que isso fique claro logo. Não temos bastardos nessa família. Nossas mães são diferentes, mas crescemos todos na mesma casa e tivemos as mesmas experiências…

— O amor do papai e também as exigências infundadas dele… — Eujin completou desembaraçado — Alguns mais, alguns menos, mas todos experimentados do que é ser um Wang desde o início. Você, Shin, foi o mais prejudicado de todos.

— Sim… — Jung concordou de sua poltrona. Estava envergonhado e apático, dominado por sentimentos de culpa que não lhe pertenciam — Peço desculpas por duvidar da sua índole no início… E mais desculpas ainda pela forma como minha mãe o tratou a vida inteira. Você não mereceu nada daquilo e ela não tinha esse direito.

— Não tinha mesmo! — Sun exclamou incisivamente às costas deles — E eu também quero me desculpar por minhas desconfianças… Muitas vezes compartilhei delas com Jung. Fomos dois idiotas, desculpe…

— Vocês não têm de se desculparem, muito menos se justificarem pelos erros de papai… ou de suas mães… — Shin explicou. Estava feliz por perceber que tinha o apoio de todos, contudo também estava retraído por aqueles gestos positivos tão repentinos — Não era necessário marcar uma reunião para me falarem isso…

— Mas o assunto da reunião não é esse. Ainda não começamos, meu irmão — Taeyang o interrompeu — O assunto é extenso, como disse, mas também é importante que fique claro antes das coisas serem postas na mesa que nunca acreditamos que você fosse o responsável pelo roubo do projeto.

“Eu e Eujin já mencionamos isso, mas Yun Mi, Sun e Jung também partilhavam dessa opinião. O verdadeiro culpado esteve na nossa frente e nem mesmo acredito que papai ou os outros acionistas acreditavam em sua culpa… Você foi acusado mais uma vez porque era cômodo continuar culpando-o… Quanto a papai… Acho que ele estava no limite de tudo isso…”

— Não adianta ficar tentando descobrir por que papai agiu desse ou daquele jeito, acho que nunca seremos capazes de entendê-lo — Shin objetou, conformado — Mas obrigado. Obrigado por acreditarem em mim.

— Fizemos mais do que isso, Shin — Yun Mi começou — Nós descobrimos a verdade e temos provas.

Taeyang empurrou uma pasta de papel que estava afastada sobre a superfície da mesa para o centro da conversa. Um relatório minucioso digitado pelas mãos dele explicava em minúcias o passo-a-passo para chegar à verdade.

— Tudo começou quando você ainda estava sumido, na mesma semana em que papai foi hospitalizado. Houve uma votação entre nós e, como sabe, continuei como CEO interino e me mantenho até que a confusão seja resolvida. Durante essa reunião, nós também concordamos em nos unirmos para encontrar a falha, o traidor… Sozinhos, separados, tudo se tornava mais difícil.

“Desse modo, Eujin me procurou na segunda-feira seguinte mostrando um fato muito curioso sobre o engenheiro que nós já sabíamos que trabalhava para a Busan Yong Motors”…

— Taeyang, precisamos conversar — Eujin entrou no escritório do irmão fechando a porta cuidadosamente atrás de si — Gun voltou para empresa, você viu?      

— Vi, sim. Nenhuma notícia de Shin ainda, ao contrário desse maldito… — o outro suspirou — Ele não daria o prazer da sua ausência por muito tempo.

— E ele está com uma cara horrível… — o garoto se sentou na poltrona diante da escrivaninha de Taeyang — Mas não é dele que vim falar… Quer dizer, é. Descobri uma coisa mais cedo.  

— Sobre?  

— Andei pagando para um conhecido meu que trabalha com computação procurar algo para nós em sites de, digamos, acesso mais trabalhoso. Foi uma ideia que tive. É sobre o Jo Han Rok.       

Taeyang olhou com atenção para Eujin, parecendo bastante interessado, ao mesmo tempo em que o mais novo ia diminuindo o volume da voz para segredar sobre aquilo:  

— Descobri exatamente quando o tal engenheiro cortou seu vínculo empregatício  com a Busan Yong Motors. Foi em meados de Outubro. Você se lembra também o que acontecia nesse mês?

O irmão CEO precisou de apenas alguns segundos para ligar os pontos:

— Gun era o CEO.

— Sim. E, no fim daquele mês, ele apresentou esse cara e toda a ideia do motor revolucionário que serviu muito bem para ganhar pontos com papai e com os acionistas. Coincidência impressionante, não acha? Tão conveniente…

De volta à sala de reunião, Shin escutava em silêncio sobre a primeira pista. Não era uma coincidência, contudo, poderia muito bem se passar por uma, caso eles confrontassem Gun. O rapaz, inclusive, conseguia ver a cara lavada do irmão se esquivando do assunto.         

— Eu sei que isso não basta, mas é só o início… — Taeyang captou os pensamentos do outro e prosseguiu — De qualquer forma, aquilo nos animou um bocado… Com essa informação, precisamos descobrir onde Jo Han Rok morava para o caso de precisar pressioná-lo.

"O endereço registrado no ato da contratação dele estava incorreto, um terreno baldio ficava no local. Em contrapartida, Eujin conseguiu com o mesmo conhecido de antes, o que sabe procurar as coisas na internet, um endereço muito mais provável para o sujeito."

— E foi aí que eu entrei — Sun argumentou balançando os pés e contando sua primeira participação na investigação.

Sun caminhou se sentindo muito esquisito naquele uniforme de mensageiro postal e partiu em direção às escadas do prédio. A moradia ficava em um bairro afastado da área nobre da cidade e ele não estava muito acostumado com a visão da classe baixa da Busan tão de perto.

Corredores com iluminação precária, paredes com pinturas descascadas e gente brigando dentro dos apartamentos acompanharam o caçula Wang por todo o percurso em direção às portas do número 102.

Estava a apenas poucos metros do seu destino quando o telefone vibrou em sua calça. Irritado, ele já sabia de quem se tratava, colocou a caixa de encomenda, vazia, entre as pernas, e atendeu a chamada aos sussurros:

— O que é agora?

— Você não está demorando muito não? — Eujin azucrinou do outro lado da linha. Sun revirou os olhos de impaciência:

— Eu tive de subir dez andares andando, tá legal? Essa porcaria de elevador, adivinha só? Não funciona… Estou quase chegando na porta dele…

— Faça como combinamos, Sun. Bata na porta, entregue a encomenda e saia no mesmo instante. Se ele não aceitar a caixa, tudo bem também, porque já sabemos que ele está morando aí. Só vá embora logo. Ele não viu seu rosto muitas vezes, você está bem disfarçado agora, mas não podemos confiar…

— Aishh, pare de ser repetitivo, você já me disse isso uma dezena de vezes.

Ao lado esquerdo do jovem Wang, a porta de um apartamento abriu minimamente e alguém espiou com desconfiança os cochichos no corredor. Percebendo que estava sendo observado, Sun se afastou um pouco dali e continuou escutando o irmão:

— Estou preocupado. Imagine o que a mamãe fará comigo caso algo aconteça com o filhinho dela?! Era para eu estar aí, mas você insistiu em ajudar. Seja prudente.        

— Eu serei — Sun retorquiu suspirando forte — Era para Jung estar nessa missão. Qualquer coisa ele descia a porrada em quem aparecesse. Assim você ficava menos preocupado com o seu irmão caçula bunda-mole.

— Pare de vitimismo. Sabe muito bem que tiramos Jung dessa investigação porque não queremos colocá-lo contra Gun… Enfim, faça logo o que tem de fazer.

— Se você deixar…

— Vá! Já estou esperando com o carro ligado.

Novamente, com a caixa em mãos e o celular desligado, o garoto caminhou na direção da porta almejada e, cauteloso, tocou a campainha. Escutando a sineta ressoar do lado de dentro, aguardou por algum sinal do trinco sendo aberto.

Um minuto inteiro se passou e não houve resposta. Tocou a campainha uma segunda vez, agora virando a cabeça para o lado e tomando o cuidado de não ter o rosto tão exposto ao olho mágico.

Foi seu golpe de sorte ter feito isso…

Um homem gordo e grande, segurando um taco de baseball na mão, saiu do apartamento ao lado e veio avançando em sua direção enquanto berrava ensandecido:

— VOCÊ É O MERDINHA QUE ENGRAVIDOU MINHA FILHA, NÃO É?!

— O que… — Sun piscou, confuso, e jogou a caixa vazia em cima do maluco. O grandalhão golpeou o objeto vazio com o taco e sua fúria foi tamanha que não restou nada da encomenda de mentira para contar história, restos de papelão se desfazendo em dezenas de pedacinhos sobre suas cabeças.

— VEM AQUI SEU COVARDE!

— A-acho que o senhor me confundiu… — ele levantou as mãos, em rendição.

— NÃO, GAROTO. VOCÊ QUE CONFUNDIU MINHA FILHINHA!

