Park Jimin anda com aquele livro pra cima e pra baixo ultimamente.

Um livro ensinando libras.

Desde que começou a gastar mais e mais tempo se preocupando com Ayui, ele vem buscando jeitos de fazer algo para ajudar, mas não é como se fosse tão fácil. Então resolveu fazer algo para facilitar sua comunicação com a garota, e foi aí que pediu a Ren dicas sobre a língua, recebendo o livro em troca.

Os hyungs o olham meio estranho quando percebem o garoto praticando, ao invés de estar de um lado para o outro fazendo bagunça ou zoando com Tae. A propósito, este último anda um tanto aéreo também, desde o campeonato de Taekwondo no dia anterior. Jimin ainda não entendeu o que aconteceu, mas pensou que talvez tivesse algo a ver com aquela garota...

Ele agita a cabeça, desviando os pensamentos do amigo, voltando a fitar o livro. Os movimentos não são complicados, apenas difíceis de lembrar, e ele espera não confundir tudo ao tentar falar com Ayui da próxima vez que a encontrar. Que, aliás, ele nem sabe quando será.

Não é como se Jimin tivesse tempo de sobra para gastar. A rotina do Bangtan é puxada. E ele precisa sempre procurar uma brechinha se quiser fazer algo de diferente. Ontem foi uma exceção, visto que havia conseguido passar tanto tempo fora. Sem contar com aquilo...

— Jiminnie. - Suga o chama e ele prontamente atende - O que está fazendo?

O mais novo ergue o livro.

— Estudando libras. - responde e Yoongi ergue as sobrancelhas ao ouvir a palavra "estudando".

Ele se senta ao lado do Park.

— Por Ayui? - pergunta.

Jimin assente, e então olha para as figuras que ensinam as sequências.

— Acho que posso conversar melhor com ela assim, mas são difíceis. Fico tentado a desistir - confessa - E, ao mesmo tempo, eu fico ansioso por poder falar a língua dela. É... estranho.

Suga sorri, o que faz o mais novo pensar que ele está de um bom humor surpreendente.

— Escuta, hoje o Kookie vai estar com Yoora de novo para ensaiar, e Jin hyung tem aquele programa, então Namjoon disse que só vamos treinar as coreografias poucas vezes, e depois estaremos liberados. - fala - Por que não aproveita para ir vê-la? Você pode pedir ajuda a ela.

Jimin quase arregala os olhos diante da surpresa, mas já sente a felicidade inundar seu peito. Ele abre um sorriso enorme, o que faz Suga querer apertar suas bochechas.

— Komaweo, hyung! - exclama, mas depois para e o fita com mais cuidado - Ah... Será que posso perguntar algo?

Suga suspira. "Lá vem" pensa, mas assente. Ele se sente confortável com o mais novo.

— E quanto a você e So-Young Noona?

Yoongi quase engasga, mas disfarça bem, fazendo cara de desentendido:

— Quem?

Jimin sorri, conhecendo o mais velho bem de mais para cair nessa.

— Ah, você sabe, aquela que é do mesmo grupo que Yoora. Vocês dois se conhecem tem tempo, e eu sei que gosta dela, hyung.

O outro franze o cenho.

— Ah, é? E como sabe disso?

O mais novo dá se ombros.

— O que? Acha que sou o único que fala dormindo?

Depois de ser exotado por Yoongi após o treino, Jimin vai caminhando na direção da casa de Ayui, fitando os pés na maior parte do tempo, enquanto segura as alças da mochila nos ombros. Ele usa óculos e máscara, e deixou um boné guardado para usar se decidir sair com Ayui, já que ele retira a máscara para que possa ler seus lábios.

Ele está ansioso para vê-la, é claro, mas ainda assim hesita em frente à sua casa. Na verdade, ele anda um pouco tímido quanto à penúltima vez que estiveram juntos, quando ele se aproximou tanto dela, dando-lhe um beijo na testa. Jimin não sabe nem como foi capaz de ainda ficar ao seu lado normalmente pelo resto daquele dia, e nem mesmo durante o campeonato ontem, já que agora mesmo ele sente o rosto esquentar com aquilo. Inclusive, esse foi um dos motivos pelo qual arrastou Tae consigo para o estádio: não sabia se seria capaz de manter a sanidade perto dela se estivessem sozinhos.

