Hugo escrita por Rossetti


Capítulo 1
Um


Notas iniciais do capítulo

Eu não dividi essa historia em capítulos. Era para ser uma one, mas me empolguei. Então a divisão dos capítulos provavelmente está estranha.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/715287/chapter/1

Hugo.

Um nome simples, uma palavra curta, uma pronuncia fácil.

Mas que sempre me trouxe uma onda de sentimentos contraditórios que me arrastavam e me encantavam, me afogavam e me afagavam, me assustavam e me acalmavam. Um nome tão doce que as vezes eu sentia a necessidade de fechar meus olhos para pronuncia-lo apropriadamente, como se faz quando você aprecia seu sabor ou odor preferido.

Mesmo em minha lembrança mais antiga, posso ouvir seu nome.

“O nome dele é Hugo.” Meu pai disse, me levantando para que eu visse meu novo irmãozinho. E era apenas uma coisinha miúda embolada num monte de pano. Um pedacinho de humano, que achei bem feinho a princípio, para ser sincero. Imagino o que meu eu de quatro anos faria se soubesse que aquela coisinha pequena viria a ser a pessoa mais importante de minha vida, que aquele nome seria o que eu diria mais vezes enquanto estivesse vivo. E que o diria de todas as formas possível: Rindo, chorando, sussurrando; num microfone, num sussurro, durante um orgasmo, durante crises de raiva, enquanto dormia; diria até mesmo para as paredes brancas de meu quarto. Hugo, Hugo, Hugo.

Não me lembro quando foi que o pedacinho de humano feinho se transformou em um pedacinho de humano um pouco maior e bonito, muito bonito. Senhor, como é que Hugo conseguiu ser sempre tão bonito?

Com dois anos ele era o centro das atenções em qualquer lugar que ia, sem precisar se esforçar. Todos gostavam do seu cabelo escuro perfeitamente cacheado, sempre com algumas molinhas caindo no rosto. E os olhos castanho-esverdeados, não dava para não achar lindos ou ficar admirado por ele ter a pele morena, quase negra, e olhos claros. E os sorrisos, a forma como mexia as mãos quando falava com os outros, as bochechas fofas, os dentes de coelhinho... Tudo o tornava uma criança encantadora. E cada adulto fazia questão de pegá-lo no colo e mimá-lo.

Se eu sentia inveja? Não, não sentia. (Bem, talvez do cabelo). Mas o que me deixava bolado era o ciúmes.

Claro que eu não entendia o que era ciúmes naquela época, muito menos havia qualquer sentimento além do fraternal, mas era ciúmes, ciúmes brabo, e tirem a mão do meu irmão, seus urubus!

Eu não era nada chamativo. Não vou ter a falsa modéstia de dizer que era feio, porque não era. Mas meu cabelo apenas não crescia da forma que eu queria, como se toda a extensão dos fios estivesse colada no meu couro cabeludo, então minha única opção era deixar curto. Mas sempre tinha alguém para me dizer que meus lábios eram bonitos. E eu acabava recebendo muitos pedidos de beijos em bochechas. Duvido que qualquer criança nesse planeta tenha beijado mais bochechas do que eu.

Mas eu gostava mesmo é de beijar a bochecha de Hugo, de surpresa, de forma que ele ria alto.

Aliás, eu gostava de fazer qualquer coisa com Hugo. Nós dormíamos juntos, tomávamos banho juntos, brincávamos juntos.

Ah, eu tinha outra irmã, a Adassa. Um ano mais nova que eu, três anos mais velha que Hugo. Mas ela era mais grudenta com minha mãe. Talvez fosse coisa de menina, talvez porque Hugo e eu fossemos colados demais para que ela se sentisse incluída.

E foi Adassa quem mais sentiu quando meus pais se separaram. Foram dias bem confusos, nenhum de nós entendia o que estava acontecendo. Acabamos ficando um tempo aqui, outro ali. Só me lembro de passar algumas noites sem Hugo dividindo a cama comido e foi triste e chato. E depois veio a falta da minha mãe, ficou ainda mais triste e mais chato.

Adassa, Hugo e eu ficamos com nosso pai. Incomum, não? Mas para explicar isso, digamos apenas que meu pai sempre foi uma mãe melhor do que minha mãe.

Nos mudamos para um apartamento em um prédio baixinho e vermelho vivo, bem entre o apartamento da minha avó paterna e o do tio Edmundo/da tia Veniele. As coisas melhoraram a partir daí.