Outro golpe veio na direção dele. Desta vez, Sun percebeu que não teria nenhum tipo de conversa para desfazer o mal entendido com o maluco antes que ele próprio fosse parar no hospital com traumatismo craniano. Assim, ao mesmo tempo que o taco era lançado para a direita, ele dava um mergulho para a esquerda, ganhando vantagem sobre o próximo ataque.

— VOLTE AQUI!

Sun terminou a cambalhota com um salto elegante, e até impressionante se levasse em conta seu sedentarismo compulsório diante do videogame, e correu para as escadas com aquele senhor nada hospitaleiro ao seu encalço.

— VOLTE AQUI, MALDITO! VOLTE AQUI QUE QUERO ACABAR COM SUA CABEÇA!

— Papai! Não! — uma voz feminina berrou chorosa ao fundo, mas o caçula Wang nem quis parar para descobrir o que estava acontecendo naquele andar infernal.

— É UM MAL ENTENDIDO. O SENHOR ESTÁ ME CONFUNDIDO. ME CONFUNDIDO!!! — ele ainda gritou de volta, descendo os degraus de dois em dois.

— Muito interessante sua aventura, Sun, mas eu tenho a impressão que ela poderia ser omitida nessa conversa, afinal, você fracassou — Eujin interrompeu as explicações empolgadas do irmão mais novo para voltar ao cerne da reunião. Havia um quê de implicância em sua voz.

— Eu não fracassei nada, se eu tivesse fracassado, nem estava aqui para contar essa história. O cara quase me rachou em dois — o outro continuou gesticulando — Seu único papel foi acelerar o carro e sair dali, espertinho.

— Se eu estivesse com você, ninguém fugiria para lugar nenhum — Jung saiu momentaneamente de seu desânimo e observou — Quem esse cara pensa que é para tentar espancar o meu irmão?

— Tudo bem, o importante é que Sun ficou ileso nesse episódio. Estávamos lidando com gente criminosa, era de se esperar que ele estivesse escondido num lugar como aquele. Entretanto, naquele dia e nos próximos não conseguimos a confirmação de que Jo Han Rok morava ali e focamos em outra pista… — interveio Taeyang e prosseguiu nas explicações para Shin.

Duas noites após o senhor Hansol ter conseguido alta do hospital, Na Na ligou para Taeyang e pediu para que ele se encontrasse com ela na esquina de sua casa.

Inventando uma desculpa qualquer para seus pais, era muito cedo para explicar que estava envolvida romanticamente com outro herdeiro Wang, a jovem moça aguardou no frio, muito bem agasalhada de casaco, cachecol e luvas, seu namorado surgir no início da rua e parar o carro em frente a ela.

— O que está fazendo nesse frio, Na Na? — ele ralhou após beijá-la nos lábios com carinho — Não poderia esperar em sua casa?

— Não temos tempo para lidar com mais esse problema, Taeyang — ela retorquiu cheia de razão — Precisava te mostrar isso com urgência e talvez não houvesse chance amanhã, dentro da empresa. Isso chegou hoje, depois do horário comercial, no escritório — retirou uma pequena caixa de dentro da bolsa que carregava — É uma encomenda dos Estados Unidos. Será que é aquilo?

— Ah, mas já? — ele encarou o objeto, pressuroso. Pegando das mãos de Na Na, começou a violar o lacre da encomenda como uma criança desesperada abrindo um presente de Natal.

Dentro da embalagem, sufocado com pedaços de isopor para não quebrar seu conteúdo, estavam os HDs de duas câmeras de segurança da Wang S.A. e um pendrive com o logotipo da empresa de restaurações de imagens que ele havia contratado para averiguar os respectivos HDs.

— Eu trouxe meu notebook também — eficiente, Na Na tirou de dentro da bolsa nada modesta, seu velho notebook de escrivaninha.

Ligado o aparelho, o casal se acomodou no carro para assistir as imagens juntos enquanto colocavam o pendrive para rodar. Os vídeos eram da noite em que Taeyang fora agredido, às vésperas da fatídica feira. Eles haviam visto aquela cena uma centena de vezes, mas agora a apreensão era maior porque, recuperando as filmagens, o rosto do agressor poderia aparecer.

Um Taeyang de semanas atrás surgiu na tela do notebook saindo do seu escritório após escutar o som do lixo caindo no corredor. Imediatamente à sua saída, um homem de capuz e roupas pretas entrou sorrateiramente pela porta entreaberta. Taeyang retornou para o lugar onde seu agressor o aguardava. No presente, Na Na apertou o braço do namorado e murmurou:

— Esse é o momento em que ele te machuca… 

— Está tudo bem — ele a pegou pela mão e a tranquilizou — Eu fiquei inteiro e agora estou aqui.           

Apenas algum tempo depois, o homem encapuzado saiu do recinto carregando o relatório roubado. Então, rapidamente, parecendo não resistir à lente da câmera sobre sua cabeça, o indivíduo olhou para cima, suas expressões sendo captadas nitidamente pelo vídeo.     

— Eu sabia! Era Jo Han Rok, aquele desgraçado que o Gun enfiou lá dentro — o herdeiro exclamou brandindo o punho. Sentimentos de ódio e vitória se misturando dentro dele.       

Shin não ficou exatamente surpreso com a revelação, era algo que eles desconfiavam sem muito esforço, mas o mesmo sentimento que ocorreu ao irmão mais novo semanas atrás, ao confirmar aquilo, se apoderou do rapaz ao escutar a verdade. O homem que fora colocado indevidamente entre eles era um criminoso mascarado e agressivo no meio de um projeto fadado ao fracasso.

— Onde Gun estava com a cabeça quando enfiou esse cara aqui dentro? — ainda se viu perguntando, embora soubesse muito bem a resposta.

— É lamentável — Taeyang concordou.              

— Horrível — endossou Eujin.

— Escroto demais — disse Sun.

— É nojento… Gun é um nojento idiota — Yun Mi completou. O CEO interino olhou para irmã com ar reprovador, que ela percebeu e, desconcertada, pigarreou e tentou se corrigir — Quero dizer... Eu sei, Jung, que Gun é…

— Não, Yun Mi. Você está certa. Eu entendo a raiva de vocês… Ela deve ser tão grande quanto o meu desgosto. Não me importo — Jung a absolveu dos xingamentos ao irmão mais velho e se encolheu na poltrona.

— Acho que agora eu devo falar — Yun Mi prosseguiu, após aguardar as lamentações de Jung minguarem — A próxima etapa dessa investigação foi feita por mim e por Eujin. Eu falo ou você fala, Eujin?

— A palavra é toda sua, irmã — o mais novo permitiu.                    

De modo suspeito, Gun havia oferecido férias adiantadas a Doo Chul e demitido Zeo Chao, os funcionários que supostamente haviam acusado Shin. Yun Mi e Eujin olharam os registros dos dois em busca de seus endereços, mas não obtiveram resultado quando foram procurá-los. Apenas casas fechadas e vizinhos alegando que ambas as famílias viajaram foram o retorno que conseguiram.

Tiveram de ser pacientes. Um mês após as acusações, o operário que permanecera empregado retornou ao trabalho e os herdeiros não perderam mais tempo em descobrir o que houve:        

— Bo-bom dia, senhores — Doo Chul entrou cabisbaixo no escritório da fábrica.

Yun Mi estava atrás da mesa principal e Eujin de pé, ao lado da irmã. Os dois mal esboçaram reação enquanto o homem se sentava timidamente na cadeira que lhe foi oferecida diante deles.

— O senhor sabe por que o chamamos aqui, senhor Doo? — Eujin iniciou.

— Acho que não… — o homem respondeu após breve hesitação.

— O senhor fez acusações contra o nosso irmão há algumas semanas. Acusações muito pesadas para serem simplesmente esquecidas. Tudo aquilo que Gun disse sobre o que o senhor viu dentro da fábrica no período em que Shin trabalhava aqui… é verdade?        

Doo Chul não respondeu. Cabisbaixo, encarou as mãos em cima das pernas e apertou os dedos nervosamente como uma criança sendo intimidada por adultos. Yun Mi, que já havia reconhecido o funcionário como o homem que ela quase demitira muitos meses atrás por se envolver em um acidente com os equipamentos, não aguentou tamanha covardia e esbravejou:

— Como pôde mentir daquele modo e acusar Shin na frente de todos os acionistas quando ele mesmo lutou para defendê-lo e mantê-lo empregado em nossa fábrica após o acidente em que se envolveu?! Que tipo de gratidão é essa? Deveria tê-lo demitido naquela época já que se revelaria esse grande traidor…

— Por favor — o homem abandonou a cadeira, se ajoelhou no chão esfregando as palmas freneticamente na direção dela e se pôs a choramingar — Me perdoe, senhorita. Me perdoe, senhor. Eu agi mal, eu fui um covarde, eu fui um ingrato e eu sei que não mereço trabalhar aqui. Eu não mereço a bondade do senhor Shin também… Não mereço nada, mas estou desesperado… Me perdoem… Aigooo…Me perdoem…

Eujin contornou a mesa e caminhou para o homem, pegando em seu braço, respondendo:

— Senhor Doo, não estamos pedindo para que fique de joelhos e implore. Por favor, só nos diga a verdade. Sabemos que tem dedo do nosso outro irmão nessa história. Queremos apenas a sua honestidade…

— Não! Deixe ele ajoelhado, deixe que implore — Yun Mi retorquiu implacável — Que tipo de pessoas acha que somos para aceitar essa traição? Solte ele, Eujin. Quero que ele conte tudo do chão!

