All you had to do was stay escrita por Fe Damin, Paulinha Almeida, LEvans


Capítulo 1
Por Fe Damin


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Estou aqui com a primeira história desse nosso projeto.
Como é uma one e bem rapidinha nem vou fazer comentários aqui, só vou dizer que é a primeira vez que escrevo esse casal e amei muito!
Espero que vocês gostem também :)



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Here you are now, calling me up

but I don't know what to say

I've been picking up the pieces

of the mess you made

 

Se eu tomasse mais um gole de café, era bem possível que a tarde terminasse com sirenes tocando, se seriam de ambulâncias ou de policiais, era um mistério a ser resolvido. Joguei uma nota na mesa, mais do que o necessário para pagar as infinitas xícaras que eu devorei a fim de aplacar a ansiedade, e me levantei. Não tinha mais razão para continuar ali, ele não viria. Minha teimosia me fez esperar por cinco horas, cinco longas horas onde eu construí todo o tipo de cenários para explicar a razão pela qual ele ainda não tinha aparecido como havíamos combinado. Mas no fim, esse era o problema, pessoas como eu se prendem a esperanças vazias, acreditando quando idiotas como ele dizem que vão mudar, enquanto ele é do time que rouba amor, sem pagar o preço certo de volta.

Arrastei a minha mochila enorme, sem muito ânimo de colocá-la nas costas. Aliás, eu deveria deixá-la ali mesmo, qual era o sentido de carregar todo aquele peso se era para casa que eu estava voltando? Os planos de ir embora, de deixar tudo para trás juntos, já não existiam mais, porém algo me impediu de abandonar esse último resquício de rebeldia, a ínfima parte de mim que estava certa de que a partir de hoje as coisas seriam diferentes. O caminho até a mansão dos meus pais não era longe, nada melhor do que uma caminhada para esfriar a minha cabeça, a última coisa que eu queria eram perguntas intrometidas que o olhar reprovador da minha mãe certamente conjuraria.

O que eu não conseguia entender era o porquê de tudo isso... ele estava tão animado quanto eu, planejamos por tanto tempo. Continuar nas nossas prisões de luxo não era a vida que queríamos pela frente. E ter o nosso futuro decidido por ditadores disfarçados em embalagens de boas intenções parecia um destino amargo demais para engolir sem qualquer tipo de luta. Arrependimento. Eu apostava todas as minhas fichas nisso. O garoto com capa de rebelde de repente se viu com toda a liberdade do mundo a frente e não soube lidar com isso. Como deixaria de ser o bichinho de estimação do pai? E aparentemente eu não era uma boa companhia substituta.

A raiva crescia ao me lembrar de que a ideia na verdade foi dele. Eu nunca teria pensado em nada tão extremo. Sou a “certinha” daquela relação, a garotinha com carinha de anjo que todos acham que morre de felicidade em obedecer todas as milhares de imposições as quais sou submetidas:

“Faça isso”

“Coma aquilo”

“Tire essa roupa, a outra fica melhor”

“Seja amiga dessa pessoa”

“Não quero você perto desse rapaz”

A voz da minha mãe perseguia meus ouvidos mesmo em silêncio, até com a boca fechada ela conseguia transmitir ordens e reprovações. Sou mesmo uma mimada egoísta por querer me livrar disso? A princípio eu achava que sim, meus pais sempre me deram de tudo e tinha que ser do melhor. Mas você chega a um ponto da vida no qual percebe que objetos não substituem a maioria das coisas importantes, como a liberdade de decidir. Livre arbítrio. Esse era o pote de ouro do meu arco-íris, sempre ouvi falar, sem nunca, porém, alcançá-lo, nunca vi nem de relance.

Talvez eu devesse ter pensado nisso mais cedo, desenvolvido uma estratégia para plantar pequenas sementes de revolta ao longo da vida. Mas nunca foi do meu feitio, e até bem pouco tempo eu era cega para as paredes que me prendiam no lugar, minha mãe foi muito inteligente em construí-las de vidro, e ao mantê-las sempre bem limpas, me impediu de perceber que meu horizonte era muito menor do que eu imaginava.

Foi aí que eu o conheci. Outra pessoa que, como eu, vivia numa gaiola enfeitada, mas diferente de mim, não tinha problemas em gritar e socar as grades para ver se quebravam. Dizem que opostos se atraem, mas no nosso caso foram as semelhanças. É preciso um solitário para reconhecer o outro. Ele tinha uma abordagem muito diferente da vida, aparentemente não se importando com nada a sua volta e usando com orgulho a fama de “má influência”. Foi necessário pouco tempo para descobrir que aquilo tudo era um disfarce. Ele tentava convencer mais a si mesmo do que o mundo de que era alguém que não valia apenas, mas eu vi por trás disso, minha batalha foi para fazê-lo enxergar junto comigo.

Provavelmente qualquer pessoa que soubesse quem ele é, e isso devia incluir o mundo todo, me diria que eu fui idiota. Insistindo que ele era uma pessoa melhor do que deixava transparecer, e relevando as várias vezes em que ele tentou provar que estava certo. Eu via o teatro porém, quanto mais eu pensava, menos eu sabia. Talvez eu estivesse errada, pois eu deixei que ele entrasse na minha vida, ele em retorno não fez o mesmo, já que era apenas eu ali no meio da rua, com a mochila pronta para fugir para qualquer lugar. Tudo estava certo, nos despedimos com sorrisos radiantes no dia anterior, porém ele jogou nosso carro de um precipício antes que pudéssemos começar a viagem.

Eu podia ter ligado, mandado mensagens, mas tenho orgulho próprio. Se ele não teve a decência de me dar uma satisfação, eu não correria atrás. Virei na rua em que eu vivi todos os anos da minha vida. Eu conhecia cada árvore, cada portão que, provavelmente, guardava pessoas tão sozinhas quanto eu. Era isso que pessoas “da nossa condição”, como dizia a minha mãe, faziam: se fechavam em fortalezas, achando que cercadas por todo aquele dinheiro seriam felizes. Parei em frente à minha casa e não consegui entrar. Eu havia saído mais cedo decidida a não olhar para esse lugar por muito tempo, pelo menos até que eu fizesse minha mãe mudar de ideia sobre tudo que ela já tinha decidido para mim, o que provavelmente seria junto do dia que o inferno congelaria.

