Batman - Alvorecer escrita por Cavaleiro das Palavras


Capítulo 6
Capítulo Seis - Quem devo ser?




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Peço a Alfred que me deixe caminhar de volta para casa após o horário letivo. Ele protesta constantemente sobre o pedido, mas vez ou outra permite que o faça. A Mansão não fica tão longe da cidade, e quando necessário pego um ônibus, para ser mais rápido. No entanto, é vital que em certos momentos possa estar livre do olhar atento de Alfred.

Nestas caminhadas tenho passado por alguns locais que o mesmo não iria gostar de saber. Recentemente passei por uma loja conhecida por vender receitas e ingredientes para centenas de chás diferentes. Pergunto por dicas para a senhora de idade que cuida das vendas para encontrar um chá que ajude a acalmar, a fazer dormir. Ela me recomenda um chá de Passiflora. Faço algumas pesquisas sobre o mesmo, será perfeito.

Em outros dias caminho até Chinatown, o bairro chinês de Gotham. Ouvi boatos de uma loja de armas ao qual o proprietário, Sr. Chong, faz vista grossa para os que frequentam o local. Então com a quantidade certa de meios financeiros para persuadi-lo, ele pouco se importa que use seu estande de tiros. Meu tempo no local é cronometrado. Para que meu fiel mordomo não desconfie de minha demora, utilizo de uma condução para voltar rápido ao lar. Um dia em especial tenho grande dificuldade em persuadir Chong, ele se recusa a vender-me uma pistola calibre 22. Com um belo incentivo consigo fazer a compra. Ele ainda parece receoso, contudo, o dinheiro o mantém firme em sua decisão.

Após um de meus passeios finalmente chego em casa e preparo-me para meus estudos, quando pela janela do quarto no segundo andar da mansão fito um carro de polícia avançar pelos jardins da frente da mansão através do caminho de pedra. É tarde, por volta das 14 horas. Observo James Gordon descer do carro. Ele ruma para a porta da frente e toca a campainha. Alfred aparece a porta. Desço para encontrá-los.

— Obrigado Sr. Pennyworth, mas estou apenas fazendo uma visita rápida... – ouço Gordon responder a Alfred que provavelmente o oferecera algo para beber ou comer. A luz que entra apenas pela porta uma vez que as janelas estão fechadas reflete contra o chão de mármore branco.

— Muito bem Detetive. Irei chamar o Patrão Wayne... Ah, aqui está ele. – Alfred já se encaminhava para a escadaria de pinheiro quando me vê.

— Boa tarde Detetive. A que devemos a visita? – saúdo Gordon seriamente descendo os degraus que restavam da escada e apertando sua mão.

— Boa tarde Senhor Wayne. Havia pedido o endereço para escolta-los a delegacia quando fosse necessário, no entanto, acredito que seria melhor fazer isto em algum ambiente, mais reservado. – Gordon apoiou as mãos sobre a cintura e manteve uma expressão séria, ele carregava um envelope e um pacote.

— Acredito que estaremos mais à vontade no estúdio senhores. Acompanhem-me. – interrompe Alfred nos direcionando a locação.

No estúdio há duas grandes janelas diretamente a frente da porta. A luz invade o cômodo e me faz lembrar alguns meses atrás quando papai e Alfred conversavam ali. Há uma escrivaninha e cadeira de costas para as janelas. Um pouco mais a frente encontram-se dois sofás e ao centro uma mesa. Pelos cantos do cômodo há estantes de livros, organizados em ordem alfabética. De cada lado da porta há estátuas com o busto de antigos filósofos. O chão, como meu quarto é de madeira, capaz de refletir a luz de forma extrema. Acomodamo-nos no estúdio. Gordon permanece tenso.

— Senhor Wayne... Bruce. Nós estivemos procurando por mais pistas. Interrogamos um sem-teto que estava por perto, ele pouco pode nos dizer. Fez uma descrição física, mas os detalhes não nos ajudaram a reconhecer o indivíduo. Eu trouxe um caderno com alguns possíveis suspeitos. Você disse que não foi capaz de ver muito, no entanto, dando-se o tempo que passou, talvez algo possa ter clareado sua mente.