— Mas não tem…

— Solte ele logo e vá falando de uma vez tudo o que houve, Doo Chul! — ela vociferou para o irmão e para o funcionário.

Doo Chul retornou a ficar de joelhos e começou a soluçar em meio as suas explicações.

— Eu não queria participar, mas o senhor Gun me obrigou… Ele conhecia meu problema familiar, por isso veio até mim… Ele sabia onde deveria me pressionar para conseguir que eu mentisse… E-ele sabia da doença do meu filho e do tratamento caro. Eu não tenho como pagar por todo o tratamento sozinho, mas ele ofereceu um bom dinheiro para ajudar nos custos… E-eu não aceitei mesmo assim, não queria ser comprado, mas então o senhor Gun me ameaçou… Disse que eu perderia o emprego caso não o ajudasse… Me perdoem… Me perdoem, por favor…

— Meu Deus… Do que mais Gun é capaz? — Eujin argumentou para si, atordoado — Venha senhor, por favor, saia do chão.

— Não, eu preciso que vocês me perdoem! — o funcionário recusou a oferta, chorando mais.

— Está perdoado, senhor Doo — o rapaz insistiu o puxando para cima com gentileza — Qual a doença do seu filho?

— Ele têm problemas nos nervos, leucodistrofia metacromática³… — Doo soluçou — Demorou meses para que eu e minha esposa conseguíssemos falar corretamente o nome dessa doença miserável… Ele era saudável até o ano passado... depois disso, de um dia para o outro, como um castigo terrível, ele começou a perder a fala, os movimentos... não comia mais, não enxerga direito e ouve pouco. Estávamos vendo nosso filho definhar diante dos nossos olhos e não podíamos fazer nada… O dinheiro que o seu irmão deu fez com ele voltasse a se alimentar sozinho e não precisar mais dos aparelhos para respirar… Meu menino até conseguiu sorrir essa semana…

Yun Mi permaneceu calada, apenas observando a cena e as lamentações da vida do homem à sua frente. Penalizado, Eujin olhou para ela, procurando algum sinal de empatia no rosto da irmã. Ela estava desconcertada. Veio preparada para a batalha, como sempre, mas encontrou uma situação onde a sua compaixão estava sendo colocada à prova, não a sua impiedade.

— O senhor terá que desfazer esse mal — a mulher respondeu evitando encarar o funcionário nos olhos, o tom firme, porém ameno — Precisamos dos detalhes dessa chantagem gravada e o por escrito, e que se mantenha ao nosso lado para o caso de precisarmos confrontar Gun.

— Mas ele vai me demitir… Vai tirar meu filho do hospital — Doo objetou em pânico.

— Não vai. Gun não é o único proprietário desta empresa, senhor Doo. O que havia sido combinado se manterá — Eujin adiantou-se em tranquilizar o homem.

— Mas e meu emprego? Eu preciso do meu emprego… Por favor, me perdoem! Eu preciso desse emprego mais que tudo… Não posso receber um dinheiro qualquer e ser demitido como aconteceu com Zeo Chao…

— O senhor não será demitido — Yun Mi levantou da cadeira estranhamente incomodada com aquela choradeira sem fim. De repente, foi impossível não comparar o desespero de Go Ha Jin ao ser acusada de roubo por ela com o desespero daquele homem à sua frente — Nada acontecerá com seu emprego se não nos trair novamente. Volte para o seu trabalho e retorne quando estiver mais calmo para contar os detalhes da chantagem.

Doo Chul olhou de Eujin para Yun Mi com incredulidade. Em seguida, ainda choroso, mas desta vez sorrindo, aproximou-se da garota Wang e pegou em sua mão. Ela espantou-se com o gesto.

— Obrigado, senhorita. Obrigado. A senhorita tem um coração maravilhoso. Obrigado. Vocês são muito bondosos. Obrigado…

— Tudo bem — ela puxou a mão para longe, constrangida — Saia daqui, agora, antes que eu mude de ideia. Não aguento mais tanta choradeira.

Shin achou que já havia escutado tudo sobre as maldades de Gun, mas acabou descobrindo que aquele poço não tinha fim. Colocar uma criança doente no meio de uma chantagem tão baixa era ultrapassar o limite de humanidade aceitável para qualquer pessoa normal.

— Nós também já sabíamos que ele tinha feito algo do tipo… Só não imaginamos que iria tão baixo — Eujin externou o que o outro estava pensando.

— Como está a questão do tratamento da criança? Podemos continuar pagando? — Shin quis saber.

— Estamos pagando, sim — Taeyang anuiu — É difícil fazer caridade para todo mundo, nossa empresa está quase quebrada, mas concordamos entre nós de continuar ajudando esse homem e sua família até onde desse.

— Que bom — o herdeiro rebelde ficou mais aliviado — Com isso conseguimos pegar Gun?

— Não. Isso só provaria que Gun queria acabar com você, não que ele estava envolvido com a Busan Yong… Nós voltamos a procurar Jo Han Rok. Quer dizer, Eujin e Sun se incumbiram da tarefa. Conte para Shin o que conseguiram em seguida, Eujin.

Com seus óculos escuros, Sun fitou a entrada do prédio onde supostamente o engenheiro estava morando, tendo más recordações da primeira vez em que esteve no local e quase foi catapultado por um taco de madeira.

Hoje, ele e Eujin escolheram outro modo de chegar ao objetivo, ficando de tocaia alá filmes policiais, dentro de um carro alugado, um veículo comum, do outro lado da rua.

O irmão continuava muito calado, apenas observando a movimentação da rua e economizando nas palavras. Não era o Eujin de costume e Sun sabia o motivo para essa quietude:

— Soube da sua namorada… — o mais novo começou cauteloso — Jung me contou de quem ela era filha e que irá se casar… com outra pessoa.

— Vocês dois falam demais — Eujin resmungou sem tirar os olhos da entrada do prédio.

— Ela estava te enganando?

— É o que parece não é, Sun? Acho que não quero falar sobre isso — ele suspirou. O assunto doía demais dentro dele, ainda mais por ela não ter retornado suas ligações.

— É que… estive pensando no que conversamos no outro dia… já pensou que ela realmente pode estar sendo obrigada a casar com esse cara? — Eujin o mirou com curiosidade — Pode estar acontecendo com ela a mesma coisa que aconteceu com Yun Mi. Eu acho que a mesma coisa que aconteceu com a senhora Chang Ru, a senhora Ah Ra, nossa mãe e… talvez até a mãe  do Gun… Isso é tudo, sei lá, muito idiota.

— Por que está pensando nessas coisas? — o irmão questionou o outro, ainda curioso. Ele próprio chegara a algumas daquelas conclusões dias antes, quando a verdade sobre a mãe de Shin veio à tona, contudo, era interessante ver seu irmão caçula trilhar seu raciocínio para o mesmo desfecho. Há apenas alguns meses, Sun só sabia resmungar da vida ou jogar videogame.

— Porque… — ele parou um instante para rearranjar seus pensamentos — Não quero me casar por obrigação. Nem desejo isso para nenhum dos nossos irmãos. Não desejei isso para Yun Mi também. Ela deveria ter se rebelado.

— Eu te entendo, é tudo muito estúpido. Taeyang ofereceu ajuda para ela no dia do casamento, mas nossa irmã tem um longo caminho para lutar contra o orgulho ainda, o que não significa que não podemos continuar estendendo a mão… Uma hora, pode ser que Yun Mi pegue.

— Humm… você está certo. Fiquei impressionado por ela não ter demitido o funcionário que foi ameaçado por Gun.

— Eu também. Para lá de impressionado — os irmãos riram de leve daquele “grande absurdo” — Mas e você e Doh Hea? Como estão?

— Tudo na mesma… Ela disse que devemos ser amigos e só.

— Vai desistir simplesmente?

— Não posso forçar ela a nada — o tom estranhamente amargurado — Sempre fui um estúpido e tratei a Hea muito mal a vida inteira. Ela tem razão. Não posso ir de contra isso…

— Eu entendo, e concordo. Mas não acho que você deveria desistir…

— É… Talvez…

Sun tinha outras questões dentro de si e precisava aproveitar o momento de privacidade com seu irmão para trazê-las à tona. Na rua, um homem do mesmo porte físico do engenheiro entrou pela portaria do prédio, mas, ao olharem mais atentamente, se tratava apenas de alguém semelhante.

— E Gun? Acha que ele tem salvação?

