— Hae DaeGi!

— Hm? O que? 

Kim Seokjin solta um risinho diante da expressão confusa da garota, que vem encarando a água correndo da torneira com uma concentração tão profunda que o leva a pensar se ela está dormindo ou acordada. Seu costumeiro biquinho pensativo faz Jin sorrir de leve.

— Você está bem? Chamei umas três vezes. - pergunta, uma vez que consegue domar sua vontade de rir diante daqueles olhos grandes e de lentes roxas, que se arregalam para ele.

DaeGi suspira e estende a mão para fechar a torneira, a qual até então esteve escorrendo a água que havia enchido a panela até transbordar.

— Só... pensando em algo, não se preocupe.

Jin para o trabalho de suas mãos, que vinham cortando tomates para o molho, e a olha atentamente, fitando bem seu rosto claramente cansado.

— Você não tem dormido? - pergunta, ignorando o pedido.

A próxima coisa que Jin sente é uma batida contra sua testa.

— Ai! - exclama, só então se dando conta de que DaeGi acabou de usar sua famosa colher de pau nele. 

— Já falei, Oppa. - ela sussurra - Não seja tão íntimo diante das câmeras. Isso pode trazer problemas.

O rapaz lança um olhar para o cameraman circulando por perto, tentando pegar a conversa dos dois.

Ele suspira.

— Ye, chef... 

Ela assente em aprovação, verifica a posição da câmera, e então murmura para ele:

— Quero conversar com você depois. Você me paga um Mocha.

Jin abre um sorrisinho discreto e volta ao trabalho. Na verdade, sempre fora sua intenção chamar a garota para sair depois da prova, mas, ao ver sua tensão, começou a se preocupar com a possibilidade de algo ter acontecido. No entanto, agora pensa que essa é exatamente a DaeGi da TV, aquela que assume a cozinha com maestria e uma rigidez que pouco combina com sua personalidade meiga e ar descontraído. 

Sendo sincero consigo mesmo, Jin já admitiu sua admiração pela garota desde o primeiro dia, mas sua sinceridade talvez não seja suficiente para assumir sua atual inclinação a considerá-la mais que apenas uma mulher admirável. Esta autora deve, portanto, explicar o coração deste idol despreparado para matérias de amor.

Os olhos de DaeGi chamam os dele como ímãs, seu sorriso provoca uma resposta imediata, a forma de juntar os lábios em um biquinho o faz querer rir, a fala determinada quanto à competição chamam a atenção para sua força de vontade impressionante, seus gostos tão parecidos com os dele o fazem se sentir bem à vontade junto a ela... E o coração dele acelera em alegria a cada elogio que ela lhe dirige. Não que sejam muitos. DaeGi não é de desperdiçar adjetivos. Ao contrário, a garota gosta de ser precisa, como um avaliador de pratos seria. Jin acha graça nisso também.

Ele percebeu que anda pensando nela de vez em quando. Vem dando a desculpa de que é porque se preocupa com a competição, mas no fundo sabe que, mesmo que a competição acabe ali pra ele, não seria capaz de deixar DaeGi para trás em seus pensamentos. Ele a quer conhecer. E, de certa forma, quer amá-la. Ainda que não saiba disso.

— Cuidado com essa panela. - a fala da garota interrompe seus pensamentos - Se não segurar direito, vai acabar se queimando.

— Ye, Chef. - o rapaz responde, posicionando melhor as mãos no cabo, mas sorrindo ladino ao notar a preocupação dela com detalhes sobre os quais ele sabe bem o que fazer.

— E não vire tudo de uma vez para não espirrar.

— Ye, Chef.

— Passou todo o tomate no liquidificador até ficar no ponto, certo?

— Ye, Chef. 

— Cebola?

— Ye.

— Acrescentou o...

— Sal? - Jin interrompe - Ye, acrescentei. Também quer saber se lavei as mãos antes de começar?

DaeGi fita o rosto do garoto, que ergue uma sobrancelha com um ar divertido, e revira os olhos.

— Babo. — resmunga e ele ri.

Três horas mais tarde, dois sorrisos enormes cruzam a porta de um restaurante de boa qualidade. DaeGi está praticamente saltitando apesar do cansaço, enquanto Jin exibe uma expressão aliviada junto à animação da vitória. Sim, a dupla DaeJin - como as pessoas vinham chamando - foi vencedora da prova e, por isso, a garota tem imunidade na próxima fase do concurso. O que significa que, se ela vencer a próxima, será classificada diretamente pra final. E também quer dizer que ela está cada vez mais visada pelo mundo da culinária. Isso, por sua vez, culminou em uma oferta entusiasmada de um dono de restaurante para que "DaeJin" jante lá de graça, caso prometessem mencionar o lugar nas entrevistas que certamente darão.