Será que devia mesmo ter feito aquilo? Sim, fora sincero e expressara muito bem seus sentimentos naquele momento, mas é fato que ele não havia pedido a permissão dela para tocar-lhe, e agora imagina que tipo de pensamentos rondam a cabeça de Ayui sobre aquilo.

E, nesse mesmo momento, a garota está em seu silencioso quarto, deitada com os olhos presos ao teto e com a mão tocando a testa, sorrindo ternamente.

"Eu fico feliz de estar com você", as palavras de Jimin aquietam seu coração desde aquele dia. Ela se lembra com muito carinho dos momentos compartilhados com o garoto. O dia na praça, quando ele lhe escrevera uma canção; a vez em que ele a vira ser maltratada pelos colegas e, mesmo preocupado, prometera guardar seu segredo; o sorvete que dividiram, quando ele lhe dissera aquelas palavras e beijara sua testa, surpreendendo-a; o dia anterior, assistindo juntos às lutas... É confortável ter Jimin ao seu lado. Ela espera que possam se encontrar logo. Tem muita coisa acontecendo no momento, muitas decisões a tomar e muito pode mudar em sua vida com isso. Ela sente que a companhia dele a ajudaria a se sentir mais confiante e descansada para fazer o que tem que fazer, e, é justamente quando se pergunta quando será a próxima vez que se verão que sua mãe entra no quarto e faz uma série de sinais:

"Um garoto está procurando por você. Disse que seu nome é Park Jimin".

O coração dela dá um salto. Como será que ele consegue saber? Jimin diz o que ela precisa que diga, faz o que ela precisa que faça, e aparece quando ela sente sua falta.

Com esse pensamento, ela corre para tirar seu pijama largo, colocando um short e uma blusa, e corre escada abaixo depois de pegar seu tablet, enquanto sua mãe pensa que aquele sorriso enorme na cara da filha só pode significar uma coisa.

Quando a porta se abre e Jimin coloca os olhos em Ayui, vendo seu sorriso, seus olhos brilhantes, os cabelos esvoaçantes, as pernas descobertas, os pés apressados... E seus pensamentos congelam por aí, incapazes de se desviarem da imagem daquela garota.

Ela corre até a cerquinha atrás da qual Jimin espera e a abre, em seguida erguendo o tablet:

"Jimin Oppa!"

O garoto sorri, já sem a máscara, fazendo seus olhos ficarem pequenininhos, sem conter dentro de si a felicidade.

— Annyeonghaseyo, Ayui. - diz - Como vai?

Ela deixa o próprio sorriso diminuir um pouquinho, e escreve:

"Melhor agora"

Isso não responde à pergunta, mas Jimin se sente bem com as palavras dela.

A garota faz um gesto para que ele entre, e segue para um banco no jardim da casa, com Jimin logo atrás.

A casa é de aparência simples, apesar de ser grande. O jardim que a circunda é bem cuidado e bonito, com um aroma gostoso e sombra fresca. Ayui balança os pés no ar ao sentar-se, e digita alguma coisa:

"O que o traz aqui?"

— Ah, eu... Tive uma folga e pensei em vir te ver. - ele responde, e então se lembra que ainda sustenta a história de que é apenas um estudante de música. Levando a mão à nuca, desconfortável ao se dar conta da mentira, ele pensa que precisa dizer logo a verdade a ela e a Ren.

"Fico feliz! Eu estava justamente pensando... que queria te ver."

Os dois estão com as faces rosadas, enquanto diferentes pensamentos alcançam suas mentes. Jimin pensa que aquela é a melhor coisa que já ouviu o dia inteiro, Ayui pensa que o jeito como ele sorri faz com que suas palavras pareçam ainda mais sinceras, ele imagina como contar a verdade sobre sua vida e carreira, ela se pergunta se pode compartilhar com ele o que recentemente vem afligindo seu coração.