“Não quero entrar e não vou”, pensei. Eu tinha um plano, não precisava dele para completá-lo. Se ele quis permanecer sendo um fantoche, que fosse, os meus fios eu cortaria hoje. Dei meia volta e corri para a estação de metrô mais próxima. Eu ia conseguir, era só seguir os passos que tínhamos planejado, e se não desse certo, eu tentaria de novo. Não dava para ser pior do que continuar ali. Eu possuía um diploma – de um curso escolhido pela minha mãe e que eu odiava – uma boa quantidade de dinheiro e os documentos com nomes falsos que tínhamos mandado fazer. Tudo o que eu precisaria para encarar a nova fase da minha vida.

Não vou dizer que foi fácil me desprender da segurança de um teto, com a certeza de que tudo correria bem, mesmo que não da forma que eu tivesse escolhido, mas eu descobri em poucos dias que liberdade é pior do que muitas drogas. O vício é profundo depois que se prova pela primeira vez, e mesmo tendo que morar num hotelzinho humilde, e sair todos os dias para procurar emprego, eu não a trocaria por nada do que eu tinha antes. A única exceção era o meu pai, que mesmo sempre manobrado pela minha mãe, era a pessoa que tinha palavras carinhosas e abraços aconchegantes, apenas mais um passarinho na coleção da dona da casa.

Me adaptar a uma cidade nova foi uma aventura por si só, e levei um pouco mais de um mês para conseguir um emprego. Atualmente eu era auditora fiscal de uma empresa de contabilidade que tinha contrato com várias empresas grandes. Fui para a entrevista sem muitas esperanças de conseguir a vaga devido a minha falta de experiência, mas para minha surpresa, era exatamente o que eles estavam procurando: pessoas novas. O salário até que era bom, eu podia ter me mudado do hotel e alugado um apartamento, mas eu já estava tão bem instalada ali, e dessa forma não precisava me preocupar com os procedimentos todos que envolviam cuidar de uma casa, todos os quais eu não estava acostumada, além do fato de que eu andava agora como documentos que diziam que meu nome era Jenny Smith, quanto menos vezes eu tivesse que assinar esse nome, melhor.

A vida começou a entrar numa nova rotina, eu tinha novos amigos, fazia minhas próprias escolhas e ia dormir todas as noites, ansiosa para o dia seguinte começar, algo que eu nunca tinha sentido. Minha vida de antes, era uma sucessão de dias iguais e sem propósito, agora eu me sentia realizada, mesmo com o pouco que eu tinha conseguido. Pela primeira vez eu tinha resultado de algo que foi planejado e decidido inteiramente de acordo com os meus desejos, e não tinha preço para quantificar o quanto isso era importante para mim.

Só que nem tudo eram flores, não é possível eliminar sentimentos de uma hora para outra, e a falta que ele me fazia continuava a marcar presença. A raiva ainda cozinhava em fogo brando, sem nunca ter tido a possibilidade de ser liberada, mas era a vontade de que ele tivesse ao meu lado que mais me incomodava. Qualquer par de olhos azuis me lembrava daquele que eu ainda via quando fechava os olhos, cabelos loiros que nunca eram do tom exato ou alguém com o mesmo perfume que eu tinha dado de presente. Eram as pequenas coisas que não me deixavam partir as correntes com as quais o meu coração ainda insistia em se prender.

Tentei ao máximo focar em tudo de errado que havia na nossa relação: a maneira como ele preferia me manter a metros de distância de tudo que se passava no coração dele, a dificuldade que ele tinha para sorrir, mesmo quando era tudo o que ele queria fazer ou a forma de nunca acreditar quando eu dizia que ele era mais do que isso. Contudo, era inevitável que as lembranças felizes aparecessem, principalmente quando eu me encontrava mais distraída, com as barreiras que eu ergui contra ele, totalmente abaixadas. Era aí que eu me lembrava de como ele sorria só para mim, um sorriso que me deixava sem fôlego todas as vezes, das vezes em que ele não aguentou tudo em volta e veio desmoronar ao meu lado para que eu pudesse ajudar a catar os pedaços, e principalmente do jeito doce que ele sabia ter quando se permitia.

Eu era a idiota que ainda guardava a flor que ele procurou por uma semana inteira para me dar de aniversário só porque eu comentei que eram as minhas favoritas. Elas não desabrocham nessa época, mas mesmo assim ele conseguiu encontrar. Foi o melhor presente que eu recebi, muito melhor do que qualquer dos embrulhos caros e sofisticados que vieram decorrente de mais uma festa gigante, cheia de pessoas que eu não conhecia. Aquele foi um presente de alguém que me conhecia, que se deu ao trabalho de saber do que eu gostava, e mais ainda, que não se importou em ter que perder tempo procurando. Só que no fim ele foi o idiota que jogou tudo fora.

Ao conhecer novas pessoas, eu tentei me desvencilhar da presença dele, tentativas que foram todas frustradas, eu encontrava bons amigos, mas outro amor não parecia acontecer, tudo culpa da minha fraqueza em não conseguir despejar o ocupante dessa vaga para dar lugar a um próximo. “Tempo, tempo é tudo o que você precisa”, eu repetia a mim mesma. Minha vida estava nos eixos, nunca tive problemas com alguém me procurando, e eu sabia que era capaz de viver perfeitamente sem ele, o problema era o nó no estômago que não me deixava esquecer que eu não queria que fosse assim, tudo o que eu mais desejava era me livrar dessa sentimento, mas nem a minha liberdade recém adquirida era capaz de fazer isso acontecer. Aparentemente não éramos livres para mandar no coração, esse daí trabalhava por contra própria e sem ouvir as opiniões alheias.

Seria mentira afirmar que eu nunca imaginei como seria vê-lo de novo, como eu agiria, ou o que nós falaríamos, todas as vezes eu era a pessoa que ouvia calada a miríade de desculpas esfarrapadas que ele inventaria e depois com um olhar altivo, o mandava embora pelo mesmo caminho que veio. Todo esse exercício mental não me preparou para a realidade de sair do trabalho num dia qualquer, quase seis meses depois da minha fuga, e encontrá-lo encostado na porta do prédio.

Eu congelei ao ver, materializado na minha frente, o rosto que povoava tanto os meus sonhos quanto os meus pesadelos. Ele se endireitou e abriu a boca para falar, mas eu fui mais rápida e sai andando sem nem olhar para trás. Eu não conseguia fazer isso, simplesmente não dava. Eu não queria escutar o que ele tinha a dizer, até porque já sentia que a intenção de escutar tudo calada era mera ilusão. Só de olhar para ele eu queria gritar e cuspir palavras venenosas, só para deixa-lo com feridas iguais as minhas.

