Moon Lovers: The Second Chance escrita por Van Vet, Andye


Capítulo 59
A Outra Parte de Mim


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores!!

Iniciando a nota desde domingo passado (quente pra kct!) perguntando onde está uma galera aí. Agora que o nosso casal finalmente está se pegando vocês somem? Não se vão, comentem... :'( Contudo, a gente também agradece quem continua comentando firme e forte, dando combustível semanal para nós finalizarmos a fanfic. Obrigada! ♥

O capítulo de hoje está imenso. É um flashback muito esperado e que vem para responder várias perguntas desde que descobrimos a verdade sobre Nyeo e Hansol. O capítulo que vem também está outro monstro, portanto por duas semanas acho que a gente não vai escutar que o capítulo ficou pequeno... Ou vai? kkkk

Aproveitem bem, leiam com calma e não se esqueçam de deixar suas impressões.

Um super beijo e ótima leitura!! o/



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Shin estava sentado nos galhos de uma árvore coberta de neve há cerca de quarenta minutos observando a movimentação da pequena casa dos Nyeo, sentindo um misto de emoções em seu peito, uma sensação inexplicável, algo que ele jamais imaginou sentir em sua vida.

Havia se passado pouco mais de um mês desde que ele saíra do estado passivo de sua própria origem para ser, finalmente, participante de sua realidade, mesmo que não tenha sido a coisa mais fácil de aceitar e nem se achasse cem por cento atuante dela no momento.

Ter sido acusado de trair sua família e empresa, descobrir o estado terminal do pai e que o sangue que imaginou correr em suas veias não era o seu como pensou a vida inteira mexeu demais com os nervos do herdeiro e o levaram ao extremo de sua sanidade.

Agora, depois de ruminar aquela situação por mais de quarenta dias e se dar ao prazer de alimentar sua curiosidade espiando aquele lar sempre que possível, Shin concluíra que, dentre todos os problemas e descobertas, aquela que envolvia Nyeo Hin Hee era a melhor delas.      

Observando ao longe, na discrição da copa daquela árvore congelada, ele reparou que o senhor da casa, que mais parecia ele dali a alguns muitos anos, havia entrado na casa há uns quinze minutos com uma cesta de palha coberta, com algo que deveria ser a colheita da pequena estufa atrás da casa.

Não sabia se a senhorinha estava na estufa ou no ambiente interno da residência; Não sabia se congelaria sob aquela friagem ou arriscaria bater à porta da família; Não sabia se deveria simplesmente descer, pegar sua moto e nunca mais voltar.

Estava absorto em suas dúvidas quando seu coração, já tão saturado de tantas emoções, pareceu parar momentaneamente ao avistar Hin Hee novamente, e desde que começara sua vida de observador secreto, aquela fora a primeira vez que ela lhe apareceu.

A governanta estava sorrindo com carinho, aquele sorriso que sempre era dedicado a ele quando estavam na mansão. Ao lado da idosa que ele concluíra certeiramente ser a sua mãe, com mais uma cesta em suas mãos, rumaram conversando sobre algo que parecia interessante e divertido, provocando em seu interior o desejo profundo de participar daquele momento também.

Aquela era a terceira vez que Shin espiava a família e mesmo que aquela não fosse uma viagem fácil, levava cerca de três horas para ir e mais três para voltar, além do frio cortante que lhe obrigava a colocar vários casacos para enfrentar o tempo à altura, em seu coração, o desejo de estar ali só crescia como uma planta trepadeira se enroscando em seu corpo, atingindo seu ponto mais fraco: o desejo de ter uma família, de ser aceito e amado.

Aproveitando que os três moradores estavam dentro de casa, Shin sentiu-se seguro para descer da árvore e dar alguns passos em direção à pequena residência, a nevasca da noite anterior que cobrira o chão deixara a neve alta o suficiente para lhe fazer afundar até quase os joelhos a cada novo passo que dava. Parou a cerca de dez metros da porta de entrada e contemplou o lugar de perto.

A casa era modesta e quadrada, semelhante às moradias singelas dos sitiantes da região; seu tom, um amarelo queimado. Uma escada gasta de três degraus dava para a porta lateral, e principal entrada, uma janela grande na frente, algumas ramas de flores congeladas sob ela.

O telhado, um emaranhado de palha, parecia frágil demais para aguentar invernos tão rigorosos como os que açoitavam aquelas planícies naquele Janeiro congelante; atrás da residência, a estufa onde ele viu a pequena família trabalhar e que tantas vezes desejou conhecer. Estranhamente, reconhecia aquele lugar como seu, sentia-se como parte de tudo o que seus olhos conseguiam alcançar.

O Wang espião respirou profundamente, o ar gélido saindo de seus pulmões, com um sorriso tímido enfeitando seu rosto. Os pés enfiados na neve lhe dificultavam os movimentos e precisou fazer certo esforço para mover-se, virar e dar dois ou três passos trôpegos em direção à árvore que lhe servia de esconderijo. Precisava montar uma estratégia para chegar até a moto, estacionada mais abaixo, ao pé da ladeira e que, a essa hora, já deveria estar, assim como ele, atolada na neve.

— Shin…?

O peito gelou a graus bem mais negativos do que o clima naquele momento. Nervoso, ele sentiu que seu sangue parou de circular no momento que escutou aquela voz feminina e acreditou estar suscetível à morte quando seu peito bateu forte e alto o suficiente para que ele fosse capaz de ouvir. A mulher sabia seu nome e direcionou-se a ele, ela o conhecia e reconhecia. Ele teve medo.

Tentou respirar, mas o ar também lhe faltou e ao buscar um pouco de lógica, sanidade, diante daquela situação, sentiu os olhos encherem de lágrimas que ele não sabia se eram do esforço em sobreviver àquela emoção ou em reconhecimento ao chamado da senhorinha.

Lentamente, novamente fazendo um grande esforço para virar-se, agora temendo também ser derrubado por sua instabilidade emocional, Shin virou-se e encarou a mulher de cabelos grisalhos, com um casaco grosso e acolchoado que lhe deixava ainda mais miúda do que parecia ser de longe. Ela o olhava intensamente. Tinha um sorriso carinhoso estampado em seu rosto e seus olhos, com o mesmo formato que os dele, estavam brilhantes. Ela chorava, mas parecia ser de alegria.

— Shin…

Ela repetiu com carinho, como se o encontrasse depois de muitos anos, e ele, novamente, sentiu o ar se dissipar. Não sabia o que fazer, como agir ou reagir, mas sabia que desfaleceria a qualquer instante quando viu a pequena mulher vencer os degraus e caminhar apressada sobre o caminho de pedras, exposto devido a neve que havia sido removida da frente da casa muito recentemente, em sua direção.

A senhora transpôs todas as barreiras existentes entre eles, todas as que ele não fora capaz de vencer, e afundou diante dele, naquela neve congelante, aproximando-se por completo, envolvendo-o em seu abraço quente, reconfortante e cheio de amor sem sequer lhe pedir permissão.

O herdeiro rebelde do clã Wang, aquele que fora adjetivado em toda sua vida como um cão selvagem solitário, sem sentimentos, sem coração, incapaz de sentir qualquer tipo de afeto por quem quer que fosse. Aquele homem no qual não poderiam confiar, que não tinha escrúpulos e se rebelava contra tudo por simples prazer, que negava o próprio nome e família, o que não se abalava com nada, o desafetuoso e insensível Wang Shin, chorou.

Chorou mais uma vez desde que descobrira as verdades há tanto encobertas e ouviu seus próprios soluços enquanto se curvava encostando a cabeça no ombro da senhora, a abraçando de volta. Ele nunca seria capaz de explicar a emoção que se apoderou dele, os sentimentos que lhe inundaram, mas sentiu-se amado, agora tendo plena convicção do motivo pelo qual recebia aquele sentimento. Tinha uma família.

— O que está acontecendo aqui, Hoon Sang? — a voz do senhor que ele observara e em quem se reconhecera ecoou em seus ouvidos e ele o olhou, ainda envolvido no abraço da senhora.

— Veja… — a senhorinha se afastou, mantendo os braços envolta da cintura de Shin, o rosto lavado de lágrimas — Veja, Gyung Ho. É o menino Shin. É nosso neto, marido. Eu disse… Eu senti… Eu sabia que ele viria em breve. É nosso Shin!

— Shin…? — a voz saiu como um sussurro e o velho arregalou os olhos, também o reconhecendo, parecendo espantado e realizado — Shin!! Aigoo — levantou as mãos aos céus em gratidão e, sorrindo, também desceu as escadas, juntando-se aos dois, abraçando o neto tão logo a senhora se afastara.

— Papai, o que… — a voz de Hin Hee se perdeu diante do que seus olhos viam e as lágrimas vieram em seguida, instantaneamente, assim que reconheceu o filho que não fora apresentado aos avós, sendo abraçado e se deixando abraçar. Era Shin. Era seu menino que, finalmente, lhe concederia uma chance.

O herdeiro, acanhado, se sentia deslocado, mas anormalmente feliz. Sentado em uma simples cadeira de madeira, diante de uma pequena mesa redonda, tinha Doenjang, Bap, Kimchi, e outros pratos caseiros e deliciosos na sua simplicidade, daqueles que somente as halmeoni poderiam produzir, diante de si e reconhecia naquele lugar uma paz reconfortante, a mesma paz que sentira na casa de Ha Jin. Mesmo que aquele fosse o primeiro momento que encontrara de fato com os senhores, a sensação que tinha era a de que os conhecera a vida inteira.  

Entre as várias tigelas de comida que a sua avó ainda colocava à mesa, com um aroma tão agradável que fazia seu estômago roncar, Shin se viu envergonhado ao precisar experimentar cada uma daquelas delícias a fim da senhora sentir-se feliz e, olhando as batatas assadas que ele tanto gostava, lembrou das muitas vezes em que Nyeo lhe levava para acampar no quintal, das fogueiras improvisadas e das batatas na brasa. Sentiu o estômago revirar, dessa vez não sabia se de fome ou emoção.

— Deixe o menino em paz, criatura… ele não está com fome — Gyung Ho ralhou com a mulher que não parava de adicionar tigelas à mesa. Ele revirava os olhos cada vez que ela levantava e trazia mais uma receita das panelas.

