Ela entrou na música ao fechar os olhos. Aos poucos, começou a movimentar o corpo com a melodia. Usou a cintura, ergueu os braços de forma delicada, estralando os dedos de acordo com a batida. A música acelerou. Ela fez um movimento passar dos braços para os ombros, e então para o busto, cintura, quadril e pernas, em seguida fazendo o caminho de volta. A música deu uma batida mais forte, e ela jogou os cabelos ao descer rapidamente até o chão. Subiu, moveu os pés, girou, jogando os braços para o ar e sorrindo, invadida pelo sentimento de liberdade. Andou sem sair do lugar, “travando” o movimento, mudando para câmera lenta, e então acelerando mais uma vez.

Sentia-se tão bem que seus olhos se abriram inconscientemente, espiando sua própria imagem no espelho que cobria todas as quatro paredes da sala. O que viu lá, porém, a surpreendeu a ponto de causar-lhe uma queda feia.

— Ah! – o garoto parado à porta exclamou, correndo para ela, com uma expressão preocupada, e dizendo em um inglês truncado – Are you okay?

Ela fitou seu rosto, ainda assustada. O rapaz era claramente oriental, com cabelos castanhos claro cobertos por um boné e olhos de mesma cor. Suas feições lhe pareciam familiares, e seu sotaque deixava claro que não falava inglês muito bem, o que deixou a garota mais à vontade para responder com sua própria dificuldade da língua.

— Y-yes. Sorry, I... – ela travou, sentiu o rosto ficar quente, e, antes que fosse capaz de se controlar, falou em seu coreano nativo: – Eu estou bem, desculpe. Não precisa...

— Ah! – um sorriso enorme surgiu no rosto do garoto, e ele respondeu na mesma língua – Você fala coreano!

A garota arregalou os olhos.

— Você também! – exclamou, mesmo sabendo que era uma conclusão óbvia.

Ele a ajudou a levantar e então se curvou.

— Prazer em conhecer-lhe. Meu nome Jung Hoseok, mas pode me chamar de Hobi.

Ela respondeu ao cumprimento.

— O prazer é todo meu! – disse, em um tom um pouco mais alto do que pretendia. Percebendo, ficou vermelha e foi morrendo a voz – E-eu sou Sun Hee...

J-Hope sorriu novamente, e Sun Hee pensou que aquele sorriso parecia brilhar.

— Quase agora, a sua dança... – ele falou – foi muito legal.

A garota arregalou os olhos e negou com a cabeça, sem conseguir dizer nada.

— Você não concorda? – o garoto perguntou – Eu gostei de quando você fez assim – ele imitou os movimentos que ela fizera – E depois assim – fez o giro e moveu os pés.

Sun Hee ergueu as sobrancelhas, pasma com a dança de J-Hope, enquanto ele se deixava levar e incluía seus próprios movimentos à performance dela, conforme a música que ainda tocava. Ele continuou a dança, animado, e, em alguns segundos, ela já estava incapaz de desviar o olhar. “Ele... Ele fala com o corpo...” foram seus pensamentos “Ele sorri com a dança”. Sun Hee se viu presa aos movimentos dele, deslumbrada com como ele parecia preencher o ambiente de alegria. Aos poucos, seu próprio corpo começou a acompanha-lo involuntariamente, batendo o pé, movendo o quadril, balançando a cabeça. Quando se deu conta, estava prestes a se juntar a ele. Sun Hee congelou, e timidamente se afastou mais um pouco. Hoseok parou e olhou para ela.

— O que foi? – perguntou – Por que se segurou?

A garota desviou o olhar e balançou a cabeça.

— N-não foi nada. – conseguiu dizer – Você pode continuar. Eu só vou... – ela fez um gesto confuso para um canto da sala – Eu vou sentar ali.

E caminhou até lá, sentando-se no chão. “Aaaah!” sua mente gritava “O que eu faço, o que eu faço?! Ele me viu dançar! Pior coisa! E agora eu nem consigo falar uma frase sem gaguejar!”

Ela ergueu olhar, apenas para dar de cara com J-Hope, fitando-a.

— Mas isso não é justo. – o garoto falou – Eu que interrompi sua prática. – ele soou um pouco envergonhado – Estava esperando que pudéssemos dançar juntos, mas não tem problema se não quiser. Eu fico quietinho aqui, então pode ir em frente.