Do envelope ele retira um caderno com as fotos de diversas pessoas com passagens pela polícia. Folheio-o. Mesmo se o homem estivesse ali, não lhe contaria. Mas ele não estava.

— Não foi nenhum deles. – respondo afastando o caderno por cima da mesa de centro.

— É desapontador, acreditei que fosse ser de algum auxílio. Há mais uma coisa. Não muito longe do local, em uma lixeira, nós encontramos isto. – disse Gordon ao abrir o pacote e dele retirar um revólver, embalado em um saco com duas cápsulas sobressalentes igualmente embaladas. Há sangue seco nelas. Outras quatro balas acompanham o revólver,

— Acreditamos que esta tenha sido a arma que o indivíduo possa ter utilizado para o crime. A perícia identificou que a munição encontrada no local – ele aponta para as cápsulas com sangue seco - é do mesmo tipo que a que com o revólver estava. Faremos mais alguns testes e poderemos encontrar as impressões digitais para achar o culpado. Levara certo tempo, mas assim que chegarmos a um resultado, estaremos reportando a vocês.

Ainda observo as cápsulas sujas de sangue, mas ouço atentamente a cada sílaba que Gordon pronuncia.

— Agradeço por seu empenho Detetive. De verdade. – respondo voltando meu olhar para ele.

— Estamos fazendo nosso trabalho Bruce.

A conversa se encerra, Alfred encaminha Gordon até a saída.

— Bruce, tem certeza de que não viu quem era? – pergunta o Detetive antes de partir.

— Não, eu não vi. – respondo.

James Gordon acena com a cabeça e parte.

...

— Gostaria de um pouco de chá, Alfred? Farei um pouco para mim, achei que iria gostar. – pergunto-o já iniciando o processo para o preparo.

— Ora, obrigado Mestre Bruce, mas não deveria se incomodar. – ele parece tenso, sinto que mentalmente avalia algo.

Finalizo o preparo do chá e entrego a Alfred sua xícara. Ele interrompe seu trabalho de secar os copos e se apoia sobre o balcão de mármore negro na cozinha para beber. Todo o cômodo é cinzento e brilhante. Há armários com coleções de talheres, copos e pratos de prata, assim como também de cristal. Estou sentado sobre um banquinho apoiando-me sobre o mesmo balcão ao qual Alfred está. Giro uma colher por entre meus dedos. Ela reflete a luz do candelabro elétrico logo acima. É noite.

— Perdoe-me Mestre Bruce, mas tenho-o observado durante estas semanas enquanto volta para a mansão só, e não tenho gostado dos locais aos quais tem frequentado. Uma loja de armas? O que pretender fazer, perseguir aquele homem e mata-lo? Seus pais não o criaram desta forma, e nem eu o estou fazendo. Agora me diga onde está a arma que comprou. É hora de tomar medidas drásticas. – surpreendo-me sobre o quanto Alfred já sabia. Mas o que eu queria? Devia ter ficado mais atento. Contudo, agora é tarde.

— Sinto muito Alfred, mas não posso. Sei quem é este homem, e irei hoje até sua casa para acabar com isto. Vou vingar meus pais! – bato minha xícara no balcão e mantenho o olhar firme contra meu amigo.

— Não, não irá. Seus pais confiaram em mim para... Protegê-lo de todo o mal... E não irei deixar que faça... Isso... – ele tenta manter-se desperto enquanto caminha até mim, todavia, seu esforço é débil.

— Desculpe-me meu amigo, mas você não tem escolha. – o amparo antes que caia no chão e o levo até uma poltrona no salão. Deixo-o dormir em decorrência do chá de Passiflora que o dei, subo, arrumo-me e pego o que é necessário para esta noite. Coloco a arma em meu bolso.

 Utilizo um traje essencialmente preto. Uma jaqueta de capuz, calça jeans, tênis, luvas e levo igualmente em um bolso uma máscara na qual apenas meus olhos ficam à mostra. Peço um táxi da própria mansão e ao motorista entrego o endereço.

...

 - Tem certeza de que desejar ficar aqui garoto? Esse bairro é bem pesado nesse horário. – pergunta-me o motorista, já um atarracado senhor de idade.

— Sim, tenho certeza. Obrigado. – entrego-lhe o dinheiro e lhe permito ficar com o troco.