Eu fui bem sucedida em fugir apenas até virar a primeira esquina, quando eu senti uma mão envolvendo o meu pulso e me parando.

—Astoria – ele me chamou baixinho, e eu amaldiçoei o meu coração pela cambalhota descabida em resposta ao timbre tão familiar.

—Meu nome é Jenny, você deve ter me confundido com alguém – rebati, mesmo que eu soubesse que a tentativa era inútil.

—Eu sei que é você, Tori – o apelido que só ele usava foi um golpe baixo – nunca te confundiria com outra pessoa.

—Ah é? – todo o fingimento foi esquecido – estranho, pelo jeito você confundiu outra pessoa comigo quando foi embora,  porque eu tive que vir sozinha.

—Não foi assim, eu...

—Não quero saber, Draco – interrompi a frase me virando para encará-lo, o que foi um erro.

Ele me olhava com os olhos tão pesados que eu quase conseguia sentir a tristeza por detrás das íris azuis, ele parecia cansado e abatido, e o meu primeiro impulso foi querer abraçá-lo e perguntar tudo o que tinha acontecido para deixá-lo naquele estado, mas eu não fiz nada disso. Mantive a minha resolução, balancei meu braço para me livrar do toque dele e continuei andando, claro que ele me seguiu.

—Nós precisamos conversar, Tori – ele trotava ao meu lado, acompanhando com facilidade o meu passo.

—Você pode até precisar, mas eu não preciso de nada que venha de você – me recusei a olhar de novo para ele, me focando apenas no meu caminho – e para de me chamar assim!

—Você não está falando sério, deixa eu me explicar – ele pediu.

—Agora você sabe o que eu quero ou não dizer? Ótimo, seis meses e você conseguiu um diploma em estudos aprofundados dos meus pensamentos, é? Se é assim você já sabe tudo o que eu penso ao seu respeito, não preciso perder meu tempo.

—Astoria, para com isso – ele se adiantou na minha frente, bloqueando a minha passagem.

—Sai da frente, Draco! – eu gritei.

—Não vou embora enquanto você não me escutar.

—Acho que você vai ficar um bom tempo por aqui então.

—Não tem problema, eu moro aqui.

Aquela afirmação me desestabilizou, eu tinha escutado direito? Pensei que ele ainda estivesse morando na mesma mansão de sempre, e vindo apenas me encontrar.

—Como é?

—Eu não moro com meus pais há quase seis meses.

—Você... – minha voz morreu, todas as certezas que eu tinha, sendo destruídas.

—Deixa eu explicar, por favor – ele suspirou, o rosto desprovido da máscara habitual de condescendência.

—Você tem dez minutos – eu fui fraca e não consegui mandá-lo embora, eu precisava saber o que aconteceu, por mais que não quisesse aceitar.

Ele abriu a boca para começar a história, mas eu interrompi novamente.

—Aqui não, vamos para minha casa – eu não precisava de plateia, caso gritos e insultos precisassem ser trocados.

Andamos o resto do caminho em silencio, e eu não deixei de notar como era estranho que ele estivesse ao meu lado e nossas mãos não estivessem enroscadas. Subimos até o andar que tinha virado minha moradia e eu abri a porta para que ele passasse. Não tinha muita coisa além de uma cama, um criado mudo e uma escrivaninha, então eu indiquei que ele deveria se sentar na cadeira e eu me acomodei na cama de frente para ele.

—Pode começar, seus dez minutos estão correndo – cruzei os braços, esperando as desculpas mais mentirosas.

—Eu... – ele parecia perdido, sem saber como começar, passou a mão nos cabelos do modo como sempre fazia quando estava desconfortável.

—Deixa eu te ajudar, no dia que iriamos embora você não apareceu e me deixou plantada esperando, agora responda: por quê? – eu não consegui me conter, agora com ele ali na minha frente, eu precisava entender o que havia acontecido, nem que fosse para ter certeza de que ele não valia as horas que eu gastei me preocupando.

—Eu não quis te deixar lá – olhei pra ele deixando claro que não acreditava em nada do que ele disse – estou falando sério!

—Eu não falei nada, continue.

—Eu saí de casa com tudo pronto naquele dia, só que não consegui ir em frente

—Percebeu que era melhor a sua vidinha luxuosa do que a que teríamos juntos?

—Não! Quer me deixar falar? – ele elevou a voz, claramente exasperado.

—Vá em frente, estou ansiosa pelas suas desculpas – respondi irônica.

—Não tem nenhuma desculpa, eu fiquei com medo, Tori! – eu não esperava por aquilo, de tudo que ele podia ter falado, aquela confissão não se encaixava.

—E você acha que eu não estava com medo? – desafiei.

—Você sempre conseguiu fazer tudo que tentou. As coisas não funcionam assim pra mim, eu fiquei com medo de não conseguir, de não saber viver sem ter alguém segurando a ponta da coleira.

—Tudo o que você queria era ir embora, ser livre, e agora me diz que ficou com medo?

—O medo não foi da liberdade, foi de não ser capaz de fazer nada por mim mesmo. Nunca tive que me preocupar com isso, Tori, você sabe. Antes de fugir, quando tinha sido a última vez que você se preocupou em como as roupas apareciam limpas, ou com contas que deviam ser pagas?

Meu silêncio já disse tudo.

—Meu medo era de ser o inútil que meu pai sempre falou que eu era – a amargura na voz dele me partiu o coração, o pai dele era o tipo de pessoa que deveria ser proibida de ter filhos, mas não foi o suficiente para aplacar a minha raiva.

—E ai você simplesmente resolveu desistir? Um telefonema teria sido ótimo!

—E o que eu diria? “Desculpa, Tori, mas eu sou covarde demais para ir”  - ele levantou, agora andando de um lado para o outro – eu tentei ligar, mas toda vez que eu discava o numero, acabava desistindo. Pensei em falar com você no dia seguinte, mas você não estava em lugar nenhum.

—O que você quer, Draco? Depois desse tempo todo você espera que eu simplesmente te perdoe?