— Você está fazendo perguntas difíceis demais hoje, menino Sun. Lembre-se que estamos aqui porque, ao que tudo indica, ele entregou o projeto da própria empresa para os concorrentes…

— Que droga, Eujin! Nós somos todos irmãos. Como ele pôde fazer algo desse tipo?

— Seja filho da senhora Min-joo por quase trinta anos e descubra. Shin passou a vida perturbado por causa dela. Gun se transformou num projeto de sociopata e Jung só não se tornou igual porque aquela mulher já tinha um filho para direcionar toda a frustração do fim do casamento com papai.

“Eu estou falando demais aqui. Não sei de nada, na verdade. Quando chegamos à família Wang, metade do estrago estava feito por nosso avô e o nosso pai. Só digo o que eu observo. Não posso ser tão otimista, por exemplo, e dizer que Gun um dia vai se relacionar conosco igual estamos fazendo agora.

"Quero dizer, mesmo com toda essa maluquice de CEO’s imposta pelo nosso pai, no fim acabamos conhecendo melhor a dedicação com que Taeyang leva a empresa. E nada me fez tão feliz nos últimos anos do que o retorno de Shin e o modo como ele está se aproximando de nós”.

— Eu concordo. Shin retornar foi a melhor coisa que aconteceu nos últimos tempos. Fiquei com medo de não voltar a vê-lo de novo quando ele sumiu por aquelas duas semanas. Ainda bem que ele voltou… Ha Jin deve ter ficado desesperada…

— Ha Jin? — Eujin encarou o mais novo, surpreso.

— É disso que estou falando — Sun esboçou um sorriso fatigado — Ele merece estar tranquilo com a garota que gosta. Ha Jin é uma menina para lá de legal e eles não deviam namorar escondidos pelos arbustos da mansão, escondendo tudo de todos, como se estivessem cometendo um crime. Além do mais, acho que Jung já esqueceu a paixonite besta que tinha por ela.

— É, você está mais do que certo — Eujin concordou depois de sorrir consigo refletindo o quão ineficientes seu irmão e sua amiga eram em esconder seu romance — Sejamos otimistas. Vamos nos empenhar em provar a inocência de Shin por hora… Pensamos no futuro quando… quando for necessário.

— Olhe ele ali! — Sun exclamou interrompendo a conversa e apontando para a calçada.

De roupas escuras, óculos e capuz, Jo Han Rok deixou a portaria do seu prédio e, olhando com desconfiança para todos os lados, entrou em um carro estacionado há apenas alguns metros de onde os herdeiros Wang vigiavam.

Sun e Eujin se encolheram nos bancos, aguardando o homem entrar no próprio veículo sem perceber que estava sendo vigiado e, sorrateiramente, começaram a segui-lo pelas ruas.

Devido às vias estreitas naqueles arredores da cidade, a perseguição quase se transformou em outro fracasso. Eujin precisava se manter afastado para que o engenheiro não os notasse ao mesmo tempo em que não poderia perdê-lo de vista.

Em um cruzamento confuso e caótico mais a frente, os garotos foram obrigados a parar atrás de uma minivan para não levantarem suspeitas ao carro de Jo Han Rok, parado em frente a um mercado de peixes, buzinando impaciente ao aguardar alguns pedestres distraídos atravessarem a faixa.

Para compensar a distância tomada do outro veículo no meio desse atraso, por pouco não provocaram um acidente com um ônibus urbano na próxima avenida.

O homem de Nam Seong seguia veloz pela rodovia agora. Era questão de tempo, os irmãos ansiavam, para que aquela prova definitiva da culpa de Gun e do envolvimento da Busan Yong Motors fosse conquistada.

Finalmente, passados quarenta minutos de viagem, o carro do engenheiro começou a diminuir a velocidade nas regiões menos habitadas da cidade até parar na encosta do rio, entre o matagal. Eujin e Sun pararam muitos metros atrás e desligaram o motor. Aguardaram Jo Han Rok sair do carro e descer o barranco em direção às margens.

— Eu vou lá — Sun tirou o cinto de segurança e pegou o celular do bolso.

— Deixe que eu vou, é perigoso — Eujin tentou poupá-lo.

— Não fique muito preocupado, maninho. Serei cauteloso. Se ele estiver com o velho, tiro uma foto e volto para cá o mais rápido possível. Alguém precisa ficar na direção caso a gente tenha de sair logo e eu não sou o melhor nisso.

— Tá… tenha cuidado…

Sun desceu do carro o mais silenciosamente que conseguiu e partiu no encalço de Jo Han Rok que havia descido pelo barranco. Se escondendo atrás do mato seco devido ao inverno, se manteve parcialmente curvado e espiou com cautela encosta abaixo, as margens do rio.

Um homem baixinho e de cabelos brancos ao lado de um rapaz alto e forte com roupas sociais aguardava a descida do engenheiro para, em seguida, cumprimentá-lo calorosamente.

Enquanto os dois se curvavam, Sun, eufórico por reconhecer Nam Seong, preparou a câmera do celular e enquadrou os dois culpados na mesma foto. Aproveitou muitos ângulos comprometedores, focando nos rostos dos cúmplices em todas as oportunidades.

Estava terminando a interessante sessão de fotos incriminadora quando o celular começou a tocar BTS no último volume. Um colega de faculdade estava ligando e ele esquecera de silenciar o aparelho.

Jo Han Rok e Nam Seong viraram as cabeças na direção do som e Sun não ficou lá para saber o que os homens fariam a seguir. Correndo de volta para o carro, pulou no banco do passageiro e pediu para o irmão acelerar para longe o mais rápido que conseguisse.

Eujin achou que não cabia contar a parte da conversa entre Sun e ele dentro do carro, então contou a partir do momento em que identificaram o engenheiro e começaram a segui-lo. Terminado seu relato, Taeyang remexeu na pasta a sua frente de novo e colocou as fotografias capturadas pelo Wang caçula na frente de Shin.

— Não havia mais dúvidas de que foi através de Jo Han Rok que a Busan Yong Motors conseguiu os detalhes do P02. As informações começaram a vazar desde muito antes do roubo do relatório, considerando que nós só tiramos esse homem das reuniões particulares do projeto algum tempo depois de Eujin assumir o cargo. Deveria faltar algum detalhe com o relatório roubado, mas o grosso eles certamente já possuíam.

— Uma pena que não tenha adiantado nada eu afastá-lo… — o rapaz reclamou chateado.

— Mas você seguiu a sua intuição e tentou estancar o sangramento até onde conseguiu, Eujin. Isso é o suficiente — Taeyang o tranquilizou. Jung e Yun Mi concordaram com acenos de cabeça. Shin continuava compenetrado nas fotografias, incutindo mais revolta por permitirem aquele espião entre eles.

— Digam que vocês pararam de ficar se arriscando para provar minha inocência? — enfim comentou — Nosso pai sempre disse que esse homem era um criminoso. Vocês deveriam ter deixado as coisas nas mãos de um investigador ou… simplesmente manter como estava.

— Shin, não nos tome por covardes,por favor. Somos Wang. Nós mesmos precisávamos arregaçar as mangas para desfazer essa injustiça que não manchava somente seu nome, mas o de todos nós — Yun Mi respondeu com um sorriso cansado.

— Agora nós havíamos conseguido uma prova visual — o CEO prosseguiu — O dono da concorrência tinha um funcionário infiltrado aqui dentro… só que faltava uma última coisa. Nós tínhamos de alinhar Gun no meio disso tudo e precisávamos de uma confissão.

— O que andaram fazendo sem eu saber? — Shin perguntou, desconfiado.

— Conseguimos o que faltava para confrontar o principal responsável pela crise da Wang S.A. — Taeyang respondeu e então começou a narrar a última lembrança.                    

Yun Mi alinhavou pela última vez o botão do paletó do irmão se certificando de que a minúscula câmera fora bem posicionada na roupa dele. Nunca havia pego em uma agulha de costura, mas se sentiu na obrigação daquela tarefa e o fez perfeitamente.

— É isso — a garota terminou sua parte se afastando um passo para avaliar o trabalho.

— Fique parado um instantinho, Taeyang, preciso conferir se a transmissão está rodando corretamente — Eujin pediu sentado na escrivaninha, analisando a captura da gravação em seu notebook, Sun ao seu lado — É, vai dar certo.

— Onde conseguiram esse equipamento todo? — Na Na perguntou, apreensiva, os braços cruzados, no canto do escritório, observando o movimento dos irmãos.

— Coisa do Eujin. Ele tem uns amigos meio esquisitos — Taeyang comentou sorridente para a namorada. Percebia o nervosismo dela e tentava descontrair o momento ao mesmo tempo em que buscava não transparecer sua própria ansiedade.

— Tem certeza de que eles não vão conseguir enxergar que você está gravando? — a moça insistiu.

— Você consegue? — ele virou-se para ela e balançou os braços querendo parecer divertido — Para todos os efeitos, é só um botão. Fique tranquila, tudo bem?