— É claro que ele está com fome — a senhora ralhou de volta, um tom imperativo na voz, tão similar ao de Hin Hee — Não ouviu o que ele disse? Está surdo de vez? O menino está lá fora no frio há quase uma hora e ainda enfrentou mais três de viagem para chegar aqui. Não é possível que não esteja com fome… — o tom, agora mais suave, se direcionou ao visitante — Vamos, meu neto… Não se acanhe. Coma.

— Deixe ele respirar.

Shin ainda estava letárgico sobre tudo. O casal, sentado diante dele, o olhava com carinho e admiração enquanto discutiam entre si em uma dialética que parecia costumeira e fazia parte de suas interações. Era estranho que pessoas que ele não conhecia soubessem sobre ele, que o reconhecessem, que o amassem sem nunca o terem visto antes.

Pegou os hashis sobre a mesa, que a senhora havia separado para ele e, finalmente, começou a comer a simples e variada refeição oferecida. Era tudo tão saboroso, o tempero de Hin Hee sendo reconhecido em muitos daqueles alimentos. De repente, sentiu-se faminto e comeu sem mais cerimônias, enchendo a boca, saciando-se como uma criança envolta em doces.

— Ele come tão bem… — Sang comentou feliz, os olhos brilhantes — E é tão bonito…

— Obrigado — a voz embolada com a boca cheia agradeceu com um curvar rápido de cabeça.

— Viu como ele se parece comigo? — Gyung Ho comentou também — Eu disse que ele parecia comigo.

— Aigo… — a senhora gargalhou em seguida — Queria você ser bonito como meu neto.

— Aish — o velho torceu o nariz — Onde estão seus óculos? Está muito claro que ele se parece comigo… veja — o senhor se colocou ao lado do rapaz, se curvando para que seus rostos ficassem paralelos — Olhe o formato do nosso rosto, as orelhas… olhe essas orelhas e esse queixo… Temos o mesmo porte físico também. Somos quase da mesma altura…

— Claro que não. Shin é muito bonito para se parecer com você!

— Omo… Como você é implicante… veja, veja só… os olhos… não, os olhos são seus, mas o resto é todo meu. Veja… — Shin sorria, mastigava e participava daquela pequena discussão com uma quentura agradável em seu peito — Somos idênticos.

— Vamos, homem, deixe de falar bobagens e pegue alguns morangos para ele — a mulher encerrou o assunto não querendo admitir a semelhança entre os dois.

— Não precisa — ele engoliu rápido e falou ansioso, agitando as mãos, para o senhor que já se movia.

— Claro que precisa — Gyung Ho sorriu para ele — Esperei te ter aqui por trinta anos… Acha mesmo que vou perder a oportunidade de mimar você agora?

O velho senhor lhe deu uns tapinhas camaradas no ombro e se retirou. Sob o olhar de Hoon Sang, Shin continuou comendo em silêncio, de tempos em tempos dedicava um sorriso tímido e agradecido à senhora. Hin Hee, ainda dormente com aquela situação, continuava sentada na poltrona do pai em completo silêncio, observando tudo o que acontecia, esperando o momento em que o filho olharia para ela.

— Tome… Experimente — uma tigela com alguns morangos foi colocada diante dele pelo senhor. Ele sorriu com o gesto em agradecimento — Esses morangos são cultivados por nós. São muito saborosos. Tenho certeza que irá gostar.

— Tenho certeza que sim — Shin respondeu colocando um morango na boca, uma expressão de satisfação tomando conta dele, os sorrisos dos senhores chegando como recompensa.

Aquela interação fez com que Hin Hee se lembrasse de uma breve conversa que tivera com Ha Jin dias atrás. A mais velha comentara sobre a nova safra de morangos e de como gostaria que Shin e a jovem governanta pudessem prová-los. Ha Jin, naquele momento, pediu sob sorrisos que, quando Shin fosse visitá-la, que ela mandasse alguns por ele. Hin Hee lamentou que perderiam aquela safra, mas Ha Jin sabia de tudo, sabia que ele estaria ali em breve. “Aquela moleca me enganou direitinho”. Sorriu discretamente. Precisaria pagar aquela pequena dívida à jovem.

— Gostaria de conhecer a estufa? — Hoon Sang perguntou carinhosa e Shin concordou com um aceno de cabeça, a boca ainda cheia — É bom caminhar um pouco depois que comemos para ajudar na digestão. Hin Hee, por que não leva o menino Shin para conhecer nossa casa?

— Ah… — a mulher pareceu despertar daquele transe, tomada de dentro de seus pensamentos com brusquidão — Mamãe, eu não sei se Shin vai querer que eu…

— Não tem problema — ele foi enfático em responder — Eu gostaria que me acompanhasse.

Depois que esperou Hin Hee pegar um casaco, os dois saíram para a estufa. Ela apresentou a Shin as dependências externas na casa, a área onde limpavam os frutos e os embalavam, a plantação de morangos e as melancias que já começavam a brotar, ambos voltando para o interior da casa, fugindo do frio daquela tarde rapidamente.

— Como você está? — ele quebrou o silêncio após a conversa cordial que se instalou entre os dois. Estavam no quarto de Hin Hee.

— Estou indo… Levando as coisas como posso. Está tudo bem com você?

— Não sei dizer…

— Tenho acompanhado tudo sobre a empresa e sua família pela TV. Ha Jin também me mantém informada como pode… Não acredito que…  

— Hin Hee — ele a interrompeu sem maiores rodeios e ela o olhou atentamente — Eu não vim até aqui para conversarmos sobre a empresa ou sobre minha família… Eu quero ouvir você, quero saber de tudo, exatamente como aconteceu. Por favor, não me esconda mais nada.

— Não vou esconder… — ela respondeu após um suspiro resignado, lhe oferecendo a cadeira diante da escrivaninha — Sente-se, por favor.

Shin achou estranho estar naquele lugar com Hin Hee, e parecia muito mais estranho que no quarto da governanta que o criou como filho, porque ele o era, tivesse suas fotos com várias etapas de sua vida em porta-retratos espalhados pelo ambiente. Nem mesmo em sua casa conseguia encontrar fotografias de sua infância, como aquela que ele focara naquele momento.

— Lembra desse dia? — ela perguntou sentando-se sobre a cama, acompanhando o olhar dele em direção ao objeto.

— Sim…

— Você estava resfriado, mas queria sair para brincar na neve. Você tinha acabado de completar seis anos e falou que aquele era o presente que mais queria ganhar, muito mais que os brinquedos que recebeu na sua festa. Eu disse que não poderia, que você estava doente, mas fui fraca como sempre e cedi ao seu olhar pidão, ao seu carinho… Você sempre soube como me dobrar — ela sorria da lembrança — Coloquei quatro casacos e calças em você naquela tarde… nem sei como conseguiu caminhar com toda aquela roupa… Finalmente, fizemos um acordo de quinze minutos…

— Eu lembro… Lembro que te pedi para deitar na neve e você não deixou e eu me fingi desequilibrar e me atirei no chão. Depois você correu até o seu dormitório me pedindo para não sair dali e quando voltou, trazia uma máquina fotográfica nas mãos. Eu já tinha feito o anjo na neve e você me fotografou.

— Um anjo sendo abraçado por outro anjo…

— Foi o que você disse. Eu consigo lembrar… — o sorriso surgindo com a lembrança — E você ainda me ajudou a fazer o boneco de neve…

— No final, você passou bem mais que quinze minutos na neve… — um breve silêncio se instaurou entre os dois.

— Obrigado por sempre ter cuidado de mim, Hin Hee…

— Não agradeça. Não teria sido feliz se não estivesse perto de você  — ela calou-se um momento e, focando intensamente os olhos de Shin, começou a retomar suas antigas memórias, um pouco mais de trinta anos atrás.  

Nyeo Hin Hee era uma menina muito inteligente, mesmo que tivesse nascido e se criado em uma zona rural considerada tão perigosa e pobre em educação. PyeongChang, distrito de Gangwon, era o local onde os pais da jovem viviam desde criança, muito antes da separação da Coreia acontecer.

Eles, que haviam enfrentado e sobrevivido à guerra, temeram pela vida da jovem, o perigo de novas batalhas sempre à porta, e resolveram enviá-la para morar na cidade, em Busan, distante da fronteira ameaçada, com uma tia, irmã de seu pai.

Sustentaram a jovem como puderam enquanto ela estudava, até que, dedicada, conseguiu um emprego recomendada por uma amiga de sua tia. Decidiu que poderia arcar com suas próprias despesas, liberando os pais dessa responsabilidade, afinal, já tinha quase dezessete anos e deveria ser responsável com isso, mais do que sempre fora.

O emprego era em uma casa de família, os Wang, renomados e reconhecidos no setor automobilístico. O trabalho era intenso, mas o salário recompensava o esforço.

A jovem não temia o trabalho duro e dedicava-se a executar com maestria tudo quanto lhe era ordenado. Os patrões, pai e filho Wang, foram generosos ao contratá-la e, com um pedido do herdeiro da casa, lhe foi permitido o direito de continuar seus estudos, afinal, como o senhor Wang Hansol dissera, ela se formaria em dois anos e poderia tentar uma carreira diferente, algo mais promissor. Não era justo que se afundasse para sempre na casa da família

A senhora governanta da casa fora sua tutora por alguns meses, lhe instruindo o que fazer e como se portar naquele ambiente, até que uma doença severa a levou deste mundo para nunca mais. Entre os conselhos mais valiosos da velha Da Eun, estava um, o mais importante: “Não se envolva com o patrão”. E esse fora o único que ela não conseguiu seguir.

Inocente quando a situação envolvia sentimentos, Hin Hee, apaixonou-se rapidamente pelo herdeiro Wang que sempre lhe tratou com diferença, com gentilezas e excessos de sorrisos.

O homem, que já fora casado e tinha um filho com a senhora Li Chang Ru, uma jovem senhora muito gentil e educada que tratava a todos na mansão com bondade e estima quando trazia o pequeno Sook para visitá-lo, se envolveu com a jovem funcionária, confiante de que sua rebeldia seria suficiente para convencer o pai sobre o sentimento dos dois.