Resumindo a família Guerreiro, meu avô paterno tinha sumido no mundo há muitos anos. Minha avó se chamava Maria e era muito católica, com a casa sempre cheirando a velas e cheia de imagens de santos. Mas era a melhor cozinheira de doces do mundo, teimosa como uma porta e amante de laços vermelhos. Sua pele era mais negra do que de todo o resto da família e seu cabelo totalmente indomável. Não que ela tentasse domar o cabelo; deixava ele crescer pra onde quisesse crescer e simplesmente colocava um enfeite de lacinho vermelho nele. Ela teve dois filhos, meu pai e tio Ed. Quando eu era criança, tio Edmundo jogava futebol, mas com o tempo ele foi engordando. Era o responsável oficial por todas as piadas ruins de tio. Sua esposa, tia Vanielle, como a maioria de nós, tinha a pele negra, olhos e cabelo castanho. Parece que ela e Ed se conheciam desde pequenos, tipo melhores amigos que se apaixonaram. Tinham uma filha da minha idade, a Tatiane. Passamos a conviver mais com Tati depois de mudarmos e Adassa ficou muito feliz em ter alguém para brincar de bonecas com ela.

Bem, na verdade eu gostava de brincar de boneca com Adassa, as vezes. Mas ela quem dizia que eu não podia, por ser menino. Eu ficava bem chateado, mas esquecia depressa. Hugo era mais divertido, de qualquer jeito.

Voltando, onde foi que parei? Ah, sim. Tati sempre foi muito princesinha gótica. Princesinha Gótica foi o apelido dela no ensino médio, para se ter uma noção. Isso porque ela adorava vestidos, laços, rendas, babados, mas tudo preto, muito preto. Já Adassa era totalmente o contrário, se vestia feito um menininho, mas amava rosa. Tênis rosa, boné rosa, bermudão rosa. Não me pergunte como elas se tornaram melhores amigas assim que passaram a conviver, porque não sei explicar.

Meu pai era quieto. Gostava de fumar em silencio e de ouvir músicas calmas sentado perto da janela. Dificilmente falava o que sentia, mas quando falava tinha aquele tom de ponto final. E mesmo sendo uma pessoa séria, ele tinha os momentos em que se divertia. E era amoroso, muito amoroso. Trabalhava de segurança numa loja grande e acabou tendo que fazer uns horários malucos para ganhar mais e nos sustentar, depois da separação. Um dos motivos para termos ido para perto do resto da família; passávamos muito tempo no apartamento da vovó ou dos tios.

Tínhamos outros parentes, é claro. Mas esses são os que estiveram perto de nós o tempo todo, que viram tudo acontecer. Eles e Sonia.

Ah, Sonia. Sinceramente, não sei se ela teve participação na separação dos meus pais, mas ela entrou nas nossas vidas muito pouco tempo depois de nos mudarmos para o prédio vermelho. Ela era a amiga do meu pai, depois a namorada dele, por fim a esposa dele. Ela acabou nos criando. Adassa e eu sempre achamos estranho chamar Sonia de mãe, apesar de tudo, porque nossa mãe ainda estava viva e tínhamos contato com ela. Mas Hugo sempre a chamou de mãe e a considerou muito mais como tal do que a biológica. Porém, independente de títulos, nós três sempre amamos loucamente essa mulher. Ela chegou na nossa casa feito um furacão, nos adotou totalmente, nos ensinou milhares de coisas.

No começo minha vó desgostou de Sonia, principalmente por motivos religiosos; Sonia não seguia nenhuma religião e não fez questão nenhuma de realmente casar antes de ir morar com meu pai (que, palavras de minha vó, ainda é marido de Angélica, aos olhos de Deus). Mas logo as coisas melhoraram, era impossível não amar Sonia.

Basicamente, esses foram os principais expectadores de minha história.

E tinha Hugo. Bem, não faz sentido que eu tente resumir quem ele. Hugo é meu assunto preferido e eu poderia passar horas e mais horas apenas explicando quem é ele. Aliás, vamos ser claros, é exatamente o que estou fazendo aqui. Não é sobre minha vida, propriamente, que escrevo. É sobre a vida de Hugo e a minha, entrelaçadas de forma que nada poderia separar. Sempre fomos parte de uma coisa só, inquebrável. Porque todas as vezes que eu parava para admirar seus belos olhos castanho-esverdeados, via meu reflexo neles e sabia que Hugo via a si mesmo nos meus. Parece bobo, mas na minha cabeça isso sempre fez muito sentido.