Ayui é boa em conduzir diálogos, mesmo sem realmente falar nem uma única palavra, e agora ela se questiona se deve já enveredar a conversa para o que ansiava por contar a Jimin. E sua mente se divide entre sentimentos controversos. O primeiro deles, seu instinto de sempre tentar evitar que as pessoas sejam incomodadas por seus problemas. O segundo, sua vontade de conversar com Jimin sobre aquilo, sua certeza de que ele é alguém em quem pode confiar plenamente... Ela quer mostrar pra ele que ele é a primeira pessoa com quem ela sente que pode contar, quer que ele saiba que está atendendo seu pedido de confiança.

E, é atendendo a esse segundo sentimento, que ela toma coragem e escreve:

"Oppa, podemos fazer uma brincadeira?"

Jimin ergue as sobrancelhas.

—Ahn... claro.

"Você me conta um segredo seu e eu te conto um meu."

Ele tenta disfarçar a surpresa que sente. Ela por acaso anda lendo seus pensamentos?

Mas... É a oportunidade perfeita.

— Tudo bem. - responde - Eu começo ou você começa?

Ela aponta para ele.

"Tá, certo, lá vai..." Jimin se prepara, desejando que ela não se chateie, mais que qualquer outra coisa no mundo. O garoto hesita por quase um minuto inteiro, e então se obriga a dizer:

— Você uma vez me pediu para te contar uma história sobre mim, mas eu não atendi ao seu pedido, e tenho um motivo pra isso. Eu... Menti para você e para Ren hyung. - ele a vê erguer as sobrancelhas e chega à conclusão de que não tem mais volta, desviando o olhar, com medo de ela se magoar - Eu disse a vocês que sou apenas um estudante de música, mas na verdade... Eu sou um idol. Sou membro do Bangtan, assim como Tae, que esteve com a gente ontem.

Jimin a olha novamente, e percebe seu leve franzir de cenho, o que o faz sentir o coração acelerar de medo. Será que deveria ter mantido o segredo? Não. Para começo, de conversa, ele nem deveria ter mentido. Mas... Era arriscado, ele não podia...

Ayui começa a escrever em seu tablet e o garoto prende a respiração.

Ela o ergue com um sorriso.

"Eu já sabia."

Ele fica confuso.

— Quê?

Ela ri. Aquele som gostoso que o faz se encher de vontade de ouvi-la falar.

"Ren Nii-chan me contou."

— Mas... Eu nunca contei a ele!

"Ele disse que te reconheceu desde a primeira vez, mas preferiu ficar quieto. Disse que estava na cara, com a máscara e as coisas da sua 'faculdade'."

Jimin coça a cabeça, com os olhos arregalados, e Ayui pensa que aquela expressão é fofa e engraçada.

Ela então desenha uma carinha sorrindo, com os olhinhos fechados. É idêntica à expressão que a mesma faz, o que leva Jimin a rir, sentido o alívio lhe invadir. Ela não se chateou! O pensamento o faz ter a impressão de que pode derreter ali mesmo.

"Mas... Oppa, por que não se apresentou como Idol?" Ayui pergunta, curiosa, e ele suspira.

— Eu não sei... É só que... Queria ser tratado normalmente só por uma vez, sabe? E fiquei feliz quando mantive contato com Ren hyung, não quis estragar as coisas. E com você... Tive mais medo ainda de que tudo mudasse se eu contasse a verdade.

Ela assente, compreendendo.

"Mas não se preocupe." Escreve "Eu vou continuar gostando de você por quem você é, e não só pelo que faz."

Jimin se surpreende - e já perdeu as contas de quantas vezes Ayui o levou a essa reação. Como ela podia ver através dele dessa forma?

— Komaweo, Ayui. - responde, com um sorriso pequeno.

Os dois mergulham em silêncio até que ele diga:

— Sua vez, não é? De contar um segredo.

Ela o fita por alguns segundos, hesitante, então assente e começa a digitar. Jimin pensa que dessa vez ela está levando mais tempo que normalmente, e se pergunta que tipo de coisa a garota lhe contará, a ansiedade crescendo em seu peito, até que ela finalmente ergue o aparelho:

"Meus pais estão marcando uma cirurgia pra mim", ele sente o coração bater mais lentamente em preocupação assim que começa a ler, "Recentemente um grupo de médicos renomados fez algumas descobertas e... Eles dizem que essa cirurgia pode curar minha surdez. O suficiente para que eu possa recuperar 90%."