Foram as promessas de amor eterno, de que ficariam juntos independente do que acontecesse, e as discussões que Wang Hansol travara incontáveis vezes em nome de seu sentimento pela empregada da casa que fizeram com que a jovem Hin Hee acreditasse que aquele amor poderia ser verdadeiro, que seus sonhos poderiam, algum dia, tornar-se reais e que ela viveria feliz ao lado daquele homem.

Assim sendo, e como era de se esperar para um casal que tinha o coração cheio de paixão e esperanças de um futuro onde poderiam estar sempre juntos, Hin Hee tomou como prova definitiva do amor entre os dois a recusa de Hansol ao casamento milionário com Yoon Min-joo. Ela se entregou, de corpo e alma, àquela loucura que era envolver-se com um homem mais velho, mais experiente e muito mais rico que ela, não se importando com as barreiras, cada vez mais altas, entre eles, tendo como norte os sentimentos que segredavam um ao outro.

Após algumas semanas encontrando-se escondidos, Nyeo Hin Hee fora descoberta e acusada de interesseira pelo senhor Wang que, naquele mesmo momento, informou à jovem que ela seria despedida, que seu filho, que ela seduzira com o intuito de melhorar de vida às suas custas, estava de casamento marcado e que ela, nem ninguém, impediria aquele casamento de acontecer.

A moça, que saiu praticamente enxotada da casa, ainda conseguiu ouvir o esbravejar de Hansol com o pai às suas costas, mas não se atreveu a esperar pelo final da discussão e começou a perambular pelas ruas de Busan, naquela tarde ensolarada do mês de Abril, sem muitas economias, levando em sua mochila os poucos pertences que tinha e, no coração, as desilusões de seu primeiro amor.

Foram alguns dias dormindo em saunas, comendo o mínimo possível, até que se viu completamente sem dinheiro. Não tinha coragem de procurar a tia depois de tudo o que fizera, de ter sido despedida por ser comparada a uma aproveitadora. Também não tinha coragem, ou dinheiro, para voltar para a casa dos pais, envergonhada demais pelas atitudes que tomara, temendo a decepção dos senhores que sempre esperaram tanta coisa boa dela. Por fim, dormindo nas ruas da cidade por algumas noites, fatigada e faminta, perdeu por completo os sentidos.

— Menina… O que aconteceu? — Li Chang Ru, a única pessoa com quem ela imaginou poder contar naquele momento, passou pela porta do hospital onde ela estava internada como uma flecha minutos depois que ela deu o número da senhora para a enfermeira. A aflição estava estampada no seu rosto ao se dirigir a ela — Hansol tem te procurado há dias. Minha criança… o que você tem?

— Eu passei mal, eu acho… O médico ainda não veio falar comigo. Como está Hansol?

— Ele casou. Aquele traste — a senhora reclamou mais para si que para a jovem que, de olhos umedecidos, chorou — Ele não merece suas lágrimas, Hin Hee. Não chore.

— O que eu vou fazer, senhora Li? Eu não tenho para onde ir…  

— E seus pais? Posso te ajudar a voltar para casa.

— Como vou voltar depois de tudo o que fiz? Eu traí a confiança dos meus pais… eu… não sei o que vou fazer, senhora Li. E Hansol… Ele casou… Ele me prometeu que não casaria com aquela mulher, senhora Li. Ele disse que ficaríamos juntos e eu acreditei.

— Ele foi coagido pelo pai, Hin Hee, tenho certeza… O casamento foi arranjado em poucos dias. Se posso defendê-lo em algo, é sobre isso. Ele negou esse casamento até o fim.

— Mas senhora Li…

— Sem “mas” por enquanto, tudo bem? Vamos pensar em você, agora… Você precisa de um trabalho. Vou tentar te ajudar. Vou te levar para a minha casa. Não tenho uma vaga para trabalho no momento, mas não te deixarei na rua novamente…

— Muito obrigada, senhora. Eu… Eu vou fazer tudo o que puder na sua casa, vou pagar com meu trabalho…

— Não se preocupe com isso por enquanto…

— Nyeo Hin Hee? — o médico de meia idade, em seu jaleco branco, se aproximou empático, com um sorriso gentil — Como está se sentindo agora?

— Um pouco melhor — respondeu enxugando o rosto — Já posso ir embora?

— Sim, mas é bom que tenha onde ficar. Em seu estado, não é bom que esteja pela rua…

— O que ela tem? — Chang Ru perguntou, uma nota de aflição na voz — É grave?

— Nada muito sério. Está com um grau leve de desnutrição, mas nada que preocupe se você voltar a se alimentar bem…

— Ela vai — a mulher mais velha confirmou, um sorriso amigo para a jovem.

— A senhora é…? — o médico perguntou à mulher sentada ao lado dela.

— Li Chang Ru. Sou uma amiga. Ela vai ficar na minha casa por um tempo.

— Ótimo. Fico satisfeito. Te darei alta agora, e uma receita para algumas vitaminas. Antes de ir, você vai precisar passar na ala do pré-natal e fazer os exames iniciais…

— Na ala do pré-natal? — Chang Ru perguntou ao médico, descrente. Hin Hee olhando de um para o outro, confusa.

— Sim.. Ela está na quinta semana gestacional e precisa fazer a pesagem e exames iniciais. É importante que faça os acompanhamentos necessários para saber sobre o desenvolvimento do feto, principalmente depois dessa desnutrição. Você pode procurar a ala do pré- natal e… — o médico se interrompeu ao perceber que a jovem, assustada, chorava. Chang Ru, chocada demais, só pensava em matar Hansol na próxima oportunidade — Não sabia que está grávida?

— Não…

A gravidez entrava em seu terceiro mês e já era perceptível para quem a olhasse atentamente. Hin Hee, que estava sofrendo com náuseas constantes, ainda morava na casa da primeira esposa de seu amor, e a senhora, que a apoiou nos momentos mais difíceis que passou, estava agindo como uma boa amiga, lhe oferecendo oportunidades que ela não teria em nenhum outro lugar.

Hansol, desde que fora informado pela ex-esposa sobre a atual situação da jovem, sequer a procurou para saber como ela estava. Triste por acreditar que o homem a enganara, decidiu voltar para casa, contar aos pais que teria um filho e enfrentar, de cabeça erguida, a decepção dos dois e o futuro que traçara para si.

Resignada, vivendo no quarto desocupado de uma das empregadas por escolha própria, a jovem organizava seus pertences esperando que a senhora da casa voltasse de uma comemoração na escola do filho. Agradeceria por tudo o que lhe fizera de bom e informaria seu desejo de voltar para PyeongChang.

Porém, teve uma surpresa e, mesmo que fizesse planos, sentia em seu coração que não os realizaria. Ao ouvir a batida na porta de seu quarto, a abriu para uma jovem, um pouco mais velha que ela, muito bonita e elegante em um vestido azul de tecido fino, os saltos altos.

— Então é você a mulherzinha que tentou dar o golpe em Hansol?

— Quem é a senhora? — perguntou aflita, imaginando quem aquela mulher seria — De onde me conhece?

— Sua interesseira — Hin Hee não teve tempo para se defender. Um tapa rápido e doloroso em seu rosto — Meu marido nunca irá me trocar por você, uma sem classe imunda, mal educada e interesseira que foi descoberta bem a tempo. Você é uma estúpida e deve ser colocada em seu lugar — o novo tapa desequilibrou a garota que caiu no chão — Esse é o seu lugar, sua desqualificada… E esse seu bastardo nojento, não se preocupe, vou eu mesma dar um jeito nele.

— O que a senhora está fazendo? — Hin Hee se viu puxada do chão pelos cabelos, uma nova tontura chegando e lhe desestabilizando, sendo levada aos trancos, praticamente arrastada, pela senhora à sua frente — Me solte.

— Vamos em uma clínica agora mesmo!

— O que a senhora está dizendo? — disse se levantando, apoiada nos móveis — Não preciso ir ao médico. Quem é a senhora, afinal?

— Não acredito que não saiba… Também não interessa a você quem eu sou — continuou puxando a jovem com brutalidade — Vamos agora mesmo dar um fim nessa historinha sem sentido. Não vou permitir que uma pobretona e seu bastardo nojento coloquem o meu casamento em risco…

— Hansol… Ele falou alguma coisa sobre nós? — a esperança voltando em meio ao caos.

— Sim… Ele me pediu para levar você até uma clínica para abortar esse imundo que você está carregando. Não vamos permitir que esse nojentinho nasça…

— Não — ela puxou o braço de uma vez — Hansol jamais falaria algo assim do nosso filho — uma gargalhada rasgante da senhora elegante.

— Como você é estúpida! Acha mesmo que Hansol quer alguma coisa com você, garota idiota? O que ele queria, já teve. Agora precisamos dar um fim por completo em tudo.

— Não! Eu não acredito na senhora. Não acredito em nada do que está falando. Saia daqui! Saia! Saia!

— E quem você pensa que é para me mandar embora de onde for? Essa casa não é sua, sua…

— Essa casa também não é sua, Yoon Min-joo? — Li Chang Ru, que acabara de chegar, se aproximou — O que está fazendo aqui? Sei que é má educada e sem classe, mas não imaginei que seria indelicada o suficiente para invadir casas alheias…

— Só poderia mesmo ser você encobrindo essa interesseira nojenta… Você me dá nojo, sua mulherzinha…

— Cuidado como fala de mim e dos meus amigos. Nunca permiti sua entrada na minha casa.

— Você é igual a eles... Fico feliz que meus pais tenham cortado laços com sua família. Uma pessoa como você, que se passa a encobrir esse tipinho…

— Meus pais cortaram laços com sua família porque são interesseiros demais para que pudessem suportar. Não venha fazer cena em minha casa, te conheço não é de hoje, Yoon Min-joo, então só vá embora…

— Sua invejosa…

— Invejosa? Por que eu teria inveja de você, sua louca?

— Você tem inveja da minha vida. Do meu marido…

— Me poupe, mulher. Tenha bom senso. Fui casada com aquele homem por quase dez anos. Acha mesmo que, se quisesse, teríamos nos separado?