— Ele vai voltar inteiro para você, não se preocupe. Meu irmão é muito esperto — Yun Mi argumentou casualmente para Na Na, despertando o espanto da moça. A jovem, entrementes, não estava interessada em se enveredar por tal assunto. Muito mais engajada na missão, perguntou aos irmãos mais novos — E a que distância teremos de ficar da câmera, Eujin?

— Apenas se mantenham estacionados diante do edifício que a captação é garantida. Já mostrei os comandos principais do programa para Sun, ele é melhor que eu nessas coisas de informática.

— Eu posso subir sozinho — Taeyang voltou a persistir. Seu sonho era os mais novos não serem tão teimosos e o deixarem completar a última etapa sozinho.

— Não, eu vou subir com você — Eujin rebateu — Posso ser um fracote, mas se alguma coisa acontecer, somos dois lá em cima, e não um.

— Nada vai acontecer. Estou disposta a chamar a polícia caso os ânimos se exaltem — Yun Mi retorquiu peremptoriamente.

— Vamos com calma, minha irmã… Polícia é a última coisa que queremos. Combinamos que somente envolveríamos a lei nisso depois de estarmos todos unidos e de acordo.

— Tá bem, tá bem. Só estou avisando — ela revirou os olhos.

— Hora de ir! Já estamos quase no horário combinado com o velho ladrão — Taeyang finalizou o assunto de uma vez.

Enquanto os mais novos iam guardando o notebook e Yun Mi pegando sua bolsa, Na Na encarava angustiada seu namorado ir de encontro à perigosa tarefa. Não queria nem pensar se o criminoso Nam Seong suspeitasse que eles estavam se esforçando para incriminá-lo.

— Fique bem — ela disse baixinho para ele assim que seus olhos se encontraram.

— Confie em mim — ele respondeu com outro sussurro.

— Ah, por favor, se abracem logo e vamos — Yun Mi intrometeu-se, querendo apressar o namorico velado e embarcar na missão final.

Na Na não esperou uma segunda ordem. Aflita, venceu a pequena distância que havia entre ela e Taeyang e o abraçou forte pelo pescoço. Em seu ouvido, voltou a pedir para que ele tomasse cuidado e retornasse seguro para seus braços.

— Nossa… Eles também? — Sun franziu o cenho, chocado, descobrindo mais um casal.

Na tarefa em duplas, enquanto Yun Mi e Sun monitoravam do lado de fora pelo notebook, Taeyang e Eujin entraram no hall do grande edifício da Busan Yong Motors e encaminharam-se para o balcão central anunciando suas presenças.

Nam Seong fez questão de dar um chá de poltrona para os herdeiros Wang, deixando que estes esperassem pelo menos quarenta minutos até que uma secretária surgisse e pedisse para que a acompanhassem para a companhia de seu patrão.

No décimo oitavo andar do arranha-céu, eles finalmente puderam saltar do elevador e entraram no grande escritório, que mais parecia a sala de um milionário excêntrico, onde o velho gângster aguardava-os em sua larga poltrona.

— Bom dia, cavalheiros! — o homem se levantou de seu conforto e curvou-se demoradamente ao cumprimentá-los. Nem Eujin, muito menos Taeyang, se deram ao trabalho de participar da encenação. Dois seguranças de aspecto ameaçador olharam para os rapazes, carrancudos, enquanto seu chefe retornava para a poltrona — Se importam se meus funcionários revistarem os dois?

— Acho bastante ofensivo visto que somos empresários do mesmo ramo — o CEO da Wang S.A. respondeu afiado.

— São as minhas condições para essa reunião. Nós ficamos cautelosos depois de uma certa idade.

— Faça como quiser — ele ergueu os braços e afastou as pernas para que os seguranças conferissem. Eujin, taciturno, imitou o irmão.

Terminada a revista, a câmera no botão ainda escondida seguramente debaixo dos olhos de seus inimigos, Nam Seong ofereceu:

— Sentem-se, por favor. Vamos fingir que essa revista não aconteceu. Negócios são só negócios  — eles aceitaram, queriam o homem bem à vontade e na frente da câmera para confessar seus crimes — Qual o motivo dessa visita, Wang…

— Taeyang. Eu sou o CEO interino.

— Ah, sim, vocês são tantos que até me perco nos nomes. E este é seu irmão, suponho… Wang?

— Eujin — falou sem muita vontade de entrar em detalhes.

— Eujin e Taeyang. Podem começar — Nam Seong sorriu falsamente para os filhos de Hansol — Querem uma bebida antes?

— Não, só queremos saber como o senhor conseguiu infiltrar o seu engenheiro na nossa empresa — o rapaz não fez rodeios. Embora seu coração estivesse acelerado e suas mãos suadas por aquele encontro, sua mente nunca estivera tão limpa, tão afiada de convicções.

— Começaram as acusações? — o dono da Busan Yong Motors riu.

— Paramos com esse joguinho por aqui — Taeyang sacou as fotos que Sun havia conseguido e as expôs na mesinha de centro, entre eles. Nam Seong deu apenas um breve olhar para as fotografias, contudo não se abalou em nada. Ou, ao menos, não demonstrou.

— Estão empenhados, não é mesmo? — o velho rosnou — O que devo entender disso? É uma ameaça?

— Vim buscando uma resposta para minha pergunta. Vou refazê-la — os seguranças fitavam tensamente os herdeiros. Eujin se mexeu com desconforto em sua poltrona — Quem colocou Jo Han Rok dentro da Wang S.A.?

— Vocês sabem a resposta.

— Quero que nos diga. Conte tudo. Não vou sair daqui enquanto o senhor não me der uma resposta satisfatória.

O velho criminoso coçou a testa, desconfiado. Seu olhar astuto tentava ler as expressões de Taeyang e descobrir suas reais intenções. Ele era irmão do outro, o desesperado, porém tinha uma sagacidade diferente no olhar.

Aquele sim, Nam Seong pensou, era capaz de mover mundos pelo que queria, bem ou mal, o caminho a ser seguido só dependendo das escolhas que ele mesmo fizesse. O que havia feito o acordo com ele, esse não, se tratava de um garoto bem mais fraco.

— Nenhum de vocês, Wang, sairão vitoriosos disto. Se a verdade for a público, vou arrastar seu irmão junto e a empresa nunca mais se recuperará de tamanho escândalo.

— Sabemos disso — o rapaz concordou — Mas não podemos deixar nosso pai descansar em paz enquanto não escutarmos da sua boca…

— Querem que o velho Hansol termine seus dias em desgosto?

— Não posso deixar meu pai morrer sem saber quem meu irmão é.

— Você me convenceu — Nam Seong riu prazerosamente. Conseguia ver seu antigo rival morrendo de desolação ao descobrir sobre a cobra que havia criado — Wang Gun me deu carta branca para infiltrar Han Rok na empresa. Ele queria o motor perfeito, que sempre foi nosso forte e, em troca, entregaria detalhes do novo projeto. Muito ingênuo, o garoto… Em determinado ponto, ele tentou voltar atrás, passar a perna em mim, mas, como devem imaginar, o peixe morre pela boca. O resto foi fácil, afinal, nunca vi uma família tão desunida quanto vocês, os Wang.

Taeyang guardava o vídeo da confissão do velho Nam Seong em seu celular, Havia uma cópia em seu computador. Ele poderia mostrar o homem dizendo novamente a verdade, quase cantarolando de prazer ao contar, contudo Shin aparentava repulsa por tudo que escutara e não precisava assistir àquilo. Desconfortável, o motoqueiro se remexeu em sua poltrona e respirou fundo.

— O que a gente faz agora? — fora Jung quem perguntara — Vamos mostrar isso ao papai? Ele merece mais esse desgosto? Qual seu próximo passo, Taeyang?

— Embora eu seja o CEO, não posso decidir nada sozinho — Taeyang argumentou, suas olheiras resultantes de noites em claro pensando no dilema ficando evidentes à luz artificial da sala — Nós temos de chegar a um acordo — e olhando para seu relógio de pulso completou — Mas não sem antes falarmos com ele.

Shin ergueu a cabeça para o irmão, intrigado. De repente, ao longe, no longo corredor deserto, as portas do elevador deslizaram e anunciaram que alguém acabara de chegar no andar.

— Você o chamou aqui? — Yun Mi, tensa, perguntou ao CEO.

Os seis Wang voltaram seus rostos para a porta da sala de reuniões, encarando a entrada com apreensão, aguardando a chegada do sétimo irmão.

Gun cruzou a soleira já armado de sua pose rígida, devolvendo o mesmo fitar desconfiado para os outros filhos do seu pai. Se aproximando, em passos vagarosos para a grande mesa, perguntou:

— O que esse traidor está fazendo aqui? — apontou para Shin, que fechou os olhos e cerrou os punhos — O que é essa palhaçada de reunião noturna?

— Gun, pare com isso tudo de uma vez por todas — Jung pediu a ele. A voz do garoto nunca soando tão esgotada.

