Durante o Fim escrita por Van Vet


Capítulo 54
Décimo Segundo Dia - Hermione




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   Eles até iriam embora, afinal não se sentiam nada a vontade com aquele Smith, porém as máquinas chegaram, varreram a floresta que circundava a propriedade, queimaram todas as árvores e destruíram parte de cima da casa. Aquelas coisas de outro mundo procuravam humanos como tamanduás procuram formigas. Foi sorte, apesar de tudo, a família Weasley encontrar um abrigo no meio daquele inferno. Mesmo assim, passaram um dia inteiro sem dormir, Smith de tocaia na porta do porão, uma metralhadora nas mãos (Havia até isso no quarto daquele maluco?)  esperando o primeiro “homenzinho verde” descer para fuzilá-lo.

 

   Os Tripods partiram quase ao pôr do sol deixando um rastro de cinzas e fumaça terrível em todo o vale. Hermione respirou aliviada, estavam seguros… Mas não completamente…Aquele anfitrião, apesar de não se importar em abrigá-los, não lhe inspirava nenhuma confiança. Nas horas vagas - todas as horas - o homem ficava agarrado a sua bíblia de capa de couro preta lendo interminavelmente, em voz alta ainda, para enervar a todos, os versículos do livro de Apocalipse.  

 

    “ E todo aquele que não foi achado inscrito no livro da vida, foi lançado ao lago de fogo”... lia constantemente, passagens tenebrosas como aquelas olhando para as crianças, ainda por cima. Hugo ficara tão impressionado com alguns versos que começou a questionar a mãe sobre os eventos narradas no livro religioso. Seus filhos passavam provações suficientes para ter de suportar mais um temor em suas vidas. Ela teve de pedir para Rony conversar gentilmente com o sujeito, se era possível maneirar naquele falatório todo. E a resposta foi: estou ajudando a salvar a alma de vocês. Ponto final. A partir daí Hermione passou a olhar aquela boa alma cristã que os protegia debaixo do seu teto, cautelosa. Miséria, ética e moral deturpadas e agora fanatismo religiosos… Era a tríade do fim do mundo mesmo...

 

   Mas eles foram convivendo… Como ela sabia perfeitamente não tinha escolha. O lado positivo da estádia foi que a recuperação de Rony e dela estavam quase completas. Seu tornozelo doía apenas se o dobrava de mal jeito e as costelas do ruivo pareciam novas em folha. Como ele disse na floresta, dias atrás, eles eram invencíveis.

 

   O jantar havia sido servido por Smith, na noite do sexto dia deles debaixo do porão. Macarrão com molho de tomate pronto de novo. Ninguém podia reclamar… Não existia uma franquia do McDonald’s há poucos metros para diferenciar o cardápio. Rose e Hugo se comportavam magistralmente, afundando os garfos no prato e levando para a boca com cara de tédio. Talvez estivessem até dissociando a mente da comida para não enjoarem daquele repetitivo gosto. Foi então que o sossego da refeição silenciosa partilhada por todos - as crianças e os pais no sofá - o anfitrião se alimentando em pé, teve sua fatídica interrupção pelas desagradáveis palavras dele.

 

ー Honestamente, o Juízo Final estava passando da hora… Deveria ter se iniciado nos anos 30 quando aquele austríaco maluco começou a assassinar famílias inocentes por toda a Europa ー comentava para ninguém em especial. Rony olhou de esguelha para Hermione, estafado ーAcho que foi ele que deu largada ao relógio do Apocalipse, se pensarmos bem… Fazer experiências com crianças…

 

   Hermione suspirou pesadamente e se levantou. Já fazia toda a questão de se mostrar contrariada por aquele falatório idiota. Rony a acompanhou com o olhar enquanto ela pedia para Hugo deixar a refeição de lado e acompanhá-la. Também chamou Rose, mas a garota, muito sapiente, disse que estava tudo bem, um olhar de entendimento para a mãe, e iria terminar sua refeição tranquilamente.

 

    Mãe e filho se encaminharam para o quarto, Smith nada abalado pela retirada deles, e se sentaram sobre os colchões em que dormiam.

 

ー Você sabe que não deve dar ouvidos para aquele homem, não sabe? ー Hermione reforçou, encarando o filho atentamente.

 

ー Eu sei ー o menino confirmou brincando com os dedos.

 

   Ela passou a mão pelos bastos cabelos do pequeno e os sacudiu carinhosamente. Hugo ergueu o rosto e sorriu de um modo acanhado para a mãe. Seu menininho gracioso e compreensivo… Compreensivo até demais…

 

ー Por que nunca contou para a mamãe ou o papai que estava sendo maltratado na escola?

 

    Hermione esperou surpresa nos olhos deles, o que não veio. O garoto fitou-a com ponderação, entendimento e, por fim, tristeza. De repente uma tímida lágrima rolou do canto do seu olho para a bochecha rosada.

 

ー Eu não sei… ー disse antes de, definitivamente, abrir o berreiro.

 

   Comovida pelo desespero do caçula, ela se aproximou dele e o arrematou num delicado e seguro abraço. Hugo enfiou-se no meio dela como um filhotinho desamparado e demorou muito tempo para se acalmar.

 

ー A culpa é nossa, filho… Não sua. Jamais sua.

 

ー Eu… eu… eu tive vergonha ー ele lamentou, a voz abafada devido ao rosto estar socado entre as roupas dela. Roupas que haviam pertencido a mãe de Smith… A família toda havia adquirido a moda do anfitrião e do legado dos seus familiares, aliás, já que ninguém tinha uma peça de roupa extra.

 

ー Pois não precisava ー ela respondeu toda compreensiva ー Não mais. Quando tudo isso acabar e nossas vidas voltarem aos eixos, seremos uma família normal novamente… Aquela que conta tudo de ruim que passa em nossas vidas e nossos corações, sem nunca esconder nada.

 

    Hugo ergueu a cabeça, o rosto lavado pelo choro, muito vermelho, olhando para ela:  

ー Eu não quero que você e papai fiquem separados. Nunca. Nunca.

 

ー Essa é a sua exigência? ー ela perguntou para o pequeno, sorrindo de leve.

 

ーÉ a minha parte no acordo ー ele respondeu se endireitando e começando a limpar as lágrimas com as costas da mão ー Estou contando o que passa na minha cabeça…

 

ー Justo. E eu vou contar o que passa na minha… Na minha cabeça eu penso que jamais quero me separar do seu pai, quero que continuemos sendo uma família até ficarmos bem velhinhos. E no meu coração, no fundo dele, prometo proteger meu filhinho de qualquer perigo que vier… Seja um alien ou uma meia dúzia de garotos imbecis.

 

    Hugo sorriu, partindo do sofrimento extremo para uma risadinha sincera. Hermione franziu o cenho e perguntou:

 

ー Por que o riso?

 

ー É que eles são imbecis mesmo, mãe. E é engraçado te ouvir falando assim...


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