—Não foi esse tempo todo, eu vim atrás de você alguns dias depois, quando percebi o que você tinha feito, desculpa se não sou um detetive bom o suficiente. Você não ficou no local combinado, se escondeu direitinho, e eu levei todo esse tempo te procurando - a explicação dele começou a fazer sentido, se uma maneira que eu não queria que fizesse, foram seis meses se agarrando à raiva e mágoa, era difícil querer deixá-las partir.

—Isso não importa mais…. o tempo que você levou para vir atrás de mim, nada disso importa. Tudo o que você tinha que ter feito era ficar, ficar do meu lado como sempre dissemos que seria, e nada disso teria acontecido - ele me olhou como se me visse pela primeira vez, e agora eu identificava sinais de derrota em sua postura.

De alguma forma aquilo me irritou mais ainda, correndo o risco de parecer mais contraditória do que era permitido a qualquer ser humano, me vi querendo que ele lutasse pelo que queria dessa vez, que precisava ver que ele se importava o suficiente para lutar por mim.

—Então agora é isso? Um erro e está tudo perdido? Nada mais tem significado? - a voz dele era quase um sussurro, e as minhas esperanças de que ele tomasse alguma atitude foram morrendo uma a uma.

—Não foi apenas um erro, Draco! - gritei, também levantando da cama, eu tinha cansado de bancar a controlada e ficar apenas escutando os argumentos que não iriam a lugar algum - Você me magoou, eu tive que continuar sozinha e…

—Mas eu também, vim! É isso que você tem que entender, eu vim! - ele deu um passo a frente, fazendo com que a nossa distância pudesse ser eliminada apenas com um esticar de braços, embora nenhum de nós tenha tentado - Quando caiu a ficha que você tinha seguido com o plano sozinha, eu percebi que o medo que eu tinha não era maior do que a vontade de estar ao seu lado.

—Eu não quero escutar mais! - chega, essa conversa tinha que terminar, eu não conseguia me achar no meio do turbilhão de sentimentos no meu peito.

Se por um lado a mágoa ainda gritava bem alto, por outro, eu entendia o tal medo do qual ele falava. Eu me dividia entre me agarrar a ele ou mandá-lo embora, as duas opções me parecendo certas e erradas ao mesmo tempo. Eu achei que ele tivesse finalmente desistido, o que tornaria tudo mais fácil para mim, tiraria a escolha das minhas mãos. Vi a pressão que ele fazia na mandíbula, sinal claro de que estava nervoso, as mãos em punho ao lado do corpo apenas confirmavam a cena. Respirei fundo e me preparei para sair de perto dele, abrir a porta e mandá-lo embora, porém ele se colocou na minha frente quando eu dei o primeiro passo.

—Eu fiquei seis meses te procurando, sabe o que é isso? Ir dormir e acordar pensando que eu tinha que te achar,... parando com qualquer vislumbre de um cabelo loiro. Eu não fazia ideia de como você estava, e isso me corroía por dentro.

—Se essa é a sua preocupação, estou muito bem, obrigada - rebati bruscamente.

—Esse sarcasmo todo não combina com você, Tori - ele franziu as sobrancelhas, tentando desvendar o mistério da pessoa a frente dele.

—Talvez não combinasse com a Astoria de seis meses atrás, mas com essa aqui combina. Não sou mais a mesma pessoa, tive tempo o suficiente para saber o que eu quero da vida e como eu quero, mudanças são inevitáveis.

—Ótimo, esse Draco também não é o mesmo.

—Você ainda me parece cada centímetro do medroso que eu deixei pra trás - as minhas palavras foram cruéis, mas a minha intenção era machucar, eu não me sentia disposta a deixar nada passar, e a raiva nos leva a falar coisas que nem pensamos, eu poderia até me arrepender mais tarde, mas naquele momento, o olhar ferido dele me causou um ataque de satisfação.

—Pois esse medroso tem uma casa, um trabalho e uma vida sozinho! E não precisei de ninguém segurando minha mão pra isso - ele cuspiu as palavras.

—Você quer que eu te parabenize por isso?

—Não estou pedindo a sua aprovação pra nada, só quero que você entenda que eu não simplesmente fiquei para trás, na vida da qual eu queria fugir. Juntei minhas coisas e fiz como você, em parte para te encontrar, mas em parte por mim mesmo. Demorei um tempo para conseguir um emprego, mas agora tudo está estabilizado e…

—Eu te dei dez minutos e você vai ficar me contanto as últimas fofocas da sua vida?

—Você é impossível quando quer! - ele virou de costas,bagunçando os cabelos sempre alinhados.

—Isso não mudou - sorri com escárnio, mesmo que ele não tivesse vendo.

—O que mudou então? Você não quer escutar da minha vida, então fala da sua - ele voltou a me encarar, parecendo ansioso por qualquer informação.

—A minha vida não te diz mais respeito - rebati, sem a mínima vontade de compartilhar tudo o que eu passei esses seis meses.  

—Até pra me dizer no que você trabalha vai ter briga? A nova Astoria não sabe manter uma conversa normal?

—O que? Você está me chamando de descontrolada? - como ele ousava vir até a minha casa e ainda me insultar?

—Você está colocando palavras na minha boca - ele assumiu um tom condescendente que terminou de me tirar do sério.

—Pois se você quer saber, eu trabalho para uma empresa de contabilidade grande, ganho um bom salário e conheci várias pessoas novas, amigos e… - dei uma pausa antes de emendar - outras coisas.

A cara dele se fechou num piscar de olhos, e eu fiquei satisfeita de ter conseguido exatamente a reação que eu queria. Eu só pensava em continuar atacando, causando machucados de qualquer maneira, e ciúme era uma arma eficaz.

—Ah, acho que agora estamos chegando em algum lugar! - os olhos dele faiscavam - então quer dizer que eu sou descartável assim?

—Quem está colocando palavras na boca de quem agora?

—Você acabou de afirmar, Astoria - o olhar dele era de acusação, o que me levou a um nível de raiva que eu nem sabia que existia.

—E o que você tem a ver com isso? Você me deixa plantada e acha que tem direito sobre qualquer coisa?

—Mas… - ele começou a argumentar, porém eu o impedi.

—Mas nada, seu lugar deixou de existir no dia que você desistiu de nós. Se você tivesse ficado ao meu lado, eu não teria motivos para ir atrás de outras pessoas - eu estava manipulando a realidade, pois não tinha havido ninguém, mas meu propósito ali não era ser sincera - agora por favor, saia - indiquei a porta, mas ele permaneceu no lugar.