Dessa forma, os dois se sentam agora numa mesa reservada, e encaram o cardápio com um falso ar crítico, tentando decidir o que comer. 

— Ah, quer saber? - Jin abaixa o seu e encara DaeGi - Vou querer o que você quiser, Gi. Não estou com vontade de pensar muito. 

A garota também abaixa o seu.

— Oppa! - reclama - Precisamos fazer valer a boa intenção do Chef! Além do mais, como posso escolher por você? 

Ele dá de ombros.

— Escolhe algo que você faria. - responde - Tenho certeza de que se o chef tiver um terço do seu talento, vai estar incrível.

Ela o fita com seriedade por alguns segundos, faz seu biquinho pensativo, rola os olhos para o teto como se considerando a fala dele. Até que aperta os lábios, fazendo as bochechas crescerem, e volta a olhá-lo.

— Então pede o número 4.

Ele procura o número no cardápio. "Naengmyeon com acompanhamento de lagosta". Jin se pergunta como não viu isso antes. Ler aqueles dois pratos juntos faz seu coração saltitar de ansiedade para provar. Ou seria seu estômago?

— Número 4, então. - sorri e chama o garçom.

Ambos fazem seus pedidos, e então Jin apoia os cotovelos na mesa, inclinando-se na direção de DaeGi.

— E então? - pergunta. A garota faz que não entendeu - Vai me dizer o que aconteceu nos últimos dias para roubar o seu sono?

Ela cruza os braços.

— Você não está me pagando um Mocha. 

— E você não tem dormido bem. Qual dos dois deve ser mais relevante no momento?

DaeGi permite um resquício de sorriso nos lábios pequenos, e depois suspira ao apoiar o queixo na mão. 

— Oppa... Já somos amigos o bastante para que eu fale desse tipo de coisa? O bastante para que eu saiba se posso confiar em você? 

Jin fica sério. Essa é uma pergunta justa, mas dolorosa mesmo assim. E ele não tem certeza do motivo.

— Porque eu já cometi o erro de confiar antes do tempo, e colhi as consequências por isso. Na verdade, ainda estou colhendo. Então não estou preparada para precisar me recuperar outra vez, ainda estou no meio da minha... Vingança, se é que posso chamar assim. Não posso errar no julgamento novamente.

Ele abre a boca para falar, mas ela ergue o dedo e o cala.

— Não entenda errado... Eu acho que você é a primeira pessoa com quem me sinto tão à vontade desde muito tempo, e tenho torcido para que seja real. Pode me chamar de stalker se quiser, mas eu andei vendo seus vídeos, seus covers, suas lives... E realmente quero confiar em você. - DaeGi faz uma pausa e olha bem para os olhos surpresos de Jin - Mas não posso correr o risco de que suma da minha vida e leve consigo uma parte de mim, como já aconteceu antes. E muito menos que faça como a última pessoa, qua ainda me roubou coisas valiosas...

— DaeGi. 

Ele toca sua mão com as pontas dos dedos, enquanto estende a outra para limpar uma lágrima da qual ela nem havia se dado conta. A garota fecha os olhos e respira fundo, pensando que já devia ter deixado de chorar por isso há muito tempo, mas aparentemente abrir seu coração com alguém pela primeira vez, mesmo que de forma tão superficial, tem o poder de encher seus olhos das lágrimas que ela já derramou na solidão por várias vezes. Jin espera que ela use o lenço para esconder o rosto por alguns segundos, e então a chama novamente, fazendo-a olhar para si.

— Eu não quero sumir da sua vida. - começa - Não posso prometer estar sempre a um passo de distância, mas certamente não estarei tão longe que não poderá me alcançar com um telefonema. E eu com certeza jamais lhe roubaria nada, DaeGi. Posso não ter um jeito de te provar isso agora, mas isso é porque você só vai saber se tentar. Se minhas palavras não são o suficiente, então experimente. 

Ele coloca mais gravidade em sua voz.

— E, se alguma loucura acontecer e eu te decepcionar, você tem nas mãos mais do que o suficiente para acabar comigo.

Ela franze o cenho.

— Do que está falando...?

Jin pega o celular dela sobre a mesa, abre a câmera e se levanta. Com rapidez, deposita um beijo no topo da cabeça de DaeGi ao mesmo tempo que tira um selfie. 