— Eu não estou dando mais confiança para você, Jung. Percebi que escolheu o lado deles, portanto, automaticamente, está contra mim…

— Não existe mais essa droga de lados! — Taeyang exclamou se exasperando, batendo a mão no tampo da mesa — Você destruiu o trabalho de um ano, Gun. Destruiu a chance de papai ter uma última alegria antes de partir. Agora chega. Chega! Admita que foi um grande filho da puta nos últimos meses!

— Um grande cretino a vida toda — Yun Mi resmungou sorrindo sem vontade com sua conclusão.

Gun recuou um pouco para enxergar o bando mais atentamente. Seu instinto de sobrevivência apitou que algo ia muito mal ali.

— O que vocês estão insinuando? Quem são vocês dois, filhos daquela velha aproveitadora que se agarrou ao pai a vida inteira e depois o abandonou, para me xingarem?! E você, Yun Mi, que já aprontou mais maldades do que o número de funcionários desse prédio, pode falar de mim? Jin In não colocou nenhum freio nessa sua boca grande ainda?

Yun Mi se levantou da poltrona como um trovão e pulou em cima do irmão mais velho, as unhas compridas tentando arranhar o rosto dele.

— CALA A BOCA, SEU NOJENTO! — gritava.

— Sai pra lá, sua maluca! — Gun empurrou a irmã sem nenhuma delicadeza. Ela se desequilibrou para trás e caiu sentada no chão, batendo as costas e a cabeça contra o móvel.

O sangue de Shin terminou de ferver ao ver a cena e, erguendo-se com sua raiva, agarrou Gun pelo colarinho da camisa e o chacoalhou. Com o punho direito preparando-se para golpeá-lo, escutou Jung gritar desesperado:

— Parem todos vocês! Só sabem resolver as coisas na violência por aqui?!

— Eu sou o saco de pancadas oficial dos nossos irmãos. Você não tem o direito de tirar esse prazer deles, Jung — argumentou Gun, sorrindo instigador para Shin, que ainda o segurava, o punho suspenso no ar tremendo em sua ira.

— Por que me odeia tanto? — Shin quis saber.

— Por que eu preciso de algum motivo?

— Shin, solte ele — Sun pulou do aparador e se intrometeu entre os dois empurrando gentilmente o mais velho para longe — Hoje vamos resolver as coisas na conversa.

— O que querem? Digam logo que me enoja olhar muito tempo para suas fuças.

Taeyang observou Jung terminar de ajudar Yun Mi a se levantar para continuar. A garota olhou fuzilando o outro irmão, mas ele estava mais interessado em escutar as palavras que iam sair da boca do CEO interino do que devolver o fitar rancoroso dela.

— Nós queremos saber por que você entregou o P02 de bandeja para Nam Seong. Não adianta mais esconder nada…

Gun hesitou por um instante e, então, encontrou novo fôlego para rebater:

— Que história é essa agora? Eu já não disse que foi esse bastardo imundo? Como eu, que estava dando meu sangue nesse projeto, posso ter entregado tudo na mão da concorrência? Não está mais do que claro que a coisa toda desandou depois que o filho da governanta reapareceu?

— Não, não está! — Eujin se impacientou socando a mesa — Pára de negar a verdade, seu mentiroso.

— Estão todos arregaçando as mangas contra mim, pelo visto — ele argumentou transparecendo uma leve tensão — Cadê as provas, seus imbecis? Eu trouxe as minhas naquela reunião. Cadê as de vocês?

— Você sabia que Jo Han Rok, o engenheiro que você colocou no meio de nós, era um capanga daquele bandido, Gun — Taeyang continuou — E soube também que seu plano saiu do controle quando eu fui agredido aqui e o relatório levado. Temos a fita recuperada daquele dia e o engenheiro aparece saindo com a documentação toda após me espancar.

— E temos também a confissão de Doo Chul sobre como você chantageou um pai de família sem esperanças para fazê-lo dizer que Shin estava colocando gente desconhecida na fábrica — Eujin endossou.

— Além do mais, eu tirei fotos de Nam Seong com Jo Han Rok há algumas semanas, o que prova que eles nunca foram ex-patrão e funcionário — Sun contribuiu.

— Todos vocês acumularam um monte de lixo — Gun deu de ombros. Por dentro, entretanto, sentia a corda esticando mais e mais — Posso refutar qualquer um desses argumentos.

— Claro, só precisa de tempo para correr atrás de novas testemunhas compradas ou coagidas — Yun Mi cutucou.

— Fiquem aí nessa reunião feliz de vocês, me acusando como bem entenderem. Eu vou embora.

— Gun — Taeyang chamou-o quando ele tinha virado as costas para todos e se encaminhava para a porta. Erguendo seu celular, mesmo que a contragosto, preparou o vídeo e deu play — Por quê?        

"— Querem que o velho Hansol termine seus dias em desgosto?

— Não posso deixar meu pai morrer sem saber quem meu irmão é.

— Você me convenceu — Nam Seong riu prazerosamente — Wang Gun me deu carta branca para infiltrar Han Rok na empresa. Ele queria o motor perfeito, que sempre foi nosso forte, e em troca entregaria detalhes do novo projeto. Muito ingênuo o garoto… Em determinado ponto ele tentou voltar atrás, passar a perna em mim, mas, como devem imaginar, o peixe morre pela boca. O resto foi fácil, afinal, nunca vi uma família tão desunida quanto vocês, os Wang."

Shin não tirou os olhos de seu irmão mais novo nem por um segundo. Primeiro, porque muito lhe aborrecia ver a cara do velho gângster se vangloriando para a câmera escondida; Segundo, porque precisava entender se existia alguma humanidade dentro dele. As palavras proferidas há apenas alguns minutos pelo outro “Por que eu preciso de um motivo?” o incomodando por dentro.

Deste modo, Shin viu a desesperança colidir numa batida a cem por hora contra a confiança de Gun ao ser confrontado com a prova maior. E ele finalmente parou de negar.

— Você vai contar para o papai? — foi sua pergunta a Taeyang. A mão, inquieta, subiu para os cabelos negros e desceu novamente. Os dedos tremiam.

— Temos alguma outra opção?

Eles acharam que Gun ia recuar. Pareceu aos irmãos, por um momento, que o filho de Min-joo imploraria pelo silêncio. Então ele se recuperou, nadou o máximo que conseguiu para não se afogar no mar de vaidade que havia dentro dele, e respondeu:

— Vocês podem fazer o que quiserem. Eu não ligo. Eu odeio cada um de vocês. Eu odeio nosso pai. Odeio essa empresa. Odeio esse sobrenome. Odeio tudo o que envolve os Wang.

— Gun! — Jung tentou correr atrás do irmão, que partia rapidamente, quase correndo, para a saída — Volte aqui, irmão. A gente precisa conversar…

— NÃO TOCA EM MIM — o mais velho berrou, aplicando um soco confuso no garoto e saindo de uma vez por todas da sala.        

Jung parou, levou a mão ao nariz e viu um filete de sangue escorrendo, manchando seus dedos de vermelho. Seu rosto não doía. Seu coração sim.

A primeira coisa que passou pela cabeça de Gun assim que deixou o edifício da Wang S.A. envolvia sua mãe. Ele precisava estar com Min-joo e escutar que tudo poderia ser diferente, que uma chance existia se a mulher encontrasse seu pai antes dos irmãos e falasse com jeito, convencesse Hansol de que as intenções de Gun nunca foram para destruir a empresa.

Min-joo não era uma mãe perfeita, ele sabia, mas ela valorizava suas qualidades. Não olhava com desprezo ou descaso para o filho, imaginando o que seria de sua vida se não o tivesse concebido.

Hansol sim, muitas vezes dedicou justamente esse olhar para o jovem Gun e, tantas outras favoreceu Shin em carinhos e zelos, em sorrisos e abraços, que eram meros restos quando chegava a vez do seu terceiro menino os ganhar.

Tudo aquilo não tinha importância mais. Gun era um adulto e não lhe faltava o carinho de um velho moribundo, prestes a partir do mundo. Ele buscaria seus direitos de outra forma, se tornaria o dono do patrimônio Wang mesmo percebendo que o caminho estaria mais complicado agora.

Ele esperaria o pai morrer e expulsaria Shin da mansão, os irmãos mais novos também. Quanto a Taeyang, o sempre auspicioso Taeyang, manteria debaixo de suas vistas e o humilharia diante de Na Na para que ela entendesse que o homem que havia escolhido era somente um covarde e que ela fizera uma péssima troca.

Eram bons planos, uma boa vingança, mas primeiro ele precisava conversar com sua mãe.

Sem que percebesse, costurando o trânsito feito um maluco dentro de sua Lamborghini, o rapaz chegou em frente ao apartamento da senhora Yoon Min-joo. Estacionou na garagem tão logo teve sua passagem permitida no ostentoso prédio e subiu de elevador para o andar em que ela residia. A mulher o aguardava na porta da residência.