—Nós ainda não terminamos de conversar.

—Não tenho mais nada a dizer, e seus dez minutos já terminaram - passei por ele e abri a porta.

—Você não pode simplesmente me mandar embora assim - ele estava incrédulo.

—Já estou mandando, anda.

—Não! Você tem que me escutar - vi uma nota de desespero em seus olhos, mas não me abalei.

—Se você não for, eu vou chamar a polícia, e não pense que eu não farei isso de verdade.

Ele arregalou os olhos, mas se rendeu. Assim que ele passou do batente, eu fechei a porta na cara dele num movimento brusco que liberou boa parte da minha raiva.

—Se você acha que eu vou embora está muito enganada! Não saio daqui até você me deixar entrar de novo - ele gritou.

—Faz o que você quiser, Draco. Eu não me importo mais.

Eu sabia que era um blefe, ele não ficaria ali por muito tempo, ainda mais com o tempo frio que estava fazendo. O corredor era aberto, ele não aguentaria. Sentei na cama contemplando que eu finalmente tinha me livrado dele, conseguido um sentimento de finalização, pois do jeito que as coisas ficaram eu não conseguia deixar de pensar nele. Eu tinha que acreditar que agora seria diferente, que eu seria capaz de expurga-lo de dentro de mim, mas se esse era o caso, então por que eu sentia meu coração apertado e os ramos de arrependimento germinando?

Aquela conversa me tirou o apetite, tudo o que eu queria era tomar um banho e cair no esquecimento do sono, portanto foi o que fiz. Infelizmente tem coisas que não são do jeito que queremos e uma hora rolando de um lado pro outro da cama, me indicou que eu não dormiria tão cedo. Todas as palavras que trocamos ecoavam na minha mente como um disco quebrado. Cada reprise deixando minhas certezas mais abaladas.

Se eu fosse mais sincera, admitira que o que mais tinha saído da minha boca eram mentiras. Menti ao dizer que tinha conhecido alguém, menti ao falar que não queira saber o que aconteceu e, principalmente, menti ao dizer que não me importava mais. Por mais que eu desejasse que fosse diferente, não existia uma chavinha que desligasse sentimentos, nem mesmo a minha mágoa conseguia eclipsar por completo a vontade que eu tinha de tê-lo ao meu lado. Muitas das coisas que eu falei foram da boca pra fora e agora no escuro da noite, eu sabia que se eu nunca mais o visse, metade da culpa era minha. Mas eu estava errada?

Eu não conseguia condenar meu sentimento de ultraje, de decepção pelo que ele fez, só não sabia quantificar até que ponto eu podia me colocar em cima de um pedestal por isso, e me recusar a escutá-lo e a perdoá-lo. Assim como ele, eu não era perfeita, todos cometemos erros, e não seriam os últimos, mas eu precisava que ele me mostrasse que era do meu lado que ele queria estar, e para não mais me abandonar. Fui dormir com um ligeiro temor de que eu tivesse matado qualquer chance de reconciliação entre nós, porém se ele desistisse, era resposta o suficiente para mim.

Acordei no dia seguinte com um gosto ruim na boca, resultado de palavras cheias de veneno, mas também das que eu me recusei a dizer. Com uma noite inteira para clarear as minhas ideias, era mais fácil ver tudo por uma perspectiva diferente. Eu sentia uma ansiedade, uma sensação de confusão por não ter certeza de nada. Porém já eram mais de oito horas da manhã de sábado e eu não ficaria enfurnada em casa remoendo ideias e sofrendo por não saber se eu veria novamente a pessoa que ainda rondava os meus sonhos.

Levantei da cama num pulo, quanto mais eu ficasse ali, menos vontade eu teria de sair, e o papel de mocinha sofredora não era para mim, não mais. Me arrumei distraidamente e peguei a minha bolsa para partir, a melhor estratégia seria ver a luz do dia tomando um belo café da manhã fora. Isso seria o suficiente para me lembrar de tudo o que conquistei sem precisar de Draco nenhum me amparando. Eu estava decidida, pronta para encarar o dia, no entanto, mais uma vez os meus planos saíram dos trilhos que eu havia construído em virtude da cena inusitada ao abrir a porta.

Onde eu era acostumada a encontrar apenas o tapete de entrada, agora havia a figura do meu tormento sentado com as costas apoiadas no batente, bloqueando a minha passagem. Dizer que eu não esperava por aquilo seria uma ótima maneira de subestimar sensações, eu estava quase em choque. Nunca me passou pela cabeça que ele pudesse fazer algo assim. A sensação, no entanto, foi efêmera, logo sendo substituída por irritação quando ele não deu sinal de me escutar chamando.

—Draco, levanta daí! - chamei de novo, dessa vez chacoalhando o ombro dele.

Ele se mexeu e eu pude, pela primeira vez, olhar o rosto dele, pronto: irritação deu lugar ao medo. Ele estava mais pálido do que o normal, os lábios roxos em virtude do frio que o casaco fino dele não conseguir espantar. Ele parecia estar quase congelando, e ao me abaixar e passar os dedos em sua bochecha eu apenas constatei que era verdade, ele estava muito gelado, cheguei a sentir que seus braços tremiam de leve ao tentar balançá-lo de novo.

—Draco, acorda! Você tem que sair daí - minha voz traiu o desespero que começou a surgir, eu precisava que ele reagisse, que estivesse bem depois de uma noite inteira só relento, enfrentando o vento frio que o corredor aberto não conseguia bloquear.

—Tá frio - ele resmungou com a voz rouca, ainda de olhos fechados, eu nem tinha certeza se ele havia acordado.

—Claro que está, seu cabeça oca, que ideia foi essa de passar a noite aqui?

—Eu falei que não ia embora - ele abriu os olhos e me encarou, ainda encolhido no chão - e você não acreditou - concluiu sentido.

—Claro que eu não acreditei! De todas as decisões ruins da sua vida, essa está bem perto do topo - fechei a cara, minha agonia por vê-lo daquele jeito se traduzindo em irritação.

Me dei conta de como aquilo estava parecendo, quando vi um sorrisinho surgindo no canto da boca dele.

—Para quem não se importa, você tem muito a dizer sobre o que eu faço.

—Não me importo! Só não quero ninguém morrendo na minha porta - tentei me defender, e levantei.