— Sua maldita!

— Saia já da minha casa e não se atreva a voltar. Deixarei ordens na portaria de que você não é minha amiga, muito menos minha parente, se é que usou essas desculpas para entrar aqui. Se você se aproximar novamente da minha casa, será barrada, e não me importo com brutalidades.

— Como você está? — era Hansol que a visitara em seu quarto. A pedido dele, ela resolveu ficar em Busan, mesmo que os pais tivessem insistido para que ela voltasse para PyeongChang.

— Eu estou bem… — ela parecia cansada enquanto acariciava a barriga em seus seis meses — O bebê chutou muito essa noite. Estou exausta de sono e um pouco dolorida...

— Por que não tenta dormir um pouco, então? Descansar… — ele aconselhou e ela aceitou aquele pequeno ato de preocupação.

— Acho que sim… depois que você for para casa…

— Quero que fique bem…

— Por que casou com aquela mulher, Hansol?

— Eu já te disse… meu pai me obrigou.

— Por causa da empresa? Por que ela é rica e trará benefícios financeiros para a Wang S.A.?

— Hin Hee…

— O problema sempre foi o dinheiro, não é? — sentiu os olhos se encherem de lágrimas — Se eu fosse rica… se não fosse filha de quem sou, de agricultores sem educação, seu pai teria te vendido para mim, assim como te vendeu para aquela mulher.

— Por que está falando assim?

— Porque estou cansada de tudo isso…

— Ele disse que faria mal a vocês — a voz do homem saiu forte, imperiosa. Ela se calou e o olhou com atenção — Fez ameaças terríveis caso eu não aceitasse as ordens que ele me deu…

— Eu não tenho medo… Nunca tive. E estou mais forte agora… Tenho um bom motivo para lutar e mesmo que você não queira o bebê…

— Eu nunca disse isso — ele a interrompeu, nervoso — Por que insiste em acreditar nessa loucura?

— Aquela mulher… Sua esposa veio aqui e disse que…

— É mentira! Quantas vezes eu já disse? Não sabia que ela viria aqui. Nunca pedi que ela viesse nem, em nenhum momento, desejei não ter esse bebê. As coisas que ela te falou naquele dia, esqueça todas. São mentira. Tudo o que ela disse é mentira…

— Não vou permitir que meu bebê sofra. Não vou deixar que façam mal para ele.

— Nada irá acontecer… Nosso filho terá tudo o que tem direito.

— Só não terá o mais importante… Seus pais juntos.

— Hin Hee… Por favor, confie em mim. Me dê um tempo… vou me separar de Min-joo… Eu vou…

— Quando, Hansol? Quando seu pai se for? Quando não precisar mais de acordos milionários para manter a empresa? Você disse que nada nos separaria, que abandonaria seu nome por nós… mas te vejo cada vez mais envolvido com tudo e não quero mais acreditar em suas promessas.

— Eu te amo, Hin Hee… Acredite nisso.

— Eu te amo, mas como posso acreditar em você?

— Confiei em mim, por favor, e me dê um tempo.

— Quanto tempo? — perguntou resignada.

— Dois ou três anos. Me dê esse prazo e tudo se resolve… ficaremos juntos!

Por enquanto, vou voltar para a casa dos meus pais. Eles me perdoaram por engravidar sem ter um marido, não me abandonaram e…

— Não me prive de te ver, Hin Hee… por favor, não me prive de estar com você, mesmo que não possa te tocar… Eu preciso ter você perto de mim…

— Por que está tornando as coisas mais difíceis, Hansol?

— Fique em Busan, por favor. Não vai te faltar nada, nem ao bebê. Eu darei um jeito. Eu prometo!

Hin Hee continuava na casa da boa amiga. Havia negado o apartamento oferecido por Hansol, preferindo o quarto de empregada onde já estava muito bem instalada havia meses. A jovem, no auge de seus dezessete anos, sentia as pontadas do parto há dois dias.

Não havia comentado com Li Chang Ru, não queria preocupá-la antes do tempo, e estava mais do que preparada para conhecer seu bebê. Mesmo que fosse inexperiente, sabia que era o bebê querendo vir ao mundo e o aguardava com ansiedade.

Embora seu futuro fosse incerto, estava feliz com a ideia de ser mãe. Nutriu ao longo daqueles nove meses um amor sobre humano para com aquela criança. Não sabia se seria menino ou menina, mas comprara algumas poucas roupinhas amarelas com a senhora que tanto a ajudara. Também havia recebido alguns outros utensílios e roupas de Hansol, que batia no peito cheio de orgulho, confiante que seria um menino, lhe trazendo um pouco de alegria com aqueles comentários.

Ela estava sentada na cadeira de balanço, o macacão verde de tricô enviado pela mãe sobre a barriga dilatada, sorrindo ao sentir seu corpo se preparando para trazer seu filho ao mundo e mesmo com todos os problemas enfrentados, ela estava feliz.

Sentia-se forte e apta a lutar por suas vidas onde quer que fosse preciso batalhar. Ela o protegeria de todas as angústias e aflições da forma que pudesse, mesmo que precisasse abrir mão de sua vida para isso. Ela estaria com ele em todos os momentos. Nunca deixaria seu bebê só.

Dois dias depois, naquele mesmo horário, ela já tinha seu pequeno Shin em seus braços, e o macacão que cobrira sua barriga, agora era utilizado para aquecê-lo naquele janeiro congelante.

Das poucas visitas que recebeu naquela tarde, uma delas fora a responsável por lhe tirar todas as lágrimas que poderiam existir em seu organismo. O velho senhor Wang fora visitar seu neto e, imponente, chegou cheio de si, tomando parte daquilo que não lhe pertencia.

— O menino é bem bonito — ele falou sem muita gentileza — Já escolheu o nome?

— Sim. Se chamará Shin. Nyeo Shin.

— Você acha mesmo que meu neto irá ter um nome como esse? Ele é um Wang, mesmo que tenha vindo de você, e como tal será conhecido.

— Senhor… Estou pensando em voltar para a minha cidade. Não se preocupe conosco, não espero nada…

— Deixe de teatro comigo, sua interesseira. Sei muito bem que esse menino é a sua tentativa de enriquecer às custas do sobrenome Wang.

— Senhor Wang, eu não…

— Não me interrompa, sua insolente. Cadê sua educação com os mais velhos? Esse menino será criado na mansão Wang, terá tudo o que tem direito e herdará, junto com seu irmão Sook, a minha empresa. Você poderá simplesmente ser descartada…

— Como disse?

— Eu já conversei com a minha nora. Min-joo não se importa em criar esse menino como se fosse filho dela…

— Aquela senhora não vai cuidar bem do meu filho, eu não posso permitir que…

— Você não é ninguém para permitir coisa alguma.

— Senhor Wang, esse menino é meu filho — as muitas lágrimas já lavavam sua face juvenil — Eu não posso permitir que outra pessoa o crie. Ele é meu bebê e não vou me separar dele…

— Então serei generoso com você mais uma vez e lhe darei duas opções. A primeira delas é: entregue esse menino para Hansol e deixe que ele seja criado como um Wang deve ser. Desapareça. Lhe darei uma boa quantia em dinheiro, suficiente para viver muito bem e poderá recomeçar sua vida com seus pais. Nunca mais volte para essa cidade e esqueça que nos conheceu. A segunda é: volte a trabalhar na mansão e prometa que não irá se envolver com meu filho novamente. Ninguém jamais saberá que você é a mãe desse menino, mas você poderá estar por perto. Pense e escolha, mas lembre-se de não tentar me enganar novamente. Posso te encontrar onde quer que se esconda, e não permitirei que se saia bem…

Hin Hee tinha consciência de que não poderia pensar apenas em si e mesmo a senhora Li tivesse acreditado que aquela seria uma forma de manter Shin bem, considerando que ele também era um herdeiro Wang e tinha seus direitos, a jovem pensava dia e noite que aquela não fora uma boa escolha.

Hansol, que também havia lhe feito promessas, deu a certeza de que Shin seria muito bem cuidado na mansão, que nada lhe faltaria e que ela jamais seria demitida. Que poderia criá-lo, estar ao seu lado, e mesmo que não pudesse ser chamada de mãe, ela o seria para ele, até que conseguisse separar-se da esposa e, juntos, viverem felizes.

Ela aceitou aquele acordo mesquinho, sem ter muitas opções que lhe beneficiassem. Em sua mente, pensava em trabalhar duro na mansão até o menino ter um ou dois anos. Juntaria todo dinheiro possível nesse período e fugiria com ele para outra cidade, talvez para outro país. Um lugar qualquer onde aquele senhor sem sentimentos não fosse capaz de incomodá-los, de separá-los.

Depois, quando tudo já estivesse resolvido, poderia voltar para a casa dos pais. Shin seria uma criança feliz e amada e ela, com toda fé e paciência que alimentava, esperaria o dia em que, junto com Hansol, poderiam ser uma família.

— Meu amor… Você come tão bem — falou com o pequeno que contava quatro meses, a mãozinha segurava o dedo da mãe e seus olhos a focavam intensamente enquanto mamava — Você já cresceu bastante. Daqui a pouco já será um homenzinho e encherá sua mãe de orgulho… Vou mandar as fotos para seus avós hoje a tarde…

"É uma pena que não possa vê-los, o senhor Wang ainda não permite, mas seu pai está tentando, embora eu não sei como as coisas ficarão agora que a senhora Min-joo também terá um bebê… — ela desfez o semblante pensativo e voltou a sorrir para o bebê, brincando com sua mãozinha — Vamos confiar no papai por enquanto. Ele pediu um prazo de dois anos e se o que ele prometeu não acontecer, iremos fugir daqui.

"Não vou permitir que você cresça pensando que aquela mulher é sua mãe. Ela não tem sentimento algum por você, nunca te verá como filho, e nem eu quero isso. Você tem a mim e eu vou cuidar de você, meu amor, não importa o que aconteça."

...

Shin observou os movimentos de Hin Hee quando ela interrompeu a narrativa para se aproximar de uma jarra de água sobre a escrivaninha, enchendo um copo e, em um silêncio profundo, bebendo o líquido.