— O que está fazendo aqui a essa hora? — perguntou ao ver o filho. Eles não se falavam desde o dia da discussão no hotel, um clima frio entre os dois ainda no ar.

— Eu preciso contar algo à senhora — Gun passou por ela e entrou no apartamento.

Min-joo olhou desconfiada para a sua cria, fechou a porta novamente e o acompanhou para o centro do cômodo, na sala. O filho se sentou no sofá, mas não relaxou. As pernas balançando e as mãos inquietas o tempo todo. Esperando a mulher se aproximar

— O que aconteceu? — a mãe lhe perguntou se mantendo em pé.

— Eu fiz uma coisa… — ele começou — Era para o bem da empresa, claro, e para me beneficiar na linha de sucessão como CEO. Nós precisávamos de um motor mais avançado, como expliquei para a senhora há um tempo e…

— O que você fez?

— Calma, estou contando.

— Encurte o assunto e vá para o ponto principal, Gun. O que você fez para estar tão inquieto?

Gun levantou do sofá outra vez. Caminhando de um lado para o outro em frente à janela, percebeu que estava se comportando como um garotinho de cinco anos prestes a contar sobre um objeto que havia quebrado enquanto brincava.

— Jung ligou para a senhora?

— Por que Jung ligaria para mim? O que você fez, seu cretino?

Gun olhou para a mãe com atenção. Seu rosto era uma máscara de tensão e sua voz soou estranha, do mesmo modo como ela sempre se dirigia a Shin.        

— Eu… Eu…

— FALE, GUN!

— Eu acabei ajudando a concorrência a roubar o projeto do carro novo — disse de uma vez.

Min-joo cruzou os braços, semicerrou os olhos e caminhou de encontro ao filho, ficando ligeiramente surda com o que acabara de escutar. Para ter certeza de que ouvira direito, pediu para ele repetir:

— O que você disse?

— Eu fui enganado. A Busan Yong Motors tomou o projeto porque fui enganado.

Um tapa subiu sem aviso prévio e acertou o rapaz em cheio no rosto. A mãe continuou avançando para ele, os olhos flamejantes de indignação, enquanto ele recuava sem fitá-la e segurava um terrível nó na garganta aguentando a retaliação.

— Não posso acreditar no que estou escutando. Não foi o bastardo da empregada quem traiu seu pai? Foi você?

— Eu não o traí…

— Cala a boca — ela lhe deu outro tapa. Gun recuou mais um passo para trás. Seu coração estava acelerado. Ele queria revidar, queria gritar, mas, ao mesmo tempo, queria ficar bem quieto e esperar a raiva da mãe acabar para que ela pudesse perdoá-lo — Como você pôde fazer algo assim comigo?

— Não fiz nada com a senhora — acabou rebatendo — Estava tentando chegar onde a senhora queria, apenas isso.

— Então a culpa é minha? — Min-joo se afastou rindo alto e caminhando na direção do bar. Em cima do balcão, um copo de uísque já estava pela metade.

— Mãe, eu estou dizendo que…

— Mãe? Vai continuar me chamando de mãe?

— Como assim? — ele estava confuso.

— Eu não sou sua mãe. Eu não pari um imbecil, não pari um incompetente e, certamente, não pari um traidor — ela o informou com superioridade — Nunca poderei olhar nos olhos de Hansol e dizer que você é meu filho outra vez.

"Estou envergonhada porque o filho da governanta realmente tem mais valor que você. Agora vejo que ele tinha motivos para ser bajulado por Hansol enquanto esse miserável que eu criei, dei amor, estudo e ambições, somente me deu decepções."

Gun estava chocado. Era inacreditável que sua mãe estivesse glorificando Shin e, em total oposto, o chamando dos nomes que reservara para adjetivar o bastardo. Ele não era o filho ilegítimo criado como o primogênito de Min-joo. Gun era seu verdadeiro filho e merecia amor e compreensão no momento.

— Se a senhora conseguir conversar com o papai…

— Eu nunca vou falar com Hansol — ela jogou o copo com uísque na direção dele, que desviou do ataque ainda mais atônito — Nunca mais vou dedicar minhas energias para te fazer subir na empresa — atacou a garrafa, agora, contra ele — Jamais você me verá movendo uma palha para te ajudar, seu merdinha imbecil!

— Mãe!

— Saia daqui! — a mulher pegou outra garrafa cheia da prateleira e ameaçou lançar sobre o rapaz — Vamos, saia da minha casa agora — o acuou para a porta principal.

— Mãe, vamos conversar… Sei que a senhora está zangada e entendo…

— SAI! — Min-joo urrou, jogando o objeto aos pés dele. A garrafa quebrou ao colidir contra o chão e ensopou a barra das calças de Gun com a bebida. Ele abriu a porta do apartamento, assustado ao vê-la agarrar um elefante de pedra que enfeitava o aparador do hall.

— Você não pode me tratar assim — ele quis rebater.

— Eu te trato como quiser e como o lixo que você é, seu bastardo imundo — ela se preparou para arremessar o bibelô contra o filho. Gun, em um reflexo de proteção, terminou de sair do apartamento e colocou a porta como escudo entre ele e a mãe. Min-joo correu para a maçaneta e puxou-a para que o trinco se encostasse, trancando o rapaz do lado de fora.

— Mãe? — Gun tentou puxar a porta e abri-la de volta.

— Não apareça na minha frente nunca mais.

— Mãe, abre a porta, por favor — ele exigiu com a voz mais ríspida, forçando a maçaneta.

— SUMA, SUA PRAGA! — gritou da sala.

— Mãe, pára. Vamos conversar com calma — tentou puxar de novo a maçaneta, mesmo sabendo que já estava firmemente atada — Mãe? Mãe?

— VOU CHAMAR A POLÍCIA, GUN!

— Mãe, por que está me tratando assim? — ele se exasperou — Sou eu. Eu entendo sua raiva… Pode abrir, por favor? Mãe? Mãe?

Min-joo havia parado de lhe responder.

— MÃE?! — ele gritou chutando a porta — Abre essa porta, agora! Abre… — mais chutes e ombradas contra a madeira sólida.

Em seu âmago, Gun sentia que algo muito importante de sua essência estava se afastando. Sua mãe estava partindo. Ela era seu porto seguro, sua âncora, a única forma de amor que ele havia conhecido. Não poderia perdê-la por um erro tão estúpido. Algo que ele certamente consertaria logo, se tivesse algum tempo.

— Mãe, só abre essa porta — continuou exigindo, embora agora suas ordens começassem a se tornar lamentos — Mãe… Mãe… — bateu com os punhos sem se importar que estivesse machucando-os — Por que está fazendo isso comigo? — algumas lágrimas rolaram por seu rosto e Gun as espantou como se espanta mosquitos — Tenho que encontrar uma solução — começou a chorar de verdade, não conseguia mais controlar o sofrimento. O silêncio dela era mais doloroso que seus xingamentos — Sou seu filho, mãe, eu preciso da sua ajuda… — soluçou — Não me abandona, mãe. Por favor, não me abandona… — deslizou para o chão, os olhos completamente afogados em lágrimas, o corpo todo tremendo.

Quem olhasse de longe, naquele corredor, não encontraria o implacável Wang Gun, o terceiro filho de Hansol. Veria, em seu lugar, apenas um garotinho se afundando em um poço escuro e vazio, tão solitário quanto uma pequena ilha perdida no meio do oceano.

Se Go Ha Jin fosse a pessoa a enxergar o desespero do rapaz como uma mera expectadora, veria ainda mais. Ela enxergaria o rei Wang Yo se afogando em sua própria frustração, segundos antes de morrer abandonado, sem amor e sem irmãos.

O elevador se abriu ao fim do corredor e dois seguranças, alertados pela própria Min-joo, caminharam em direção ao herdeiro para interromper a confusão armada. Gun se levantou tropegamente, empurrou os homens para longe na base de ofensas e saiu rumo às escadas, o olhar cada vez mais marejado, tentando enxergar os degraus.

No estacionamento, deixou a chave cair de sua mão duas vezes antes de entrar no carro. Arrancou de vez do prédio da mãe, chorando e se balançando no banco do motorista, acelerando imprudentemente pelas avenidas centrais enquanto tentava descobrir uma forma de se livrar da culpa.

Não havia mais opções. Os irmãos contariam, a mãe não falaria em seu favor e ele só teria sua palavra contra uma gravação em vídeo de Nam Seong lhe acusando.

O automóvel tomou a rodovia vicinal que conectava dois distritos da cidade. Distraído com suas agruras, Gun permitiu que o veículo esporte ganhasse velocidade entre os poucos carros na via ao afundar o pé no acelerador.

O pai saberia pela boca dele então… era melhor… ou não. Se descobrisse, de um jeito ou de outro, Hansol faria igual fez com Shin. Não, ele faria pior, porque Gun encobriu a própria mentira e acusou o irmão. Ele o deserdaria. Ele o expulsaria. Ele morreria desejando ódio ao filho. Ele…

Gun se desconectou de seus pensamentos pessimistas ao perceber que, de alguma forma, um caminhão vinha na contramão. A buzina poderosa do veículo maior o trouxe de volta à realidade e fez o rapaz agir.