Ele gostava de ter razão. Ficava bravo quando errava. Na verdade Hugo ficava bravo por muitas coisas, quando era criança, mas conforme cresceu e amadureceu, se tornou mais tranquilo e tolerante. A única coisa que nunca deixou de aborrece-lo foi estar errado.

— Hugo. – Sonia disse uma vez, usando seu tom de voz típico de broncas, segurando uma faca no alto. – O que foi que eu disse sobre correr com facas?

— Eu estava com pressa. – Retrucou, irritado. Não lembro de quantos anos tínhamos na época, mas lembro que ele usava um pijama de cachorrinho. Me inclinei para ver a cena, sentado na minha poltrona preferida, segurando um copo de leite com chocolate na mão.

— Claro que estava com pressa, estava correndo. Com uma faca.

— Papai pediu para eu pegar.

— E precisava correr? O papai ia fugir se você não levasse a faca correndo?

— Eu estava com pressa! – Ele repetiu.

— Pra voltar pra tv? A televisão não ia fugir também.

— Eu estava com pressa! – Hugo gritou, a voz estridente. Sonia virou o rosto, com uma careta, o que a fez notar que eu estava ali, de plateia. Sua expressão se iluminou.

— Gregório, você pode vir aqui e explicar para o seu irmão porque ele não pode correr pela cada com uma faca na mão?

Ah, sim, incrível. Ela me envolveu no problema e Hugo ficaria bravo comigo também. Mas eu fui lá, mesmo assim.

— Hugo, não corra com facas. – Falei, quase entediado.

— Eu tinha que...

— Não.

— ... levar a faca...

— Corra.

— ... para o pai poder...

— Com facas.

— ... parafusar o fio!

— Apenas não corra.

— Aaah! – Ele levantou as mãos para o alto, como se pudesse explodir de irritação a qualquer momento. Então bateu um pouco os pés e, como se pudesse doesse falar isso, murmurou. – Desculpa.

— E o que mais?

— Não vou mais correr com faca na mão. – Ele prometeu, contrariado. Então eu sorri e baguncei um pouco seu cabelo. Hugo ficou dividido entre a raiva que estava de mim e a alegria que sentia sempre que eu fazia isso. Então decidiu apenas sair correndo, dessa vez sem a faca.

Eu já ia voltar para minha poltrona, quando reparei que Sonia sorria, ainda parada no mesmo lugar, como se visse a coisa mais encantadora do universo.

— Você tem tanto jeito com ele. – Ela declarou, provavelmente sentindo necessidade de explicar porque estar sorrindo alucinadamente. – É tão bonitinho.

— A senhora também tem jeito, ué. – Observei, bebendo um pouco de leite. – Hugo é bonzinho, só meio... Brabo, as vezes.

— Ele é bonzinho por sua causa. – Ela riu. – Você não deve perceber, mas no fim ele acaba ouvindo mais você do que qualquer um. – Pisquei de surpresa. Nunca tinha reparado, até ali. Mas era verdade, Hugo me escutava e obedecia muito mais do que qualquer um. – Você é a melhor influência de todas.

Isso fez com que eu sentisse um orgulho que não podia explicar. Me senti totalmente preenchido por uma sensação boa; a sensação de ser especial para ele. Voltei para a poltrona quase levitando e fiquei lá, apreciando o bem estar, aquela paz. Mais tarde Hugo veio me chamar para brincar com ele, a irritação já deixada para lá. Aproveitei para encher seu rosto de beijos, enquanto ele gargalhava e tentava escapar de mim.

Me lembro de ter dez anos e estar no recreio da escola, lançando um olhar de desprezo para um casalzinho. Meus dois melhores amigos, Paulo e Dressa. De mãos dadas, ficando vermelhos, rindo bobamente, trocando beijinhos. Eu estava me sentindo jogado de lado desde o dia que eles começaram aquele namorico estupido.

Era como se alguma coisa ali não se encaixasse. Eu podia entender porque Dressa gostava de Paulo, mas não entendia porque Paulo gostava dela. Ela era divertida, mas não era nada bonita. Nenhuma menina da minha escola era bonita, ao meu ver.

E também era difícil de falar com elas. Eu nunca conseguia ficar muito tempo perto de Tati e Adassa, na escola, porque elas falavam principalmente de meninos de quem gostavam e falar de meninos me deixava sem graça.

Por que as meninas tinham que ser tão mais maduras que nós, pobres homens, que não passamos de meras batatas? Elas, brincando de cartinhas de amor, eles brincando de bater cartinhas.