Ele se sentou no chão ao lado dela, um pouco mais distante, como se esperando que ela prontamente voltasse ao centro da sala para continuar. Ao notar que ele havia interpretado errado, Sun Hee negou com a cabeça, veemente.

— Ah! – Hoseok exclamou – Tem razão, desculpa! Você deve querer privacidade, certo?

Ele ficou de pé e sorriu.

— Sinto muito pelo incômodo, Sun Hee. Sua dança foi linda, por isso eu queria ver mais. Bom, se me der licença, eu vou indo.

O garoto se curvou e então caminhou para a porta. Antes que ele fosse capaz de sair, porém, sentiu seu casaco ser puxado. Surpreso, virou e viu Sun Hee segurando a ponta de sua roupa com os dedos e fitando-o com o rosto completamente vermelho. Ele então notou seus olhos amendoados, o cabelo castanho amarrado em um coque bagunçado, a baixa estatura, a cintura à mostra pela blusa curta, a calça larga escondendo as pernas. De certa forma, tudo nela dizia com todas as letras que ela era uma dançarina.

— Ah... – Hoseok conseguiu desviar os pensamentos de sua aparência – Sun Hee?

Ela arregalou os olhos como se tivesse acabado de se dar conta do que fazia, e soltou o casaco dele.

— D-desculpe. – disse – É que... não é que eu não queira você aqui...

Os olhos dele exprimiram um brilho animado.

— Então podemos dançar juntos?

A garota fez que não. Ele franziu a testa.

— Então, posso ver você dançar?

Ela negou mais uma vez. Ele ficou confuso.

— Mas... Se você disse que não é que você não quer, isso significa que você quer, não é?

Ela assentiu.

— Então, por que não podemos?

O rosto dela ficou mais vermelho.

— E-eu não consigo. – murmurou.

Hobi inclinou a cabeça, sem entender. Sun Hee suspirou, o olhar baixo.

— Sempre que há alguém me vendo dançar, eu não consigo. Erro os passos, saio do ritmo, tropeço, caio ou simplesmente não consigo me mover.

Ele fez uma expressão surpresa.

— Então você tem vergonha de público? Ah, isso é difícil, né? – ele esfregou a nuca – Foi pra perder isso que veio pra esta escola de dança?

A garota negou.

— Entrei aqui há uma semanas por causa dos meus pais. Nós viemos morar aqui há duas semanas, e eles querem que eu me enturme antes de as aulas começarem.

Ele murmurou um “hmm”.

— Isso é legal, não? – comentou – Assim você pode começar a se acostumar e perder a vergonha. Quer dizer, se estiver entre amigos.

Sun Hee balançou a cabeça de novo.

— Só piora. – disse – Eu não sou boa com inglês, então ninguém me entende direito. Não consigo dançar na frente dos professores, e eles não sabem o que fazer comigo. Além disso, parece que vai ter alguma coisa importante esses dias, já que eles estão em uma correria. Não entendi nada direito, mas parece que alguém famoso vem aqui, e tem gente da TV... Isso tudo só faz com que se esforcem menos para me entender.

Hoseok desviou o olhar para o teto, percebendo que provavelmente a “coisa importante” devia ser a ida do BTS na escola para tomar algumas lições de dança do Hip-Hop americano, pelo programa American Hostle Life.

— Ah, sinto muito... – falou, envergonhado – Acho que eu e meus amigos meio que somos responsáveis por isso.

A garota não entendeu.

— Somos um grupo de K-pop. – explicou – Bangtan Boys. Estamos participando de um programa de TV...

Sun Hee arregalou os olhos, e então começou a gaguejar alguma coisa, como se arrependida de ter falado sobre a presença deles de forma negativa. Hoseok riu, pensando que sua reação era um tanto fofa.

— Não se preocupe. – ele disse, tranquilizando-a – Acho que acabamos causando alguns problemas para você, não é? Será que posso me redimir?

— N-não... Não é isso... – ela conseguiu falar – Eu havia pensado que você se parecia com alguém que eu conhecia, mas agora que percebi! V-você é J-Hope!

Ele ergueu as sobrancelhas, com uma expressão divertida.

— Sou mesmo. – respondeu.

Ela ficou vermelha.

— E-eu... Eu a-amo as coreografias de vocês! – exclamou, quase em um tom animado – Sempre vejo as Dance Pratice de vocês... Hoseok Oppa, você é um dançarino incrível!

Ele ficou surpreso.

— Ah! Sério?! – exclamou – Obrigado, Sun Hee! Fico feliz.