Ao saltar do carro noto que o motorista estava certo. Quase não há iluminação na rua. Alguns postes que estão acesos piscam. Há sacos de lixo jogados tanto pela rua quanto pelas calçadas, há mendigos dormindo nos becos, cachorros latindo, usuários químicos e bêbados cambaleando e gritando pela rua. Mulheres da Vida me chamam, perguntam se desejo ser “feliz” esta noite. Há poças no chão, como não chovera deduzo que seja do cano de esgoto estourado não muito longe de minha posição. O prédio para o qual olho é onde pretendo encontrar Joe Chill. É velho, caindo aos pedaços. Há janelas quebradas, outras com tábuas de madeira. Parte do mesmo parece ter sido incendiado. Poucas luzes estão acessas. De dentro ouço gritos, palavrões. Uma panela voa por uma das janelas e atinge a rua. Olho para o céu e não sou capaz de ver a lua, nuvens a cobrem.

Não entrarei no recinto pela porta da frente. Olho por uma escada de incêndio ao lado da construção e encontro uma. Está um pouco alta de mais. Não é problema. Empurro um latão de lixo, corro e o utilizo com impulso, alcanço a escada e começo a subir. Será um tanto quanto difícil localizar o apartamento pelo lado de fora, mas esforço-me. Continuo subindo.

Ao chegar a determinado nível, um gato salta sobre mim. Não é capaz de me arranhar graças à jaqueta e luvas. O seguro e coloco-o nas escadarias, ele frisa o pelo e foge. Paro para respirar um pouco pelo susto e olho por entre as cortinas de uma janela que está entreaberta. Finalmente o encontro. Ele está de costas. Olhando por uma janela do outro lado do apartamento. Por um breve momento ele se vira e olha diretamente para a janela. O gato chamara muita atenção, contudo, ele não vem verificar.

Dali onde estou observo o quanto o local é pequeno e bagunçado. Uma amurada divide sala e cozinha. Três portas devem sinalizar quartos e banheiro. Nas paredes brancas há buracos e manchas. Um ventilador de teto quase não gira. Ponho minha máscara e o capuz. E quando preparo-me para entrar ouço uma voz feminina.

— Papai... Não consigo dormir.

Uma garotinha ruiva sai de uma das portas trajando uma camisola e esfregando os olhos, a mão arrasta um ursinho de pelúcia. Qual seria sua idade? Talvez fosse um ano ou dois mais nova que eu.

— Oh minha querida, está tudo bem. Teve um pesadelo? Foi? – Chill a coloca em seus braços enquanto ela assente. Sua voz é terna. Ele retira os cabelos da frente dos olhos da criança e beija sua testa.

— Deite com mamãe essa noite. Leve o ursinho com você. Papai e ele vão te proteger. – continua ele enquanto a abraça.

Colocando-a no chão ela parte para outra porta onde presumo que seja o quarto de sua mãe. Contemplo Joe Chill. Há tristeza em seus olhos. Ele os esfrega e volta-se para a janela. Sua expressão é de cansaço. Ele parece ser mais velho agora do que era naquela noite. Adentro o cômodo.

Meus passos são leves, imperceptíveis. Saco a arma e a aponto firmemente para ele. Posiciono-me no centro do cômodo.

— Joe Chill. – chamo.

Ele se vira rapidamente e sua expressão é de horror.

— O quê...? Quem?

Ele nota a arma apontada e se ajoelha. Coloca as mãos onde posso vê-las.

— Por favor... Por favor... N-não machuque a minha família. – sua voz é trêmula.

Mantenho minha voz o máximo indiferente possível. Dou a ela um tom mais grave, que é auxiliado pela máscara.

— Você confessa ter assassinado Thomas e Martha Wayne?

— O quê...?

— Você confessa?!

— Oh meu Deus, sim! Eu confesso! – o homem irrompe em lágrimas – Eu sabia que chegaria esta hora, por favor, faça o que precisa. Mas não machuque minha família!

— Cale-se! – aproximo-me – Por que fez isso? Por que os matou?

Ele mantém silêncio. Destravo a arma, é o suficiente para fazê-lo falar.

