Rose voltou a engolir a raiva, não havia mais brechas para seus surtos particulares ali. Ela, entretanto, estava livre para sentir o que quisesse em seu âmago, e o que a adolescente sentia era raiva. Isso e um pouquinho de vontade de chorar.  Ela tomou a maior distância que conseguiu da sua patética família, o que não era muito já que a mãe toda hora diminuía o passo para manter a garota sob suas vistas.  

  Era insuportável olhar para aqueles dois, o pai e a mãe, após os terríveis acontecimentos. Eles não conseguiriam nunca! Havia uma força que atraía Rony e Hermione para as brigas, e cada novo recomeço se seguia de uma tempestade. Honestamente, Rose não entendia todos os argumentos que os dois jogaram um na cara do outro dentro daquela lanchonete. Dava dor de cabeça pensar.

    Pela primeira vez, a garota assumia para si, humildemente, que pouco entendia e menos ainda gostaria de entender do mundo dos adultos. Eles eram um inferno… E porque casaram para viverem assim?

   Ela olhou de esgueira de Hermione para Rony, e percebeu a postura rígida, nada receptiva dos dois. Eles iriam se trancar em seus mundos, não ineditamente, e praticariam a arte de se ignorarem mutuamente. Desta vez, quem sabe, para sempre…

   Enquanto avançava pela relva com os demais, debaixo do céu garoento, madrugada adentro, a menina ruiva se recordou de uma lembrança. Era algo recente, aconteceu há uma semana, e foi o motivador para ela ficar aborrecida com Rony até o dia da viagem.

     No começo da madrugada de sábado, ao iniciar uma partida online com Scorpions no vídeo-game, a garota sentiu fome. Havia salgadinhos e refrigerante esperando por ela no andar debaixo, mas havia também o medo de ser descoberta, jogando até tarde, pela mãe, e levar um sermão por isso.

   Ainda sim, Rose preferiu arriscar. Ela pediu para o namorado aguardar, pausou seu jogo e mutou o microfone caso o plano falhasse e Hermione viesse lhe dar bronca. Pelo menos o namorado não escutaria a humilhante degradação do seu ser.

  Abrindo a porta do quarto, escapuliu para o corredor silencioso e escuro, e começou a descer as escadas para o térreo vagarosamente quando escutou um burburinho vindo do quarto dos pais:

ー E se as coisas terminarem de outra forma…? Essa terapia não está dando jeito como eu pensei… ー  escutou a mãe dizer com a voz mais amarga do mundo.

ー Vou indo dormir no sofá então ー  Rony suspirou e o barulho das molas do colchão o acompanharam, ele estava saindo da cama.

   Rose olhou para o seu quarto tencionando retornar antes que eles a flagrasse escutando às escondidas, mas ouviu a conversa prosseguir:

ー  Vamos torcer para que essa viagem nos ajude ー  Hermione argumentou angustiada.

ー  E se não adiantar? ー  ele perguntou baixinho ー  E se a escolha final tiver de ser tomada?

  Silêncio. Então a mãe respondeu.

ー  Eu quero ficar com as crianças.

   A garota sentiu um aperto na garganta. O diálogo estava na metade, repleto de ponderações, mas infelizmente ela já tinha clareza absoluta do seu conteúdo.

ー  Eles são meus filhos também.

ー  Eu sei… ー  Hermione estava chorando ー  Mas, Ron, se isso acontecer você sabe... Eles são tudo pra mim. Me promete, me promete...

  Uma puxada de ar mais longa, mais silêncio, e o pai dizendo:

ー Eu prometo… ー  ele concordou num murmúrio rouco.

   Rose viu a maçaneta da porta do casal se mexendo e entrou no banheiro rapidamente, o cômodo mais próximo, já que não daria tempo de se esconder no seu quarto. Observando pela fresta, acompanhou Rony sair do quarto, travesseiro debaixo do braço, cabisbaixo. A escuridão do corredor não deixava ela enxergar o rosto dele, mas foi melhor assim. Se ela visse seus olhos corria o risco de ficar com mais raiva ainda.

      Então era desse jeito, com meia dúzia de palavras e uma ligeira concordância que o pai abria mão deles se o divórcio acontecesse. Ele, que dizia que Rose era a sua menininha, que ele jamais desgrudaria, que ficaria ao seu lado em todos os momento…

  “Até no seu casamento, e eu vou me mudar para sua casa nova e espiar se o cara que você escolherá para viver junto está sendo bom com a minha filha”, ele brincou certa vez.  Ao ouvir isso ela fez a maior careta e respondeu que esse dia jamais chegaria.  

   Tudo aquilo eram somente palavras. Em breve eles teriam de se acostumar a serem três naquela casa e Rony passaria a ser apenas a visita que vem buscar para tomar um sorvete a cada quinze dias.

    Ele desistia fácil, porque não se importava… A adolescente pensou, ressentida…

    Rose pisou numa poça de lama e isso fez com que ela retornasse ao presente. Irritada com sua sorte, xingou baixinho.

ー Machucou o tornozelo? ー Hermione quis saber, toda preocupada.

ー Eu estou bem ー a garota resmungou, dando de ombros e voltando a caminhar carrancuda.