Ele estava confuso demais sobre todas as coisas até agora reveladas, com várias perguntas formadas em sua mente, mas entre elas, uma era a que mais o incomodava.

— Esqueci de incluir que quem ajudou com os custos durante todo o tempo e pediu para a senhora Chang continuar me abrigando em sua casa, foi seu pai. Embora ela certamente fizesse isso sem nenhum apoio financeiro ou pedido especial, ele sempre estava por perto acompanhando minha gestação… — notando o olhar inquieto do filho, ela acrescentou — Quer perguntar alguma coisa? — o induziu como se lesse sua mente.

— Não… Er… Na verdade, sim.

— Pergunte. Ainda tenho muito o que contar.

— Por que… simplesmente não foi com a senhora Min-joo? Tudo teria sido mais fácil para todos se eu não tivesse nascido. Você poderia ter vivido melhor sem ter de se preocupar comigo e…

— Shin… Como eu poderia aceitar a proposta daquela mulher quando já te amava? Mesmo que eu tenha passado por todos os problemas que passei enquanto te esperava, e mesmo depois que te tive, a única coisa que nunca, nunca passou em minha cabeça, foi não te ter comigo.

"Eu te amei no exato momento que soube de você e se fosse preciso, faria tudo de novo, com algumas mudanças em minhas escolhas, mas nenhuma delas diz respeito a não te ter."

— Acho que acabei atrapalhando sua vida…

— Não repita isso. Nunca, entendeu? — o tom mandão, aquele da governanta que o criou a vida inteira, estava ali novamente — Você foi tudo de melhor que aconteceu em minha vida. Se sou quem sou hoje, foi por você. Nunca te abandonei, e jamais o farei.

Os primeiros anos na mansão, voltando a trabalhar como empregada regular e acompanhando o crescimento de seu menino não foram fáceis para a jovem Hin Hee. Poucas coisas doíam tanto na humilde moça interiorana como ver seu filhinho chamando outra mulher de mãe, e não apenas outra qualquer, mas sim aquela criatura desprezível, Yoon Min-joo, a senhora da casa.

Era uma manhã de outono agitada, os ventos sopravam forte, açoitando as estruturas da residência, produzindo uivos lupinos contra suas janelas e balançando os cabelos dela enquanto observava da entrada principal dos empregados a romaria composta de empresários, amigos e familiares, transportar o caixão em que jazia o corpo do Sr. Wang.

Aquele homem cruel, que somente tivera palavras preconceituosas e mesquinhas para ela, havia ido embora daquele mundo, mas Hin Hee não se sentia feliz pela morte dele, apenas mais apreensiva. Algo havia sido prometido pelo pai de seu filho quando o patriarca mão de ferro falecesse. Ele iria se separar de Min-joo, assumir o relacionamento deles e a ela seria, enfim, dada a oportunidade de dizer ao pequeno Shin sobre sua origem.

Entretanto, mesmo para uma reles garota pobre, o caráter e a moral falavam mais alto. Neste meio tempo em que teve de aguardar a promessa de Hansol, outra vida surgiu, outra criança nasceu.

De repente, ela, que chegou a acreditar que tinha total direito de se tornar a esposa do herdeiro, começou a pensar diferente. Começou a se sentir um empecilho à felicidade da família legítima. Para Hin Hee ficou muito claro, mesmo Gun já sendo um bebê esperto e Min-joo um ser humano nada passível de compaixão, que nunca estaria em paz consigo sendo o motivo do divórcio.

Dias passaram. A garota aguardou tudo se acalmar, pensando como se livraria da situação enredada. Continuava amando Hansol e, às vezes, sonhando com aquele futuro utópico que incluía eles dois juntos, contudo, Shin se tornou mais importante. Ela poderia renunciar ao seu primeiro amor, mas nunca ao seu sangue. Era importante encontrar uma forma de deixar a casa com o filho nos braços.

Procurei um momento a sós com você o dia todo — era noite de céu estrelado quando Hansol encontrou Hin Hee sentada nos bancos do lado de fora e se aproximou. Fazia exatamente quatro semanas que o velho Wang havia partido. Ele sofrera e chorara a perda do pai, mas, passado o luto, agora parecia novamente bonito e revigorado para seguir em frente — Precisamos conversar, minha querida.

A jovem olhou para aquele rosto que tanto fez seu coração palpitar quatro anos antes e concordou:

— Sim, precisamos… Eu quero sair da casa… Quero levar Shin…

— O que? — ele se sobressaltou com a rapidez e franqueza do rumo da conversa. Sentando ao lado dela, ouviu-a esclarecer:

— Não aguento mais ver meu filho chamando aquela mulher de mãe — as lágrimas vieram rápido em seus olhos. Ela andava sensível demais àquele assunto e qualquer menção já a desestabilizava.

— Hin Hee… Agora estamos perto. Meu pai se foi, quem pode nos impedir de ficarmos juntos?

— Sua nova família?

— Querida… — ele tentou afagar o cabelo dela e, estranhamente, ela percebeu que não se sentia mais tão exultante com um toque dele. Sutilmente, afastou a cabeça da mão do homem.

— Eu passei três anos testemunhando você vivendo, conversando, comendo… e dormindo com aquela mulher, Hansol. Não foi fácil.

— Um contrato, apenas isso.

— Algumas vezes ela até me fez arrumar pessoalmente a cama de vocês, me dizendo para caprichar porque seria uma noite muito especial. Você não sabe como essas coisas me atingiram.

— Eu entendo, mas…

— E pior que tudo isso foi não poder chamar meu filho de meu. Depois o segundo bebê nasceu e agora você tem outra criança com outra pessoa — ela tentou limpar as lágrimas que continuavam rolando pelas bochechas da pele macia e jovem — Consegue mesmo, é o que me pergunto.

— Consigo o que? Seja clara, Hin Hee. Eu quero estar com você.

— Consegue ficar com a consciência limpa abandonando seu outro filho para ficar comigo?

— Ele ficará aqui, conosco.

Ouvi-lo dizendo isso com tanta naturalidade a chocou:

— E a mãe dele? Vai separá-los igual seu pai fez comigo e com Shin?

— Você não está separada. Pode vê-lo quando quer…

— É isso que você pensa? — Hin Hee se levantou do banco limpando as lágrimas com ferocidade, indagando em tom incisivo. Olhando de perto, ele já falava como o próprio pai.

— Então é aí que estão vocês? — uma terceira voz se intrometeu naquela conversa. Era Min-joo, postada diante da porta principal, em trajes de dormir. Seus olhos alfinetaram os dois de longe e eram como duas bolas flamejantes.

— Entre, mulher. Esse assunto é particular.

— Particular uma ova — a outra venceu a distância que os separava, caminhando com obstinação, seu penhoar de seda vermelho tremulava no belo corpo a cada avanço — Estão namorando debaixo do meu nariz? É isso mesmo, Hansol?

Hin Hee recuou. Estava tendo muito cuidado em como se dirigir à senhora da casa, porque, apesar de não ter afeição por ela, sentia que precisava ser gentil e cautelosa com seu filho ainda sob as garras dela.

— Não é o que está pensando… — a garota nem chegou a terminar a frase e já tomou uma bofetada forte no rosto. Atordoada pelo golpe, cambaleou para trás e caiu sentada no banco novamente.

Hansol se levantou, eficiente como uma ave de rapina, e agarrou o braço da esposa antes que ela acertasse um novo tapa contra a sua amada. Atônito, ele disse:

— Ficou louca?

— Você que ficou louco se pensa que eu vou ser conivente às suas traições. Acha que não sei dos seus planos? Quer se unir a essa pobretona agora que seu pai não está mais entre nós!

— Foi bom você tocar nesse assunto, Min-joo… Muito bom. Nós temos que conversar — e arrastando a mulher pelo braço, foram aos gritos e acusações para dentro da mansão.

Hin Hee continuou no banco, sentindo o rosto ferido queimar, se decidindo. Já que Hansol estava disposto a acertar tudo por aquela noite, ela deveria defender seu ponto também. Sairia dali com Shin naquele momento e, nesse aspecto, tinha certeza de que aquela mulher iria apoiá-la.

~~

— Nunca vou permitir a separação. NUNCA! — urrou Min-joo, batendo os punhos contra a mesa, para o homem à sua frente.

Estavam no escritório da mansão, às portas abertas, tendo uma discussão nada discreta. Ele tentando iniciar seu ponto entre um berro e outro dela, e contar sobre sua decisão, a de que iriam se separar. Revoltada, a esposa continuava a elevar a voz, inconformada que fosse perder a disputa para a empregada interesseira.

— Você sabe que eu não a amo…

— Quem se importa com amor, seu idiota?! Você não vai me humilhar, não vai me destratar! Meu pai não me vendeu para você e melhorou a imagem da empresa Wang para que pudesse me descartar assim, como um lixo, na primeira oportunidade.

— Não é nada disso — Hansol suspirou, fatigado de tanta gritaria — Min-joo, sejamos sensatos…

— E o seu filho?!

— Gun terá todo o suporte possível…

— Todo suporte possível? Meu filho é uma criança de rua, por acaso, para precisar de ‘todo o suporte possível’?!

— Mamãe?

Uma criança se esgueirou para dentro do escritório, um garoto de três anos chamado Shin, caminhando diretamente para o tumulto ao qual havia sido despertado de seu sono minutos atrás. Seu rostinho choroso fitava, assustado, os adultos berrarem ofensas um para o outro. Tentava entender o que acontecia entre seus pais e como poderia fazer aquilo cessar.

— Mamãe? — retornou a chamar quando a mulher de roupa vermelha não o escutou. Ela estava gritando tão alto que seus ouvidos doíam — Mamãe… Mamãe… Mamãe… Mamãe… MAMÃE!

— O que, sua peste? — Min-joo retorquiu, ensandecida pela interrupção, pela voz, pela inconveniência, pela criança, pela origem da criança, por ter de chamar aquela criança bastarda de sua.

Num ato de puro ódio, agarrou o cinzeiro de pedra que ficava sobre a escrivaninha e arremessou contra a vozinha aflita às suas costas.