Com um movimento brusco no volante, conseguiu se afastar daquela colisão, mas a cento e noventa quilômetros por hora, qualquer toque no volante poderia ser suficiente, e foi, para o carro se desgovernar e beijar o acostamento, derrapar e lançar a Lamborghini para o alto…

… E para baixo, outra vez.

***

CENA BÔNUS

Shin cruzou a porta que dava para o seu quarto com aquela terrível sensação de impotência. Todas as coisas que descobrira naquela noite sobre o irmão, as palavras que ele tinha dito, fizeram com que ele meditasse, ao voltar para a mansão, sobre os estragos que cada um deles tinham dentro de si, o sofrimento que eram obrigados a enfrentar por aquela empresa, por aquele nome.

Sentou-se sobre a cama, cansado, os cotovelos apoiados nas coxas, a cabeça apoiada nas mãos. Se perguntou o que seria de Gun dali para a frente, de seu pai, de sua família. Tudo parecia um emaranhado de problemas sem soluções.

Abriu os olhos, ainda naquela posição, os dedos massageando as têmporas, e como um relance, uma pequena chama que brilha em meio às sombras de uma noite sem luz, sentiu-se levemente revigorado ao vislumbrar as duas pontas de seu novo cachecol, o cachecol cinza que havia ganhado de sua avó.

...

— Está tudo bem com vocês? — a senhora perguntou para Shin e Hin Hee quando, finalmente, saíram do quarto da mulher. Os dois, Nyeo Gyung Ho e Hoon Sang, sentados no sofá de frente à TV, disfarçando não estarem ouvindo a conversa sob a janela, pareciam inocentes aos olhos desavisados.

— Estamos bem, mamãe… — Hin Hee respondeu olhando para o filho, lhe ofertando um carinho no braço.

— Então vamos nos preparar para um lanche… — Gyung Ho iniciou o convite, mas Shin o interrompeu.

— Eu sinto muito, mas não posso ficar… Está tarde e bem frio… Preciso voltar para Busan antes que as estradas se fechem.

— Isso é tão arriscado, Shin… — Nyeo Hin Hee falou sentindo-se aflita, preocupada com aquela situação.

— Não se preocupe, Hin Hee, sou acostumado a enfrentar tempos difíceis… Ficarei bem e aviso assim que chegar em casa.

— Peço que faça isso… Agora que te tenho comigo… Não posso…

— Aish… Parem de falar sobre essas coisas — Sang ralhou com os dois, se levantando — O menino já fez isso outras vezes, ele bem disse… Além do mais, ele é um Nyeo. É esperto, forte e destemido. Não acontecerá nada — tapinhas foram dados nas costas do rapaz.

— É isso… — Gyoug Ho concordou, um sorriso oferecido ao neto — E quando volta?

— O mais breve possível, pode esperar…

— Por favor, não se esconda na árvore novamente… Você pode pegar um resfriado forte com esse clima tão frio.

— Sim, senhor. Não vou me esconder.

— Assim que chegar, venha para dentro. Apenas entre e sinta-se em casa, porque esta é a sua casa — a senhora complementou, o coração de Shin transbordando de felicidade.

— Sim, senhora. Preciso ir agora…

— Foi ótimo poder te ver, meu neto, te abraçar e te ter tão perto — o senhor comentou abraçando o mais novo mais uma vez.

— Também estou feliz…

— Volte quando quiser, Shin — Hin Hee comentou também, um abraço apertado em seguida — E tenha cuidado.

— Você é o neto que sempre quis ter. Essa casa é sua, essa família também. Não se sinta só, ou desamparado, nunca… Seus avós e sua mãe estarão sempre aqui, dispostos e preparados a lutar com você e por você.

— Obrigado, senhora — ele respondeu recebendo mais um abraço.

— Antes de ir, eu tenho uma coisa para te dar — a mulher continuou, ausentando-se rapidamente da sala em direção ao seu quarto, voltando em seguida com um pacote nas mãos — Fui eu que fiz…

A mulher tirou um cachecol cinza de dentro do pacote, os olhos brilhantes e uma expressão satisfeita ofertada ao neto. Com carinho, esticou-se um pouco para lhe alcançar o pescoço, Shin ajudando ao abaixar-se também. Ela deu duas voltas com o cachecol ao redor de seu pescoço, ajustando as pontas, olhando-o com orgulho.

— Ficou lindo! — ela comentou — É o seu presente de aniversário, afinal, não se faz trinta anos todos os dias. Sei que já faz uns dias que passou, mas eu sabia que você viria em breve, por isso o guardei. Estava esperando que viesse buscar… Use-o sempre. Mantenha seu pescoço aquecido para evitar resfriados. Este Janeiro está muito frio.

— Eu… Er… Obrigado. Eu gostei muito — Shin comentou, os olhos novamente embargados.

— Sei que sim. Agora vá. E volte o quanto antes.

...

Deslizando os dedos sobre o pedaço de tricô que envolvia seu pescoço, Shin retornou daquelas lembranças felizes, uma batida à sua porta.

— O que faremos agora, irmão? — era Eujin, desolado como os demais, jogando-se sobre a cama do irmão, cansado de todas aquelas situações — O que vamos fazer com Gun?

— Acho que devemos nos preocupar com o que Gun irá fazer… Já ficou tudo decidido antes de voltarmos para casa, não é?

— Mas Gun não sabe… Ele foi embora e…

— Mas nós já resolvemos. Não se preocupe, tudo vai terminar bem, de alguma forma…

— Irmão… — a voz de Taeyang se fez ouvir do outro lado da porta e, em seguida, ele entrou no quarto de Shin também. A expressão não estava nada boa.

— O que aconteceu? — Shin perguntou primeiro.

— Gun… Ele sofreu um acidente na estrada.

— O que? — Eujin se sobressaltou — Como assim um acidente?

— Ele estava muito rápido… a polícia disse que o carro capotou.

— Polícia? Como ele está? — Shin, chocado com a notícia.

— Eu não sei… Ainda estão tentando tirá-lo do carro. Ligaram para cá, o número no celular tinha “casa”.

— É nossa culpa? — Eujin perguntou para ninguém em particular, os olhos vermelhos olhando para o nada, a sensação de desespero — É nossa culpa por que não o impedimos de ir embora?

— Eujin, não é culpa de ninguém — Taeyang se aproximou, as mãos sobre os ombros do mais novo — Não sabemos o que aconteceu… Por favor, não se maltrate.

— Tudo vai se resolver, Eujin — Shin complementou, a voz estranhamente tensa.

— Como? Como isso vai se resolver? E se Gun… estiver…

— Não fale isso nem brincando — Taeyang o interrompeu — Gun é forte. Não deve ser nada grave. Não vamos nos desesperar antecipadamente.

— Isso mesmo. Agora vamos embora… Vamos. Vamos encontrá-lo — Shin falou de pronto, levantando-se e se dirigindo para a porta.

— Eu não aguento mais… — era Eujin novamente, o tom choroso — Não aguento mais…

— Precisamos ser fortes, meu irmão. Agora vamos, precisamos avisar aos outros… E a papai.

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Notas finais do capítulo

¹ Kobe refere-se aos cortes de carne do gado wagyu, criado na província de Hyogo, Japão. É considerada uma iguaria, reconhecida pelo seu sabor, consistência e gordura, bem marmorizada. O quilo da carne Kobe pode custar, em média, mil dólares.

² Haejang-guk(해장국) é uma sopa típica da Coreia que leva sangue de boi na sua composição e é consumida como cura para a ressaca e, por isso, também é conhecida como “a primeira sopa da manhã”.

³ https://pt.wikipedia.org/wiki/Leucodistrofia_metacromática

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Glossário:

Concubina Oh - Nyeo Hin Hee
Hae Soo - Go Ha Jin
Hwangbo Yeon-hwa - Wang Yun Mi
Imperatriz Hwangbo - Woo Ah Ra
Ji Eun Tak (OC) - 4ª esposa de Wang Hansol
Khan Mi-Ok (OC)- amiga de Ha Jin
Lady Hae - Kim Na Na
Li Chang Ru (OC) - 1ª esposa de Wang Hansol
Park Soon-duk - Doh Hea
Park Soo-kyung - Doh Yoseob
Park Sun Hee (OC) - Esposa de Sook
Sung Ryung (OC) - empregada/amiga de Ha Jin
Taejo - Wang Hansol
Wang Baek Ah - Wang Eujin
Wang Eun - Wang Sun
Wang Yo - Wang Gun
Wang Ha Na - filha de Wang Sook
Wang Jung - Wang Jung
Wang Mu - Wang Sook
Wang So - Wang Shin
Wang Wook - Wang Taeyang
Yoon Min-joo - Imperatriz Yoo



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