— Dois dias antes eu tinha sido demitido das Docas Gotham. Precisava de dinheiro. Precisava sustentar minha família. O aluguel... O proprietário ameaçou nos colocar na rua. Precisava de dinheiro! – ele soluça e continua a história – Peguei um antigo revólver que tinha guardado e achei que poderia assustar alguém. Que conseguiria o necessário! Foi um acidente. Eu não queria ferir ninguém. O homem saltou sobre mim, meu dedo estava no gatilho...

Ele irrompe novamente em lágrimas.

— Joguei a arma fora e corri para casa! Eu pensei em me entregar para a polícia. Mas não posso. Minha esposa, minha filha... Elas precisam de mim. Não sobreviverão sem mim. Comecei a trabalhar para um homem, ele disse que poderia ajudar... Falcone. Ele disse que ajudaria minha família...

A pistola agora está mais perto de sua cabeça. Ele soluça.

— Quantos anos tem sua filha?

— N-nove...

Meu dedo está no gatilho. Sinto o peso da arma como não sentia antes. Meu peito aperta. Penso em meus pais. Revejo-os caindo perante mim. Há uma criança a minha frente. Ela chora e grita por seus pais. A arma pesa e está encostada na cabeça de Joe Chill.

Meu dedo está no gatilho.

— Pela manhã você irá se entregar a polícia. Vai confessar o que fez. Vai ser preso.

— Ma-mas minha família...?

— Elas sobreviverão sem você. Eu garanto. Entregue-se a polícia, ou eu vou voltar.

Quando Joe Chill levanta a cabeça e olha ao redor, já não mais estou lá.

...

Já é manhã. Observo o relógio, são 06:23. Alfred dormira por um bom tempo. O fito enquanto acorda sentado em uma poltrona de frente para a sua. Inicialmente fica atordoado, parece nem mesmo saber onde está, ou o que está acontecendo. Momentaneamente seus olhos se arregalam, mas retornam ao tamanho normal quando me enxergam. Sua expressão é fechada, carrancuda, severa. Noto o quanto ele tem a dizer repreendendo-me, contudo não sabe por onde começar. Prefiro iniciar a conversa e apaziguar os ânimos.

— Há esta hora Joe Chill deve estar se entregando a polícia e confessando o que fez. – retiro minhas luvas, a jaqueta e as coloco ao lado do revólver sobre uma mesa ao centro. Alfred observa este movimento.

— O homem que... Não o matou? – indaga-me.

— Não.

— Por quê?

— Não sei dizer.

Meu amigo mordomo se ajeita na poltrona em que estava sentado e mantém o olhar fixo sobre mim. Ele não aprova minhas atitudes, não aprova meus métodos, mas aparenta estar feliz com os resultados.

— Por que fez tudo isso? Por que foi atrás deste homem sozinho? Por que não deixou a polícia fazer seu maldito trabalho? – seu tom, apesar de tudo, era calmo. Talvez estivesse enervado, mas continha-se.

— Eu precisava. Precisava saber quem foi. Precisava saber por que ele havia feito o que fez. Precisava saber que ele não sairia impune do crime que havia cometido. Precisava saber que papai e mamãe seriam vingados. Que a justiça seria feita.

— Isso não seria justiça.

— Eu sei. Agora... Eu sei. - levanto-me e levo a jaqueta, as luvas e a máscara. Deixo o revólver sobre a mesa – Faça o que quiser com isto. Não pretendo usa-lo. Nunca mais.

— Ah, preciso que envie um cheque com uma quantia substancial para este endereço todo mês. De vez em quando, faça uma verificação sobre quem está recebendo os cheques, certifique-se de que o sobrenome é Chill. – entrego-lhe o endereço – E, se puder, peça a Tio Philip para dar um aumento ao funcionário Edward Nygma. Ele é valioso.

Deixo o salão e rumo para o quarto através das escadarias. Observo por um breve instante o retrato de papai, mamãe e eu. Retomo meu caminho, preciso pensar.


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Notas finais do capítulo

Edward Nygma
Primeira Aparição – Detective Comics #140 (1948)

· Joe Chill
Primeira Aparição – Detective Comics #33 (1939)


Personagens presentes nas publicações da Editora DC Comics;



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