O objeto alçou um voo desajeitado pelo cômodo, vencendo a gravidade por tempo suficiente para que chegasse potente em seu alvo. O som da pedra se chocando contra o crânio de Shin foi seco, feio e pavoroso. Não houve choro. Ele apenas deu dois passos pequenos e desorientados para trás e desmontou no tapete.

Hansol ficou olhando para o menino desfalecido, petrificado, e somente foi despertado do transe pelo berro agonizante de Hin Hee tomando o pequeno nos braços. O tapete, o piso, a jovem mãe em desespero e a cabeça de Shin… Tudo era vermelho-sangue.

Os olhos de Hin Hee nunca haviam ficado tão inchados de chorar. Nos últimos vinte dias, os médicos tiveram de abrir a cabeça de seu filho para que o cérebro, que não parava de aumentar devido à lesão, pudesse ter espaço evitando que destruísse as células nervosas por esmagamento contra o crânio.

Constantemente ela se lembrava disso, das palavras exatas do neurologista e, embora fossem termos técnicos de procedimentos padrões para casos de trauma na cabeça, o significado de todas aquelas palavras juntas queria dizer que ela falhara como mãe.

Que mulher deixa seu filho de três anos ser agredido como um animal? Tão machucado ao ponto dos médicos terem de abrir sua cabecinha, ainda em formação, para que ele não morra ou tenha uma sequela pior?

Os céus haviam sido bons com Shin, porque agora ele já estava no quarto de hospital, fora de perigo de vida, a cirurgia refeita, aguardando para a melhora definitiva e a alta.

— O lobo parietal foi o mais acometido, pode ser que ele tenha dificuldade na fala futuramente — um dos médicos avisou para Hin Hee.

A garota rezou tanto para que aquilo não se concretizasse que, até quando cochilava na poltrona, ao lado do leito do menino, sonhava com reza.

Sempre que o filho acordava, tentava falar o máximo possível com ele, para identificar no seu vocabulário ainda infantil e, portanto, limitado, algum problema. Mas a criança estava mais tempo sedada e enfraquecida do que desperta para que ela pudesse avaliar aquilo.

Seguiu rezando e, infelizmente, seguiu odiando.

Não era somente aquela criatura famigerada, Min-joo, o alvo de seu ódio. Um brotinho, que começou singelo na noite do ocorrido, vinha se alastrando dentro do peito da moça e ele tinha destinatário: Hansol.

Se ela tinha culpa no quadro do filho, não estava sozinha nisso. A família Wang também machucou seu bebê. O Wang pai, que obrigou uma mulher de alma desprezível a adotar o rebento de outra; O Wang filho que foi covarde, omisso, reticente e, por que não, arguto em toda aquela situação.

Ora, ele não tinha mais dezessete anos quando plantou uma semente nela. Ele a amava tanto quanto dizia? Então por que não tomou a decisão, no auge de seus vinte e tantos anos, de assumir o romance, o filho e as consequências que o pai imporia?

Wang Hansol nunca se sujeitaria a ser deserdado. Viver na pobreza, como a grande maioria da população coreana… Como alguém normal?

Hin Hee, ela pensou, você foi tola em acreditar que ele um dia abandonaria a regalia por você e por seu filho. Ele apenas esperou, te usando durante o percurso, um beijo roubado aqui, um abraço escondido ali, para que pudesse ter tudo o que queria quando a maré virasse ao seu favor.

Hin Hee olhou para o tigre de pelúcia que o homem havia trazido de presente para Shin, aos pés da cama-leito do menino, e teve vontade de despedaçar a pelúcia inteira com as mãos. Então foi a sua burrice que quase matou o filho, afinal.

A enfermeira da noite veio para conferir os parâmetros e medicar Shin e ela aproveitou para ir ao saguão do hospital, um plano se formando em sua mente.

— Mamãe — ligou para sua mãe de um telefone público depois de depositar algumas moedas no aparelho.

— Minha filha, estávamos preocupados, quase um mês sem nos ligar. Aconteceu algo?

Hin Hee engoliu em seco. Poupara os pais da notícia da agressão contra o neto, daquele horror sem explicação, mas eles eram sua única saída e, uma hora ou outra, precisaria contar a verdade.

— Tudo bem, mamãe.

— Sua voz parece cansada…

— Muito trabalho, somente muito trabalho.

— Cuidado com a saúde, meu bem — a senhora a advertiu ao seu modo maternal — E como vai Shin?

Revolta e controle se digladiaram dentro dela por alguns segundos. Após um longo suspiro, mentiu:

— Está ótimo, cada dia mais fofo e levado. E papai?

— Ah… Reclamão e cheio de dores. Dor nas costas, dor nas pernas, dor nos braços. Esse homem é um saco de dor.

— Ele não havia melhorado das articulações? O que houve? Parou de se tratar?

A mãe imitou a filha com outro suspiro cansado do lado de lá da linha:

— Não estamos tendo tempo para mais nada… As colheitas estragaram todas devido a problemas com uma praga na terra. Agora estamos recebendo visitas técnicas da prefeitura, mas o estrago está longe do fim.

"Aigoo... Não vou ficar reclamando muito porque seu pai disse que não quer que você se incomode conosco, mas nosso dinheiro ficou muito curto. Ia enviar uma lembrancinha para meu neto mês passado e nem isso consegui. No momento, é impossível ir para o centro da cidade se tratar também. Temos de focar na colheita ou perderemos tudo."

— Nossa — a péssima notícia deixou a jovem ainda mais arrasada —Vocês estão precisando de dinheiro?

— Não, minha filha, não esquente conosco. São só preocupações corriqueiras… Aish, nem deveria estar te falando dos nossos problemas. Somos só dois velhos, podemos viver muito bem a base de sopa e arroz. Mas conte mais do meu netinho…

Hin Hee retornou para o quarto do filho sentindo que saíra de lá carregando uma tonelada nas costas e voltando com dez. A enfermeira terminou seu serviço, desejou boa noite à mãe em desolação e deixou-a na companhia do menino e de outra pessoa que chegara para o visitá-los.

— Como ele está? — Chang Ru, de pé, diante do leito de Shin, indagou à jovem.

— Ele é um menino muito forte — respondeu, se aproximando dele e acariciando sua testa. A cabeça, que precisou ser raspada, estava toda enfaixada.

— Conversei com Hansol. Os médicos disseram que ele precisará de acompanhamento com fonoaudiólogo e consultas com especialistas no próximo ano. É verdade, Hin Hee?

— É… ainda não há como avaliar se as lesões vão sequelá-lo, então querem aproveitar e iniciar os testes preventivos enquanto o cérebro está em desenvolvimento.

— Como alguém pode ser tão cruel? — a mais velha vociferou para si — Essa mulher deveria estar na cadeia. Se não fosse pelo bebê dela, eu mesma a denunciaria para a polícia.

— E ela se safaria… A família Yoon tem muito dinheiro, assim como a Wang… É um mundo engraçado… — ela objetou com amargura.

— Você pretende ir para a casa dos seus pais quando Shin ganhar alta?

— Eles estão enfrentando problemas financeiros e também não andam lá muito bem de saúde… Eu não sei…

Chang Ru, que morria de dó daquelas duas crianças, mãe e filho, duas almas puras fisgadas nos jogos de poder e ganância que somente o dinheiro fomentava, caminhou para perto da moça e ofereceu apoio. Hin Hee estimava aquela mulher como a uma irmã mais velha e, sem rodeios, encostou a cabeça no ombro dela e se deixou ser abraçada.

— Não sei qual será sua decisão a partir daqui, querida, mas fique informada que podem viver pelo tempo que quiser dentro da minha casa.

Ainda não era o futuro ideal, porém era um começo, ponderou a jovem mãe quando a possibilidade de viver com Li Chang Ru lhe foi ofertada. Ela poderia ficar em Busan acompanhando o tratamento do filho, procurando outro trabalho como doméstica e não precisaria ver o rosto de Min-joo.

Assim, quando Shin teve alta, ela e o menino passaram um mês morando na casa da mulher e, embora as circunstâncias que levaram àquilo fossem as piores, Hin Hee teve as melhores semanas de sua vida desde que soube que estava grávida.

Os dias eram reservados somente para Shin e ele era um garoto tão bom e gentil; não dava nenhum tipo de trabalho, estava o tempo todo sorridente e solícito, e sequer parecia se lembrar da agressão.

Os dois dormiam na mesma cama, passavam grande parte do dia juntos e apenas se desgrudavam por algumas horas, quando ela ia atrás de emprego. Nesse momento, o pequeno continuava em boas mãos, na tutela da dona da casa e na companhia de seu meio-irmão mais velho, o igualmente bondoso, Wang Sook.

Então a paz terminou outra vez…

Hansol perdeu sua paciência com as evasivas da moça, telefonemas não atendidos e visitas recusadas, e exigiu conversar em particular. Uma limusine parou diante da casa dos Li e seu motorista pediu para que ela o acompanhasse até a Mansão da Lua. Hin Hee sabia que aquela oferta não era passível de recusa.

Dentro da propriedade, o herdeiro a esperava em seu escritório com um sorriso calmo e amoroso, sem se dar conta do sentimento beligerante que sua antiga amante carregava por ele em seu peito.

— Sente-se, minha querida…

— Estou bem assim — ela continuou em pé, o olhar gélido, encarando-o.

— Tenho saudades de você e do nosso filho. Como ele tem passado os últimos dias? Você tem me ignorado... Os médicos deram alguma avaliação positiva?

— Shin continua com amnésia retrógrada¹, se é isso que quer saber.

— Hin Hee… Sei que está devastada, eu também estou. Foi um acidente, mas, mesmo assim, não há justificativa.

— Não houve acidente. Foi intencional.

— Min-joo está na casa dos pais, ela ficou abalada pelo que causou.

— Estranho... Não a vi indo ao hospital pedir desculpas ao meu filho ou a mim — rebateu de pronto. Hansol a olhou com uma atenção especial, notando um brilho diferente no olhar outrora ingênuo da sua amada.

— Eu vou precisar de um pouco mais de tempo para organizar o divórcio, as coisas na empresa voltaram a desandar com a morte de papai, mas vou me separar dela até o fim do próximo ano.