A garota fica estática, pasma enquanto tenta entender o que está acontecendo. Seus olhos arregalados o seguem até que ele sente na cadeira novamente, entregue seu telefone e volte a falar:

— Aí está. Se disser que tentei algo com você à força na mídia... É provável que isso me prejudique de um jeito que você nem imagina.

DaeGi precisa de alguns segundos para entender as palavras dele. Estragar sua carreira...? Ela sente um aperto no peito só de pensar. De repente percebe que nunca conseguiria fazer nada para prejudicar aquele idol que sabe bem como tocar seu coração, que faz letras maravilhosas, e que já compartilha tantas coisas com ela em tão pouco tempo de convivência. 

A garota encara a foto na tela do celular, decidida a apagá-la. Ela está com uma cara estranha, um conjunto de lágrimas e uma expressão surpresa, enquanto Jin parece bem feliz ao beijar sua cabeça. Por mais estranha que seja esse conjunto, DaeGi acaba se permitindo pensar que ela na verdade é uma boa foto. Já não quer mais apagá-la. 

Ela ergue os olhos de volta para Jin, que tem uma expressão serena.

— Você... 

— Não pense que estou entregando minha carreira assim fácil. - ele diz - A música, o Bangtan, são a minha vida, e eu jamais desistiria deles. O que falei só demonstra que eu confio em você, Gi. É algo que fiz pra você ver que não tenho a mínima intensão de te magoar. Claro, tenho medo, mas... Não acho que seja o tipo de pessoa que poderia me prejudicar só pra aparecer.

A garota absorve as palavras dele com calma, e então se permite um sorriso terno. 

— Acho que tem razão. - diz, apoiando o queixo nas mãos entrelaçadas e pondo os cotovelos na mesa - Eu posso confiar em Kim Seokjin.

"Aconteceu três meses antes do Programa. Naquela época, eu nem cogitava vir a participar. Eu e uma amiga estávamos finalmente fechando o acordo com o dono de um ponto comercial para abrir nosso restaurante. Nós duas planejamos por muito tempo, e investimos nossas economias nisso. Eu a havia conhecido pela internet havia um ano, e alguns meses antes ela se mudou para a minha cidade e nós começamos a falar em ser sócias. Eu estava tão empolgada... Era a primeira vez que alguém acreditava no meu sonho, que não me criticava por querer ser chef. Ela pediu que eu deixasse todas as negociações nas mãos dela, e concordei. Mas no fim, ela acabou me traindo, e desfez nosso acordo para abrir o ponto sozinha. Usou a minha ideia para o nome do lugar, para os pratos, tudo. Como eu nunca havia cogitado nada assim, não havia me preocupado em oficializar tudo, sabe? Não tinha como provar que ela havia plagiado as minhas ideias, ou usado o meu dinheiro. 

Se antes ninguém me apoiava, depois dessa, até meus pais passaram a pedir que eu desistisse. Insistiram comigo que eu deixasse a faculdade de culinária e fosse estudar 'algo sério', como eles mesmos diziam. Alguns conhecidos zombaram da minha ingenuidade. Reconheço que não fui esperta o bastante, que não tive o cuidado necessário, que confiei antes do tempo... Mas desistir nunca foi uma opção. 

Mesmo assim, eu estava com um grande problema em mãos... Meus pais disseram que, se eu quisesse continuar no curso, teria que bancá-lo eu mesma, e a maior parte das minhas economias haviam ido pelo ralo com o golpe. O que eu tinha não custearia a faculdade, então precisava de uma fonte de renda. Acabei me irritando com a situação, com as pessoas ao meu redor. Jurei a mim mesma que encontraria um jeito de provar a todos eles que sou capaz. 

Foi quando o Programa surgiu. Eu estava entregando meu currículo em um restaurante, para aprendiz de cozinheiro, quando vi a propaganda colada na parede. A inscrição custava exatamente o valor que eu tinha guardado. Sentei com meus pais e pedi que bancassem os gastos com passagem e alimentação aqui, prometendo que largaria a faculdade se não ficasse ao menos em segundo lugar. Eles concordaram, e eu tranquei o curso para vir pra cá. 

Quando as pessoas ficaram sabendo que eu participaria do Programa, fizeram piada novamente, clamando que eu não passaria da primeira fase. Não me atingiu. Repeti a mim mesma que provaria a elas, provaria a elas, provaria a elas. 