Não que eu fosse muito bom nisso de ser um menino, um menino bem machinho, essa construção social de que um menino tem que ser bruto, hiperativo e gostar de jogar bola. Meh, se existisse uma prova de meninice, eu reprovaria.

Eu não conseguia chutar uma bola reta para o gol. Nem conseguia correr o dia todo. Sei lá, eu tentava, mas não era eu. Eu gostava de pular elástico, de abraçar e beijar as pessoas, de jogar queimada e de ler. Isso me fez ter menos amigos do que a maioria dos outros? Sim, mas felizmente nunca fiquei totalmente excluído. As pessoas meio que gostavam do meu jeito.

E enquanto eu andava meio largado por aí, porque meus melhores amigos estavam bancando o casal, acabei me aproximando mais de Nick.

Nicolas era aquela criança que todo mundo amava. Os adultos, as meninas, os meninos. Ele estava em todas, era o reizinho dos nossos contos, o noivinho das nossas quadrilhas, o ator principal das nossas peças. Eu conhecia Nick desde bem pequeno, mas acabei me aproximando mais dele naquela época, mesmo.

Não era nada demais. Não era para ser nada demais. Só que um dia eu vi. Sabe, ver.

Estávamos  jogando queimada e, ah sim, eu era ótimo nisso. Eu era o último não queimado do meu time, Nick o ultimo do dele. Joguei a bola e ele pegou. Como todos sabem, mão é fria. E ele mirou em mim. Veja bem, Nicolas nem era tão bom nesse jogo, estava claro que eu podia pegar qualquer bola que ele jogasse. Ele levantou o braço e a cena seguinte se passou em câmera lenta. Uma novem saiu da frente do sol, que bateu numa arvore, que impediu que a maior parte da luz chegasse até nós. Mas um pequeno feixe de luz se esgueirou por entre os galhos e chegou até o cabelo castanho do Nick, criando um reflexo avermelhado, tão bonito. Caramba, olha só como o Nick é bonito. Ele é bonito demais. Acho que beijar não deve ser tão ruim se for com o Nick.

Ooh, droga.

Eu fui queimado. Caí para tras. Meu time perdeu.

E estava, literal e metaforicamente: No chão.

Aquela tarde cheguei em casa e abracei Hugo, como se ele fosse um ursinho de pelúcia, e fiquei deitado pensando em que merda estava acontecendo comigo.

Nina nasceu quando eu tinha onze anos; minha irmãzinha, filha do meu pai e de Sonia. Nina provavelmente foi o bebe mais mimado da história, com três irmãos mais velhos, uma prima e um monte de adultos em volta. Tenho lembranças sensacionais dessa época. Como o dia em que todos dançamos no gramado do campo de futebol ao lado do prédio. Meu pai com Nina nos braços, mais feliz impossível. E eu tentando inventar passos, com Hugo. Era fim de tarde, o céu estava cor de rosa, as andorinhas voavam de volta para seus ninhos.

Lembrança nostálgica.

Com treze anos, beijei umas meninas para ver se conseguia ser pelo menos um pouco menos gay.

Não me julgue, isso fazia sentido na minha cabeça de adolescente desesperado.

Entenda, eu não queria ser gay. Por que logo eu? Eu só queria ser “normal”. E para meu eu adolescente bobo, ser gay significava um monte de coisas ruins e ninguém mais gostaria de mim ou me trataria bem se descobrissem.

Cheguei até a namorar uma menina, a Renata. Levava ela em casa, para os almoços de domingo. E Hugo odiava ela com todas as forças. Ele não era mais uma criança pequena, então mais de uma vez acabei ficando bravo com ele, por causa disso.

Me lembro de ser domingo à noite e estarmos parados no corredor, Hugo e eu, discutindo.

— Você não pode tentar expulsar minha namorada de casa, cada vez que ela vem aqui, Hugo. – Falei, tentando ser mais paciente possível.

— Eu não expulsei ninguém. – Ele estava claramente evitando me encarar. – Só convidei ela pra se retirar.

— Espertinho, muito espertinho. Pare de ser criança, Hugo.

Ele me lançou um olhar magoado e senti vontade de pedir desculpas imediatamente. Que se foda ela, sinto muito, você tem razão, você é mais importante, foi o que tive vontade de dizer. Mas eu era o mais velho e estava certo, não ia ceder assim.

— Eu sou uma criança, se você não sabe. – Hugo declarou, venenosamente.