“Enquanto isso, volte para a mansão com Shin, tudo bem? Soube que está procurando emprego em Busan e não há necessidade. Passe os próximos meses apenas se dedicando a ele, o levando aos médicos e tudo mais. Não sei se ele pensa em Min-joo ou fala dela, mas, por enquanto, te colocarei como babá de Shin para que possa ficar o mais perto possível do nosso filho.”

— Não quero voltar.

— Ah, Hin Hee, eu sei que está revoltada… — ele aproximou-se dela e a abraçou de repente — Apenas mais um tempinho. Meu sogro vai tirar as ações que colocou na empresa caso me separe dela agora… Estamos no início de uma pequena crise e…

— Me solte, Hansol.

— O que?

Ela o empurrou para longe e reforçou sua vontade:

— Não vou voltar. Acabou entre nós. Somente meu filho importa agora. Vou arrumar um emprego e pagar minha moradia dignamente na casa da senhora Li enquanto os tratamentos médicos continuam. Quando ele estiver bem e saudável, vamos embora para PyeongChang.

— Por que isso?

— Você ainda pergunta?

— E o nosso amor? Nossa promessa?

— A promessa não incluía meu filho quase morto. Eu olho para seu rosto e não sinto mais amor, eu sinto raiva. Eu vejo Shin jogado nesse chão, sangrando, cada vez que te revejo.

— Não fale assim.

— Me solte — ela ordenou assim que a mão dele segurou em seu pulso com desespero.

— Eu te amo, Hin Hee.

— ME SOLTE! — a jovem exigiu e, desvencilhada do toque dele, partiu da mansão de imediato.

No dia seguinte, logo após retornar de mais uma entrevista de trabalho, Hin Hee descobriu que sua ingenuidade ainda a acompanhava. Hansol aproveitara a ausência da mãe para levar o filho e, embora Chang Ru tenha gritado e protestado com o ex-marido, Shin foi colocado dentro da limousine e levado para a Mansão da Lua pelo pai.

Tremendo de ódio, Hin Hee adentrou na propriedade e começou sua busca obstinada pelo menino. Encontrou-o na cozinha, no colo de Hansol, que dava de comer ao pequeno e sorria:

— Não vou te oferecer uma cadeira porque sei que não vai querer sentar, Hin Hee. Serei direto, para facilitar. Shin não vai sair desta casa para morar em nenhum outro lugar. Ele é meu filho, meu segundo herdeiro, e será criado debaixo do meu olhar.

— Hansol…

— Entendo seu ódio por mim e sei que ele passará em breve… e quando isso acontecer, continuarei te esperando de braços abertos. Por enquanto, você volta para a casa e seguimos com o combinado de antes.

— Eu sou a mãe dele!

— Não segundo a lei. Seu nome não está citado na certidão de nascimento. Eu tenho direitos sobre Shin, você não.

— Meu Deus, você está falando igual ao seu pai… Você virou o seu pai…

— Você me obrigou a agir assim.

Durante um dia e uma noite, Hin Hee não conseguiu comer, dormir, ou viver com tranquilidade. Ela sonhava em voltar no tempo e nunca ter conhecido aquele homem inescrupuloso, ou conhecer, consumar o ato sexual que resultou no nascimento de Shin, mas fugir do país assim que soubesse da gravidez.

No momento, ela ainda ponderava essa possibilidade, mas as coisas haviam se complicado. Se a saúde da criança ficasse comprometida porque ele não teve o tratamento médico na hora crucial, ela jamais se perdoaria. O pai do garoto tinha o dinheiro, os meios, enquanto ela não tinha nada.

Encurralada por forças maiores, restava apenas uma última cartada para Hin Hee. Ela não permitiria que Yoon Min-joo compartilhasse do mesmo teto que o seu filho. Desse modo, no dia seguinte, a garota foi procurá-lo.

— Eu continuarei na mansão…

— Que bom! Resolverei tudo o mais rápido…

— Mas tenho uma condição.

— Já disse que…

— Não importa o que diga, eu posso pegar meu filho em algum momento de deslize seu e desaparecer da sua vista. Pegar um barco clandestino para a China e sumir, você nunca iria me encontrar. Mas ele tem um nome importante, tem uma herança... tem uma chance de se tornar alguém na vida, ele tem direitos.

— E eu vou dar tudo isso a ele, já lhe disse. Shin será tratado como um príncipe.

— Ele nunca será humilhado como eu, nunca será destratado ou menosprezado por não ter dinheiro — lágrimas furiosas escorriam pelas bochechas da jovem.

— Oh, Hin Hee, não leve para o lado pessoal… Eu também estou desesperado, não fique achando…

— Não se aproxime! Somente me escute… Quero que se separe daquela mulher agora, não vou permitir que ela durma sob esse teto por nem mais uma noite se meu garotinho morar aqui.

— Não te disse que estou em crise na empresa?

— Se você não fizer o que estou ordenando, vou desaparecer com ele. Se você não fizer isso, estará me dando provas suficientes de que não se importa com Shin. Nenhum pai poderia permitir algo do tipo.

— Que droga… — Hansol passou as mãos pelos cabelos, desestabilizado — É isso?

— Tem mais. Eu quero ser promovida. A última governanta se aposentou depois do falecimento do seu pai. Eu preciso de dinheiro para enviar à minha família. Me coloque nesse cargo.

— Tudo bem, Hin Hee, isso eu posso fazer…

— E nunca mais me chame de Hin Hee… A partir de hoje nós nos tratamos com profissionalismo. Me chame de Nyeo. Governanta Nyeo.

Hin Hee tomou o cuidado de suavizar algumas daquelas lembranças ao contá-las para Shin. Hansol podia ter agido como um canalha contra ela, mas o menino não merecia escutar, por exemplo, que ele a ameaçara para conseguir mantê-los por perto.

Sempre que a mulher pensava sobre aquelas atitudes que se tornaram um divisor de águas na relação entre ela e o pai de seu filho, se amargurava. Por mais que a jovem Hin Hee houvesse sido uma garota ingênua ao se apaixonar pelo herdeiro, seu coração não costumava falhar ao julgar o caráter das pessoas.

Talvez as palavras do homem fossem apenas latidos desesperados e, se ela insistisse, conseguiria se afastar. Mas a moça não pagou para ver, ainda lhe era concedido o direito de ver a criança e precisava se agarrar a essa oportunidade com as duas mãos.

A verdade é que o Hansol, que ela amara à primeira vista e que chegou a confrontar o patriarca Wang ao revelar seu desejo de casar-se com a empregada, fora transformado pelo poder massacrante do dinheiro.

Não quero que pense mal de seu pai, Shin. Ele te ama muito — ela reforçou seu desejo — Isso foi há muito tempo, não vale a pena remoer nada disso.

— Não há mais tempo para nada disso — ele concordou, se referindo ao inevitável que estava prestes a alcançá-los. O rapaz mantinha a expressão meditativa, digerindo todos os fatos que encurralaram sua jovem mãe e permitiram que ele continuasse sendo o primogênito de Min-joo — E o que houve depois? Meu pai expulsou a mãe de Gun e Jung da mansão?

— Sim, apenas alguns dias após o meu pedido. Entretanto, ela continuou sendo sua mãe no papel… E o tempo passava sem trégua…

— Meu pai casou com a senhora Ah Ra...

— Exatamente — ela concordou um meneio de cabeça — O pai de Min-joo retirou uma grande fatia de ações, que vieram junto com o casamento da filha, da Wang S.A., e Hansol ficou em pânico. Seu avô deu o sangue para erguer o patrimônio e, então, meses depois de sua morte, o filho joga tudo pelo ralo? Ah não… Seria demais para ele.

“Havia outra família endinheirada na cidade querendo investir na empresa, e com uma filha solteira disponível. O casamento ocorreu num piscar de olhos”.

— As coisas continuaram difíceis para a senhora?

— Ah Ra era esnobe e irritante, mas mil vezes mais maleável que a sua antecessora, se é isso que quer saber — a seguir, sorrindo com tristeza Hin Hee completou — Mas no que se referia a você, filho, piorou. Muito…

 Com o tempo, Nyeo aprendeu que o tempo não para para ter certeza se você está se dando conta dele ou não. Os anos simplesmente se foram e a menina sonhadora virou uma mulher taciturna, observando de longe as primaveras de seu filho chegarem sem nunca poder amá-lo livremente como lhe fora prometido.

Shin se curou de sua amnésia retrógrada dois anos após o trauma e continuou reconhecendo Yoon Min-joo como mãe. Ela não tinha nenhum motivo para compactuar com a mentira, odiava o menino com todas as forças, era só olhar para o modo como seu rosto se transformava ao vê-lo. Contudo, Nyeo também entendeu que havia formas estranhas de amor, formas doentias, e logo descobriu que a mãe do terceiro filho de Hansol sentia por ele uma paixão patológica.

Poderia ser o poder que o Wang emanava ou, quem sabe, Min-joo também se encantou com o charme dele. O fato era que ela permaneceu disposta a sustentar a mentira na esperança de um dia voltar para a mansão, como a senhora daquele lugar. Ao menos, era nisso que Li Chang Ru apostava.

Nyeo quase contou que era a mãe do menino aos cinco anos de vida dele, quando o acompanhou na última consulta médica ao neurologista.

Quase contou quando ele fez sete anos e sua avó veio visitar a filha durante uma viagem à Busan. Esse dia foi tão triste, Hoon Sang não conseguiu controlar o choro ao se dar conta que não poderia abraçar seu único neto sem que a situação parecesse estranha demais para o garoto.

A governanta quase contou aos onze anos, no dia em que Min-joo armou uma cena com um brinquedo estúpido que era de Gun, mas estava com Shin. Seu filho saiu devastado da sala e ela, tão alquebrada quanto, disse que acabaria com a mulher se a visse humilhando o menino novamente.

Mas as humilhações nunca cessaram.

Antes que os três cúmplices pudessem se arrepender de seus papéis naquela mentira, Shin já era um rapaz saindo com Sook e o pai numa tarde de domingo para comemorar os seus quinze anos.

