Durante o Fim escrita por Van Vet


Capítulo 46
Sétimo Dia - Hermione


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura, pessoal! :)



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    As luzes do galpão apagavam as onze horas da noite pontualmente. Hermione esperou a escuridão se assentar sobre o recinto e então fechou os olhos, pela terceira vez iniciando o ritual quase impossível de dormir tranquilamente. Eram dezenas de preocupações que passavam por sua cabeça. A lotação de seres humanos desconhecidos os cercando, a animosidade geral por não estarem confortáveis, o medo de que a base não fosse um local seguro, a ansiedade de que seus pais não estivessem bem… Era tanta coisa.

 

   Ela virou muitas vezes para os lados, para a esquerda e para direita, buscando o sono em vão, e num desses movimentos inquietos encontrou Rony a fitando silenciosamente do seu colchonete. Hugo estava entre eles, mas dormia profundamente da forma despreocupada que somente uma criança conseguia.

 

ー Eu estou acordado, pode dormir ー o ruivo sussurrou-lhe.

 

ー Não consigo… ー ela confessou em outro sussurro.

 

ー E o tornozelo? ー era a pergunta constante dele. Perguntava sobre seu estado de saúde uma dúzia de vezes por dia, ainda que costelas fraturas fossem um problema mais grave.

 

ー Melhor ー e estava mesmo. Os analgésicos e antiinflamatórios fizeram milagre na sua lesão e em breve apoiaria o pé completamente no chão evidenciando que, por sorte, nenhum osso fora fraturado ー E você?

 

ー Também…

 

ー O enfermeiro não passou para refazer sua atadura hoje ー lembrou-se subitamente falando um pouco mais alto.

 

  Hugo se remexeu no colchonete. Eles ficaram mudos e imóveis por um segundo para que o garoto não acordasse desnecessariamente.

 

ー Estou ótimo… ー Rony voltou a assegurar aos murmúrios.  

 

ー Isso tem que ser feito todas as noites ー Hermione se apoiou nos cotovelos e começou a se levantar cautelosa ー Eu vou passar a faixa no seu corpo, vem.

 

ー Mione… ー ele persistiu.

 

   Ela, entretanto, terminou de se levantar e, contornando os filhos adormecidos com precisão para não incomodá-los, curvou-se sobre o ruivo para puxá-lo do colchonete. Reclamando, ele levantou-se também para segui-la em direção ao refeitório. Aquele ambiente ficava na penumbra deserta durante a madrugada, mas era o local mais tranquilo da noite no abrigo. Ao menos por enquanto.

 

    O casal sentou-se no banco comprido ao lado de uma das mesas e Hermione pediu para que Rony tirasse a camiseta. Contrariado por estar ali devido a insistência dela, ele obedeceu, revelando ataduras dispostas frouxamente ao redor de suas costelas. Os dedos da morena tocaram nas suas costas iniciando o paciente trabalho de retirar e recolocar o curativo mais apertado. Enquanto executava aquela tarefa, ela não era capaz de se recordar quanto tempo fazia que não encostava no corpo dele.

 

ー Será que um dia vamos voltar para casa? ー o questionou pensativa, enrolando a atadura com os dedos ágeis.

 

ー Claro… Só gostaria de saber em que estado vamos encontrá-la.

 

ー Seu pai costuma guardar os negativos das fotografias que registra ao longo dos anos?

 

  Rony fitou-a curioso.

 

ー Que pergunta é essa?

 

ー Nada… ー ela deu de ombros, mas logo decidiu falar ー Sabe a nossa foto da formatura, aquela que ficava na cômoda do quarto, que seu pai tirou há mil anos?

 

ー Aquela que eu tô com o cabelo horrível? ー ele riu.

 

ー Você não estava com o cabelo horrível ーela teve de discordar.

 

ー Como não? Eu parecia estar levando uma raposa do ártico na cabeça… Naquela época meu cabelo fazia um tufo bem escroto perto da franja ー Rony rebateu, saudosista.

 

    Hermione terminou de retirar a faixa do corpo dele e partiu para a etapa de enrolar novamente. A pele próxima dos ossos quebrados estavam com uma coloração muito otimista se comparado aos dias anteriores. Ele vinha cicatrizando bem.

 

ー Quem dizia esse tipo de besteira eram seus irmãos mais velhos, para te provocar, eu lembro bem ー passou a primeira volta no tórax dele ー Eu gostava muito. Sempre fui suspeita para falar desse seu cabelo, aliás… ー ela sorriu mirando-o de esgueira.

 

   Ele a observou, cauteloso.

 

ー E o que tem essa foto? Onde meu pai entra com os negativos?

 

ー Há grandes chances dela ter sido destruída. Pelo que me recordo, nossa casa desmoronou bem diante dos nossos olhos.

 

  Eles ficaram quietos por alguns segundos. Ela trabalhando no curativo, ele de braços erguidos, absorto, provavelmente no dia fatídico. Após um longo suspiro, Rony pareceu se recuperar daquela memória desoladora e disse:

 

ー Qual o seu lance com o meu cabelo, afinal? ー a questão era direta e merecia nada além do que uma resposta a altura.

 

   A morena terminou seu trabalho, amarrou a ponta da faixa para não deslizar e respondeu contundente, encarando-o:

 

ー Eu amo ele.

 

  Rony abriu e fechou a boca, atônito. Abaixou a camiseta, divagando no que ela disse, enquanto Hermione tinha certeza de que suas palavras estavam cada vez mais sinceras e reais. Não era assim que um casal se reencontrava? Exaltando  qualidades e deixando o irrelevante, os defeitos, para trás? Ela amava tantas coisas nele… E vinha pensando nelas desde que aquele pesadelo profético a assolou em meio a febre alta.

 

ー Acredite ou não… estou ficando sem graça ー ele enfim, comentou ー Estou desacostumado com seus elogios.

 

ー Eu concordo… Sinto falta dos seus.

 

ー Quer ouvir algum então?

 

 Ela anuiu, pressurosa. Que tipo de coisa boa ele tinha para lhe falar depois dela dizer coisas tão terríveis para ele nos últimos meses? Nos últimos anos...

 

ー Se eu falar algo vou acabar te beijando, Mione.

 

ー Você ainda me suporta a esse ponto?

 

ー Eu tô tentando me segurar ー Rony reforçou, se curvando para ela.


ー Eu não quero que você se segure, Ron ー afirmou, vencendo o pequeno caminho entre seus rostos e alcançando-o nos lábios.


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