Como se para confirmar a minha birra, ele começou a tossir. Eu olhei para ele com cara de “eu não disse?”, mas por dentro já estava preocupada que ele tivesse ficado doente. Com alguma dificuldade ele se ergueu, e eu não fiz nenhuma menção de ajudá-lo a se levantar. Ele esfregou as mãos uma na outra, acabando por optar em colocá-las no bolso.

—Eu não vou morrer na sua porta, apenas estou cumprindo a minha promessa, só vou quando você me deixar entrar de novo e explicar tudo.

—Draco, eu já falei que não tem mais nada para dizer - de repente eu me senti cansada daquela batalha, mas não conseguia simplesmente dar o braço a torcer.

—Claro que tem! Você me acusou, e com razão, de não seguir a minha palavra antes, estou só te mostrando que agora é diferente.

—Ficar na minha porta não prova muita coisa - rebati dando de ombros, mas minha consciência gritava dizendo que eu era uma mentirosa, pois a primeira coisa que eu pensei ao vê-lo ali foi uma pontadinha de admiração por ele ter ficado.

—Você tem que me deixar provar então, Tori! Porque eu não quero ficar longe de você, já foram seis meses e isso é muito mais do que eu gostaria - ele tirou a mão do bolso e pegou a minha, seus dedos pareciam pedaços de gelo.

Ele ficou me encarando, com aqueles olhos azuis que eu tanto gostava,  toda a sinceridade e vulnerabilidade quase nunca refletidas ali, podiam ser vistas sem reservas. Aquilo minou o restante das minhas defesas, a vontade quase desesperada que ele tinha de se redimir, a determinação de ter ficado uma noite inteira passando frio, e o resultado nas mãos geladas junto com a tosse que ele tentava disfarçar, não consegui mandá-lo embora de novo, mas tampouco iria me jogar nos braços dele.

—Entra - falei seca, sem deixar transparecer o quanto a minha raiva já tinha arrefecido.

Ele fez como eu mandei, com passos pequenos e lentos, passou para dentro do meu quarto. Sem saber o que fazer, ele ficou parado no meio do quarto, esperando alguma indicação minha.

—Tá fazendo o que aí parado?- coloquei as mãos na cintura - vai logo pra debaixo das cobertas colocar uma cor nessa cara!

Apontei para a minha cama, e ele arregalou os olhos, claramente surpreendido pela minha reação. Novamente ele fez como eu mandei, tirou os sapatos e puxou as cobertas, vi o sorriso contido dele antes de deitar, e me apressei em dizer.

—Mas isso não significa nada além de que eu sou um ser humano com consciência.

Ele ficou calado, puxando as cobertas até o pescoço, percebi que ele ia dizer alguma coisa, mas foi interrompido por mais um acesso de tosse.

—Droga, você já deve estar doente - pensei em voz alta.

—Estou bem! - ele rebateu.

—Fica quieto que eu não te perguntei nada - olhei feio em sua direção antes de sair em direção ao banheiro.

Abri o pequeno armário que ficava debaixo da pia e passei o olhos pelos remédios que eu tinha ali até achar o mais adequado para a situação, enchi um copo com a água que ficava no frigobar e fui até o lado dele.

—Toma isso aqui, deve melhorar um pouco e impedir que você fique com febre - ele sentou e estendeu a mão onde eu derrubei o comprimido, passando o copo para a outra mão dele - e toma devagar porque a água está gelada.

—Obrigado.

Só de ficar alguns minutos dentro de um local aquecido, ele já tinha uma aparência mais viva do que quando o encontrei. Meu quarto não tinha muito espaço, e por me recusar a sentar na cama junto com ele, eu puxei uma cadeira e me acomodei ao lado.

—Você vai me escutar agora, Tori? - ele perguntou com cautela.

—Não.

—Mas…

—Esse remédio vai te dar sono - interrompi - até você acordar eu penso no assunto.

Ele se conformou com o meu veredicto, e realmente não demorou muito para o comprimido fazer efeito, menos de vinte minutos depois ele estava num sono profundo. Fiquei algum tempo observando o subir e descer do peito dele, me permitindo admitir o quanto eu tinha sentido saudade daquele rosto que dormindo parecia tão angelical. Eu devia ser mesmo uma idiota, cultivava raiva e ressentimento por tanto tempo, apenas para jogar os frutos fora com a primeira menção de que pudessem ser substituídos por outros. Mas meu coração apaixonado, porque era isso que ele ainda era, dava preferência por felicidade e amor.

—Astoria, sua frouxa! - murmurei entre os dentes.

Eu não ia ficar ali aguardando ele despertar, meu café da manhã foi interrompido, mas eu ainda precisava comer. Apostando que ele não notaria a minha ausência tão cedo peguei a chave e completei o caminho que era a minha intenção inicial. Tomei um bom tempo para comer, e fiquei zanzando um pouco depois, o que me trouxe de volta para o hotel, um pouco de mais de duas horas depois. Deixei na escrivaninha a comida que eu tinha comprado para ele, mais uma fraqueza de minha parte, e voltei para o único lugar que me restava: a cadeira.

Os minutos se passaram eu eu comecei a ficar inquieta, quando ele acordaria? Eu não tinha nada para fazer além de ficar encarando-o dormir, e isso não estava sendo nada bom. Acabei me afogando num poço de memórias que estavam tornando cada vez mais difícil permanecer brava. Meu cérebro parecia estar querendo me passar a perna e fez o favor de se focar em todos os momentos que me lembravam de porque eu tinha me apaixonado por ele pra começo de conversa. Desde a primeira vez em que nos falamos, até o dia em que eu tive certeza de que ele era uma pessoa melhor do que a maioria das pessoas achava. A saudade só foi aumentando. Saudade dos beijos e abraços, porém mais ainda das conversas, de ter uma pessoa que me entendesse ao lado.

Acabei não resistindo mais, levantei e me inclinei sobre a cama para acordá-lo pela segunda vez no dia. Mesmo com o remédio anuviando os sentidos, não foi tão difícil fazê-lo abrir os olhos.

—Já tenho que ir embora? Mas nós nem conversamos - ele resmungou ainda meio atordoado pelo sono.

—Eu falei que ia pensar, não falei? - ele assentiu, já mais desperto, provavelmente pelo interesse em saber a minha resposta - senta e come primeiro - eu coloquei a sacola com a comida que eu trouxe no colo dele, que comeu em silêncio sob a mira do meu olhar observador.