O garoto espera que ela digite o restante, ainda segurando dentro de si a preocupação. Uma cirurgia? Para recuperar a audição? Ele não sabe como se sentir quanto aquilo.

"Eu não nasci surda, sabe? Desenvolvi Neuropatia Auditiva devido ao meu nascimento prematuro. Isso quer dizer que ouvia quando criança, mas piorei até não ser mais capaz, pois é uma doença que implica na oscilação da audição. Minha mãe trabalhava muito, mas não tinha dinheiro para pagar uma cirurgia, e as pesquisas sobre a Neuropatia Auditiva eram recentes e um tanto imprecisas... Hoje se sabe que podemos solucionar o problema com um implante coclear, mas... Eu não sei, mesmo com nossa vida agora, nós nunca realmente consideramos isso. O meu caso é grave, eu poderia ter complicações e... De qualquer jeito, eu me acostumei à minha surdez. Não a desprezo, sabe? Ela me fez perceber muitas coisas. Mas, ao mesmo tempo, eu fui perdendo a coragem de falar, por exemplo, fui me retraindo e hoje, mesmo já tendo recuperado dos traumas, não consigo mais usar minha voz. Dou trabalho de mais à minha família. E você sabe sobre o que acontece na escola... Meus pais querem que eu siga para o tratamento, e Ren Nii-chan também."

Ela abaixa os olhos e digita mais uma frase:

"Mas eu tenho medo, e não sei o que fazer."

Jimin sustenta o olhar de Ayui, vendo aqueles olhinhos mostrarem uma expressão insegura, e chega à conclusão de que não é hora de soar preocupado, e sim de transmitir a ela segurança. Ele estende a mão e, prontamente, ela a segura.

— O que você quer fazer, Ayui? - pergunta - Se quer ficar como está, não deixe que as pessoas ao seu redor te levem a fazer o que não quer. Eu tenho certeza de que sua família quer o seu bem, importam-se com você, e, se eles se sentem como eu, também te amam como você é agora. Mas... Se você quer voltar a ouvir, não deixe que seu medo fique entre você e o que quer. Ren hyung, seus pais e... E eu. Nós estamos aqui para te apoiar e te ajudar. Mesmo que eu não possa estar presente sempre... Só saiba que estarei torcendo por você. - ele faz uma pausa, baixando o olhar antes de fitar-lhe novamente, com um sorriso - E talvez... Quem sabe assim um dia eu possa escutar a sua voz.

Ayui sustenta seu olhar, pensando que estava certa quanto a Jimin: realmente, seu coração se acalma ao conversar com ele.

Enquanto isso, atrás da porta da casa, a mãe de Ayui escuta tudo com lágrimas nos olhos, pensando que a filha tem sorte por ter um amigo como Park Jimin.

A história de uma criança com surdez pode se mostrar um tanto triste.

Machida Izumi já tinha um filho de seis anos quando se descobriu grávida, e ficou radiante com a notícia, bem como seu marido e o pequeno Ren. Toda a felicidade da família pareceu desmoronar depois do acidente. Uma batida de carro que levou à morte de seu marido e ao nascimento prematuro de seu bebê. Foi tudo intenso de mais, difícil de mais, mas com o tempo as coisas se acalmaram naquela casinha no interior do Japão, e dias mais alegres chegaram com o casamento dela com um bom homem, que estava disposto a amar a ela e a seus filhos. No entanto, a vida ainda não tinha revelado todas as surpresas que tinha para eles: aos três anos, as oscilações de audição da pequena Ayui começaram, e desde então apenas se tornaram piores. Até que ela se encontrou completamente surda, quando completou cinco anos.

A menina levou um bom tempo para reganhar confiança o suficiente para aceitar sua condição e, mais que isso, fazer dela um benção. Tornou-se um orgulho para os pais, sendo capaz de tocar corações e ser sensível às pessoas da família. Ela pôde ser alfabetizada normalmente, aprendeu a língua dos sinais, a leitura labial e o idioma coreano ainda cedo. No entanto, sua coragem nunca alcançou sua própria voz, que foi aprisionada dentro de si, escapando apenas em raros momentos.

Um deles sendo, então, nas risadas que Park Jimin consegue lhe arrancar.