— Ah, uau! – Fui sarcástico. Então respirei fundo e encostei na parede. – Por que, Hugo? Você é tão maduro. Pra que, de repente, resolver agir assim?

— Você nem gosta dela!

— Como pode saber? – Retruquei.

Hugo abriu a boca, sem saber o que dizer. Então sua postura mudou, ele desviou o olhar, com a cara fechada, e colocou as mãos nos bolsos de trás da calça. Naquele momento eu não sabia, mas era a primeira de milhares de vezes que eu veria meu irmão reagir assim a situação difícil de lidar. Passou despercebido de cara, mas se tornou um habito, uma coisa muito Hugo. Olhar para o chão, esconder as mãos e ficar com uma expressão ilegível, isso tudo é uma marca registrada do Hugo adulto.

— Eu sou seu irmão e sei disso. Eu sei quem você é, sei exatamente tudo o que gosta e o que não gosta. – Ele falou. E de repente parecia que eu era a criança ali, que Hugo estava muitos anos de maturidade e entendimento da vida à minha frente. Eu não tinha uma resposta para aquilo, porque parecia que a conversa tinha perdido o rumo, mesmo que a resposta dele tenha sito totalmente adequada para o que perguntei.

Eu sei quem você é. Aquelas palavras entraram na minha cabeça, como se tivessem sido tatuadas no meu cérebro. De certa forma eu me sentia como se Hugo pudesse ver além de minha aparência, meus hábitos e de minhas mentiras. Podia imagina-lo esticando sua mão e atravessando a barreira do que era físico, tocando em minha alma, tateando e explorando cada pedacinho dela. Apenas Hugo podia fazer isso.

Não me lembro exatamente como aquela discussão acabou. Nossas brigas sempre ficavam para trás, esquecidas em pouco tempo. E não vou dizer que brigas eram raras, porque não eram. Mas a maioria acabava tão rápido quanto essa.

Meu namoro acabou bem rápido também. Eu era o pior namorado do mundo e sempre esquecia de dar atenção para ela. Acho que a gota d’agua foi quando prometi que ia ligar para Renata depois da aula, mas quando cheguei em casa as coisas estavam meio complicadas.

Apenas tia Vanielle estava lá, como era normal naquele horário. Ela estava passando mal para caramba e eu entrei em desespero. Passei boa parte da tarde segurando seu cabelo, enquanto ela vomitava. E quase chorei de alivio quando Sonia e minha vó chegaram (com Hugo na barra de suas saias e uma Nina resfriada e emburrada). Tive que ficar de babá, enquanto elas acudiam minha tia.

Só fui lembrar de Renata no dia seguinte, quando vi ela na escola. Não tivemos exatamente um termino, já que ela se recusou a falar comigo. E, mesmo que eu não fosse louco por ela, isso me chateou.

Quando cheguei em casa nesse dia, todos estavam lá, almoçando. Não era comum, meu pai e tio Ed almoçavam no trabalho, Adassa e Tati passavam o dia todo na escola.

— Greg! – Hugo correu e me abraçou assim que me viu. Eu enchi seu cabelo de beijos, antes de olhar para o resto da família.

— Que cara de tristinho. – Sonia comentou, o sorriso murchando de seu rosto. – O que aconteceu, meu bem?

— Eu acho... Que meu namoro acabou. – Respondi, ainda parado no mesmo lugar, porque Hugo ainda estava grudado em mim. Quando ele ouviu isso, levantou a cabeça, surpreso.

— Ah, querido. – Ela suspirou. – Sinto muito mesmo. Quer um chá, alguma coisa?

— Não, eu... – Passei a mão no cabelo de Hugo, distraído. – O que vocês estão fazendo?

— Comemorando. – Hugo deu um sorriso brilhante para mim, com seus dentes de coelhinho. Encarei os demais, curioso.

— Vani tá gravida! – Tio Ed contou, aparentemente incapaz de guardar a informação por mais um segundo. – Ela tentou esconder isso da gente, mas pegamos ela no pulo! Depois de ontem não deu pra esconder mais.

— Wow! – Exclamei, de repente sentindo uma onda de alegria.

— Vocês fazem muito alarde. – Tia Vanielle estava constrangida, mas feliz. – Não é meu primeiro filho, muito menos a primeira criança nessa família, seus exagerados!

— Não, mas é mais um Guerreiro! – Cantarolei, esquecendo totalmente porque estava deprimido. Hugo levantou os braços e soltou um “viva”.

E foi assim que morreu minha única história “romântica” com uma menina.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

3500 palavrinhas no primeiro capitulo está bom?