Engraçado como tudo mudou ultimamente. Começou depois que passei a fazer sucesso entre os competidores, e ficou uma loucura depois que você foi anunciado como meu par na prova extra. Acredita que as mesmas pessoas que zombavam de mim hoje me mandam mensagens de apoio, e ainda têm a ousadia de pedir para que eu te mande recado?! Outros pedem foto... A falsidade dessas pessoas tem doído mais que as críticas. Isso porque eu sei que não estão reconhecendo meu talento, e sim a minha fama. Não era isso o que eu queria.

Acho que... Se meu objetivo era convencê-los de que eu sou capaz, o melhor jeito não era ter vindo ao Programa, e sim ter conquistado tudo de lá, com minhas próprias forças. Tenho pensado seriamente... Se foi a escolha certa vir aqui."

Jin reflete sobre as coisas que DaeGi acaba de lhe contar, enquanto a mesma pede licença para ir ao banheiro. Ele se pergunta o que dizer uma vez que ela voltar. A resposta para isso lhe parece bem clara, tanto que, assim que a garota volta, ele lhe prende com o olhar.

— DaeGi. - começa - Quem vence o programa? 

Ela franze a testa.

— Ah... Quem for o melhor? 

Ele assente.

— Exatamente. Sendo sincero, penso que pouco importa se eles só estão reconhecendo a sua fama, isso só prova que você se tornou grande. E grande graças às suas habilidades. Se eles não têm os miolos para reconhecer isso, problema deles. Todo mundo que realmente importa já entendeu: você é incrível o bastante para chegar às semifinais, enfrentando alguns dos melhores da Coreia, e sendo avaliada pelos mais exigentes jurados. E não ouse dizer que não foi com sua própria força, porque foi. Ninguém mais preparou aqueles pratos, foi você. 

Ele faz uma pausa, sustentando aquele olhos roxos cheios de lágrimas.

— Já provou o que precisava, Gi. Agora pare de buscar a aprovação de quem não importa, e vá atrás dos seus sonhos. Vai descobrir ser muito mais leve correr até o objetivo sem esse peso nas costas. 

DaeGi permanece com os olhos arregalados por alguns instantes, os pensamentos revisando cada palavra de Jin, à medida que seu coração começa a bombear uma paz que se alastra por todo o corpo. Ela então assume uma postura tão pensativa, que os dois limitam a conversa a poucas palavras nos minutos que se seguem, enquanto a saboreiam a comida que foi posta na mesa. Jin a deixa refletir por quanto tempo precisar, sabendo que disse tudo o que precisava. 

Ao fim de seu jantar, DaeGi fita o rapaz com um sorriso satisfeito, um ar de liberdade que não estava ali antes. Ele de repente pode ver a garota descontraída com quem se divertiu durante toda aquela tarde na estação de jogos. 

— Obrigada, Oppa. - ela diz - Você acabou de me salvar de desistir por um motivo irracional. De agora em diante, vou me esforçar mais, e vou vencer esta competição, pode acreditar! 

Ele abre um sorriso.

— Tenho certeza que sim. 

Os dois ficam se encarando, provavelmente com pensamentos bem similares um ao outro. Há beleza naqueles dois sorrisos, naqueles dois pares de olhos, e na forma como eles parecem se combinar. 

Jin pede a sobremesa, e os dois passam a saborear com uma lentidão que só prova o quão hesitantes estão em terminar o momento. Ele, de certa forma, ainda mais do que ela.

— Gi, tenho algo pra te contar... - fala, capturando sua atenção - Não sei se você sabe, mas estarei em turnê logo. Provavelmente, não estarei em Seul nas finais do Progama, mas saiba que farei de tudo para assistir. E, quando eu voltar, vamos comemorar juntos.

Ela suaviza o olhar. 

— Estarei esperando. 

Ele pigarreia e leva a mão ao bolso da calça, tirando de lá um embrulho em papel de presente.

— Trouxe isso pra você. - diz, pondo o embrulho diante dela.

DaeGi ergue as sobrancelhas com um sorriso divertido.

— Engraçado... - fala, enquanto tira do próprio bolso um embrulho praticamente do mesmo tamanho, mas com um papel de presente rosa - Eu também trouxe algo pra você, só não sabia a hora certa para entregar. 

Jin ri.

— Bom, então abrimos ao mesmo tempo?

Ela concorda e conta:

Um, dois, três.

Dois pares de olhos arregalados, dois sorrisos enormes, e então duas deliciosas gargalhadas. Ambos erguem seus presentes em meio aos risos: ela ganhou uma action figure do Super Mário, ele ganhou uma action figure da Princesa Peach.

A chuva lá fora só serve de contraste para o calor de DaeJin ali dentro.