—Não quero mais - ele falou ao chegar a metade do lanche.

—Pode deixar aí do lado - ele juntou tudo na sacola novamente e colocou no criado mudo.

Sem dizer nada, ele ficou me encarando, esperando pela minha resolução.

—Eu pensei no assunto….

—E? - perguntou ansioso.

—E você tem mais dez minutos, mas é só isso, Draco - por mais que meu coração gritasse para eu dar um basta nessa situação, meu orgulho não deixava eu mudar de ideia tão facilmente.

—Tori - ele respirou fundo e sentou na beira da cama de frente para mim antes de continuar - eu sei que errei, fiz merda, não devia ter te deixado sozinha, mas eu não sou mais aquela pessoa! A nossa vida de antes não chega aos pés de poder ser livre. Eu sei que nossos pais viviam dizendo que estávamos juntos apenas para sermos contra os planos que eles já tinham escrito, mas nós sabemos que não é verdade, e se esses seis meses fizeram algo de bom, foi me mostrar que você é sem dúvidas a pessoa que eu quero ao meu lado.

—Draco… - comecei, porém as palavras morreram na minha garganta.

—Eu sei que não vai ser fácil me perdoar, Tori, mas eu estou pedindo uma chance.

—Não vai ser fácil? Que tal: vai ser muito difícil? - levantei a voz - como eu vou saber se daqui a mais seis meses, você não vai resolver me deixar em qualquer lugar de novo?

—Você está sendo injusta!

—Injusta? Eu estou sendo realista - eu não ia me deixar levar novamente sem ter toda a certeza do mundo.

—O que você quer que eu diga? Eu já pedi desculpas, já expliquei o que aconteceu e já disse que eu nunca mais farei isso! O que mais falta?

Foi minha vez de ficar em silêncio, não encontrando as palavras certas.

—Eu preciso dizer que te amo, Astoria? Isso você já sabe, mas se quiser eu falo de novo: eu te amo! - ele levantou, exasperado com o meu estado mudo - nunca vai ser o suficiente?

Meu coração batia acelerado, eu escutava as marteladas nos meus ouvidos e as preces no fundo da minha mente que me diziam para cessar essa luta interior. Fiquei paralisada e notei quando ele começou a sentir que a batalha estava sendo perdida para ele.

—Isso quer dizer que você não me ama mais? - a pergunta foi quase um sussurro - Olha nos meus olhos, Astoria e diz que não me ama mais, se você disser eu juro que vou embora e não te incomodo nunca mais, mas você tem que me dizer agora… - ele prendeu as minhas mãos nas dele, me puxando da cadeira e trazendo para perto, de alguma forma nossos olhares se misturaram de uma maneira na qual eu não conseguia desviar - Você ainda me ama?

—Eu… - tropecei nas palavras, o que eu queria era gritar bem alto que não, não amava mais e ele que fosse viver a vida dele de preferência longe da minha, mas a quem eu estava tentando enganar?

Ele se encorajou pela minha hesitação, subiu a mão pela minha cintura e encostou a testa dele na minha, nossas bocas agora a meros centímetros de distância.

—Diz, Tori… - a voz dele soou como um veludo nos meus ouvidos.

Eu era um caso perdido, não conseguiria mandá-lo embora, pois meu coração gritava que eu tinha uma nova chance de ter tudo o que eu queria, mas o medo agora era meu, porque eu precisava da certeza que eu já não tinha mais.

—Você vai ficar? - perguntei, a voz trêmula ao esperar a resposta.

—Você quer que eu fique? - eu assenti com um movimento quase imperceptível de cabeça, mas o sorriso tímido que surgiu no canto dos seus lábios me mostrou que ele entendeu a mensagem - então você sabe o que dizer…

—Claro que eu ainda te amo, seu idiota - não dei tempo nem para que ele registrasse direito as minhas palavras e grudei meus lábios ao dele.

Era como voltar para casa, a pressão dos dedos dele na minha nuca, o modo como meu corpo se moldava de encontro ao dele e o fôlego que faltava para acompanhar os nossos beijos. As carícias ficaram cada vez mais urgentes.

—Que saudade dessa boca - ele murmurou, mordendo de leve meu lábio e me arrancando um gemido.

Levei minhas mãos ao peito dele, empurrando-o para a cama onde ele caiu de costas. Ele se apoiou nos cotovelos, me olhando com os olhos faiscando de desejo enquanto eu desabotoava a minha blusa com lentidão calculada. Assim que eu me livrei da peça, jogando-a para o canto, eu subi na cama, me ajoelhando por cima dele. Sem demora, ele enlaçou a minha cintura, trazendo a minha boca de volta à dele. Seis meses de separação adicionaram uma urgência ao nosso encontro, antes desconhecida por nós. As peças de roupa restantes foram eliminadas sem pensarmos duas vezes, e em poucos minutos, eu sentia a pele dele se esfregando na minha, exatamente como eu queria.

Nossas mãos traçaram o contorno dos nossos corpos, se familiarizando uma vez mais com cada detalhe que já estava marcado em nossas memórias. Eu não sei como eu pude ter pensado que encontraria de repente outra pessoa que me fizesse sentir dessa mesma maneira, nada chegou sequer perto. Era o toque dele que me deixava sem fôlego, as palavras que ele sussurrava no meu ouvido que me arrepiavam, e a língua dele que fazia o meu mundo girar,  nada que eu fosse alcançar com outras mãos, outras vozes ou outras bocas.

Terminamos abraçados, braços e pernas enrolados, nos aconchegando debaixo das cobertas, não que algum de nós estivesse realmente com frio no momento. Ele me encarava sorrindo o sorriso que eu sabia ser só meu, os olhos cheios do amor que eu era acostumada a encontrar. Eu já estava rendida e espelhei a expressão dele. Minha vida estava no caminho que eu queria antes que ele voltasse, mas não dava para negar que tê-lo de novo ao meu lado, tingia as cores a minha volta de um tom mais vibrante.

—Tori? - ele quebrou o silêncio depois de algum tempo.

—Oi.

—Você me perdoou? De verdade? - vi que ele tentava esconder a insegurança.

—Você está perdoado - prendi o seu queixo em minhas mãos, aproximando as nossas bocas - mas que fique bem claro, que foi só dessa vez, se você aprontar outra, é melhor nem vir falar comigo! - esmaguei meus lábios nos dele, num selinho um tanto brusco, só para ratificar que eu não estava brincando.