Sun Hee conseguiu corar ainda mais, e então deu alguns passos para trás, parecendo que ia morrer de vergonha. Hoseok sentiu vontade de rir, mas temeu ser mal interpretado.

— Ei, o que foi? – ele falou, em um tom bem-humorado – Não precisa ter vergonha de mim.

Ela inflou a as bochechas, como uma criança, então soltou o ar, parecendo tomar coragem para alguma coisa.

— Oppa! – falou, fechando os olhos com força.

O garoto parou, impressionado e surpreso.

— O-o que foi? – perguntou.

— Se-será que posso fazer um pedido?

Ele hesitou, sem entender muito bem.

— Eu... Acho que sim.

Ela o fitou, com intensidade.

— Por favor, me ensine!

— Hah?

— Por favor, me ensine a dançar! – ela continuou – E-eu sempre achei que... Hobi oppa fala com a dança, com o corpo! E-eu acredito que se eu puder fazer o mesmo, não vou mais ter tantos problemas para me comunicar! Se eu puder falar com minha dança, tudo que terei que fazer é arrumar a coragem para dançar para eles!

Ele sustentou seu olhar, por alguns segundos surpreso de mais para responder alguma coisa. A expressão determinada de Sun Hee também carregava um peso inseguro, e ele percebeu a forma como seus punhos fechados tremiam. As feições dele abrandaram, e abriu um sorriso.

— Te ensinar? – disse – Sun Hee, eu acho que você já sabe fazer isso.

Ela franziu a testa, e discordou com a cabeça.

— Sua dança mais cedo. – ele explicou – Estava me dizendo que você ama dançar e que se diverte com isso.

A garota arregalou os olhos.

— Estou errado? – ele perguntou, e ela fez que não – Então esta é a verdade. Você também sabe falar com o corpo. Agora só precisa descobrir o que quer dizer.

Ela ficou pensativa.

— O que quero dizer? – repetiu.

— Sim. – ele se aproximou mais um pouco, diminuindo a distância de quase dois metros que ela havia colocado entre eles – O que quer dizer às pessoas, Sun Hee? A mim, você mostrou sua paixão pela dança, e o motivo dela. Se é o que quer, você já sabe fazer.

A garota ficou quieta por alguns segundos, impressionada, com o olhar grudado ao dele.

— Eu... – começou – Eu quero que me entendam... Quero me divertir com eles quando dançam, quero que vejam quem sou. E não quero mais ficar sozinha.

Hoseok sorriu.

— Então deixe-os vê-la dançar. – falou – Isso será suficiente. Sun Hee, quando você dança, é como um convite para quem está ao seu redor.

Ele colocou a mão no bolso e de lá tirou um pendrive.

— Eu vou te mostrar.

O garoto colocou o pendrive no som e a música Boys In Luv começou a tocar. Ele ficou no meio da sala e lhe lançou um sorriso, em seguida começando a coreografia. Em meio aos movimentos, ele continuou a olhar em seus olhos, e ela aos poucos foi compreendendo o que ele queria dizer. Não demorou para que todo seu corpo quisesse acompanha-lo na dança, e, antes mesmo do meio da música, a garota experimentava a luta interna entre sua vergonha e sua vontade de se juntar a ele.

Doegopa neoui oppa

Neoreul hyanghan naui maeumeul wae molla

A música ficou mais lenta, e Hoseok caminhou até ela, estendendo-lhe a mão.

— Você disse que não quer mais ficar sozinha. – Hoseok falou, como se pudesse ver seus pensamentos – Para isso, vai precisar sacrificar-se. Sacrificar sua timidez. Todo objetivo exige uma dose de abnegação. Vença isso agora, e vai conseguir o que busca.

Quando a voz do vocalista alcançou a nota mais alta, Sun Hee fechou os olhos e segurou a mão de J-Hope. Os dois reiniciaram a coreografia, ela ainda tremendo um pouco e de olhos bem fechados, mas com seu corpo se movendo naturalmente. Ele a observava, enquanto os movimentos dela o encantavam. Era uma coreografia que ele conhecia do início ao fim, que já havia apresentado dezenas de vezes, mas que viu ganhar mais vida ali. A dança daquela garota...

— Linda. – ele deixou escapar enquanto sorria, sua voz sendo abafada pelo som da música.

Ali, dançando com alguém que havia acabado de conhecer, J-Hope pensou que guardaria aquele momento para sempre.