Entrementes, nada mudou para o rebento da empregada. Os que não sabiam do segredo, os filhos de Ah Ra, e mais adiante Jung e o filho mais novo de Eun Tak, segregaram o irmão mais velho mesmo que não o destratassem abertamente.

Min-joo e Gun, que se tornou um pavoroso reflexo da frustração da mãe, montaram muito bem esse cenário. “Se a própria progenitora e o irmão legítimo abdicam-no, é porque há algo errado com esse rapaz”, foi o que Nyeo um dia escutou Ah Ra opinando para as crianças Taeyang e Yun Mi. Apenas o jovem Eujin o acompanhava e parecia amá-lo sem ressalvas.

Em mais de uma década, já conseguia olhar nos olhos de Hansol sem odiá-lo mortalmente. Eles até conversavam sobre amenidades e desenvolveram a relação ideal entre patrão e empregado, respeito e profissionalismo.

Com o tempo, inclusive, ele parecia envergonhado de encará-la e era sucinto em suas ordens para que não precisasse criar um vácuo de tempo longo demais entre os diálogos…

… Mas, nesse meio tempo, houve recaídas…

~~

Me chamou, Sr. Wang? — a governanta perguntou ao patrão entrando no escritório – toda vez aquele lugar – o encontrando de um modo misterioso, oculto pela pouca luz do recinto, sentado na poltrona próxima à janela, de cabeça baixa e corpo arqueado.

— Sente-se aqui perto, Nyeo — ele ofereceu a outra poltrona disponível, ao lado dele.

Hesitante pelo cheiro de bebida no ar, ela caminhou para o lugar acenando e se sentou o mais rígida possível.

— Quantos anos fazem que nos conhecemos?

— Quase nove.

— Hum… verdade… — ele realmente estava bebendo, um copo de uísque esquentando em sua mão — Você está perto de fazer trinta e ficou ainda mais linda nesses últimos anos. Já eu, com quase quarenta, estou acabado, não acha?

— Vou deixar o senhor a sós.

— Não vá… — Hansol a agarrou pelo braço enquanto a mulher se levantava — Pare de me chamar de senhor. Pare de me ignorar. Eu ainda te amo tanto, Hin Hee…

— E eu só parei de te odiar há pouco tempo — ela tirou a mão dele do seu corpo com brusquidão.

Hansol levantou, meio cambaleante, o copo de uísque tombando sobre o tapete, contudo conseguiu pegá-la pelos ombros com firmeza.

— Me separei de Ah Ra e a empresa, enfim, é só minha. Não há mais nenhuma barreira entre nós, Hin Hee. Vamos ficar juntos, me perdoe, eu quero ter seu sorriso para mim novamente…

— Me larga! — a governanta o empurrou com violência. Embriagado, ele se desequilibrou fácil e caiu sentado na poltrona outra vez — Espero que não tenha desfeito seu casamento por mim. Nunca ficaremos juntos. Nunca te perdoarei.

O próximo momento que fez Nyeo ter uma conversa íntima com Hansol aconteceu somente uma década e meia depois a contar daquela confissão truculenta no escritório.

Ele somava uma quantidade impressionante de casamentos, filhos e, por que não dizer, um fruto de adultério com Min-joo – essa detestável nunca abandonava o barco – durante o matrimônio com a meiga Eun Tak, a única das esposas, exceto Chang Ru, que Hin Hee estimava. Justo Eun Tak, sem posses ou dinheiro, que Hansol se casou no intuito de despertar ciúmes na governanta após a rejeição… Pobre homem maluco…

Shin era um adulto, o lindo homem que ela imaginou que ele se tornaria, mas que era também melancólico e introspectivo. Cada nova rejeição sofrida por sua família, a incluir a falsa mãe, o arrependimento gravava fundo na apagada mãe biológica.

Já não podia chegar para um rapaz de vinte e quatro anos e dizer “Sou sua verdadeira mãe, a governanta”. Ela sofria calada vendo-o distanciar-se dos irmãos ao passo que era sufocado pelos sentimentos destrutivos de Min-joo.

O dia em que Shin foi acuado na mansão e enxotado pelos Wang e pela falsa progenitora, Nyeo não pôde mais se controlar. Chorando e gritando, acusou Hansol na primeira oportunidade a sós com ele:

— Por que deixou que ele fugisse?! Por que permitiu que aquela cretina o tratasse tão mal?!

— Hin Hee… eu…

— Você compactuou com aquilo! Você está sempre do lado dela e contra seu filho!

— Eu amo Shin.

— Não ama — bradou para o homem que já era um velho — Pare de dizer que ama, ama, ama… VOCÊ NUNCA SOUBE O QUE É AMOR.

— Me desculpe… — Hansol se penalizou levando uma mão ao rosto enrugado para enxugar as lágrimas que não paravam de cair com as acusações dela.

— Encontre meu menino e traga-o para casa imediatamente.

~~

— Ele foi para o exército. Agora temos de aguardar os dois anos para o seu retorno — informou-a com ares de eficiência uma semana depois da partida.

Mas, passado os dois anos, Shin não retornou.

~~

Seis meses e o patriarca ainda não tinha nenhuma notícia do paradeiro do jovem. Seu último rastro terminava no aeroporto internacional de Nova York, Estados Unidos.

— Onde Shin está? — ela o questionava diariamente, cada vez mais angustiada.

— Não sei, Nyeo. Pode estar em qualquer lugar da América. Estou procurando feito um louco, logo vamos encontrá-lo.

Com quatro meses de sumiço, finalmente, Shin foi localizado trabalhando e vivendo razoavelmente bem em um bairro afastado de Portland, no Oregon. Ela quase comprou uma passagem para a América, mesmo sem saber nada do idioma inglês, arriscando revelar o segredo outra vez. Hansol a barrou:

— Dê tempo ao menino... Agora que sabemos onde ele está, tente ficar mais calma. Ele vai voltar até o fim deste ano.

Porém, demorou mais dois torturantes anos, depois de esconder muitos detalhes de como ia a vida do filho, a privando de qualquer detalhe, para que ele viesse com a notícia que ela sonhava:

— Tenho ótimas notícias, Nyeo. Eu o chamei de volta e ele aceitou. Deve chegar ainda esse mês…

~~

— Mamãe! — uma Hin Hee exultante ligou para a senhora Hoon Sang e anunciou — Meu menino está chegando! Ele estará aqui no próximo mês!

— Ah, minha filha… que notícia incrível… Graças a Deus! Meu netinho, enfim de volta à Coreia.

— Nunca mais deixarei ele sair da minha vista desse jeito, mamãe. Isso não é um aviso, é uma promessa.

Embora o dia estivesse escuro, Shin percebeu, ao olhar vagamente pela janela, que algumas horas haviam transcorrido desde que ele entrara no quarto dela para conhecer a história de sua origem.

— Posso ficar falando até o dia seguinte sem parar que ainda terei coisas para contar… Mas foi assim que aconteceu. Não é uma história bonita, eu sei… eu sinto muito — Nyeo comentou, cabisbaixa.

— Hin Hee… — o rapaz a chamou daquele jeito meigo que ela amava escutar — Algum dia, se tudo continuasse calmo e favorável, era sua intenção me contar a verdade?

— Filho… — os olhos da pobre mulher logo se inundaram de lágrimas novamente. Gentilmente, Shin saiu da cadeira de onde estava e, agachado na frente dela, ainda sentada na cama, enxugou suas lágrimas com os polegares.

— Eu quero combinar uma coisa com a senhora — ia dizendo enquanto secava o rosto de olhos bondosos da governanta Nyeo, olhos idênticos aos seus — Nada de choro desnecessário. Esse tempo já passou. Se for uma pergunta inoportuna que só vai aborrecê-la, esqueça.

— Não é isso, Shin — ela o pegou firmemente pelas mãos — É que eu fui uma covarde…

— Uma pessoa muito corajosa, você quer dizer.

— Claro que não. Eu te deixei em sofrimento nas mãos daquela mulher horrível, te deixei passar por tantas coisas terríveis…

— E me salvou em tantas outras quando foi bondosa, maravilhosa e gentil comigo. Quando foi minha mãe e me fez experimentar esse sentimento, mesmo sem eu saber.

Nyeo Hin Hee não tinha mais argumentos contra aquele menino. Ele guardava sempre uma resposta na ponta da língua e a desestabilizava em suas emoções.

— Vem cá, me dá um abraço, por favor — ela se levantou terminando de limpar a face chorosa, abrindo os braços.

Ele aceitou o carinho e envolveu-a em seus braços longos. Aconchegando-a em seu corpo, Shin preferiu não pensar nos trinta anos que viveu sem a mãe, mas sim se concentrar em todos os outros em que teria uma.

Embaixo da janela do quarto, Nyeo Gyung Ho e Hoon Sang tentavam segurar as lágrimas de felicidade ao mesmo tempo em que se repreendiam, fazendo caretas um para o outro, para não fazerem barulho e atrapalharem aquele momento.

 ***


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Notas finais do capítulo

¹Nesta forma de amnésia a pessoa consegue se lembrar de eventos posteriores ao trauma, mas não consegue se lembrar de eventos anteriores a doença (trauma).

Glossário:

Concubina Oh - Nyeo Hin Hee
Hae Soo - Go Ha Jin
Hwangbo Yeon-hwa - Wang Yun Mi
Imperatriz Hwangbo - Woo Ah Ra
Ji Eun Tak (OC) - 4ª esposa de Wang Hansol
Khan Mi-Ok (OC)- amiga de Ha Jin
Lady Hae - Kim Na Na
Li Chang Ru (OC) - 1ª esposa de Wang Hansol
Park Soon-duk - Doh Hea
Park Soo-kyung - Doh Yoseob
Park Sun Hee (OC) - Esposa de Sook
Sung Ryung (OC) - empregada/amiga de Ha Jin
Taejo - Wang Hansol
Wang Baek Ah - Wang Eujin
Wang Eun - Wang Sun
Wang Yo - Wang Gun
Wang Ha Na - filha de Wang Sook
Wang Jung - Wang Jung
Wang Mu - Wang Sook
Wang So - Wang Shin
Wang Wook - Wang Taeyang
Yoon Min-joo - Imperatriz Yoo



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