—Não vai ter próxima vez - ele me assegurou com firmeza, enquanto passava a mão entre os meus cabelos.

—Me conta da sua vida - pedi, sem nenhum embaraço.

—Agora você quer saber, é? - zombou.

—Claro! Meu namorado não pode ter uma vida secreta por aí… - continuei no tom irônico, satisfeita por voltar a nossa maneira de ser, sem que as coisas ficassem estranhas.

—Olha, você está me pedindo em namoro?

—Não estou pedindo nada, mas se você não quiser - dei de ombros, sabendo que ele não dispensaria.

—Ei, quero sim, namorada! - a ênfase no nome me fez rir - saudade de te ver rir também - ele afundou o nariz no meu pescoço e eu fechei os olhos aproveitando o momento.

—Essa lista de saudades não acaba nunca.

—Não até eu ter eliminado todas, vou trabalhar com afinco - ele beijou meu pescoço antes de se ajeitar de novo ao meu lado.

—Mas não desconversa, relatório completo da sua vida, já!

—Sim senhora.

Passamos um bom tempo contando os detalhes dos nossos meses separados, desde como aprendemos a nos virar sozinhos, os nossos empregos, novos amigos. Cada novidade se tornava algo especial, pois para nós até o fato de termos ido ao banco pagar uma conta era algo inédito, principalmente por termos nosso próprio dinheiro. Nem de longe existia o luxo de antes, mas não era isso o que nos fazia feliz.

—Você falou sério quando disse que tinha saído com outras pessoas? - a pergunta surgiu do nada, e do jeito que ele me olhava eu via que ele estava temendo a resposta.

—Não - ele soltou um suspiro aliviado - até tentei, mas vamos dizer que não se encontra um Draco Malfoy todos os dias.

—Ótimo - agora ele estava triunfante.

—Mas não é pra ficar todo metido!

—Você pode ficar metida também, não encontrei nenhuma Astoria por essas bandas - meu coração se aqueceu com a afirmação, e ele ganhou mais um beijo demorado.

Passamos o resto do final de semana grudados matando toda a saudade que cresceu durante o tempo que passamos separados. Nós nos conhecíamos muito bem, então foi rápido adequar nossa visão para as pessoas ligeiramente diferentes que éramos agora. Rimos com gosto ao reimaginar as situações mais embaraçosas nas quais nos metemos devido a nossa completa ignorância de como uma vida “real” funcionava. Na segunda feira, ambos tínhamos que trabalhar cedo, mas nos separar não era algo que queríamos.

—Você podia vir comigo pra casa - ele ofereceu - esse era o plano desde o começo.

Franzi a sobrancelha, com cara de quem estava pensando profundamente no assunto, enquanto ele me olhava apreensivo.

—Você vai me dar o lado direito da cama? - só pela pergunta ele já sabia a minha resposta, e um sorriso satisfeito surgiu em seu rosto.

—Está lá a sua espera.

—Se é assim, eu vou.

Foi assim que as coisas caminharam por um bom tempo. Durante mais três meses, nós tivemos o gostinho de como vive um casal normal, que se ama, divide a vida e simplesmente é feliz. Entretanto, em algum lugar no fundo da nossa consciência, nós sabíamos que não duraria para sempre. Levar a vida usando nomes falsos, provavelmente não era algo que desse para fazer indefinidamente, não se realmente quiséssemos chegar a algum lugar, mas a gota d’água foi ver no jornal de alcance nacional, uma notícia sobre o nosso suposto “desaparecimento”. A mãe do Draco tinha dado um pronunciamento junto com o meu pai, pedindo qualquer tipo de informações sobre nós, inclusive oferecendo recompensa.

—Você também está se sentindo um cachorrinho perdido que o dono oferece dinheiro para devolverem? - ele destilava sarcasmo.

—Não fala assim, Draco. Você viu a cara deles? - minha mãe e o pai dele nem apareceram na reportagem, porém nossos outros pais estavam realmente abatidos.

—Vi - ele assentiu, se livrando da ironia e reconhecendo a situação que causamos.

—Eles devem estar doidos de preocupação… eu não deixei nem um bilhete, você deixou? - ele balançou a cabeça negando.

—Eu só pensei em fugir do meu pai quando fui embora.

—E eu da minha mãe - nós estávamos sentados no sofá, e o silêncio se abateu sobre nossas mentes que agora se sentiam culpadas.

—Não pensamos direito, Draco.

—Você acha que… - ele não terminou a frase.

—Que temos que voltar? - ele assentiu - acho, não vou deixar meu pai assim.

—Sinceramente eu não pensei que eles fossem ficar desse jeito.

—Estou me sentindo egoísta - a culpa me consumia.

—Quando voltamos?

—No final de semana, vamos acabar logo com isso - me virei de frente para ele - mas temos que colocar nossas condições agora, Draco. Nós vimos que podemos ter uma vida longe deles, então se eles não aceitarem o modo como queremos viver, nós damos meia volta e retornamos.

—Vai ser uma conversa divertida - ele sorriu maldoso.

—Principalmente se colocarmos os quatro na mesma sala.

—Adorei a ideia, já estou até vendo a sua mãe querendo pular no pescoço do meu pai - ele riu.

—E o meu pai se juntando a sua mãe para apartar a briga, vai ser um sucesso.

—Mas isso não importa, se eles entenderem ou não, o que importa é que ficaremos juntos mesmo assim - os olhos dele buscavam a minha confirmação.

—Sim, aconteça o que acontecer - concordei.

Nosso destino estava lançado, sabíamos que não seria fácil, principalmente tendo que enfrentar o veneno nas observações da minha mãe, e todo o gelo que era o tratamento do pai dele no que dizia respeito a tudo, principalmente a nós, mas não éramos mais pessoas que abaixariam a cabeça, passivamente acatando o que eles jogavam para cima de nós. Nós escapamos e descobrimos que somos capazes de muito mais do que até nós mesmo acreditávamos. Nós iríamos retornar, mas não mais viver a existência de antes, e se mudanças se provassem impossíveis traçaríamos o nosso próprio caminho.


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Notas finais do capítulo

E então o que acharam? Não deixem de me contar nos comentários se gostaram da história e como ficaram a Astoria e o Draco :)
E não esqueçam que esse projeto será com vários casais e outras autoras, então já cliquem na opção de acompanhar para não perderem as próximas postagens